Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul
RECURSO ELEITORAL (11548) nº 0600035-87.2025.6.12.0034
PROCEDÊNCIA: Bandeirantes - MATO GROSSO DO SUL
RECORRENTE: MARIA JOSE FAUSTINO DE QUEIROZ
ADVOGADO: HIGOR VIEIRA GARCIA - OAB/MS24541
ADVOGADO: DORALICIO COSTA FELIX NETO - OAB/MS20783
RECORRENTE: FLAVIO FAUSTINO ALMEIDA
ADVOGADO: HIGOR VIEIRA GARCIA - OAB/MS24541
ADVOGADO: DORALICIO COSTA FELIX NETO - OAB/MS20783
RECORRIDA: COLIGAÇÃO JUNTOS POR BANDEIRANTES (REPUBLICANOS / PDT / PODE / PL / PSD)
ADVOGADO: IGOR DE MELO SOUSA - OAB/MS19143
ADVOGADO: BRUNO DOURADO BERTOTTO MARTINS - OAB/MS25058
RELATOR: JUIZ FERNANDO NARDON NIELSEN
Ementa: ELEIÇÃO SUPLEMENTAR 2025. RECURSO ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. VEICULAÇÃO DE DEEPFAKE EM GRUPO DE WHATSAPP. RESPONSABILIDADE DOS DIVULGADORES DIRETOS. MULTA. MANUTENÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Recurso eleitoral interposto contra sentença em representação por propaganda eleitoral irregular, julgada parcialmente procedente o pedido e condenando os recorrentes ao pagamento de multa de R$ 5.000,00, nos termos do art. 57-D, § 2º, da Lei nº 9.504/1997. Os recorrentes alegam ausência de provas quanto à autoria, inexistência de dolo e desproporcionalidade da sanção.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há duas questões em discussão: (i) verificar se a condenação por propaganda eleitoral irregular baseada na veiculação de vídeo manipulado (deepfake) se sustenta diante das provas constantes dos autos; (ii) avaliar se a multa aplicada atende aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade exigidos pela legislação eleitoral.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A autoria dos recorrentes na divulgação do vídeo manipulado foi comprovada por capturas de tela do grupo de WhatsApp, corroboradas pela confissão da Coligação beneficiária, que admitiu a publicação e mencionou a manifestação da candidata pela remoção do conteúdo, formando um conjunto probatório coeso.
4. A veiculação do conteúdo ofensivo e inverídico, com potencial de comprometer a lisura do pleito, configura propaganda eleitoral irregular, nos termos do art. 57-D, § 2º, da Lei nº 9.504/1997 e art. 9º-C da Resolução TSE nº 23.610/2019, com as alterações da Resolução TSE nº 23.732/2024.
5. A responsabilização dos recorrentes decorre de sua atuação direta como divulgadores do conteúdo ilícito, distinta da responsabilidade da coligação beneficiária, que exige comprovação de prévio conhecimento, nos termos do art. 40-B da Lei nº 9.504/1997.
6. A alegação de ausência de dolo não se sustenta, pois a conduta voluntária de compartilhar conteúdo sabidamente ofensivo e manipulado caracteriza dolo eleitoral suficiente para configurar o ilícito.
7. A multa foi fixada no patamar mínimo legal, R$ 5.000,00, considerada a gravidade da conduta e a ausência de reiteração, sendo desnecessária sua redução à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
IV. DISPOSITIVO E TESE
8. Recurso desprovido.
Tese de julgamento:
1. A divulgação de vídeo manipulado com conteúdo inverídico e ofensivo configura propaganda eleitoral irregular, sendo suficiente a comprovação da autoria da veiculação para caracterizar a infração.
2. A responsabilidade eleitoral dos divulgadores diretos prescinde de demonstração de reiteração ou vínculo formal com a campanha, bastando a conduta voluntária de disseminação do conteúdo ilícito.
3. A multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei nº 9.504/1997 pode ser fixada em seu patamar mínimo quando considerados fatores atenuantes como a remoção do conteúdo e ausência de reiteração.
Dispositivos relevantes citados: Lei nº 9.504/1997, arts. 40-B e 57-D, § 2º; Resolução TSE nº 23.610/2019, art. 9º-C, § 1º (com redação dada pela Resolução TSE nº 23.732/2024).
Jurisprudência relevante citada: TRE/MS, RE nº 060016802, Rel. Juiz Vitor Luis de Oliveira Guibo, j. 07.04.2025; TRE/MS, RE nº 060040030, Rel. Juiz Fernando Nardon Nielsen, j. 11.02.2025.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes deste Tribunal Regional Eleitoral, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, que ficam fazendo parte integrante desta decisão colegiada, Por unanimidade de votos e de acordo com o parecer ministerial, este Tribunal Regional negou provimento ao recurso, mantendo incólume a sentença que julgou parcialmente procedente a representação, tudo nos termos do voto do relator.
Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral.
Em Campo Grande, MS, 28/07/2025.
Juiz FERNANDO NARDON NIELSEN, Relator.
RELATÓRIO
MARIA JOSE FAUSTINO DE QUEIROZ e FLAVIO FAUSTINO ALMEIDA interpõem recurso eleitoral contra sentença proferida pelo Juízo da 34ª Zona Eleitoral de Bandeirantes (ID 12680320), que na representação ajuizada pela COLIGAÇÃO JUNTOS POR BANDEIRANTES por prática de propaganda eleitoral irregular, julgou parcialmente procedente o pedido, condenando os recorrentes ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00, com fundamento no art. 57-D, § 2º, da Lei nº 9.504/1997.
Alegam que a sentença se amparou em provas frágeis e insuficientes para justificar a condenação, notadamente capturas de tela de conversas em grupo de WhatsApp, que não permitem concluir de forma segura a autoria da publicação, tanto que a própria sentença reconheceu essa fragilidade ao absolver, no mesmo processo, a COLIGAÇÃO GOVERNO PARA TODOS, por ausência de prova de autoria ou prévio conhecimento, e que o mesmo raciocínio deveria ser aplicado a eles, em respeito ao princípio da isonomia.
Aduzem, ainda, que não foi demonstrada qualquer conduta individualizada por parte dos recorrentes, tampouco prova de que tenham compartilhado o vídeo de forma deliberada, sendo que o direito eleitoral sancionador não admite responsabilidade objetiva, sendo imprescindível a demonstração de dolo, o que não ocorreu.
Argumentam que são cidadãos comuns, apoiadores de campanha, e que a própria candidata do grupo político a que se vinculam havia orientado os membros a não compartilhar conteúdo ofensivo, o que demonstraria boa-fé.
No tocante à penalidade aplicada, sustentam que a multa fixada no valor de R$ 5.000,00 é desproporcional, diante da ausência de dolo, da inexistência de reiteração da conduta e da pronta remoção do conteúdo pela plataforma, invocando os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, bem como jurisprudência consolidada no âmbito da Justiça Eleitoral que exige adequação da sanção à gravidade da infração e à capacidade econômica do infrator.
Ao final, requerem o conhecimento e provimento do recurso para reformando a sentença, absolver os recorrentes com base na ausência de provas, ou, subsidiariamente, a exclusão ou redução da multa imposta.
Devidamente intimada (ID 12680328), a recorrida deixou de apresentar contrarrazões ao recurso (ID 12680329).
Instada a se manifestar (ID 12680277), a douta PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL opinou pelo conhecimento do recurso interposto por MARIA JOSÉ FAUSTINO DE QUEIROZ e FLÁVIO FAUSTINO ALMEIDA e, no mérito, pelo seu desprovimento, devendo permanecer inalterada a sentença do juízo da 34ª ZE/MS que julgou parcialmente procedente a representação em epígrafe. (ID 12680961).
É o relatório.
VOTO
Conforme relatado, trata-se de recurso eleitoral interposto por MARIA JOSE FAUSTINO DE QUEIROZ e FLAVIO FAUSTINO ALMEIDA contra sentença proferida pelo Juízo da 34ª Zona Eleitoral de Bandeirantes (ID 12680320), que na representação por prática de propaganda eleitoral irregular ajuizada pela COLIGAÇÃO JUNTOS POR BANDEIRANTES, julgou parcialmente procedente o pedido, condenando os recorrentes ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00, com fundamento no art. 57-D, § 2º, da Lei nº 9.504/1997.
Conheço do recurso, porque tempestivo e preenche os requisitos de admissibilidade.
A representação trata da suposta prática de propaganda eleitoral irregular negativa pelos recorrentes, consistente na publicação de um vídeo com conteúdo ofensivo em um grupo do aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp ordenado e coordenado pela COLIGAÇÃO GOVERNO PARA TODOS, atribuindo ao candidato da coligação autora a prática de corrupção eleitoral e captação ilícita de sufrágio.
A sentença recorrida, ao julgar parcialmente procedente a representação, destacou a vedação expressa contida no art. 9º-C da Resolução TSE nº 23.610/2019, a qual proíbe a propaganda eleitoral baseada em conteúdo manipulado, como deepfakes. Considerou que o conteúdo veiculado era ofensivo, inverídico e dotado de potencial para comprometer a lisura do processo eleitoral, enquadrando a conduta como ilícita, nos termos do art. 57-D, § 2º, da Lei nº 9.504/1997. Asseverou, ainda, que a mera reprodução de material falso configura ato ilícito, sendo irrelevante a existência de dolo por parte dos propagadores. Afastou, por fim, a responsabilização da COLIGAÇÃO GOVERNO PARA TODOS, diante da ausência de prévio conhecimento, da comprovação de que não participou da veiculação do conteúdo e da pronta retirada do material após a intimação.
Os recorrentes insurgem-se alegando as teses acima relatadas.
A sentença não merece reparos.
O cerne da controvérsia recursal reside em verificar se a condenação imposta aos recorrentes pela divulgação de propaganda eleitoral irregular, consistente em vídeo manipulado (deepfake), encontra respaldo no conjunto probatório dos autos e se a sanção aplicada observou os princípios da legalidade, da isonomia e da proporcionalidade.
Com efeito, a prova dos autos não deixa margem para dúvidas. A representante juntou capturas de tela que indicam o compartilhamento do vídeo pelos usuários MARIA JOSE FAUSTINO DE QUEIROZ e FLAVIO FAUSTINO ALMEIDA no grupo "GOVERNO PARA TODOS". No caso, a veracidade de tal prova foi inequivocamente corroborada por outros elementos, notadamente pela confissão da COLIGAÇÃO GOVERNO PARA TODOS.
Em sua peça de defesa (ID 12680318), a referida Coligação, ao tentar se eximir da responsabilidade, acabou por confirmar os fatos centrais da narrativa inicial. Afirmou que "foi encaminhado o vídeo objeto da representação" e que "no mesmo dia em que houve a publicação do vídeo aqui representado a candidata à Prefeita da Coligação se manifestou no grupo" pedindo o fim de postagens ofensivas. Tal manifestação, além de não negar a divulgação, a confirma, inclusive situando-a no tempo. A informação sobre o cumprimento da liminar (ID 12680251, 12680253 e 12680254), com a efetiva remoção do conteúdo, também constitui prova cabal da materialidade.
Portanto, a tese de fragilidade probatória não se sustenta. A confissão de um dos litisconsortes, alinhada às capturas de tela, forma um conjunto probatório coeso e suficiente para afastar qualquer dúvida sobre a autoria da divulgação pelos Recorrentes.
Quanto ao ilícito em si, a legislação eleitoral é cristalina. A Resolução TSE nº 23.610/2019, com as alterações promovidas pela Resolução TSE nº 23.732/2024, em seu art. 9º-C, § 1º, veda expressamente:
Art. 9º-C É vedada a utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral.
§ 1º É proibido o uso, para prejudicar ou para favorecer candidatura, de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deep fake).
O vídeo em questão, conforme descrito na sentença, é um "conteúdo sintético" que, por meio de áudio gerado por inteligência artificial, imputa falsamente a um candidato a prática de crime de corrupção eleitoral. A finalidade de prejudicar a candidatura adversária é manifesta. A conduta, portanto, amolda-se perfeitamente ao tipo infracional, extrapolando em muito os limites da crítica política e adentrando o campo da desinformação e da ofensa à honra.
No mesmo sentido, recente julgado desta Corte:
(...) 2. No caso concreto, a captura de tela e o vídeo juntados aos autos, aliados às declarações da recorrida em sua defesa, demonstram a veiculação da propaganda impugnada em seu perfil na rede social Facebook. 3. O conteúdo divulgado, consistente na manipulação de vídeo com informações descontextualizadas e difamatórias associando a candidata adversária a supostos golpes em restaurantes, configura propaganda eleitoral negativa vedada pelo art. 9º-C e pelo art. 27, §1º, da Resolução TSE nº 23.610/2019. 4. A conduta da recorrida extrapola o mero exercício da liberdade de expressão, enquadrando-se como desinformação com potencial para prejudicar a igualdade de condições entre as candidaturas, atraindo a sanção prevista no art. 57-D, §2º, da Lei nº 9.504/97. (...) (Acórdão no REl nº 060016802, j. 07.04.2025, rel. Juiz VITOR LUIS DE OLIVEIRA GUIBO).
No que tange à alegação de violação da isonomia, os recorrentes argumentam que o juízo a quo utilizou dois pesos e duas medidas, pois absolveu a Coligação com base na ausência de provas, mas os condenou com base nas mesmas provas.
O argumento não prospera.
A responsabilidade da Coligação (beneficiária) e a dos recorrentes (divulgadores diretos) são analisadas sob prismas jurídicos distintos. Para a Coligação, aplica-se o art. 40-B da Lei nº 9.504/1997, que exige a prova da autoria ou do prévio conhecimento do beneficiário.
Nesse sentido:
(...) 5. Apesar de as publicações configurarem propaganda irregular, a responsabilização do recorrido não é possível diante da ausência de prova inequívoca de prévio conhecimento ou participação direta do candidato (...), nos termos do art. 40-B da Lei nº 9.504/1997. (...) (TRE/MS – Acórdão no RE nº 060040030, j. 11.02.2025, de minha relatoria).
A sentença, acertadamente, entendeu que não havia provas de que a Coligação teve ciência prévia ou anuiu com a postagem, especialmente diante da manifestação de sua candidata em sentido contrário. Já para os Recorrentes, a responsabilidade decorre da própria ação de divulgar o conteúdo, comprovada nos autos. Não há, portanto, tratamento desigual, mas sim aplicação correta de normas distintas a situações distintas.
Por fim, a tese de ausência de dolo também deve ser rechaçada. O dolo, na espécie, consiste na vontade livre e consciente de compartilhar o conteúdo. O teor patentemente ofensivo e inverídico do vídeo torna impossível acolher a alegação de que agiram sem a intenção de macular a imagem do candidato adversário. A condição de "apoiadores" ou "cidadãos comuns" não os exime da responsabilidade por seus atos na seara eleitoral, especialmente quando participam de um ambiente de campanha digital e propagam material ilícito.
Dessa forma, restam devidamente comprovadas a materialidade, a autoria e a ilicitude da conduta praticada pelos recorrentes, não merecendo reforma a sentença neste ponto.
De outro lado, os recorrentes pleiteiam o afastamento ou a redução da multa de R$ 5.000,00, por considerá-la desproporcional.
O magistrado sentenciante, ao fixar a pena, agiu com a devida razoabilidade. Ponderou a gravidade da conduta, mas também considerou, como fator atenuante, o fato de os representados terem cumprido a ordem liminar e não haver nos autos prova de reiteração. Por essa razão, aplicou a multa em seu patamar mínimo legal, qual seja, R$ 5.000,00.
Portanto, à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, não há fundamento para a redução da multa aplicada.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, em consonância com o parecer da douta PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL, nego provimento ao recurso, mantendo incólume a sentença que julgou parcialmente procedente a representação, condenando os recorrentes ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00.
É como voto, Senhor Presidente.
EXTRATO DA ATA - DECISÃO
Conforme consta na ata de julgamentos, a DECISÃO foi a seguinte:
Por unanimidade de votos e de acordo com o parecer ministerial, este Tribunal Regional negou provimento ao recurso, mantendo incólume a sentença que julgou parcialmente procedente a representação, tudo nos termos do voto do relator.
Presidência em exercício do Exmo. Desembargador SÉRGIO FERNANDES MARTINS.
Relator(a), o(a) Exmo(a) Juiz(a) FERNANDO NARDON NIELSEN.
Procurador(a) Regional Eleitoral, o(a) Exmo(a). Dr(a). LUIZ GUSTAVO MANTOVANI.
Tomaram parte no julgamento, além do(a) relator(a), o(a)(s) Exmo(a)(s). Senhor(a)(es)(s) Juízes: Desembargador LUIZ TADEU BARBOSA SILVA (Membro Substituto), VITOR LUÍS DE OLIVEIRA GUIBO, CARLOS ALBERTO ALMEIDA DE OLIVEIRA FILHO, MARIEL CAVALIN DOS SANTOS (Membro Substituto) e MÁRCIO DE ÁVILA MARTINS FILHO.
Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral.
Em Campo Grande, MS, 28 de julho de 2025.
HARDY WALDSCHMIDT, Secretário da Sessão