Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul
RECURSO ELEITORAL (11548) nº 0600116-67.2024.6.12.0035
PROCEDÊNCIA: Campo Grande - MATO GROSSO DO SUL
RECORRENTE: MADALENA PEREIRA DA SILVA
ADVOGADO: MURILO PINA BLUMA - OAB/MS24020
ADVOGADO: MAURICIO DIAS TRINDADE DE OLIVEIRA - OAB/MS24333
RECORRIDA: JUSTIÇA PÚBLICA ELEITORAL
RELATOR: JUIZ ALEXANDRE ANTUNES DA SILVA
Ementa: DIREITO ELEITORAL. RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. SERVIÇOS DE MARKETING. COMPROVAÇÃO EXTEMPORÂNEA. CONTRATAÇÃO DE PESSOAL E IMPULSIONAMENTO REGULARES. UTILIZAÇÃO DE BEM IMÓVEL PRÓPRIO SEM COMPROVAÇÃO DE PROPRIEDADE. DESAPROVAÇÃO MANTIDA. DEVOLUÇÃO PARCIAL DE VALORES. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Recurso interposto por candidata a vereadora no pleito de 2024, no município de Campo Grande/MS, contra sentença que desaprovou suas contas eleitorais, com determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 123.926,28, em razão de irregularidades relacionadas à contratação de serviços de marketing, pagamento a coordenadores de campanha, impulsionamento de conteúdo no Facebook e uso de imóvel próprio sem comprovação de titularidade.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há quatro questões em discussão: (i) definir se a contratação de pessoal com remuneração variável compromete a regularidade das contas; (ii) estabelecer se o impulsionamento de conteúdo não declarado originalmente, mas comprovado por PIX, caracteriza irregularidade; (iii) analisar se a utilização de bem imóvel próprio sem prova de propriedade constitui falha grave; (iv) avaliar se a apresentação extemporânea de comprovação de serviços de marketing afasta a devolução dos recursos, mas mantém a desaprovação das contas.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A contratação de pessoal para campanhas eleitorais, ainda que com valores distintos e contratos padronizados, não compromete a regularidade das contas se comprovadas a efetiva prestação dos serviços e a idoneidade dos pagamentos, nos termos do art. 60 da Resolução TSE nº 23.607/2019.
4. O pagamento de impulsionamento de conteúdo, ainda que não declarado na prestação original, pode ser considerado regular se comprovado por transação bancária (PIX) anterior ao parecer conclusivo, conforme entendimento consolidado do TRE/MS.
5. A utilização de bem imóvel alegadamente próprio sem apresentação de escritura pública ou documento equivalente viola o art. 25, § 2º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, caracterizando recebimento de recurso de origem não identificada, o que compromete a regularidade das contas e impõe a devolução do valor estimado.
6. A apresentação extemporânea de documentos para comprovar despesa com marketing afasta a necessidade de devolução dos valores, mas não elide a desaprovação das contas, por se tratar de irregularidade formal que impede a verificação tempestiva da regularidade da despesa.
IV. DISPOSITIVO E TESE
7. Recurso parcialmente provido.
Dispositivos relevantes citados: Resolução TSE nº 23.607/2019, arts. 25, § 2º; 35, § 12; 57; 60, §§ 1º e 2º; 74, I; 79, § 1º.
Jurisprudência relevante citada: TSE, EDcl no AgR-AI nº 060005529/SC, Rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, j. 23.04.2020; TRE/MS, RE nº 0600225-17.2024.6.12.0024, Rel. Juiz Fernando Nardon Nielsen, j. 16.06.2025; TRE/MS, RE nº 060031586, Rel. Juiz Fernando Nardon Nielsen, j. 06.02.2025.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes deste Tribunal Regional Eleitoral, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, que ficam fazendo parte integrante desta decisão colegiada, À unanimidade de votos e em parte com o parecer ministerial, este Tribunal Regional, rejeitou a preliminar, e no mérito, por maioria de votos, deu parcial provimento ao recurso para manter a desaprovação das contas e determinar o recolhimento de valores, nos termos do voto do relator. Ficou vencido o 1º Vogal (Dr. Márcio de Ávila Martins Filho).
Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral.
Em Campo Grande, MS, 07/07/2025.
Juiz ALEXANDRE ANTUNES DA SILVA, Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de um recurso interposto por MADALENA PEREIRA DA SILVA referente à sentença prolatada pelo Juízo da 35ª ZE/MS que julgou como desaprovadas as contas eleitorais prestadas pela candidata a vereadora ao pleito de 2024,em Campo Grande, junto com a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 123.926,28 (cento e vinte e três mil, novecentos e vinte e seis reais e vinte e oito centavos).
A sentença (id 12613306), em análise às contas prestadas revelou irregularidades na contratação de serviços de marketing, totalizando R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais). Deste montante, R$60.000,00 foram custeados pelo Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e R$ 60.000,00 pelo Fundo Partidário. Sendo identificadas irregularidades significativas nas contas de campanha, incluindo a contratação de 28 coordenadores de logística com remuneração total de R$ 500,00 valor considerado irrisório. Além disso, constataram-se gastos com impulsionamento de conteúdo no Facebook, no valor de R$ 8.073,72, não declarados na prestação de contas original, e uma diferença de R$ 1.926,28, que devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional. O total das irregularidades apuradas, R$ 123.926,28, representa 23,64% do total arrecadado, evidenciando grave comprometimento da regularidade das contas.
Em suas razões (id 12613318), a recorrente sustenta que “a ausência de apreciação do pedido de dilação de prazo tempestivamente formulado pela candidata configura grave violação aos princípios do contraditório da ampla defesa e do devido processo legal, elencados no art. 5º, LIV e LV, da CRFB/88”, e que ”a parte afetada não teve a oportunidade de corrigir ou esclarecer as falhas indicadas de forma adequada, o que impediu a total elucidação dos fatos e a correção das contas à luz das exigências legais e processuais”, e por fim, “em relação à despesa de R$ 8.073,72 (oito mil e setenta e três reais e setenta e dois centavos) com impulsionamento de conteúdo no Facebook, é fundamental esclarecer que o valor efetivamente utilizado e pago foi de R$ 9.999,99 (nove mil, novecentos e noventa e nove reais e noventa e nove centavos), conforme detalhado no comprovante de pagamento”.
A douta PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL, se manifestou pelo conhecimento do recurso interposto, e no mérito, por seu parcial provimento (id 12618368).
É o relatório.
VOTO
Preenchidos os requisitos processuais, conheço do recurso apresentado.
A sentença (id 12613306), em análise às contas prestadas revelou irregularidades na contratação de serviços de marketing, totalizando R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais). Deste montante, R$60.000,00 foram custeados pelo Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e R$ 60.000,00 pelo Fundo Partidário. Sendo identificadas irregularidades significativas nas contas de campanha, incluindo a contratação de 28 coordenadores de logística com remuneração total de R$ 500,00 valor considerado irrisório. Além disso, constataram-se gastos com impulsionamento de conteúdo no Facebook, no valor de R$ 8.073,72, não declarados na prestação de contas original, e uma diferença de R$ 1.926,28, que devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional. O total das irregularidades apuradas, R$ 123.926,28, representa 23,64% do total arrecadado, evidenciando grave comprometimento da regularidade das contas.
A recorrente sustenta, no mérito, que “a ausência de apreciação do pedido de dilação de prazo tempestivamente formulado pela candidata configura grave violação aos princípios do contraditório da ampla defesa e do devido processo legal, elencados no art. 5º, LIV e LV, da CRFB/88”, e que ”a parte afetada não teve a oportunidade de corrigir ou esclarecer as falhas indicadas de forma adequada, o que impediu a total elucidação dos fatos e a correção das contas à luz das exigências legais e processuais”, e por fim, “em relação à despesa de R$ 8.073,72 (oito mil e setenta e três reais e setenta e dois centavos) com impulsionamento de conteúdo no Facebook, é fundamental esclarecer que o valor efetivamente utilizado e pago foi de R$ 9.999,99 (nove mil, novecentos e noventa e nove reais e noventa e nove centavos), conforme detalhado no comprovante de pagamento”.
Preliminarmente, a recorrente alega que a ausência de apreciação do pedido de dilação de prazo tempestivamente formulado pela candidata configura grave violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, elencados no art. 5º, LIV e LV, da CRFB/88, e pede o reconhecimento da nulidade da decisão recorrida.
Não prospera a afirmação. Em primeiro lugar, não há previsão de dilação de prazo na legislação regulamentar, não sendo direito subjetivo do prestador a concessão de maior prazo, uma vez que o procedimento é de seu conhecimento prévio, especialmente o art. 69, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a saber:
Art. 69. [..]
§ 3º Determinada a diligência, decorrido o prazo do seu cumprimento com ou sem manifestação, acompanhados, ou não, de documentos, os autos serão remetidos para a unidade ou a(o) responsável pela análise técnica para emissão de parecer conclusivo acerca das contas.
Seguindo esse fluxo, e confundindo-se com a preliminar, a recorrente afirma que houve violação ao seu direito de manifestação, por ofensa ao art. art. 72, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, o que também não pode ser aceito, haja vista que as irregularidades foram identificadas e foi determinada diligência (cumprida em parte pela prestadora), não havendo que se falar em ilegalidade.
A recorrente teve prazo suficiente para a apresentação de documentos e, por desídia somente a ela atribuída, não calha a decretação de nulidade, pelo que se afasta a preliminar alegada.
Quanto à juntada de documentos após a sentença, em sede de aclaratórios, o seu conhecimento é de natureza qualitativa, pois, conforme decidido recentemente pelo TSE, poderão ser conhecidos, com efeitos limitados, pelo que conheço dos documentos de ids 12613312, 12613313, 12613314, com a ressalva de que serão avaliados em cada situação, individualmente.
No mérito, verifica-se que foram quatro as irregularidades apontadas na sentença de 1º grau que ensejaram a desaprovação das contas da recorrente, a saber: 1. a contratação de pessoal; 2. a cessão de bem imóvel próprio ; 3. a contratação de serviços de marketing; e, 4. o impulsionamento de conteúdo.
A irregularidade com a contratação de pessoal consiste na contratação de 28 coordenadores de logística de campanha por 47 dias, com jornada de 4 a 6 horas diárias e remuneração total de R$ 500,00, valor considerado irrisório (1/3 do salário mínimo), em contraste com uma coordenadora que recebeu R$ 1.500,00 pelo mesmo serviço e período.
Sobre o tema, dispõe a Resolução TSE nº 23.607/2019:
Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):
I – (...)
VII - remuneração ou gratificação de qualquer espécie paga a quem preste serviço a candidatas ou candidatos e a partidos políticos;
§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.
O parecer técnico conclusivo, ao opinar pela desaprovação das contas, assim descreveu a irregularidade e a resposta da prestadora à diligência determinada (id 12613303):
Em resposta à diligência a Prestadora informa que todas as contratações obedecem os princípios constitucionais e legais, que os questionamentos apresentados não levam em consideração as peculiaridades, natureza do vínculo eleitoral e a dinâmica das relações políticas em períodos eleitorais, que os gastos não se afastam da média praticada em campanhas similares, que ao contrário do alegado na diligência a remuneração paga aos coordenadores não são de R$ 500,00, exemplo é a coordenadora Rosimeire R. Alves, CPF 607.939.781-53 que recebeu R$ 1.500,00.
Em que pese as alegações da Prestadora, o contrato celebrado é padrão e fala por si, logo, argumentos como peculiaridades de campanha, natureza do vínculo eleitoral, dinâmica das relações políticas, confiança política, trabalho realizado, comprometimento político, adesão ao projeto não podem, ou não devem prevalecer sobre as cláusulas contratuais, pois lá está bem definido o objeto contratual (distribuição de santinhos, panfletos, adesivagem, organização e participação em reuniões, em bairros e no centro da cidade), sua duração (47 dias), sua jornada diária trabalho (de 04 a 06 h) e remuneração total no período (R$ 500,00), salvo a Sra. Rosimeire R. Alves, CPF 607.936.781-53, que entre os 28 coordenadores relacionados na diligência, tendo exatamente o mesmo contrato, recebeu R$ 1.500,00, ou seja, 03 (três) vezes mais.
O uso de dinheiro público, diferentemente do privado, requer maior cuidado e rigor na sua aplicação, é preciso que haja coerência, transparência, ou seja, as peculiaridades precisam ser escritas em contrato, diferenciado um dos outros, de forma a permitir que o cidadão comum consiga entender a despesa por inteiro.
Ao contrário da conclusão do Juízo de primeiro grau, que encampou o parecer técnico, não se vislumbram irregularidades aptas a conduzir à desaprovação das contas. Em primeiro lugar, não há controvérsia acerca do pagamento dessas despesas, sendo carreados aos autos os extratos bancários das contas específicas para recebimento e trânsito dos recursos do FEFC, e os contratos e demais comprovantes.
Nos termos do art. 60, caput e §§ 1º e 2º da Resolução TSE nº 23.607/2019, a comprovação dos gastos eleitorais pode ser feita por meio de documento fiscal idôneo, bem como por contratos, recibos e extratos bancários com identificação dos destinatários dos pagamentos, o que se verifica no presente caso.
Assim, do ponto de vista contábil, o registro bancário e a regular inserção das informações no SPCE demonstram a idoneidade e regularidade da despesa.
Note-se que a recorrente, em atenção à determinação de diligência, peticionou oferecendo especificação das atividades executadas e justificativa do preço contratado, nos seguintes termos (id 12613291, pp. 5-6):
Os Coordenadores de Logística e Apoio foram colaboradores escolhidos com base na confiança política e na capacidade técnica, tendo em vista sua dedicação anterior e contínua ao projeto eleitoral, desempenhando funções essenciais à estruturação e mobilização da campanha, tais como: (i) Organização e distribuição de materiais gráficos em bairros e regiões centrais; (ii) Coordenação de eventos e reuniões políticas com apoiadores e eleitores; (iii) Supervisão da adesivagem e mobilização de equipes em campo.
Os valores pagos são proporcionais à jornada de trabalho desempenhada, que variou entre 4 e 6 horas diárias, e ao período de 47 (quarenta e sete) dias de campanha.
É importante destacar que a contratação eleitoral não segue as regras da CLT, sendo baseada em acordos que levam em conta o trabalho realizado, o comprometimento político e a adesão ao projeto eleitoral. Assim sendo, comprova-se a legalidade e a transparência das contratações, que seguiram critérios objetivos, como tempo trabalhado e função.
Ademais, o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) foi aplicado em contratações específicas, levando em consideração a função desempenhada e o tempo de dedicação do colaborador.
Constata-se os valores pagos não se mostram irrazoáveis ou desproporcionais, especialmente em razão da diversidade de funções desempenhadas pelos colaboradores, ainda que os contratos façam menção genérica às atividades, devendo ser afastada a mencionada irregularidade.
Quanto à cessão de imóvel próprio, consoante o parecer conclusivo de id 12613303, a recorrente, após ser intimada, "não apresentou escritura pública ou meio que o equivalha para comprovar sua propriedade, caracterizada está o recebimento de recurso de origem não identificada, conforme art. 32, § 1º, I, da Resolução TSE nº 23.607/2019".
Combina-se a essa posição o quanto disposto no art. 25, §2º da Resolução TSE n. 23.607/19, que determina que os "bens próprios da candidata ou do candidato somente podem ser utilizados na campanha eleitoral quando demonstrado que já integravam seu patrimônio em período anterior ao pedido de registro da respectiva candidatura".
Percebe-se que a recorrente teve a devida oportunidade de trazer à lume o esclarecimento acerca da propriedade do bem e quedou-se silente, em atitude deveras suspeita, sendo que tal irregularidade tem, por si só, o condão de desaprovar as suas contas, com a devolução do valor declarado de R$ 2.000,00.
Nas irregularidades na contratação de serviços de marketing, houve a identificação de despesa de R$ 120.000,00, sendo R$ 60.000,00 custeados com recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) e R$ 60.000,00 com Fundo Partidário.
A sentença entendeu que, embora "tenha apresentado contrato após diligência, a candidata não informou o quantitativo do material digital produzido nem as redes sociais utilizadas para divulgação/impulsionamento, impedindo a verificação efetiva da execução do objeto contratual".
De fato, a prestadora não apresentou no tempo adequado a comprovação das atividades contratadas, tendo juntado aos autos essa documentação apenas após a sentença.
Sobre o tema, o Tribunal Superior Eleitoral, ao julgar os Embargos de Declaração no Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 060005529/SC1, sob relatoria do Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, em abril de 2020, firmou o entendimento de que despesas de campanha e recebimento de recursos realizados antes da divulgação da prestação de contas parcial — e não nela informados — não implicam, automaticamente, na rejeição das contas. Nesses casos, é necessário avaliar, individualmente, a gravidade da omissão e o impacto na fiscalização promovida pela Justiça Eleitoral na análise final da prestação de contas.
De igual modo, este Regional já enfrentou o tema no processo de n. 0600225-17.2024.6.12.0024, de relatoria do Juiz Fernando Nardon Nielsen, julgado em 16/06/2025, como se vê adiante:
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A jurisprudência do TSE admite, excepcionalmente, a juntada extemporânea de documentos em sede de prestação de contas eleitorais, com o exclusivo propósito de afastar a devolução de recursos ao erário, quando demonstrada a correta aplicação de verbas públicas.
4. A documentação fiscal apresentada após a sentença revela-se idônea e suficiente para comprovar a regularidade da despesa no valor de R$ 3.750,00, viabilizando o afastamento da devolução ao Tesouro Nacional.
5. O processo de prestação de contas não admite presunções como base para a desaprovação, sendo necessária prova concreta de irregularidade; eventual ausência de contratação formal de cabos eleitorais não pode, por si só, ensejar a desaprovação.
6. As contas eleitorais têm por objeto a verificação da correção formal e material da aplicação dos recursos declarados, sendo descabida a apuração de ilícitos eleitorais com base em suposições ou elementos indiciários, os quais devem ser analisados em ação própria.
7. A desaprovação das contas permanece justificada em razão da apresentação intempestiva dos documentos comprobatórios, configurando irregularidade de natureza formal que compromete a regularidade da prestação, conforme entendimento pacificado da Justiça Eleitoral.
Nesse sentido, no presente feito não se constata que tal inconsistência tenha comprometido a análise técnica e, seguindo o entendimento desta egrégia Corte, entende-se que restou caracterizada a existência de impropriedade, todavia, desprovida do condão de ser determinada a devolução dos valores, diante da apresentação dos documentos e das justificavas, ainda que a destempo.
No tocante aos gastos com impulsionamento de conteúdo, foram identificadas notas fiscais de impulsionamento no Facebook no valor total de R$ 8.073,72 não declaradas na prestação de contas original, sendo que a recorrente apresentou retificadora declarando gastos de R$ 10.000,00, não tendo juntado as devidas notas fiscais emitidas pelo Facebook, restando uma diferença de R$ 1.926,28, tratada como sobra de campanha.
O percuciente parecer ministerial bem tratou da matéria, pelo que se transcreve o seu teor, adotado como razões de decidir:
No que tange aos gastos com impulsionamento, consta a declaração de despesa no valor de R$ 8.073,72 (oito mil, setenta e três reais e setenta e dois centavos) referente ao impulsionamento de conteúdo na plataforma Facebook. Contudo, o montante efetivamente pago foi de R$ 9.999,99 (nove mil, novecentos e noventa e nove reais e noventa e nove centavos).
O comprovante PIX (ID 12613292) constitui prova tempestiva da despesa realizada, detalhando tanto o montante quanto a destinação do valor, vinculado ao impulsionamento de conteúdo. Nesse contexto, resta inequívoco que referido documento se revela suficiente para corroborar a quantia despendida, em estrita consonância com o preceituado na Resolução TSE 23.607/19:
Art. 57. A comprovação dos recursos financeiros arrecadados deve ser feita mediante:
I - correspondência entre o número do CPF/CNPJ da doadora ou do doador registrado na prestação de contas e aquele constante do extrato eletrônico da conta bancária; ou
II - documento bancário que identifique o CPF/CNPJ das doadoras ou dos doadores.
§ 1º A comprovação da ausência de movimentação de recursos financeiros deve ser efetuada mediante a apresentação dos correspondentes extratos bancários ou de declaração firmada pela (o) gerente da instituição financeira.
Lado outro, a douta magistrada deliberou pela fixação do montante em R$ 8.073,72 (oito mil e setenta e três reais e setenta e dois centavos), determinando que a quantia residual de R$ 1.926,28 (mil e novecentos e vinte e seis reais e vinte e oito centavos) seja recolhida ao Tesouro Nacional, sob o fundamento de configurar sobra de campanha.
Entretanto, à luz do entendimento consolidado pelo TRE/MS, o comprovante PIX consubstancia prova idônea da despesa, e sua apresentação tempestiva, anterior à emissão do parecer conclusivo ministerial, impõe sua devida consideração. A saber:
RECURSO ELEITORAL – PRESTAÇÃO DE CONTAS – ELEIÇÕES 2024 – APROVAÇÃO COM RESSALVAS PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU – AUSÊNCIA DE NOTA FISCAL NO MOMENTO DA ANÁLISE INICIAL – POSTERIOR REGULARIZAÇÃO – COMPROVAÇÃO IDÔNEA DOS GASTOS – BOA-FÉ DA CANDIDATA – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE – RECURSO PROVIDO – CONTAS APROVADAS SEM RESSALVAS.
(...) da análise dos documentos inseridos nos autos em momento anterior ao parecer conclusivo - tanto ministerial quanto cartorário -, verifica-se a juntada de três comprovantes financeiros (modalidade PIX), vinculados aos serviços da GRÁFICA PEX LTDA, com valores de R$ 610,00 (seiscentos e dez reais), R$595,00 (quinhentos e noventa e cinco reais) e R$475,00 (quatrocentos e setenta e cinco reais). (IDs 12602933, 12602923 e 12602928).
Embora a comprovação não tenha sido realizada mediante recibo fiscal, os comprovantes de transação PIX demonstram-se idôneos para atestar a natureza dos gastos, conforme previsão do art. 60, § 1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019.
(TRE-MS - RE n. 060031586 - Campo Grande/MS - Rel. Dr. Fernando Nardon Nielsen - j. 06/02/2025 - DJe 07/02/2025).
Logo, sob o risco de constituir enriquecimento indevido do ente público, é certo o afastamento da devolução de R$ 1.926,28 (mil novecentos e vinte e seis reais e vinte e oito centavos) ao Tesouro Nacional.
Assim, da análise final da prestação de contas, julga-se pelo afastamento das irregularidades relativas à contratação de pessoal (R$ 1.500,00) e ao impulsionamento de conteúdo no Facebook (R$ 1.926,28), devendo ser mantida a desaprovação das contas em função da cessão de bem imóvel próprio, sem a prova de propriedade, com a devolução do valor de R$ 2.000,00, em razão da gravidade da situação.
A contratação de serviços de marketing, com a comprovação extemporânea das atividades contratadas, também é causa de desaprovação das contas, porém, nos termos da jurisprudência do TSE e do TRE/MS, afasta a devolução do numerário envolvido na irregularidade (R$ 120.000,00).
Ante o exposto, em parte com o parecer ministerial, dou parcial provimento ao recurso interposto por MADALENA PEREIRA DA SILVA, mantenho a desaprovação das contas prestadas e, afastadas as irregularidades relativas à contratação de pessoal e ao impulsionamento de conteúdo no Facebook, bem como a devolução do numerário envolvido na irregularidade referente à contratação de serviços de marketing, determino o recolhimento do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) ao Tesouro Nacional.
EXTRATO DA ATA - DECISÃO
Conforme consta na ata de julgamentos, a DECISÃO foi a seguinte:
À unanimidade de votos e em parte com o parecer ministerial, este Tribunal Regional, rejeitou a preliminar, e no mérito, por maioria de votos, deu parcial provimento ao recurso para manter a desaprovação das contas e determinar o recolhimento de valores, nos termos do voto do relator. Ficou vencido o 1º Vogal (Dr. Márcio de Ávila Martins Filho).
Presidência em exercício do Exmo. Desembargador SÉRGIO FERNANDES MARTINS.
Relator(a), o(a) Exmo(a) Juiz(a) ALEXANDRE ANTUNES DA SILVA.
Procurador(a) Regional Eleitoral Substituto, o(a) Exmo(a). Dr(a). SILVIO PETTENGILL NETO.
Tomaram parte no julgamento, além do(a) relator(a), o(a)(s) Exmo(a)(s). Senhor(a)(es)(s) Juízes: Desembargador LUIZ TADEU BARBOSA SILVA (Membro Substituto), VITOR LUÍS DE OLIVEIRA GUIBO, CARLOS ALBERTO ALMEIDA DE OLIVEIRA FILHO, FERNANDO NARDON NIELSEN e MÁRCIO DE ÁVILA MARTINS FILHO.
Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral.
Em Campo Grande, MS, 07 de julho de 2025.
HARDY WALDSCHMIDT, Secretário da Sessão