TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DA PARAÍBA

 

 


RECURSO ELEITORAL (11548) - 0600080-39.2024.6.15.0068 - Cajazeiras - PARAÍBA

RELATOR: BRUNO TEIXEIRA DE PAIVA

RECORRENTE: PROMOTOR ELEITORAL DO ESTADO DA PARAÍBA, PT DO B CAJAZEIRAS/PB, PARTIDO PROGRESSISTA - COMISSAO PROVISORIA - MUNICIPAL, PARA A MUDANÇA CONTINUAR[PP / MDB / PL / UNIÃO / PSD / AVANTE / SOLIDARIEDADE / FEDERAÇÃO PSDB CIDADANIA(PSDB/CIDADANIA)] - CAJAZEIRAS - PB, MARIA DO SOCORRO DELFINO PEREIRA

Advogado do(a) RECORRENTE: HUMBERTO LUCAS JUREMA FURTADO ALVES - PB33071
Advogados do(a) RECORRENTE: FERNANDA VERENA AGUIAR VIEIRA - PA24959, RODRIGO DA SILVA PEDREIRA - DF29627-A, GABRIELA GONÇALVES ROLLEMBERG - DF25157-A, EDNELTON HELEJONE BENTO PEREIRA - PB13523-A
Advogados do(a) RECORRENTE: LUCIANO ALENCAR DE BRITO PEREIRA - PB19380, DAVI TAVARES VIANA - PB14644, ANA CAROLINA PEREIRA TAVARES VIANA - PB14643, FERNANDA VERENA AGUIAR VIEIRA - PA24959, RODRIGO DA SILVA PEDREIRA - DF29627-A, GABRIELA GONÇALVES ROLLEMBERG - DF25157-A, EDNELTON HELEJONE BENTO PEREIRA - PB13523-A
Advogados do(a) RECORRENTE: FERNANDA VERENA AGUIAR VIEIRA - PA24959, RODRIGO DA SILVA PEDREIRA - DF29627-A, GABRIELA GONÇALVES ROLLEMBERG - DF25157-A, EDNELTON HELEJONE BENTO PEREIRA - PB13523-A

 

RECORRIDO: FRANCISCO MENDES CAMPOS

Advogados do(a) RECORRIDO: GENESIS JACOME VIEIRA CAVALCANTI - PB21239, FELIPE GOMES DE MEDEIROS - PB20227-A, ANNIBAL PEIXOTO NETO - PB10715, JONAS BRAULIO DE CARVALHO ROLIM - PB16795, JOAO DE DEUS QUIRINO FILHO - PB10520, NEWTON NOBEL SOBREIRA VITA - PB10204-A, LUIZ FILIPE FERNANDES CARNEIRO DA CUNHA - PB19631-A, FABIOLA MARQUES MONTEIRO - PB13099-A, VANINA CARNEIRO DA CUNHA MODESTO COUTINHO - PB10737-A, WALTER DE AGRA JUNIOR - PB8682, SOLON HENRIQUES DE SA E BENEVIDES - PB3728, ARTHUR MONTEIRO LINS FIALHO - PB13264
 

RECURSOS ELEITORAIS. ELEIÇÕES 2024. REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO PREFEITO. PRETENSO CANDIDATO REELEITO NAS ELEIÇÕES DE 2020 PARA O CARGO DE PREFEITO E ELEITO PARA O CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL NO PLEITO DE 2022. POSTULANTE AO CARGO DE PREFEITO EM MUNICÍPIO DIVERSO PARA O QUAL FOI REELEITO. TERCEIRO MANDATO. IMPOSSIBILIDADE. PROVIMENTO DOS RECURSOS. INDEFERIMENTO DO REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA, EM HARMONIA COM A MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL.

1. A interpretação do instituto da reeleição deve considerar tanto o princípio da continuidade administrativa quanto o princípio republicano, que proíbe a perpetuação de uma pessoa ou grupo no poder. Esse entendimento impede que um cidadão, após exercer dois mandatos consecutivos como prefeito em um município, se candidate ao mesmo cargo em qualquer outro município, evitando a figura do "prefeito itinerante" e garantindo a alternância no exercício do poder conforme o art. 14, § 5º, da Constituição. Precedente do STF.

2. Consulta formulada perante o Tribunal Superior Eleitoral, com o seguinte questionamento: “Pessoa que no curso do segundo mandato de Prefeito(a) se desincompatibiliza para concorrer à eleição proporcional estadual ou federal (âmbito federativo superior) e se elege, rompendo completamente o vínculo jurídico o cargo de Chefe do Executivo e com o município em que exercido o cargo de Prefeito(a) após tomar posse como Deputado(a) Estadual ou Federal, pode, após 18 meses de exercício em caráter definitivo da função parlamentar, candidatar-se à Chefia do Executivo em Município diverso daquele em que já foi Prefeito. Consulta conhecida e respondida negativamente. (CONSULTA nº 060070452, Acórdão, Min. André Ramos Tavares, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 23/08/2024).

3. De acordo com o disposto no art. 30 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB), as respostas a consultas possuem caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão.

4. As Consultas respondidas pelo Tribunal Superior Eleitoral possuem caráter vinculante, nos termos do art. 30 da LINDB. Precedente.

5. Diante da impossibilidade de se admitir o exercício do terceiro mandato ao cargo de prefeito, em períodos subsequentes, ainda que em municípios diversos, o provimento do recurso para indeferir o requerimento de registro de candidatura do recorrido, é medida que se impõe.

6. Recursos conhecidos e providos, em harmonia com a manifestação Ministerial.


ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, em proferir a seguinte DECISÃO: RECURSOS PROVIDOS, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, EM HARMONIA COM O PARECER MINISTERIAL. DECISÃO UNÂNIME. ABSTEVE-SE DE VOTAR O DR. FÁBIO LEANDRO DE ALENCAR CUNHA, POR RAZÕES EXPOSTAS EM SESSÃO, REGISTRADAS EM NOTAS TAQUIGRÁFICAS. ACÓRDÃO LIDO E PUBLICADO EM SESSÃO.

 

João Pessoa, 09/09/2024

 

 

BRUNO TEIXEIRA DE PAIVA

RELATOR

 

RELATÓRIO


 

Tratam os autos de RECURSOS ELEITORAIS interpostos por: (1) MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, (2) COLIGAÇÃO “PARA A MUDANÇA CONTINUAR” (PP, PSD, UNIÃO BRASIL, MDB, FEDERAÇÃO PSDB/CIDADANIA, PL, SOLIDARIEDADE e AVANTE), MARIA DO SOCORRO DELFINO PEREIRA e PARTIDO PROGRESSISTAS DE CAJAZEIRAS, e (3) DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO AVANTE DE CAJAZEIRAS-PB, contra a sentença (ID 16156596) proferida pelo Juízo da 68ª Zona Eleitoral (Cajazeiras-PB), que julgou improcedentes os pedidos formulados em suas respectivas impugnações (IDs 16156545, 16156555 e 16156550) e deferiu o requerimento de registro de candidatura de FRANCISCO MENDES CAMPOS, para concorrer ao cargo de Prefeito do Município de Cajazeiras-PB nas eleições de 2024.

Em suas razões recursais (ID 16156600), o Ministério Público Eleitoral alegou, no que mais importa, que:

a) o recorrido, Francisco Mendes Campos, foi prefeito constitucional do Município de São José de Piranhas-PB nos períodos de 01/01/2017 a 31/12/2020 (1º mandato) e de 01/01/2021 a 02/04/2022 (2º mandato), quando então se desincompatibilizou do cargo de Prefeito para candidatar-se ao cargo de Deputado Estadual da Paraíba, tendo obtido êxito e exercido mencionada função até a presente data; b) o recorrido apresentou requerimento de registro de candidatura ao cargo de Prefeito de Cajazeiras, município limítrofe ao Município de São José de Piranhas, a ensejar a ocorrência de um terceiro mandato; c) em sede de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal fixou a Tese n.º 564, segundo a qual “[o] art. 14, § 5º, da Constituição deve ser interpretado no sentido de que a proibição da segunda reeleição é absoluta e torna inelegível para determinado cargo de Chefe do Poder Executivo o cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos (reeleito uma única vez) em cargo da mesma natureza, ainda que em ente da Federação diverso”. d) no tocante ao recorrido, em nenhum momento ocorreu o rompimento dos exercícios de mandatos eletivos, pois o afastamento do cargo de Prefeito de São José de Piranhas, em 2022, ocorreu em razão de desincompatibilização para fins de concorrer ao cargo de Deputado Estadual da Paraíba, cargo ocupado pelo recorrido até a presente data; e) embora a sentença proferida nestes autos indique que as consultas formuladas ao Tribunal Superior Eleitoral não possuem efeito vinculante, não se pode negar sua natureza orientadora em relação às instâncias inferiores; f) em Consulta formulada nos autos do Processo n.º 0600704-52.2023.6.00.0000, o c. TSE, em 18/06/2024, respondeu negativamente à seguinte indagação: “Pessoa que, no curso do segundo mandato de prefeito(a), se desincompatibiliza para concorrer à eleição proporcional estadual ou federal (âmbito federativo superior) e se elege, rompendo completamente o vínculo jurídico o cargo de chefe do Executivo e com o município em que exerceu o cargo de prefeito(a) após tomar posse como deputado(a) estadual ou federal, pode, após 18 meses de exercício em caráter definitivo da função parlamentar, candidatar-se à chefia do Executivo em município diversamente daquele que já foi prefeito?”; g) o recorrido assumiu o segundo mandato no cargo de Prefeito de São José de Piranhas em 2021, cargo que estaria ocupando até hoje se não tivesse se desincompatibilizado para concorrer as eleições gerais em 2022, ao cargo de Deputado de Estadual; h) a mudança do domicílio eleitoral de Francisco Mendes Campos para fins de concorrer ao cargo de Chefe do Poder Executivo Municipal de Cajazeiras configura hipótese de “prefeito itinerante”, conduta esta vedada no nosso Ordenamento; i) diante da clara situação de inelegibilidade constitucional, por violação ao disposto no art. 14, § 5º, da Constituição Federal, deve-se indeferir a candidatura de Francisco Mendes Campos.

Por sua vez, em seu recurso (ID 16156603), a COLIGAÇÃO “PARA A MUDANÇA CONTINUAR” (PP, PSD, UNIÃO BRASIL, MDB, FEDERAÇÃO PSDB/CIDADANIA, PL, SOLIDARIEDADE e AVANTE), MARIA DO SOCORRO DELFINO PEREIRA e PARTIDO PROGRESSISTAS DE CAJAZEIRAS, aduziram, em síntese, o seguinte:

a) o recorrido exerceu dois mandatos consecutivos como Prefeito de São José de Piranhas/PB, no período de 2017 a 2020 e de 2021 a 2022; b) o impugnado, ora recorrido, renunciou ao seu segundo mandato em razão da desincompatibilização para concorrer ao cargo de Deputado Estadual nas eleições de 2022, para qual foi eleito, e, após 18 meses de exercício da função parlamentar, busca candidatar-se novamente ao cargo de prefeito pela terceira vez consecutiva; c) há, no caso em análise, tentativa de burlar a vedação ao terceiro mandato para um mesmo cargo, visto que se compreende como fraudulenta a transferência de domicílio eleitoral de um para outro município, porque feita com intenção de ilidir a incidência do § 5º do art. 14 da CF; d) é inequívoca a caracterização da prática denominada de “prefeito itinerante” ou “prefeito profissional”; e) o entendimento firmado na doutrina e na jurisprudência é o de que o art. 14, § 5º, da CF, não autoriza a assunção de um terceiro mandato subsequente de Chefe do Executivo, mesmo que em outro município; f) o Município de Cajazeiras (63.239 habitantes) é vizinho limítrofe de São José de Piranhas (19.067 habitantes5), localizado a apenas 27 km de distância um do outro; g) o exercício de dois mandatos consecutivos no cargo de prefeito torna o candidato inelegível para o mesmo cargo, ainda que em município diverso; h) o STF, no Tema da Repercussão Geral n.º 564, confirmou a impossibilidade de terceiro mandato para o cargo de chefia do poder executivo, mesmo que em município diverso do originário; i) embora a sentença recorrida tenha manifestado o entendimento de que o caso em análise se distingue do Tema 564 do STF em razão da existência de interrupção significativa entre os mandatos executivos, com a assunção de um cargo legislativo, cabe dizer que, para o STF, o instituto da reeleição se fundamenta não somente no postulado da continuidade administrativa, mas também no princípio republicano, que impede a perpetuação de uma mesma pessoa ou grupo familiar no poder; j) o afastamento do cargo de prefeito de São José de Piranhas em 2022 se deu por vontade deliberada do candidato ora recorrido, em virtude da desincompatibilização, mas o ato de desincompatibilização, operado nos termos do art. 14, § 6º, da CF, não tem o condão de afastar a proibição à terceira pretensa reeleição, tenha o afastamento sido efetivado no final do segundo mandato ou em meados deste; k) caso o ora recorrido tivesse renunciado ao cargo por qualquer outra razão, e não estivesse no exercício do mandato legislativo, ainda assim estaria inelegível nesta eleição para o cargo de Prefeito de qualquer município; l) o exercício temporário do mandato também gera titularidade para os fins do artigo 14, § 5º, da CF, ao contrário do que consta da sentença recorrida, conforme precedentes do c. TSE e do c. STF; m) a Consulta nº 0600442-05.2023.6.00.0000, em que teria se baseado a sentença quanto ao fundamento de que a interrupção de um segundo mandato e a subsequente eleição para deputado estadual afastaria a continuidade administrativa do exercício do poder executivo e, portanto, a incidência da inelegibilidade, não corresponde aos fatos apresentados nestes autos; n) a sentença recorrida desconsiderou o entendimento do TSE firmado nos autos da Consulta n.º 0600704-52.2023.6.00.0000, em que aquela Corte respondeu negativamente à seguinte indagação: “Pessoa que, no curso do segundo mandato de prefeito(a), se desincompatibiliza para concorrer à eleição proporcional estadual ou federal (âmbito federativo superior) e se elege, rompendo completamente o vínculo jurídico o cargo de chefe do Executivo e com o município em que exerceu o cargo de prefeito(a) após tomar posse como deputado(a) estadual ou federal, pode, após 18 meses de exercício em caráter definitivo da função parlamentar, candidatar-se à chefia do Executivo em município diversamente daquele que já foi prefeito?”; o) embora o Juízo a quo tenha entendido que, conforme decisão proferida nos autos do Recurso Extraordinário nº 366488, julgado em 2005, “o exercício do cargo por sucessão não conta como um novo mandato”, tal decisão não revela qualquer similitude com o processo em análise; p) o Juízo Eleitoral da 68ª ZE, ao não considerar a configuração da figura da fraude do “prefeito itinerante”, divergiu ainda da interpretação do c. Tribunal Superior Eleitoral, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 32.507/AL; q) também não há similitude entre o presente caso e o objeto do AgR-REspe nº 0600067-94, de relatoria do Min. Edson Fachin, mencionado na sentença recorrida.

O DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO AVANTE DE CAJAZEIRAS-PB, de modo similar, alegou o seguinte em suas razões recursais (ID 16156608):

a) o art. 14, § 5º, da CF/88 estabelece que são inelegíveis, os candidatos aos cargos majoritários que tenham exercido dois mandatos consecutivos e registrem pedido para concorrer a um terceiro mandato, ainda que em Município diverso daquele que tenha sido Chefe do Poder Executivo, como é o caso em questão; b) o Supremo Tribunal Federal, tendo fixado a tese n.º 564, é claro ao expor a proibição absoluta de segunda reeleição, inexistindo exceção e, consequentemente, análise aos fatos de cada caso; c) a decisão recorrida trouxe à baila entendimento jurisprudencial referente ao tema de repercussão geral n.º 1.229 do Supremo Tribunal Federal, contudo, o referido tema não se aplica ao caso em análise; d) o recorrido foi Prefeito do Município de São José de Piranhas em 2017 até 2020, tendo sido reeleito para ocupar o cargo em 2021 até 2024; e) a fim de concorrer ao cargo de Deputado Estadual da Paraíba, o recorrido se desincompatibilizou do cargo de Prefeito, em 2022, tendo obtido êxito e exercido mencionada função até a presente data; f) o recorrido não pode disputar, nas eleições de 2024, o cargo de Chefe do Poder Executivo Municipal, visto que a desincompatibilização para candidatura ao cargo de deputado não causa ruptura na relação jurídica, ensejando, desse modo, uma tentativa clara de um terceiro mandato.

O recorrido, FRANCISCO MENDES CAMPOS, em suas contrarrazões (ID 16156612), alegou, no que mais importa, que: a) as regras que preveem a inelegibilidade não podem sofrer alargamento por meio de interpretação extensiva, sob pena de obstruir o direito constitucional de ser candidato; b) o exercício de mandato desde 2022 como Deputado Estadual afasta a possibilidade de exercício de um terceiro mandato seguido de cargo da mesma natureza, devendo-se contabilizar o mandato no legislativo para fins de quebra da consecutividade; c) o mandato de Prefeito de São José de Piranhas foi interrompido não apenas pela renúncia, mas sobretudo pelo exercício por mais de 02 anos do mandato de Deputado Estadual; d) o tema 564 editado pelo STF visou coibir a prática da desincompatibilização no prazo limite do término de um segundo mandato de Prefeito para, logo em seguida, se concorrer ao cargo de Prefeito em outro Município, o que caracteriza a figura do prefeito itinerante. Portanto, tem-se situação fática a ensejar a não aplicação do Tema 564 do STF diante do distinguish realizado pela quebra da consecutividade; e) a Consulta respondida pelo TSE não possui efeito vinculante nem natureza jurisdicional, tratando-se de julgamento abstrato em casos em tese, ante a possibilidade de modificação de entendimento face às circunstâncias fáticas de um caso concreto; f) o presente caso não possui nenhum outro caso similar julgado em qualquer dos Estados da Federação ou no Tribunal Superior Eleitoral, sendo o caso primeiro e pioneiro em que se construirá o entendimento legal e jurisprudencial; g) o Ministro Nunes Marques, no julgamento da Consulta nº 0600704-52.2023.6.00.0000, ressaltou o seguinte: “para uma votação de deputado estadual e, principalmente, deputado federal, os votos vão além dos umbrais, além dos limites daquele município. Ele é, ele obtém uma votação em vários outros municípios. Diante disso, ele já se legitima a concorrer em qualquer outro município, especialmente nos que ele foi votado. Segundo, ele vai exercer um cargo no Legislativo. Automaticamente, ele sai da seara do Executivo, ele se desliga de toda uma pleura de normas que rege a vida política dele, inclusive a elegibilidade, e passa a ser regido por um outro regramento jurídico que abrange os proporcionais. Então, há uma ruptura. Há uma ruptura, penso eu, nessa sequência de candidaturas. Ele foi prefeito duas vezes, ele desincompatibilizou, ele mudou de poder e ele, agora, volta. Veja que isso não é fácil de fazer.” (destaque no original); h) houve a ruptura legítima da consecutividade dos mandatos ante o exercício de mandato em outro poder; i) o julgamento de consulta eleitoral pelo Tribunal Superior Eleitoral não possui efeito vinculante, tratando-se de julgamento em abstrato que naturalmente pode ser revisto quando da análise de um caso concreto; j) o resultado da Consulta 0600704-52.2023.6.00.0000 não possui natureza jurisdicional, devendo a condição do defendente ser analisada sob a ótica do caso concreto e não em abstrato, ainda mais quando devidamente comprovado que não existe possibilidade do mandato encerrado em 2022 influenciar no pleito de 2024.

Requereu, ao final, o desprovimento do recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou (ID 16160129) pelo conhecimento e provimento do recurso.

Em mesa para julgamento.

É o breve relatório.

VOTO

 

O cerne da questão controvertido no presente feito consiste em saber se o recorrido, FRANCISCO MENDES CAMPOS, reeleito nas eleições de 2020 para o cargo de prefeito do Município de São José de Piranhas - PB, e, em seguida eleito para o cargo de Deputado Estadual, poderá se candidatar ao cargo de Prefeito do Município de Cajazeiras – PB.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 14, § 5º, estabelece que “o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente”. (destaquei) A reeleição para os cargos majoritários, para um único período subsequente, foi instituído pela Emenda Constitucional nº 16/1997.

De acordo com a antiga jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, não existia óbice a que o prefeito reeleito de determinado município se candidatasse a prefeito em município diverso, na eleição subsequente, desde que se afastasse do cargo seis meses antes do pleito.

Ao apreciar o Recurso Especial nº 32.507/AL (leading case), o TSE, em viragem jurisprudencial, entendeu pela ocorrência de fraude na transferência de domicílio eleitoral e pela impossibilidade de reeleição do chefe do Poder Executivo Municipal para três mandatos consecutivos, mesmo em municípios diversos, em decisão assim ementada:

 

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2008. REGISTRO CANDIDATURA. PREFEITO. CANDIDATO À REELEIÇÃO. TRANSFERÊNCIA DE DOMICÍLIO PARA OUTRO MUNICÍPIO. FRAUDE CONFIGURADA. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO § 5º DO ART. 14 DA CB. IMPROVIMENTO.

1. Fraude consumada mediante o desvirtuamento da faculdade de transferir-se domicílio eleitoral de um para outro Município, de modo a ilidir-se a incidência do preceito legal disposto no § 5º do artigo 14 da CB.

2. Evidente desvio da finalidade do direito à fixação do domicílio eleitoral.

3. Recurso a que se nega provimento. (Recurso Especial Eleitoral nº 32507, Acórdão, Min. Eros Grau, Publicação: RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Tomo 20, 17/12/2008. Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 17/12/2008).

 

Cito outro precedente do TSE, já com o novo entendimento:

 

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. MUDANÇA DE DOMICÍLIO ELEITORAL. "PREFEITO ITINERANTE". EXERCÍCIO CONSECUTIVO DE MAIS DE DOIS MANDATOS DE CHEFIA DO EXECUTIVO EM MUNICÍPIOS DIFERENTES. IMPOSSIBILIDADE. INDEVIDA PERPETUAÇÃO NO PODER. OFENSA AOS §§ 5º E 6º DO ART. 14 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NOVA JURISPRUDÊNCIA DO TSE.

Não se pode, mediante a prática de ato formalmente lícito (mudança de domicílio eleitoral), alcançar finalidades incompatíveis com a Constituição: a perpetuação no poder e o apoderamento de unidades federadas para a formação de clãspolíticos ou hegemonias familiares.

O princípio republicano está a inspirar a seguinte interpretação basilar dos §§ 5º e 6º do art. 14 da Carta Política: somente é possível eleger-se para o cargo de "prefeito municipal" por duas vezes consecutivas. Após isso, apenas permite-se, respeitado o prazo de desincompatibilização de 6 meses, a candidatura a "outro cargo", ou seja, a mandato legislativo, ou aos cargos de Governador de Estado ou de Presidente da República; não mais de Prefeito Municipal, portanto.

Nova orientação jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral, firmada no Respe 32.507.

Recurso Especial Eleitoral nº 32539, Acórdão, Min. Ayres Britto, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 17/12/2008.

 

O Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (Tema nº 564), fixou a seguinte tese: “o art. 14, § 5º, da Constituição deve ser interpretado no sentido de que a proibição da segunda reeleição é absoluta e torna inelegível para determinado cargo de Chefe do Poder Executivo o cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos (reeleito uma única vez) em cargo da mesma natureza, ainda que em ente da Federação diverso”.

 

O Recurso Extraordinário nº 637.4851 - RIO DE JANEIRO (leading case – Tema 564) alterou a jurisprudência no sentido de proibir a terceira eleição em cargo de mesma natureza, ainda que em município diverso. Vejamos a ementa do referido julgado:

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. REELEIÇÃO. PREFEITO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA.

I. REELEIÇÃO. MUNICÍPIOS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 14, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO. PREFEITO. PROIBIÇÃO DE TERCEIRA ELEIÇÃO EM CARGO DA MESMA NATUREZA, AINDA QUE EM MUNICÍPIO DIVERSO.

O instituto da reeleição tem fundamento não somente no postulado da continuidade administrativa, mas também no princípio republicano, que impede a perpetuação de uma mesma pessoa ou grupo no poder. O princípio republicano condiciona a interpretação e a aplicação do próprio comando da norma constitucional, de modo que a reeleição é permitida por apenas uma única vez. Esse princípio impede a terceira eleição não apenas no mesmo município, mas em relação a qualquer outro município da federação. Entendimento contrário tornaria possível a figura do denominado “prefeito itinerante” ou do “prefeito profissional”, o que claramente é incompatível com esse princípio, que também traduz um postulado de temporariedade/alternância do exercício do poder. Portanto, ambos os princípios – continuidade administrativa e republicanismo – condicionam a interpretação e a aplicação teleológicas do art. 14, § 5º, da Constituição. O cidadão que exerce dois mandatos consecutivos como prefeito de determinado município fica inelegível para o cargo da mesma natureza em qualquer outro município da federação.

II. MUDANÇA DA JURISPRUDÊNCIA EM MATÉRIA ELEITORAL. SEGURANÇA JURÍDICA. ANTERIORIDADE ELEITORAL. NECESSIDADE DE AJUSTE DOS EFEITOS DA DECISÃO. Mudanças radicais na interpretação da Constituição devem ser acompanhadas da devida e cuidadosa reflexão sobre suas consequências, tendo em vista o postulado da segurança jurídica. Não só a Corte Constitucional, mas também o Tribunal que exerce o papel de órgão de cúpula da Justiça Eleitoral devem adotar tais cautelas por ocasião das chamadas viragens jurisprudenciais na interpretação dos preceitos constitucionais que dizem respeito aos direitos políticos e ao processo eleitoral. Não se pode deixar de considerar o peculiar caráter normativo dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, que regem todo o processo eleitoral. Mudanças na jurisprudência eleitoral, portanto, têm efeitos normativos diretos sobre os pleitos eleitorais, com sérias repercussões sobre os direitos fundamentais dos cidadãos (eleitores e candidatos) e partidos políticos. No âmbito eleitoral, a segurança jurídica assume a sua face de princípio da confiança para proteger a estabilização das expectativas de todos aqueles que de alguma forma participam dos prélios eleitorais. A importância fundamental do princípio da segurança jurídica para o regular transcurso dos processos eleitorais está plasmada no princípio da anterioridade eleitoral positivado no art. 16 da Constituição. O Supremo Tribunal Federal fixou a interpretação desse artigo 16, entendendo-o como uma garantia constitucional (1) do devido processo legal eleitoral, (2) da igualdade de chances e (3) das minorias (RE 633.703). Em razão do caráter especialmente peculiar dos atos judiciais emanados do Tribunal Superior Eleitoral, os quais regem normativamente todo o processo eleitoral, é razoável concluir que a Constituição também alberga uma norma, ainda que implícita, que traduz o postulado da segurança jurídica como princípio da anterioridade ou anualidade em relação à alteração da jurisprudência do TSE. Assim, as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral (ou logo após o seu encerramento), impliquem mudança de jurisprudência (e dessa forma repercutam sobre a segurança jurídica), não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior.

III. REPERCUSSÃO GERAL. Reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais atinentes à (1) elegibilidade para o cargo de Prefeito de cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos em cargo da mesma natureza em Município diverso (interpretação do art. 14, § 5º, da Constituição) e (2) retroatividade ou aplicabilidade imediata no curso do período eleitoral da decisão do Tribunal Superior Eleitoral que implica mudança de sua jurisprudência, de modo a permitir aos Tribunais a adoção dos procedimentos relacionados ao exercício de retratação ou declaração de inadmissibilidade dos recursos repetitivos, sempre que as decisões recorridas contrariarem ou se pautarem pela orientação ora firmada.

IV. EFEITOS DO PROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Recurso extraordinário provido para: (1) resolver o caso concreto no sentido de que a decisão do TSE no RESPE 41.980-06, apesar de ter entendido corretamente que é inelegível para o cargo de Prefeito o cidadão que exerceu por dois mandatos consecutivos cargo de mesma natureza em Município diverso, não pode incidir sobre o diploma regularmente concedido ao recorrente, vencedor das eleições de 2008 para Prefeito do Município de Valença-RJ; (2) deixar assentados, sob o regime da repercussão geral, os seguintes entendimentos: (2.1) o art. 14, § 5º, da Constituição, deve ser interpretado no sentido de que a proibição da segunda reeleição é absoluta e torna inelegível para determinado cargo de Chefe do Poder Executivo o cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos (reeleito uma única vez) em cargo da mesma natureza, ainda que em ente da federação diverso; (2.2) as decisões do Tribunal Superior Eleitoral que, no curso do pleito eleitoral ou logo após o seu encerramento, impliquem mudança de jurisprudência, não têm aplicabilidade imediata ao caso concreto e somente terão eficácia sobre outros casos no pleito eleitoral posterior (RECURSO EXTRAORDINÁRIO 637.485 – RJ, Relator Ministro Gilmar Mendes, data do julgamento: 01. 08.2012).

 

De acordo com o precedente acima, o Relator, Ministro Gilmar Mendes, ressaltou que, o STF ao analisar a ADI 1.805, interpretou que a redação original do § 5º do art. 14 da Constituição configurava uma causa de inelegibilidade absoluta ao proibir a reeleição para os mesmos cargos no período subsequente. Com a Emenda Constitucional nº 16/97, essa proibição foi alterada para permitir a reeleição por uma única vez, transformando a norma em uma condição de elegibilidade para os chefes do Poder Executivo.

O Tribunal Superior Eleitoral, ao responder a consulta nº 0600704-52.2023.6.00.0000 (decisão unânime2), entendeu que um prefeito já reeleito não pode se candidatar novamente ao mesmo cargo em uma eleição municipal subsequente, independentemente do município em que pretende concorrer, e isso não é alterado por uma eventual disputa bem-sucedida em eleição estadual ou federal entre os pleitos municipais, em decisão assim ementada:

 

CONSULTA. PREFEITO REELEITO. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO. DISPUTA EM ELEIÇÃO PROPORCIONAL ESTADUAL OU FEDERAL SUBSEQUENTE COM ÊXITO. ELEIÇÃO MUNICIPAL SUBSEQUENTE. CANDIDATURA PARA O CARGO DE PREFEITO EM MUNICÍPIO DIVERSO. IMPOSSIBILIDADE. TERCEIRO MANDATO. CONSULTA CONHECIDA E RESPONDIDA NEGATIVAMENTE.

1. Consulta formulada nos seguintes termos: “Pessoa que no curso do segundo mandato de Prefeito(a) se desincompatibiliza para concorrer à eleição proporcional estadual ou federal (âmbito federativo superior) e se elege, rompendo completamente o vínculo jurídico o cargo de Chefe do Executivo e com o município em que exercido o cargo de Prefeito(a) após tomar posse como Deputado(a) Estadual ou Federal, pode, após 18 meses de exercício em caráter definitivo da função parlamentar, candidatar-se à Chefia do Executivo em Município diverso daquele em que já foi Prefeito.

2. A métrica constitucional para estipulação da vedação ao terceiro mandato não é a eleição subsequente, mas sim o período subsequente, em alusão ao mandato quadrienal dos chefes do Executivo municipal.

3. O STF, ao julgar o RE nº 637.485/RJ (Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe de 21.5.2013), estipulou a tese de que o art. 14, § 5º, da Constituição, deve ser interpretado no sentido de que a proibição da segunda reeleição é absoluta e torna inelegível para determinado cargo de Chefe do Poder Executivo o cidadão que já exerceu dois “mandatos” imediatamente consecutivos (reeleito uma única vez) em cargo da mesma natureza, ainda que em ente da federação diverso.

4. Não é possível que o prefeito já reeleito se candidate novamente para o mesmo cargo em eleição municipal subsequente, independentemente da localização do município em que pretende concorrer, sendo também indiferente a intercorrência entre os pleitos municipais, de disputa prévia exitosa em eleição proporcional estadual ou federal.

5. Consulta conhecida e respondida negativamente. (CONSULTA nº 060070452, Acórdão, Min. André Ramos Tavares, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 23/08/2024). (destaque inexistente no original)

 

Extrai-se do voto do relator, Ministro André Ramos Tavares, o seguinte trecho, em que ele destaca ser irrelevante o fato de o prefeito reeleito ter disputado eleição intercorrente às eleições municipais, para concorrer ao terceiro mandato, em município diverso:

 

Nesse contexto, importante pontuar, novamente, que o art. 14, § 5º, da Constituição do Brasil disciplina que o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único “período subsequente”, não fazendo alusão a eleição subsequente.

Essa observação afasta qualquer interpretação no sentido de que o prefeito reeleito, por ter disputado uma eleição intercorrente às eleições municipais, poderia tornar-se prefeito no período imediatamente seguinte àquele em que já havia exercido o mandato em reeleição.

É que a métrica constitucional para estipulação da vedação ao terceiro mandato não é a eleição subsequente, mas sim o período subsequente, em alusão ao mandato quadrienal dos chefes do Executivo municipal. Tanto que o STF, ao julgar o já mencionado RE nº 637.485/RJ, estipulou a tese de que o art. 14, § 5º, da Constituição, deve ser interpretado no sentido de que a proibição da segunda reeleição é absoluta e torna inelegível para determinado cargo de Chefe do Poder Executivo o cidadão que já exerceu dois “mandatos ” imediatamente consecutivos em cargo da mesma natureza, ainda que em ente da federação diverso.

A vedação ao terceiro mandato – o que significa a impossibilidade de exercício do cargo pela terceira vez em período subsequente –, não comporta mitigação diante da participação em outra eleição entremeada, uma vez compreendida a exata extensão tanto da vedação constitucional como da interpretação conferida pelo STF ao dispositivo.

Não é possível que o prefeito já reeleito se candidate novamente para o mesmo cargo em eleição municipal subsequente, independentemente da localização do município em que pretende concorrer, sendo também indiferente que o segundo mandato não tenha sido exercido na integralidade do período, em virtude da disputa prévia exitosa em pleito proporcional estadual ou federal. (destaquei)

 

 

O Tribunal Superior Eleitoral – TSE, historicamente, entendia que as consultas eleitorais não tinham efeito vinculante.

A Lei nº 13.655/2018, que incluiu o art. 30 à Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-lei nº 4.657/1942), prevê expressamente que respostas a consultas possuem caráter vinculante, com a seguinte redação:

 

Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.

Parágrafo único. Os instrumentos previstos no caput deste artigo terão caráter vinculante em relação ao órgão ou entidade a que se destinam, até ulterior revisão.

 

Impende ressaltar, por oportuno, que o Tribunal Superior Eleitoral, ao apreciar as consultas, as respostas apresentadas são interpretações da legislação eleitoral de regência (preexistente) e preenchem eventuais lacunas e servem de bússola para os operadores do direito e partes como devem se comportar. Nos termos do artigo 30 da LINDB, o caráter vinculante tem por objetivo conferir segurança jurídica na aplicação das normas.

No exercício do poder consultivo, o TSE, ao responder a determinada consulta, naturalmente cria expectativas para as pessoas interessadas, já que a sua missão é interpretar a norma eleitoral. O caráter vinculante (resposta a consultas) da interpretação da norma é essencial para que os cidadãos não sejam surpreendidos com comportamento diverso do que consta na resposta emanada pela Corte.

O Tribunal Superior Eleitoral, ao analisar recursos em registro de candidatura nas eleições de 2020 e 2022, expressou entendimento no sentido de que a consulta eleitoral possui efeito vinculante. Vejamos:

 

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, D, DA LC 64/90. PRAZO DE OITO ANOS. TERMO FINAL. EXAURIMENTO. ANTERIORIDADE. NOVA DATA. ELEIÇÕES 2020. FATO SUPERVENIENTE. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. No decisum monocrático, manteve-se aresto unânime do TRE/RJ em que se deferiu o registro de candidatura do agravado, não eleito ao cargo de vereador de São Pedro da Aldeia/RJ em 2020.

2. O término da contagem dos oito anos de inelegibilidade em momento anterior à nova data das Eleições 2020 (15/11/2020) constitui fato superveniente que autoriza deferir o registro de candidatura, ainda que, no dia originário do pleito (4/10/2020), o prazo ainda estivesse em curso (Consulta 0601143-68/DF, redator para o acórdão Min. Alexandre de Moraes, DJE de 21/10/2020). Ressalva de entendimento deste Relator.

3. As Consultas respondidas por esta Corte possuem caráter vinculante, nos termos do art. 30 da LINDB.

4. Na espécie, a despeito de o candidato ter sido condenado por decisum com trânsito em julgado pela prática de abuso de poder político relativo ao pleito de 2012, o prazo de oito anos a que alude o art. 1º, I, d, da LC 64/90 exauriu-se em 7/10/2020, portanto, antes da nova data das eleições.

5. Eventual revisão da Súmula 19/TSE - a fim que o prazo de inelegibilidade se estenda até o final do oitavo ano subsequente ao da eleição em que ocorreu o abuso - desafia procedimento específico a ser deflagrado em observância ao disposto nos arts. 926 e seguintes do CPC/2015, 354-A a 354-D do Regimento Interno do STF e 94 do Regimento Interno do TSE. Precedentes.

6. Agravo interno a que se nega provimento.Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº060029218, Acórdão, Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 07/12/2020.

 

 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. VEREADOR. DEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, "D", DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. TERMO FINAL DO PRAZO. ADIAMENTO DAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS. CONSULTA. EFEITO VINCULANTE. VIOLAÇÃO AO ART. 16 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. SÚMULA Nº 19/TSE. DIA DE IGUAL NÚMERO NO OITAVO ANO SEGUINTE. LEGISLADOR CONSTITUCIONAL DERIVADO. SILÊNCIO PROPOSITAL. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 107/2020. MANUTENÇÃO DAS DISPOSIÇÕES LEGAIS E JURISPRUDENCIAIS. LIMITAÇÃO AO EXERCÍCIO DA CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA. INTERPRETAÇÃO ESTRITA. DESPROVIMENTO.

1. A controvérsia devolvida no recurso especial cinge-se, devido ao adiamento da data do pleito de 2020, na definição do termo final da contagem do prazo da inelegibilidade estabelecida no art. 1º, I, d, da LC nº 64/90.

2. Esta Corte, durante o período eleitoral deste ano, tratou do tema ao examinar a Consulta nº 0601143-68/DF, momento em que, por maioria, respondeu negativamente à pergunta: "os candidatos que, em 07 de outubro de 2020, estavam inelegíveis em razão de qualquer das hipóteses das alíneas do Art. 1º, I, da Lei Complementar 64/1990, continuarão inelegíveis no pleito remarcado para o dia 15 de novembro de 2020 em virtude da aplicação do disposto do art. 16 da Constituição Federal?"

3. Em virtude da vinculatividade das respostas dadas às consultas e em homenagem aos princípios da segurança jurídica, da proteção a expectativa legítima dos cidadãos e da coerência, não há razões para que esta Corte reveja o recentíssimo entendimento proferido, já durante o período eleitoral do corrente ano, reforça-se, na Consulta nº 0601143-68/DF, o que, por si só, já fulmina as pretensões do agravante.

4. Não houve violação ao art. 16 da CF, porquanto não ocorreu, a menos de um ano do pleito, alteração na LC nº 64/90 ou mudança repentina de entendimento desta Corte sobre a controvérsia instalada nestes autos.

5. A Súmula nº 19/TSE estabelece que "o prazo de inelegibilidade decorrente da condenação por abuso do poder econômico ou político tem início no dia da eleição em que este se verificou e finda no dia de igual número no oitavo ano seguinte (art. 22, XIV, da LC nº 64/90)".

6. O legislador constitucional derivado, ao não tratar propositadamente sobre o tema ora em exame na EC nº 170/2020, optou pela manutenção das disposições legais e jurisprudenciais aplicáveis ao caso.

7. As hipóteses de inelegibilidade, por limitarem direito fundamental constitucionalmente assegurado, qual seja, o exercício da capacidade eleitoral passiva, devem ser interpretadas de forma estrita, ou melhor, in casu, nos exatos limites estabelecidos na alínea d do inciso I do art. 1º da LC nº 64/90. 8. Agravo regimental desprovido. (Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº060026887, Acórdão, Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 18/12/2020). (destaquei)

 

 

RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2022. DEPUTADO ESTADUAL. DEMONSTRATIVO DE REGULARIDADE DE ATOS PARTIDÁRIOS (DRAP).

1. Recurso especial interposto contra aresto unânime do TRE/RN em que se deferiu o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) da grei recorrida, que indicou apenas uma candidatura - no caso, de mulher - para concorrer ao cargo de deputado estadual do Rio Grande do Norte nas Eleições 2022, em suposta afronta aos percentuais mínimo e máximo de gênero previstos no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97.

PERCENTUAL DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. RELEVÂNCIA. AÇÃO AFIRMATIVA.

2. Consoante o disposto no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97, "[d]o número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo".

3. A regra contida no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 representa ação afirmativa tendente a promover a participação feminina na política, à qual se seguiram diversas outras, como a reserva de tempo em rádio e televisão e a distribuição proporcional de recursos públicos entre candidatas e candidatos. Evidencia-se, assim, o inequívoco intuito do legislador de promover a inclusão de mulheres no processo eleitoral brasileiro e sua presença nas campanhas em condição de igualdade.

4. As inúmeras tentativas empreendidas ao longo dos anos de burlar o efetivo cumprimento das normas protetivas revelam não só a imensa dificuldade de assimilação de sua importância, mas a natureza estrutural da desigualdade de gênero na política brasileira, o que reforça a necessidade de priorizar a efetiva participação de mulheres na política.

TESE. DRAP. NECESSIDADE. COMPOSIÇÃO. MÍNIMO DE DUAS CANDIDATURAS.

5. A despeito da relevante e imprescindível ação afirmativa de fomento à participação feminina na política, o teor do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 não deixa margem para dúvidas de que, em eleições proporcionais, inexiste discricionariedade do partido político para indicar apenas uma mulher ou um homem, visto que o comando legal especifica percentuais mínimos e máximo "para candidaturas de cada sexo".

6. Entendimento sufragado na recente Consulta 0600251-91/DF (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, de 30/6/2022), que, apesar de envolver federação partidária, teve como premissa o mesmo raciocínio, concluindo-se que "[a] indicação de 1 única candidatura pelo partido político desnaturará a mens legis que norteou a edição das normas que obrigam as agremiações a fomentar as candidaturas de gênero", e asseverando-se que entendimento contrário ensejaria "impossibilidade matemática de se alcançar os percentuais mínimo e máximo". Essa ratio se aplica, com maior ênfase, quando a grei não integra federação, já que nesse caso o percentual não será cumprido de modo algum.

7. Necessidade de observância, por esta Corte Superior, ao art. 30 da LINDB, segundo o qual "[a]s autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas". Precedentes.

CASO ESPECÍFICO DOS AUTOS. CANDIDATURA FEMININA ÚNICA. INEDITISMO. PROTEÇÃO DA BOA-FÉ. ATENDIMENTO À FINALIDADE DA NORMA.

8. Tese que, excepcionalmente, não se aplica ao caso, em que o DRAP contém uma única candidatura, porém de mulher.

9. Consoante o art. 5º da LINDB, "[n]a aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". Na hipótese, não há dúvida de que a finalidade da norma do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 é promover a inclusão de mulheres no processo eleitoral brasileiro.

10. Imprescindível proteger a boa-fé da agremiação que pretendeu, ao contrário do que ocorre na grande maioria dos casos, privilegiar a participação política feminina.

11. Impõe-se olhar consequencialista visando evitar paradoxo: esta Corte estaria a indeferir DRAP de chapa proporcional, composto por candidata mulher, sob a justificativa de que a cota de gênero do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97 - criada exatamente para fomentar a participação feminina - não teria sido cumprida.

CONCLUSÃO

12. Tese: os partidos políticos e federações, nas eleições proporcionais, devem registrar ao menos duas candidaturas para o cargo disputado, de modo a se atender aos percentuais mínimos e máximo de gênero previstos no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97.

13. Caso dos autos: admissão excepcional do registro de apenas uma candidatura em virtude do somatório das especificidades do caso concreto.

14. Recurso especial a que se nega provimento. (Recurso Especial Eleitoral nº060035443, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 13/09/2022).
 

Neste último precedente, o relator, Ministro Benedito Gonçalves, ressaltou em seu voto o seguinte:

Consoante o art. 30 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), incluído pela Lei 13.655/2018, a resposta a consultas deve observar, como um de seus parâmetros, a necessidade de conferir segurança jurídica na aplicação das leis. Confira-se:

Art. 30. As autoridades públicas devem atuar para aumentar a segurança jurídica na aplicação das normas, inclusive por meio de regulamentos, súmulas administrativas e respostas a consultas.

O Tribunal Superior Eleitoral, interpretando o mencionado dispositivo, já decidiu que “as Consultas respondidas por esta Corte possuem caráter vinculante, nos termos do art. 30 da LINDB” (AgRREspEl 0600292-18/RJ, publicado em sessão em 7/12/2020).

Por conseguinte, tendo esta Corte respondido recentemente Consulta cujo tema, em sua essência, é o mesmo do caso dos autos, inviável nesta oportunidade tese em linha diametralmente oposta.

Assim, diante da impossibilidade de se admitir o exercício do terceiro mandato ao cargo de prefeito, em períodos subsequentes, ainda que em municípios diversos, o provimento dos recursos para indeferir o requerimento de registro de candidatura do recorrido, Francisco Mendes Campos, é medida que se impõe.

Ante o exposto, em harmonia com a manifestação Ministerial, VOTO pelo pelo CONHECIMENTO e, no mérito, pelo PROVIMENTO dos recursos interpostos, para reformar a sentença recorrida e indeferir o registro de candidatura de FRANCISCO MENDES CAMPOS ao cargo de prefeito do Município de Cajazeiras/PB. 

Certificado o trânsito em julgado, encaminhe-se o presente feito à zona eleitoral de origem para arquivamento.

João Pessoa, (data do julgamento).


 

BRUNO TEIXEIRA DE PAIVA

RELATOR

 

1STF, RECURSO EXTRAORDINÁRIO 637.485 RIO DE JANEIRO, MIN. GILMAR MENDES, acórdão publicado (DJE): 21/05/2013.

2 O Tribunal, por unanimidade, conheceu das Consultas e respondeu negativamente ao questionamento formulado na Consulta nº 0600.704-52 e, afirmativamente, aos questionamentos formulados nas Consultas nº 0600.537-35 e nº 0600.172-78, nos termos do voto do Relator, com ressalvas de fundamentação dos Ministros Kassio Nunes Marques e Raul Araújo.