ACÓRDÃO Nº 32322

RECURSO CRIMINAL ELEITORAL (14209) Nº 0600584-42.2024.6.11.0008 - Alto Taquari - MATO GROSSO

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

RECORRENTE: MICHEL LUCAS ROCHA SOUZA

ADVOGADA: VALERIA MANGANOTTI OLIVEIRA COELHO - OAB/PR61582

ADVOGADA: JULIANA FERNANDES CALZOLARI - OAB/MT27433-O

ADVOGADA: MARY MAGDA QUEIROZ DIAS - OAB/MT22109-O

ADVOGADO: GUILHERME RODRIGUES CARVALHO BARCELOS - OAB/DF56724

ADVOGADO: ANDERSON DE OLIVEIRA ALARCON - OAB/DF37270

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

RECORRIDO: MICHEL LUCAS ROCHA SOUZA

ADVOGADA: VALERIA MANGANOTTI OLIVEIRA COELHO - OAB/PR61582

ADVOGADA: JULIANA FERNANDES CALZOLARI - OAB/MT27433-O

ADVOGADA: MARY MAGDA QUEIROZ DIAS - OAB/MT22109-O

ADVOGADO: GUILHERME RODRIGUES CARVALHO BARCELOS - OAB/DF56724

ADVOGADO: ANDERSON DE OLIVEIRA ALARCON - OAB/DF37270

FISCAL DA LEI: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

RELATOR: DESEMBARGADOR MARCOS MACHADO

DIREITO ELEITORAL E PENAL. RECURSO ELEITORAL. INJÚRIA ELEITORAL E RACISMO. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. ATIPICIDADE. INIDONEIDADE DO REGIME SEMIABERTO. REQUISITOS PARA O ANPP. RECURSO MINISTERIAL. RECLASSIFICAÇÃO DE RACISMO PARA INJÚRIA RACIAL. RECURSO MINISTERIAL DESPROVIDO. RECURSO DEFENSIVO PROVIDO PARCIALMENTE.

I. CASO EM EXAME

1. Recurso eleitoral interposto contra sentença do da 8ª Zona Eleitoral de Alto Araguaia que o condenou por injúria eleitoral e racismo visando a absolvição. Em pedido subsidiário, o oferecimento de acordo de não persecução penal ou estabelecimento do regime aberto.

2. Recurso ministerial para a reclassificação de racismo para injúria racial.

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO

3. Há seis questões em discussão: (i) violação da cadeia de custódia; (ii) ofensa aos princípios da correlação, do contraditório e da ampla defesa; (iii) atipicidade; (iv) ofensa com elementos de raça direcionado a pessoa certa; (v) acordo de não persecução penal; (vi) regime semiaberto.

III. RAZÕES DE DECIDIR

4. A mera alegação, sem a mínima prova ou indicação específica do comprometimento do vídeo utilizado para embasar a denúncia, não se mostra capaz de caracterizar quebra da cadeia de custódia, notadamente porque as mídias audiovisuais estão disponíveis nos autos e não resultou demonstrada qualquer inobservância ao procedimento legal.

5. Se na denúncia houve a efetiva narrativa das elementares da prática de ato discriminatório em razão da raça dirigido a todos que compõe a coletividade indicada pelo ofensor, representada pelos apoiadores e coligados opositores, aplicável a emendatio libelli para desclassificar a injúria racial para o racismo, notadamente porque este possui pena menor, a elidir prejuízo.

6. O adjetivo pejorativo [“velho gagá”] proferido pelo recorrente [ex-secretário municipal de saúde e candidato a vereador] durante ato público de campanha eleitoral foi direcionado à vítima, com 70 (setenta) anos, à época, em retaliação a um vídeo publicado na propaganda eleitoral da coligação adversária, de modo a caracterizar ofensa com finalidade eleitoral (CE, art. 326).

7. A expressão preconceituosa com elementos de raça, cor ou etnia [“macacos”] não foi direcionada apenas ao candidato ao cargo de prefeito, mas a todos os negros de seu grupo político, a atrair tipificação de racismo, o qual possui pena menor do que a injuria racial.

8. A extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena em condenação por embriaguez ao volante não elide os efeitos da reincidência por não ter sido alcançada pelo período depurador de 5 (cinco) anos, a impossibilitar aplicação do ANPP.

9. O reconhecimento, pelo juiz da causa, de que todas as circunstâncias judiciais são favoráveis e a pena imposta [inferior a quatro anos] possibilitam a fixação do regime inicial aberto, sopesada a função parlamentar, à luz do princípio da proporcionalidade.

IV. DISPOSITIVO E TESE

10. Recurso provido parcialmente.

Teses de julgamento: "1. A alegação de quebra de cadeia de custódia feita de forma genérica não traz elementos que permitam vislumbrar qualquer ocorrência que comprometa a idoneidade das provas, notadamente porque não ter sido demonstrada a de adulteração da prova, supressão de trechos, alteração da ordem cronológica dos diálogos ou interferência de terceiros, a elidir a alegada nulidade. 2. O acusado não se defende da capitulação dada aos crimes na denúncia, mas sim dos fatos narrados na peça acusatória, de modo a resultar demonstrado que não houve ofensa aos princípios da correlação, do contraditório e da ampla defesa, vez que o instituto da emendatio libelli permite ao juiz atribuir definição jurídica diversa, sobretudo se a desclassificação se mostra benéfica ao recorrente. 3. A injúria eleitoral configura–se quando evidente a intenção de ofensa à dignidade e decoro da vítima, no âmbito de uma disputa eleitoral, e com a finalidade de alcançar o eleitorado do município. 4. Para fins de adequação típica, o crime de racismo [art. 20, da Lei nº 7.716/1989] caracteriza-se pela ofensa contendo elementos raciais, de cor ou etnia atinge um grupo social ou coletividade, ao passo que a injúria racial, conhecida também como injúria preconceituosa [art. 2-A, da Lei nº 7.716/1989, com redação dada pela Lei nº 14.532/2023] e consiste na vontade livre e consciente de ofender alguém, utilizando-se, para tanto, elementos referentes a raça, cor, etnia de pessoa certa, atingindo sua honra subjetiva, ou seja, àquela relacionada a afeição e o apreço que se tem por si mesmo. 5. A reincidente impossibilita a aplicação do ANPP.6. A pena imposta [inferior a quatro anos] e todas as circunstâncias judiciais favoráveis possibilitam o regime inicial aberto".

__________

Dispositivos relevantes citados: Lei nº 4.737/1965 (CE), art. 326 e 327, III; Lei nº 7.716/1989, art. 2-A, c/c art. 20; Lei nº 13.964/2019, art. 158-A e B.

Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 891647 – relator Min. Celso de Mello – 2ª Turma – 21.9.2015; HC nº 154248/DF – relator Min. Edson Fachin – 28.10.2021; STF, HC 135.164/MT – relator Min. Marco Aurélio – redator Min. Alexandre de Moraes – Primeira Turma – 23.4.2019; HC 123.533/SP – relator Min. Roberto Barroso – Plenário – 3.8.2015; STJ, AgRg no HC nº 615.321/PR – Relator Min. Ribeiro Dantas – 12.11.2020; AgRg no RHC 155.813/PE – relator Min. Reynaldo Soares da Fonseca – Quinta Turma – 15.2.2022; AgRg no AREsp nº 2.684.625/SP – relator Min. Reynaldo Soares da Fonseca – Quinta Turma – 16.9.2024; AgRg no AREsp 2340288/PR – relator Min. Ribeiro Dantas – 15.8.2023; AgRg no RHC 170457/SC – relator Min. Jesuíno Rissato – 1º.6.2023; TRE/MT, RE 0600763-76.2020.6.11.0020 – relatora Des. Serly Marcondes Alves – 21.5.2024; TJMT, HC 1001168-13.2018.8.11.0000 – Relator Des. Juvenal Pereira da Silva – 20.3.2018; TJMT, AP 0028002-75.2017.8.11.0042 – relator Des. Juvenal Pereira da Silva – 21.8.2019; AP 0040058-09.2018.8.11.0042 – relator Des. Gilberto Giraldelli – 18.12.2019; TJDFT, AP 20120110983169 – relator Des. Mário Machado – Primeira Turma Criminal – 11.3.2015.

Doutrinas relevantes citadas: SANTOS, Pedro Henrique Moreira, ALVARES, Silvio Carlos; Revista Científica Eletrônica do Curso de Direito, Injúria Racial E O Racismo No Universo Jurídico; NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020; GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2023. v. 3; MASSON, Cleber. Manual de direito constitucional. 4. ed., Salvador: Juspodivm.

ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, por unanimidade, em REJEITAR as preliminares suscitadas e, no mérito, também por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO do Ministério Público Eleitoral e DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO de Michel Lucas Rocha Souza.

Cuiabá, 15/10/2025. 

 

DESEMBARGADOR MARCOS MACHADO

RELATOR

 

RELATÓRIO

DESEMBARGADOR MARCOS MACHADO (Relator):

Recursos eleitorais interpostos por MICHEL LUCAS ROCHA SOUZA e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL contra sentença proferida pelo Juízo da 8ª Zona Eleitoral de Alto Araguaia, nos autos de ação penal (nº 0600584-42.2024.6.11.0008), que o condenou por injúria eleitoral majorada [proferida na presença de várias pessoas] e racismo a 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, 25 (vinte e cinco) dias de detenção e 12 (doze) dias-multa, em regime inicial semiaberto – art. 326, c/c art. 327, III, ambos da Lei nº 4.737/1965, c/c art. 20, da Lei nº 7.716/1989 – (ID 18807814).

MICHEL LUCAS ROCHA SOUZA suscita: 1) ilicitude das provas [vídeos] por quebra da cadeia de custódia; 2) nulidade da sentença por violação aos princípios da correlação, do contraditório e da ampla defesa. No mérito, sustenta que: 1) a suposta injúria eleitoral [FATO 1] seria atípica por não ter sido proferida contra pessoa certa ou determinada; 2) “a crítica [...] severa, dura, ácida ou deselegante” proferida em “ambiente político [...] acirrado”, afastaria o dolo de injuriar; 3) inexistem provas de que houve “ataque a um grupo de pessoas motivado por concepções de raça ou cor”; 4) preencheria todos os requisitos para o acordo de não persecução penal ; 5) não há “fundamentação idônea para justificar [...] o regime inicial” semiaberto.

Requer o provimento para que sejam anuladas as provas [vídeos] e absolvido, também por atipicidade. Em pedido subsidiário, anulada a sentença ou estabelecido o regime aberto (ID 18807829).

A PROMOTORIA DE JUSTIÇA ELEITORAL DE ALTO ARAGUAIA sustenta que a ofensa com elementos de “raça” [FATO 2] “foram direcionadas ao candidato oposicionista a prefeito” [Marco Aurélio Reis Julien Lenotti] “e seus colaboradores (vítimas determinadas, certas)”, a configurar injúria qualificada [elemento de raça].

Pugna pela reclassificação de racismo para injuria racial (ID 18807820).

As partes [MICHEL LUCAS ROCHA SOUZA e a PROMOTORIA DE JUSTIÇA ELEITORAL DE ALTO ARAGUAIA] pugnam pelo desprovimento dos recursos opostos (ID 18807834; ID 18807833).

A i. Procuradoria Regional Eleitoral opina pelo provimento do apelo ministerial e desprovimento do recurso defensivo ao considerar que há provas suficientes para a condenação do recorrente por injuria eleitoral [FATO 1] e injuria racial [FATO 2] e reincidência justifica a imposição do regime semiaberto e impossibilita a oferta de ANPP (ID 18823270).

É o relatório.

VOTOS

DESEMBARGADOR MARCOS MACHADO (Relator):

VOTO PRELIMINAR DE ILICITUDE DE PROVAS POR QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA

MICHEL LUCAS ROCHA SOUZA suscita a ilicitude das provas [vídeos] por quebra da cadeia de custódia sob a assertiva de que não foram “apresentados na íntegra, são cortados e descontextualizados [...] não foram autenticados [...] e não há indicação da origem”;

Dito isso, vejamos os atos processuais produzidos.

Em 24.9.2024, a Coligação “A Mudança é Agora” [composta pelos partidos MDB, Republicanos, Federação PSDB e Cidadania e a Federação Brasil da Esperança – PT, PcdoB e PV –] apresentou Representação Criminal para apuração de injúrias, em tese, praticadas pelo recorrente, em 20.9.2024, durante ato de campanha [Comício] da Coligação Unidos pelo Progresso, em Alto Taquari/MT (ID 18807740-fls. 2/11).

Em 25.9.2024, o órgão ministerial instaurou Procedimento para Apuração de Notícia de Fato (SIMP nº 000136-046.2024) e determinou “a juntada das mídias referentes ao caso” (ID 18807740-fls. 1), as quais foram extraídas dos seguintes endereços eletrônicos [sites de notícias]:

“1) https://perrenguematogrosso.com/candidato-perde-controle-e-dispara-ofensas-racistas-em-comicio-polemicoveja-video/

2) https://www.estadaomatogrosso.com.br/boca-miuda/video-candidato-a-vereador-chama-opositores-de-macacos/99729

3) https://www.mstododia.com.br/noticias/10657-em-fala-racista-candidato-a-vereador-de-alto-taquari-mt-chama-oposicao-demacacos-e-medico-que-denunciou-gestao-de-velho-gaga

4) https://primeirapagina.com.br/politica/candidato-a-vereador-em-mt-e-alvo-de-queixa-crime-de-racismo-por-fala-durante-comicio/ Acesso em 23 de setembro de 2024, às 08h12min.”

Na mesma data [25.9.2024], colheu os depoimentos de Sebastião Higino da Costa e Marcelo Aurélio Julien (ID 18807740-fls.18/21; mídias – ID 18807750 ao ID 18807753).

Em 27.9.2024, a Promotoria de Justiça Eleitoral da 8ª Zona Eleitoral do Estado de Mato Grosso ofereceu denúncia contra o recorrente por injúria eleitoral e injúria racial (ID 18807739).

Em 21.11.2024, o juiz da causa rejeitou a preliminar de quebra da cadeia de custódia nestes termos:

“Assere a defesa do acusado que os vídeos apresentados não foram autenticados, não havendo registros acerca da preservação da cadeia de custódia, de modo que a prova é imprestável.

Acerca do instituto em tela, cabe aclarar que se consuma a quebra da cadeia de custódia quando a prova angariada sofre violação de procedimentos que lhe assegurem legitimidade, de modo a acarretar dúvidas quanto à autenticidade e confiabilidade da prova.

No caso vertente, nada há, além de meras ilações pela defesa, sobre a descontextualização das mídias audiovisuais apresentadas pelo Parquet.

De toda sorte, o trecho do vídeo registrado no comício ocorrido em 20.09.2024, além de ser suficiente para que haja entendimento dos dizeres do réu, foi convalidado pelo vídeo posteriormente postado pelo próprio candidato em suas mídias sociais, não havendo qualquer recorte no arquivo apresentado pelo MPE.

Nesse sentido, incumbia ao defendente demonstrar que os arquivos declinados pelo Parquet são ilegítimos, seja por intermédio da apresentação das mídias em sua íntegra, testemunhas presentes no comício ou visualizadores do vídeo da rede social.

Em casos tais, a jurisprudência é dominante no sentido de que a declaração de nulidade da prova colhida demanda substratos firmes e concretos de que a violação resultou em prejuízo à confiabilidade da prova, de modo a ser feita análise casuística [...] Posto isso, rejeito a preliminar aventada.” (Daniel de Sousa Campos, juiz Eleitoral – ID 18807814)

Pois bem.

Extrai-se do Procedimento de Apuração de Notícia de Fato (SIMP nº 000136-046.2024) que o vídeo (ID 18807743) trasladado pelo órgão ministerial para esta ação penal [0600584-42.2024.6.11.0008] foi obtido mediante acesso a sítios eletrônicos de sites de notícias [Perrengue Mato Grosso, Estadão Mato Grosso, MS Todo Dia e Primeira Página], disponíveis para visualização pública.

Consoante bem pontuado pelo órgão do Ministério Público de primeiro grau, tanto em suas alegações finais quanto em suas contrarrazões (ID 18807810; ID 18807834), o “vídeo registrado no comício ocorrido no dia 20 de setembro de 2024 [...] foi convalidado [...] posteriormente” pelo recorrente “em suas redes sociais” (mídia – ID 18807744), ao prestar “explicações públicas por sua fala, em claro reconhecimento da autenticidade do vídeo”, embora tenha afirmado não se recordar dos fatos, em Juízo.

O instituto da “cadeia de custódia”, introduzido pelo “Pacote Anticrime” – Lei nº 13.964/2019, art. 158-A e seguintes do CPP –, visa assegurar a idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade (STJ, AgRg no HC nº 615.321/PR – Relator Min. Ribeiro Dantas – 12.11.2020).

Noutro giro, a Defesa de MICHEL LUCAS ROCHA SOUZA não especificou qual trecho do vídeo teria sido adulterado para configurar quebra da cadeia de custódia, de modo a “ofender o princípio da dialeticidade” (TJMT, HC 1001168-13.2018.8.11.0000 – Relator Des. Juvenal Pereira da Silva – 20.3.2018).

De toda sorte, a mera alegação, sem a mínima prova ou indicação específica do comprometimento do vídeo utilizado para embasar a denúncia, não se mostra capaz de caracterizar quebra da cadeia de custódia, notadamente porque as mídias audiovisuais estão disponíveis nos autos e não resultou demonstrada qualquer inobservância ao procedimento legal (CPP, arts. 158-A e 158-B).

Aplicável o seguinte julgado do c. STJ:

“A alegação de quebra de cadeia de custódia é feita de forma genérica e, portanto, não traz elementos que permitam vislumbrar qualquer ocorrência que comprometa a idoneidade das provas.” (AgRg no RHC 155.813/PE – relator Min. Reynaldo Soares da Fonseca – Quinta Turma – 15.2.2022).

Com efeito, “não evidenciada a existência de adulteração da prova, supressão de trechos, alteração da ordem cronológica dos diálogos ou interferência de terceiros, como na espécie, não há falar em nulidade por quebra da cadeia de custódia” (STJ, AgRg no AREsp nº 2.684.625/SP – relator Min. Reynaldo Soares da Fonseca – Quinta Turma – 16.9.2024).

Desse modo, não se reconhece a quebra da cadeia de custódia.

Com essas considerações, REJEITA-SE a preliminar.

VOTO PRELIMINAR – NULIDADE DA SENTENÇA POR OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA CORRELAÇÃO, DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

MICHEL LUCAS ROCHA SOUZA suscita nulidade da sentença por violação ao princípio da correlação, do contraditório e da ampla defesa, sob a assertiva de que foi denunciado por injuria racial [FATO 2] e condenado por crime diverso [racismo] não descrito na denúncia.

Observa-se que a PROMOTORIA DE JUSTIÇA ELEITORAL DE ALTO TAQUARI, ao narrar o fato criminoso na denúncia, descreveu a ofensa com “elementos referentes à caça, cor e etnia” [“aqueles macacos”] proferida contra “terceiros, apoiadores do candidato oposicionista [...] pessoas de pele negra com ascendência negra”, embora tenha indicado apenas Marco Aurélio Reis Julien [candidato ao cargo de prefeito] como vítima (ID 18807739).

O Juízo singular, na sentença condenatória, entendeu que os fatos constantes da “exordial acusatória se amolda perfeitamente ao crime” tipificado no art. 20 da Lei nº 7.716/1989 notadamente porque “houve a efetiva narrativa acerca das elementares [...], quais sejam, a prática de ato discriminatório em razão da raça dirigido a um número indeterminado de pessoas, vale dizer, a todos que compõe a coletividade indicada pelo ofensor, representada pelos apoiadores e coligados opositores”, a atrair a emendatio libelli (CPP, art. 383), razão pela qual desclassificou a conduta de injúria racial (Lei nº 7.716/89, art. 2º-A) para condenar o apelante por racismo (Lei nº 7.716/89, art. 20).

Frise-se que o acusado não se defende da capitulação dada aos crimes na denúncia, mas sim dos fatos narrados na peça acusatória, de modo a resultar demonstrado que não houve ofensa aos princípios da correlação, do contraditório e da ampla defesa, vez que o instituto da emendatio libelli permite ao juiz atribuir definição jurídica diversa daquela contida na denúncia (TJMT, AP 0028002-75.2017.8.11.0042 – relator Des. Juvenal Pereira da Silva – 21.8.2019; AP 0040058-09.2018.8.11.0042 – relator Des. Gilberto Giraldelli – 18.12.2019).

Enfim, a pena do racismo [reclusão de um a três anos] é menor do que a de injúria racial [reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos], de modo que a desclassificação efetuada, pelo juiz da causa, se mostra benéfica ao recorrente [MICHEL LUCAS ROCHA SOUZA], a elidir prejuízo (CPP, art. 563)

Nesse quadro, não se identifica violação aos princípios da correlação, do contraditório e da ampla defesa, na sentença.

Com essas considerações, REJEITA-SE a preliminar.

VOTO MÉRITO

DESEMBARGADOR MARCOS MACHADO (Relator):

O recurso é cabível (CE, art. 362), manejado por quem tem interesse (CE, art. 266) e não se verifica hipótese de extinção de punibilidade (CE, art. 287, c/c CP, art. 107).

Consta da denúncia que:

“1.1. Do Crime de Injúria Eleitoral (Vítima Sr. Sebastião Higino da Costa – pessoa idosa)

Noticiam os autos (procedimento SIMP n. 000136-046/2024) que em tempo anterior e especificamente em 20 de setembro de 2024, por volta de 21h, em ato de propaganda eleitoral, evento político (comício), realizado na Avenida Sarkis Sâmara, Alto Taquari-MT, o denunciado, Sr. Michel Lucas Rocha Souza, com consciência e vontade, injuriou a vítima Sebastião Higino da Costa, ofendendo-lhe a dignidade

1.2. Do Crime de Injúria Racial (Vítimas: Marco Aurélio Julien e Terceiros)

Depreende-se ainda da documentação anexa (procedimento SIMP n. 000136-046/2024) que, nas mesmas circunstâncias de tempo e local mencionados, o denunciado Sr. Michel Lucas Rocha Souza, com consciência e vontade, injuriou a vítima Sr. Marco Aurélio Julien e outras pessoas, ofendendo-lhe a dignidade, utilizando-se, para tanto, de elementos referentes a raça, cor e etnia.

02. DO HISTÓRICO DOS FATOS

Infere-se que o Sr. Michel Lucas Rocha Souza é candidato ao cargo de vereador do Município de Alto Taquari-MT nas eleições de 2024. Outrossim, importa destacar que o increpado é ex-secretário municipal de saúde.

Por conseguinte, em 19 de setembro de 2024, o Sr. Michel Lucas Rocha Souza, em contexto de propaganda eleitoral e críticas aos oposicionistas, realizou uma postagem no status do aplicativo de mensagens whatsapp com a seguinte expressão: “estão desesperados kkkkk. Dr velório tá bravo”, numa inferência à pessoa idosa, Sr. Sebastião Higino da Costa.

Ademais, evola-se que no dia 20 de setembro de 2024, foi realizado evento político (comício – propaganda eleitoral) pela Coligação Unidos Pelo Progresso. Neste ato, em determinada ocasião, oportunizou-se a fala ao candidato ao cargo de vereador, Sr. Michel Lucas Rocha Souza.

Assim, com a finalidade de propaganda eleitoral no pleito 2024, o denunciado, Sr. Michel Lucas Rocha Souza, se aproveitou do ato político (comício), que contou com a presença de diversas pessoas, para atacar e injuriar o Sr. Sebastião Higino da Costa (pessoa idosa) com os seguintes dizeres: ‘aquele povo lá nunca fez nada para Alto Taquari e vem um velho gagá fazer vídeo1 lá reclamando da saúde…’.

Da análise do teor das palavras do denunciado, constata-se que, além de criticar a oposição nas questões relacionadas à saúde municipal, afirmou, de forma injuriosa, que o Sr. Sebastião Higino da Costa é um ‘velho gagá’. No entanto, é imperioso destacar que o ofendido é um profissional médico em exercício, com mais de 40 anos de experiência profissional, que atua na região do Vale do Araguaia há muitos anos e atualmente pratica a medicina no Hospital Municipal de Alto Taquari.

Outrossim, extrai-se que, na mesma oportunidade, durante o referido ato de propaganda eleitoral, o denunciado, Sr. Michel Lucas Rocha Souza, proferiu os seguintes dizeres em face das vítimas, Sr. Marco Aurélio Julien e outras pessoas: ‘...vamos voltar, e nós vamos ganhar, e nós vamos ganhar de lavada daqueles macacos lá...’. Cumpre destacar que o Sr. Michel Lucas Rocha Souza injuriou o Sr. Marco Aurélio Julien e terceiros, apoiadores do candidato oposicionista, porquanto são pessoas de pele negra ou com ascendência negra.

Em 24 de setembro de 2024, foram inquiridas as vítimas, Sr. Sebastião Higino da Costa, e Sr. Marco Aurélio Julien, que manifestaram o desejo de representar em desfavor do Sr. Michel Lucas Rocha Souza pela prática dos referidos crimes.

[...]

Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL oferece DENÚNCIA em face do Sr. MICHEL LUCAS ROCHA SOUZA, como incurso nas penas dos seguintes crimes: (i) Artigo 3262 , caput, c/c Artigo 327, inciso III (na presença de várias pessoas e por meio que facilite a divulgação da ofensa), ambos da Lei 4.737/66 (Código Eleitoral), c/c artigo 61, inciso II, alínea “h” do Código Penal (contra pessoa maior de sessenta anos); (ii) Artigo 2º-A da Lei n. 7.716/19893 (incluído pela Lei n. 14.532/2023), com pluralidade de vítimas.” (Frederico César Batista Ribeiro, promotor Eleitoral – ID 18807739)

O Juízo singular reconheceu a responsabilidade penal e dosou as penas nos seguintes termos:

CRIMES PREVISTOS NO ART. 326, CAPUT, C/C ART. 327, INCISO II, AMBOS DA LEI N. 4.737/66

 Com efeito, a materialidade delitiva está demonstrada pelas mídias audiovisuais de id’s 123108464, 123108475, 123108494, 123108496, 123108497 e 123108635. A autoria, por seu turno, restou comprovada pela prova oral colhida no curso da instrução criminal.

[...]

Analisando todo o processado, chega-se à conclusão de que, em que pese os argumentos defensivos arrolados, o réu extrapolou os limites da liberdade de expressão conferida pela Constituição Federal e ofendeu o decoro e a dignidade da vítima Sebastião Higino da Costa, ao iniciar seu discurso no comício realizado em 20.09.2024 dizendo que apoia a candidata Marilda Sperandio e afirmando ‘[...] aquele povo lá nunca fez nada por Alto Taquari e vem um véio gagá fazer vídeo falando mal da saúde [...]’.

Não é necessário fazer hercúleo esforço para aferir-se que o réu, por ocasião da fala supramencionada, estava se referindo à oposição e, por conseguinte, ao vídeo publicado em que o médico Sebastião Higino tecia duras críticas à gestão da saúde, o qual foi objeto de insurgência pela coligação integrada pelo réu, nos autos n. 0600579-20.2024.611.0008.

 No vídeo objurgado no aludido processo, reproduzido na campanha eleitoral gratuita de 19.09.2024, o ofendido Sebastião tece comentários sobre a gestão da candidata à reeleição Marilda Sperandio, narrando que ‘não haverá atendimento no hospital durante o período de transição’, alegando ainda que a atual Prefeita não teria capacidade e equipe adequada para promover a saúde hospitalar.

 Registre-se que, tendo a crítica à gestão da saúde pela candidata à reeleição ido ao ar em 19.09, por certo que a fala do réu no comício realizado em 20.09 era um rebate à oposição. Todavia, violando os limites aceitáveis configuradores da liberdade de expressão, o acusado ofendeu de forma deliberada a honra do ofendido Sebastião, eis que utilizou-se de expressão pejorativa relativa à condição de pessoa idosa da vítima, pessoa com 70 (setenta) anos de idade.

No caso vertente, inarredável a tipicidade da conduta, posto que, conforme elucidado na fundamentação precedente, o réu perpetrou o delito de injúria preconceituosa, conduta consistente na “vontade livre e consciente” de ofender alguém, utilizando-se, para tanto, elementos referentes à condição de pessoa idosa (CP. art. 140, §3º), atingindo a honra subjetiva da vítima, ou seja, àquela “relacionada a afeição e o apreço que se tem por si mesmo” (MASSON, N. Manual de direito constitucional. 4. ed., Salvador: Juspodivm, 2016).

Logo, não recaem dúvidas de que o objetivo do réu não era unicamente fazer uma crítica política, mas de influenciar na decisão dos eleitores do Município para que não votassem no candidato da oposição e, consequentemente, interferir no resultado da eleição.

Embora tratar-se a injúria eleitoral de crime formal em que o resultado exterior é desnecessário, somente para ilustrar a finalidade de propaganda na conduta do réu, em seu depoimento, ao ser indagado pelo representante do Parquet sobre que tipo de prejuízo lhe trouxe a fala proferida pelo réu, o ofendido respondeu que ficou abalado e destacou que, em mais de 40 (quarenta) anos de carreira, nunca cometeu qualquer ato que maculasse sua conduta profissional ou sua sanidade na tomada de decisões.

[...]

CRIME PREVISTO NO ART. 2º-A da Lei n. 7.716/89

Ressai da denúncia que o acusado, finalizando sua participação no comício realizado em 20.09.2024, dirigiu-se ao cônjuge da candidata Marilda, Laito Sperandio, assegurando-lhe ‘ó Lairtão, nós vamo voltar e nós vamo ganhar de lavada daqueles macaco lá’.

Pertinente discorrer sobre as tipificações contidas na Lei n. 7.716/89, in verbis:

“Art. 2º-A Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional.

Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

[...]

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Pena: reclusão de um a três anos e multa.”

No caso em apreço, constata-se que, diversamente do pretendido pelo Parquet, a conduta perpetrada pelo acusado melhor se amolda à dicção do art. 20 antes referido.

Nesse ponto, relevante destacar que, embora o MPE não tenha atribuído aos fatos à tipificação ora invocada, entendo que a narrativa exposta na exordial acusatória se amolda perfeitamente ao crime sobredito, eis que narra que a ofensa não foi proferida em desfavor do candidato da oposição, Marco Aurélio, mas, sim, aos apoiadores e coligados opositores.

Nesse contexto, impositiva a adequação da definição jurídica que lhe foi dada, nos termos do art. 383 do Código de Processo Penal. Por oportuno, registro que o reconhecimento de crime diverso daquele imputado na peça de ingresso acusatória não fere o princípio da correlação entre a sentença e a denúncia, se a conduta estiver devidamente descrita na exordial acusatória, pois, como se sabe, o réu se defende dos fatos e não da capitulação jurídica exposta na incoativa.

No presente caso, houve a efetiva narrativa acerca das elementares típicas previstas no art. 20 da Lei n. 7.716/89, quais sejam, a prática de ato discriminatório em razão da raça dirigido a um número indeterminado de pessoas, vale dizer, a todos que compõe a coletividade indicada pelo ofensor, representada pelos apoiadores e coligados opositores.

Em síntese, o bem jurídico tutelado em casos tais é a igualdade, enquanto que na injúria racial é tutelada a honra subjetiva do indivíduo e o sujeito passivo é determinado.

Desse modo, estando apontadas as elementares típicas do tipo incriminador, resta caracterizada o denominado emendatio libelli (art. 383, do CPP), pois, se os elementos de prova apontam para esta direção, há que se realizar a correta adequação da conduta praticada, ainda que, para isso, seja aplicada pena mais grave.

Firmadas tais premissas, se faz necessário enfatizar a importância da utilização do direito penal para reprimir situações como a no caso sub examine, na medida em que o racismo estrutural, como a nomenclatura indica, está emaranhado no conjunto de comportamentos e ações da sociedade.

[...]

Nesse viés, como amplamente elucidado em linhas volvidas, o alcance da liberdade de expressão não alberga discursos racistas, mesmo aqueles em que, à primeira vista, não se mostrem discriminatórios.

Ademais, a utilização dos jargões ‘meus familiares são negros’, ‘tenho características que denotam minha afro descendência’, ‘tenho até amigos negros’, são expressões contumazes em ‘retratações’ após o cometimento do crime ora apurado, sendo certo que ter ascendência ou convivência harmônica com pessoas negras não ilide o teor racista de ofensas proferidas, ao revés, tão somente reforça como a discriminação racial está emaranhada nas estruturas da sociedade.

Insta esclarecer que o fato de não ser mencionado expressamente o nome da pessoa ofendida, por si só, não descaracteriza o tipo penal ora analisado, notadamente porque o conceito de ato discriminatório, previsto no artigo 20-C, da Lei nº 7.716/89 (norma penal explicativa), esclarece que “o juiz deve considerar como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência”.

Posto isso, inarredável a conclusão de que o vocativo ‘aqueles macacos’ utilizado pelo réu teve caráter racista, já que o termo é utilizado reiteradamente em episódios de preconceito racial e possui nítido intento de vincular a cor da pele negra a macacos. Outrossim, em razão do contexto histórico do país, a fala ostentaria peso diverso se a referência fosse direcionada à pessoas brancas.

Ante o exposto, com base na motivação supra, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a exordial acusatória, para condenar MICHEL LUCAS ROCHA SOUZA nas sanções do art. 326, caput, c/c art. 327, inciso II, ambos da Lei n. 4.737/65 e art. 20 da Lei n. 7.716/89.

Fulcrado no princípio da individualização das penas e atento às diretrizes do artigo 59 do Código Penal, passo à dosimetria da reprimenda.

DO CRIME DE INJÚRIA ELEITORAL

Na primeira fase, a culpabilidade revela-se normal à espécie, eis que o acusado não agiu com dolo que ultrapasse os limites da norma penal. Os antecedentes são favoráveis. A conduta social e a personalidade sem elementos nos autos para valorá-las. Os motivos e as circunstâncias do crime são punidos pelo próprio tipo penal. As consequências do crime são normais à espécie, não exigindo maior reprimenda do que aquela já fixada pelo legislador. Por fim, o comportamento da vítima demonstra-se neutro, não requer valoração extrapenal.

Logo, a pena-base deve ser fixada no mínimo legal, ou seja, em 15 (quinze) dias de detenção (art. 284 do CE).

Na segunda fase, inexistem circunstâncias atenuantes. Todavia, presente a agravante de reincidência, conforme art. 61, inciso I, do CPB, uma vez que o acusado ostenta condenação em seu desfavor, conforme se infere do PEP n. 2000015-30.2024.811.0092.

Destarte, redimensiona-se a reprimenda para 17 (dezessete) dias de detenção.

Na terceira fase, ausentes causas de diminuição de pena, entrementes, presente a causa de aumento inserta no art. 327, inciso II, da Lei n. 4.737/66, pelo que deve a reprimenda ser recrudescida em ½, posto que a ofensa foi proferida em comício eleitoral, na presença de dezenas de pessoas.

Desse modo, fixo a pena definitiva em 25 (vinte e cinco) dias de detenção.

DO CRIME DE RACISMO

Na primeira fase, a culpabilidade revela-se normal à espécie, eis que o acusado não agiu com dolo que ultrapasse os limites da norma penal. Os antecedentes são favoráveis. A conduta social e a personalidade sem elementos nos autos para valorá-las. Os motivos e as circunstâncias do crime são punidos pelo próprio tipo penal. As consequências do crime são normais à espécie, não exigindo maior reprimenda do que aquela já fixada pelo legislador. Por fim, o comportamento da vítima demonstra-se neutro, não requer valoração extrapenal.

Logo, a pena-base deve ser 01 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Na segunda fase, inexistem circunstâncias atenuantes. Todavia, presente a agravante de reincidência, conforme art. 61, inciso I, do CPB, uma vez que o acusado ostenta condenação em seu desfavor, conforme se infere do PEP n. 2000015-30.2024.811.0092.

Destarte, redimensiono a reprimenda para 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão e 12 (doze) dias-multa.

Na terceira fase, ausentes causas de aumento ou diminuição de pena, pelo que fixo a pena definitiva em 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão e 12 (doze) dias multa.

Registre-se que, em concurso material, somam-se as penas, ainda que, de reclusão e detenção, pois ambas são penas privativas de liberdade. Assim, procedo à somatória das reprimendas para fixar definitivamente 01 ano, 02 (dois) meses e 25 (vinte e cinco) dias de pena privativa de liberdade e pagamento de 12 (doze) dias-multa, à razão de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos.

O regime prisional inicial deve ser o semiaberto, nos termos da súmula 269, do STJ.” (Daniel de Sousa Campos, juiz Eleitoral – ID 18807814)

Pois bem.

Na fase extrajudicial, foram ouvidas as vítimas Sebastião Higino da Costa e Marco Aurélio Julien (mídias – ID 18807750 ao ID 18807753).

Em Juízo, colheram-se as declarações das vítimas Sebastião Higino da Costa e Marco Aurélio Julien, a testemunha Luzitane Viana Lopes e do recorrente (mídias – ID 18807788 ao ID 18807802).

Dito isso, analisam-se em conjunto os recursos de MICHEL LUCAS ROCHA ALVES e do órgão ministerial por envolver o mesmo contexto fático-probatório.

As declarações da vítima [Sebastião Higino da Costa], em ambas as fases da persecução penal, são no sentido de que por ter criticado a gestão da saúde do município de Alto Taquari/MT (ID 18807746 ao ID 18807748), o recorrente MICHEL LUCAS ROCHA ALVES [ex-secretário de saúde do município de Alto Taquari e candidato a vereador, à época], em 20.9.2024, por volta das 21h, na presença de várias pessoas, durante a realização de ato de campanha [Comício da Coligação “Unidos pelo Progresso”, composta pelos partidos União Brasil, PSB, PSD e PL], ofendeu sua dignidade ao lhe chamar de “velho gagá”. Marco Aurélio Reis Julien Lenotti [candidato ao cargo de prefeito de Alto Taquari pela coligação “A Mudança é Agora” [integrada pelos partidos MDB, Republicanos, Federação PSDB e Cidadania e a Federação Brasil da Esperança – PT, PCdoB e PV –] afirmou que, na mesma oportunidade, o recorrente ofendeu os integrantes [negros] desse grupo político com expressão preconceituosa contendo elementos raciais, de cor ou etnia [“macacos”].

Essas narrativas estão corroboradas pelo vídeo (mídia – ID 18807743), do qual se visualiza as ofensas proferidas pelo recorrente, em 20.9.2024, em comício da coligação “Unidos pelo Progresso”, em Alto Taquari/MT [“aquele provo lá nunca fez nada para Alto Taquari e vem um velho gagá fazer vídeo (...) reclamando da saúde” e “vamos voltar (...) vamos ganhar de lavada daqueles macacos lá”], bem como pela publicação efetuada pelo recorrente, em 20.9.2024, “em suas redes sociais” (mídia – ID 18807744), do qual se observa pedido de desculpas públicas pelas ofensas, embora tenha afirmado não se recordar dos fatos, em Juízo.

O adjetivo pejorativo [“velho gagá”] proferido por MICHEL LUCAS ROCHA SOUZA [ex-secretário municipal de saúde e candidato a vereador], durante ato público de campanha eleitoral – comício da coligação “Unidos pelo Progresso” –, em 20.9.2024 [“aquele provo lá nunca fez nada para Alto Taquari e vem um velho gagá fazer vídeo”], foi direcionado à Sebastião Higino da Costa [médico, nascido em 2.7.1954, com 70 (setenta) anos, à época], em retaliação à um vídeo publicado, em 19.9.2024, na propaganda eleitoral da Coligação “A Mudança é Agora” (mídias – ID 18807746; ID 18807747; ID 18807748), no qual a vítima [Sebastião Higino da Costa] criticava a gestão do recorrente na Secretaria Municipal de Saúde de Alto Taquari, de modo a caracterizar ofensa com finalidade eleitoral (CE, art. 326).

A injúria eleitoral “configura–se [...] quando evidente a intenção de ofensa à dignidade e decoro da vítima, no âmbito de uma disputa eleitoral, e com a finalidade de alcançar o eleitorado do município” (TRE/MT, RE 0600763-76.2020.6.11.0020 – relatora Des. Serly Marcondes Alves – 21.5.2024).

A proteção jurídica da honra e imagem é premissa constitucional, prevista no art. 59, X, “composta pelo somatório de valores que distinguem a dignidade do ser humano, o respeito das demais pessoas, seu bom nome e a sua reputação”, sendo “portanto, um direito fundamental, a preservação desses valores, em suma, a pessoa tem o direito de proteger a própria dignidade” (SANTOS, Pedro Henrique Moreira, ALVARES, Silvio Carlos; Revista Científica Eletrônica do Curso de Direito, Injúria Racial E O Racismo No Universo Jurídico). Isso porque, “a Constituição da República não protege nem ampara opiniões, escritos ou palavras cuja exteriorização ou divulgação configure hipótese de ilicitude penal, tal como sucede nas situações que caracterizem crimes contra a honra (calúnia, difamação e/ou injúria), pois a liberdade de expressão não traduz franquia constitucional que autorize o exercício abusivo desse direito fundamental.” (STF, ARE 891647 – relator Min. Celso de Mello – 2ª Turma – 21.9.2015)

Em relação ao crime de racismo [FATO 2], observa-se “a prática de ato discriminatório em razão de raça dirigido [...] a todos que compõem a coletividade [....] representada pelos apoiadores e coligados opositores” do recorrente [“vamos voltar (...) vamos ganhar de lavada daqueles macacos lá”], conforme bem pontuado pelo Juízo singular (ID 18807814).

O c. STF firmou entendimento de que o crime de injúria racial constitui “uma das espécies de racismo” por reunir “todos os elementos necessários à sua caracterização” e, considerada a definição de “discriminação racial previsto na Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial”, entendeu que ambos são infrações penais imprescritíveis (HC nº 154248/DF – relator Min. Edson Fachin – 28.10.2021).

Para fins de adequação típica, o crime de racismo, previsto no art. 20, da Lei nº 7.716/1989 [Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”], caracteriza-se pela ofensa contendo elementos raciais, de cor ou etnia atinge um “grupo social” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020) ou “coletividade (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2023. v. 3), ao passo que a injúria racial, conhecida também como injúria preconceituosa, está tipificada no art. 2-A, da Lei nº 7.716/1989 [Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão de raça, cor, etnia ou procedência nacional” – redação dada pela Lei nº 14.532, de 11.1.2023] e consiste na “vontade livre e consciente de ofender alguém”, utilizando-se, para tanto, elementos referentes a raça, cor, etnia de pessoa certa, atingindo sua honra subjetiva, ou seja, àquela “relacionada a afeição e o apreço que se tem por si mesmo” (MASSON, Cleber. Manual de direito constitucional. 4. ed., Salvador: Juspodivm).

No caso, a expressão preconceituosa com elementos de raça, cor ou etnia [“macacos”] não foi direcionada apenas a Marco Aurélio Reis Julien Lenotti, candidato ao cargo de prefeito de Alto Taquari pela coligação “A Mudança é Agora”, mas a todos os negros desse grupo político, a atrair tipificação do art. 20, da Lei nº 7.716/1989 [racismo].

Destaque-se que “o crime de racismo é mais amplo do que o de injúria qualificada, pois tem por objetivo atingir uma coletividade [...] de indivíduos” (TJDFT, AP 20120110983169 – relator Des. Mário Machado – Primeira Turma Criminal – 11.3.2015), embora a sua pena [reclusão de um a três anos] seja menor que a de injúria racial [reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos].

Logo, a responsabilidade penal de MICHEL LUCAS ROCHA SOUZA por injúria eleitoral majorada [proferida na presença de várias pessoas] e racismo – art. 326, c/c art. 327, III, ambos da Lei nº 4.737/1965, c/c art. 20, da Lei nº 7.716/1989 – deve ser preservada.

No tocante à aplicação do ANPP e ao regime inicial, observa-se que o recorrente possui condenação definitiva por embriaguez ao volante (CTB, art. 302), transitada em julgado no dia 29.9.2022, embora extinta a punibilidade pelo cumprimento da pena, em 4.4.2024 (SEEU nº 2000015-30.2024.8.11.0092), mas persistem os efeitos da reincidência por não ter sido alcançada pelo período depurador de 5 (cinco) anos (CP, 61, I, c/c art. 64, I).

Essa circunstância [reincidência] impossibilita a aplicação do ANPP por força de lei e entendimento jurisprudencial (CPP, art. 28-A, § 2º, II; STJ, AgRg no AREsp 2340288/PR – relator Min. Ribeiro Dantas – 15.8.2023; AgRg no RHC 170457/SC – relator Min. Jesuíno Rissato – 1º.6.2023).

De outro lado, o reconhecimento, pelo juiz da causa, de que todas as circunstâncias judiciais são favoráveis e a pena imposta [inferior a quatro anos] possibilitam a fixação do regime inicial aberto, sopesada a função parlamentar, à luz do princípio da proporcionalidade (STF, HC 135.164/MT – relator Min. Marco Aurélio – redator Min. Alexandre de Moraes – Primeira Turma – 23.4.2019; HC 123.533/SP – relator Min. Roberto Barroso – Plenário – 3.8.2015).

Com essas considerações, recursos conhecidos e:

1) DESPROVIDO o recurso ministerial;

2) PROVIDO PARCIALMENTE o recurso de MICHEL LUCAS ROCHA SOUZA para estabelecer o regime aberto.

É como voto.

VOTOS

JUIZ EDSON DIAS REIS (Revisor), JUIZ LUIS OTÁVIO PEREIRA MARQUES, JUÍZA JULIANA MARIA DA PAIXÃO ARAÚJO, JUIZ PÉRSIO OLIVEIRA LANDIM, JUIZ RAPHAEL DE FREITAS ARANTES.

Com o relator.

DESEMBARGADORA SERLY MARCONDES ALVES (Presidente):

O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as preliminares, no mérito negou provimento ao recurso do Ministério Público e deu parcial provimento ao recurso de Michel Lucas, em dissonância parcial com o parecer ministerial.

EXTRATO DA ATA

RECURSO CRIMINAL ELEITORAL (14209) Nº 0600584-42.2024.6.11.0008 - Alto Taquari-MATO GROSSO

RELATOR: DESEMBARGADOR MARCOS MACHADO

RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

RECORRENTE: MICHEL LUCAS ROCHA SOUZA

ADVOGADA: VALERIA MANGANOTTI OLIVEIRA COELHO - OAB/PR61582

ADVOGADA: JULIANA FERNANDES CALZOLARI - OAB/MT27433-O

ADVOGADA: MARY MAGDA QUEIROZ DIAS - OAB/MT22109-O

ADVOGADO: GUILHERME RODRIGUES CARVALHO BARCELOS - OAB/DF56724

ADVOGADO: ANDERSON DE OLIVEIRA ALARCON - OAB/DF37270

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

RECORRIDO: MICHEL LUCAS ROCHA SOUZA

ADVOGADA: VALERIA MANGANOTTI OLIVEIRA COELHO - OAB/PR61582

ADVOGADA: JULIANA FERNANDES CALZOLARI - OAB/MT27433-O

ADVOGADA: MARY MAGDA QUEIROZ DIAS - OAB/MT22109-O

ADVOGADO: GUILHERME RODRIGUES CARVALHO BARCELOS - OAB/DF56724

ADVOGADO: ANDERSON DE OLIVEIRA ALARCON - OAB/DF37270

FISCAL DA LEI: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL

DECISÃO: ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso, por unanimidade, em REJEITAR as preliminares suscitadas e, no mérito, também por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO do Ministério Público Eleitoral e DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO de Michel Lucas Rocha Souza.

Composição: Desembargadora SERLY MARCONDES ALVES (Presidente), Desembargador MARCOS MACHADO, EDSON DIAS REIS (Revisor), LUIS OTÁVIO PEREIRA MARQUES, JULIANA MARIA DA PAIXÃO ARAÚJO, PÉRSIO OLIVEIRA LANDIM e RAPHAEL DE FREITAS ARANTES. A Procuradora Regional Eleitoral substituta LUDMILA BORTOLETO MONTEIRO.

SESSÃO HÍBRIDA DE 15/10/2025.