Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul


 

RECURSO ELEITORAL (11548)  nº  0600011-47.2024.6.12.0017 
PROCEDÊNCIA:  Bela Vista -  MATO GROSSO DO SUL
RECORRENTE: ÓRGÃO DE DIREÇÃO MUNICIPAL DO PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB/BELA VISTA
ADVOGADO: HIGOR CARVALHO FLORENCIO - OAB/MS29841
ADVOGADO: DANILO DE LIMA ALVES - OAB/MS27208
ADVOGADO: GUILHERME CHADID GOMES - OAB/MS29397
RECORRIDA: GERARDO GABRIEL NUNES BOCCIA
ADVOGADO: EDUARDO DA SILVA PEGAZ - OAB/MS12680

RELATORA: JUÍZA SANDRA REGINA DA SILVA RIBEIRO ARTIOLI

 

EMENTA

 

ELEIÇÕES 2024. RECURSO ELEITORAL. PROPAGANDA EXTEMPORÂNEA. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. DEEPFAKE. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. CRÍTICA POLÍTICA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. RECURSO NÃO-PROVIDO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU.

Por padrão, entende-se deepfake como imagens sintéticas que são criadas a partir de tecnologias de IA e aprendizado de máquina que permitem a reprodução de padrões de imagens que foram combinadas, fundidas e trocadas com uma aparente autenticidade.

As críticas políticas, ainda que duras e ácidas, ampliam o fluxo de informações, estimulam o debate sobre os pontos fracos dos possíveis competidores e de suas propostas e favorecem o controle social e a responsabilização dos representantes pelo resultado das ações praticadas durante o seu mandato.

A extensão da noção de propaganda antecipada negativa a qualquer manifestação prejudicial a possível pré-candidato por cidadãos comuns transformaria a Justiça Eleitoral na moderadora permanente das críticas políticas na internet.

Das postagens do representado não se extrai pedido de "não-voto", mas crítica política um tanto jocosa, abrangida por seu direito constitucional de liberdade de expressão e de manifestação do pensamento, dos quais se utiliza para tecer críticas à qualidade das ruas da cidade, bem como para enaltecer o seu atual trabalho de vereador pelo município.

A mera utilização de conversão de texto para voz (Text-to-Speech) não é suficiente para caracterizar o uso de deepfake ou para macular os vídeos como falsos, como se estivesse o representado a manipular e adulterar a verdade dos fatos, ou a simular uma voz famosa para angariar apoio eleitoral ou conferir mais credibilidade ao vídeo.

Recurso não-provido, em total consonância com o parecer ministerial. Sentença mantida na íntegra.

 
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes deste Tribunal Regional Eleitoral, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, que ficam fazendo parte integrante desta decisão colegiada, À unanimidade de votos e de acordo com o parecer ministerial, este Tribunal Regional negou provimento ao recurso, mantendo incólume a sentença que julgou improcedente a representação, nos termos do voto da relatora e resolvendo o mérito.

Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral.

Em Campo Grande, MS, 19/08/2024.

Juíza SANDRA REGINA DA SILVA RIBEIRO ARTIOLI


RELATÓRIO 

Trata-se de recurso contra sentença do juízo da 17ª Zona Eleitoral de Mato Grosso do Sul (Bela Vista/MS) que julgou improcedente a representação movida pelo ÓRGÃO DE DIREÇÃO MUNICIPAL DO PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB) em Bela Vista/MS em desfavor de GERARDO GABRIEL NUNES BOCCIA.

Segundo consta da inicial (ID 12519167):

Na data de 05 de março de 2024, o Sr. Gerardo Gabriel realizou a publicação de conteúdo nas redes sociais Instagram, Facebook e Tiktok, consistente em um vídeo narrado por inteligência artificial para ironizar a existência de alguns buracos existentes no Município de Bela Vista/MS, dizendo que a cidade possui um sistema de redução de velocidade “inovador” (...). Posteriormente, na data de 11 de março de 2024, o Sr. Gerardo Gabriel realizou a veiculação de conteúdo(vídeo) sobre um suposto projeto de infraestrutura que seria de sua autoria, onde a pavimentação de asfalto seria substituída por blocos de concreto, e além disso menciona que levou uma fábrica de blocos para o Município de Bela Vista, podendo expandir a ideia para outros município, assim, ficando ainda mais o claro intuito de favorecer sua candidatura, usando de conteúdo sintético em formato de áudio e vídeo, criando voz de pessoa fictícia. (...).

 

Indeferida a antecipação da tutela (ID 12519176), o requerido apresentou contestação (ID 12519182), defendendo a regularidade das publicações e ressaltando que os conteúdos questionados, “embora possam ser interpretados como elementos de uma campanha eleitoral, não se enquadram na definição estrita de propaganda eleitoral conforme delineado pelo artigo 36 da Resolução TSE nº 23.610/19”, uma vez que “os vídeos não realizam tal solicitação de votos de maneira explícita ou implícita, mas sim promovem uma discussão sobre políticas públicas, o que é essencial para a democracia e o debate público” (ID 12519182).

Não vislumbrando a existência de elementos configuradores de propaganda eleitoral antecipada, o Ministério Público Eleitoral (ID 12519175) manifestou-se pela parcial procedência da representação, apenas para garantir a “exclusão do vídeo publicado no dia 05 de março de 2024, por afrontar as normas previstas nos art. 3º-C c/c art. 9º-B, da Resolução nº 23.610/19”, na medida em que “restou devidamente caracterizada a artificialidade da narração, bem como é notório o uso do mecanismo "Text-to-Speech" disponibilizado pelas redes sociais em que o conteúdo foi postado”.

Julgada improcedente a representação (ID 12519195), sobreveio recurso do PSB em Bela Vista/MS (ID 12519212), requerendo a reforma da sentença e a consequente imposição de multa ao representado, “por violação aos artigos 9º-B e 9º-C, §1º da Resolução nº 23.610/19 do TSE”.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo conhecimento do recurso interposto pelo ÓRGÃO DE DIREÇÃO MUNICIPAL DO PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB) em Bela Vista/MS e, no mérito, pelo seu desprovimento, devendo permanecer inalterada a sentença do juízo da 17ª ZE/MS que julgou a representação improcedente.

 


VOTO

Conheço do recurso, porquanto atendidos os requisitos gerais de admissibilidade. No mérito, porém, o caso é de desprovimento do recurso.

Conforme relatado, o recorrente aduz que GERARDO GABRIEL NUNES BOCCIA realizou a publicação de conteúdo nas redes sociais Instagram, Facebook e Tiktok, consistente em um vídeo narrado por inteligência artificial para ironizar a existência de alguns buracos existentes no Município de Bela Vista/MS, em suposta afronta aos arts. 9º-B e 9º-C, §1º da Resolução nº 23.610/19 do TSE, que assim preveem:

Art. 9º-B. A utilização na propaganda eleitoral, em qualquer modalidade, de conteúdo sintético multimídia gerado por meio de inteligência artificial para criar, substituir, omitir, mesclar ou alterar a velocidade ou sobrepor imagens ou sons impõe ao responsável pela propaganda o dever de informar, de modo explícito, destacado e acessível que o conteúdo foi fabricado ou manipulado e a tecnologia utilizada. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

Art. 9º-C É vedada a utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral.(Incluído pela Resolução nº 23.732/2024) 

§ 1º É proibido o uso, para prejudicar ou para favorecer candidatura, de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deep fake).

 

Por padrão, entende-se deepfake como imagens sintéticas que são criadas a partir de tecnologias de IA e aprendizado de máquina que permitem a reprodução de padrões de imagens que foram combinadas, fundidas e trocadas com uma aparente autenticidade.

A fim de ser verificada a possível transgressão eleitoral na internet, o representante junta prints de tela de computador e links de redes sociais, nos quais se verificam o caráter ácido e crítico do representado em suas avaliações políticas, ao ironizar a existência de buracos existentes nas ruas do Município de Bela Vista/MS.

Entretanto, ao se analisar as postagens e o texto nelas contido, não se pode concluir pela existência de ofensa à legislação eleitoral, pelas razões a seguir expostas.

O art. 36-A, do Código Eleitoral, dispõe que não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os atos ali enumerados.

Por sua vez, a Resolução TSE n. 23.610/19 (que dispõe sobre propaganda eleitoral, utilização e geração do horário gratuito e condutas ilícitas em campanha eleitoral), em seu artigo 3º, repete a norma supramencionada, proibindo expressamente a divulgação de propaganda eleitoral antecipada, como se vê:

Art. 3º Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais das pré-candidatas e dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet (Lei nº 9.504/1997, art. 36-A, caput, I a VII e §§):

Recentemente adicionado, o art. 3º-A, da mesma resolução, ainda explica:

Art. 3º-A. Considera-se propaganda antecipada passível de multa aquela divulgada extemporaneamente cuja mensagem contenha pedido explícito de voto, ou que veicule conteúdo eleitoral em local vedado ou por meio, forma ou instrumento proscrito no período de campanha. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

 

É importante que se esclareça que a propaganda eleitoral, para que seja considerada antecipada e negativa, deve conter alguns elementos imprescindíveis, quais sejam: (i) a presença de pedido explícito de voto; (ii) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda; ou (iii) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos.

Mais que isso, não é qualquer crítica contundente a candidato ou ofensa à honra que caracteriza propaganda eleitoral negativa antecipada, sob pena de violação à liberdade de expressão.

Esse é o entendimento do TSE:

Direito Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral. Eleições 2018. Propaganda eleitoral negativa antecipada. Ausência de pedido explícito de votos. Mera crítica política. Liberdade de expressão. Provimento.

1. Recurso especial eleitoral interposto contra acórdão do TRE/MA que julgou procedentes os pedidos formulados em representação por propaganda eleitoral antecipada negativa e condenou cada um dos recorrentes ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

2. Hipótese em que foi publicada mensagem, na rede social do primeiro recorrente e no blog do segundo recorrente, atribuindo a prática de crimes ao recorrido, relacionados à suposta alteração do objeto da licitação para obras de ampliação do Hospital de Alta Complexidade Carlos Macieira.

3. O TSE reconhece como critério inicial para a caracterização de propaganda eleitoral antecipada o caráter eleitoral da comunicação. Após, devem ser observados três parâmetros alternativos: (i) a presença de pedido explícito de voto; (ii) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda; ou (iii) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos.

4. Embora alguns julgados do TSE tenham reconhecido que "a divulgação de publicação, antes do período permitido, que ofende a honra de possível futuro candidato constitui propaganda eleitoral negativa extemporânea", não é qualquer crítica contundente a candidato ou ofensa à honra que caracteriza propaganda eleitoral negativa antecipada, sob pena de violação à liberdade de expressão.

5. Apesar do conteúdo eleitoral da mensagem impugnada, não houve pedido explícito de "não voto" em desfavor do pré-candidato a governador. Ademais, a veracidade e eventual ilegalidade dos atos imputados no texto estão em discussão na Justiça Comum, no âmbito da ação popular ajuizada pelo primeiro recorrente, não se podendo afirmar, de plano, se estamos diante de fato sabidamente inverídico. A mensagem veiculada caracteriza–se como uma crítica política, intrínseca à atividade e à vida pública dos mandatários, assegurada nos termos do art. 5º, IV, da Constituição Federal e do art. 36–A, V, da Lei nº 9.504/1997.

6. As críticas políticas, ainda que duras e ácidas, ampliam o fluxo de informações, estimulam o debate sobre os pontos fracos dos possíveis competidores e de suas propostas e favorecem o controle social e a responsabilização dos representantes pelo resultado das ações praticadas durante o seu mandato. A extensão da noção de propaganda antecipada negativa a qualquer manifestação prejudicial a possível pré-candidato por cidadãos comuns transformaria a Justiça Eleitoral na moderadora permanente das críticas políticas na internet.

7. Recurso especial eleitoral a que se dá provimento, para julgar improcedente a representação por propaganda eleitoral antecipada. (TSE, RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060005754, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 116, Data 22/06/2022)

 

Das postagens do representado não se extrai pedido de "não-voto", mas crítica política um tanto jocosa, abrangida por seu direito constitucional de liberdade de expressão e de manifestação do pensamento, dos quais se utiliza para tecer críticas à qualidade das ruas da cidade, bem como para enaltecer o seu atual trabalho de vereador pelo município.

Ademais, tampouco se percebe a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda (suposta infringência ao art. 9-B e 9-C, §1º, da Resolução TSE 23.610/2019), ou a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos.

Sobre a utilização de inteligência artificial de maneira irregular, muito bem pontuou a magistrada de primeiro grau:

[...] a mera utilização de conversão de texto para voz (Text-to-Speech) não seria suficiente para caracterizar o uso de "deep fake" ou para macular os vídeos como falsos, como se estivesse o representado a manipular e adulterar a verdade dos fatos, ou a simular uma voz famosa para angariar apoio eleitoral ou conferir mais credibilidade ao vídeo. Em verdade, a voz utilizada nos vídeos é a padrão daquelas disponibilizadas pelas inteligências artificiais nas redes sociais, a qual é amplamente utilizada pela população em geral e é de fácil identificação pelo homem médio, não se revestindo dos tipos de abusos e deturpações que a legislação eleitoral visa inibir.

 

Nessa perspectiva, à vista do exposto, tem-se que a decisão de origem não merece reparos, em virtude do que, acompanhando o parecer ministerial, nego provimento ao recurso.

É como voto.



EXTRATO DA ATA - DECISÃO

 

Conforme consta na ata de julgamentos, a DECISÃO foi a seguinte:

À unanimidade de votos e de acordo com o parecer ministerial, este Tribunal Regional negou provimento ao recurso, mantendo incólume a sentença que julgou improcedente a representação, nos termos do voto da relatora e resolvendo o mérito.

Presidência do Exmo. Desembargador CARLOS EDUARDO CONTAR.

Relatora, a Exma. Juíza SANDRA REGINA DA SILVA RIBEIRO ARTIOLI.

Procurador(a) Regional Eleitoral, o(a) Exmo(a). Dr(a). LUIZ GUSTAVO MANTOVANI.

Tomaram parte no julgamento, além do(a) relator(a), o(a)(s) Exmo(a)(s). Senhor(a)(es)(s) Juízes: Desembargador SIDENI SONCINI PIMENTEL, RICARDO DAMASCENO DE ALMEIDA, JOSÉ EDUARDO CHEMIN CURY, VITOR LUÍS DE OLIVEIRA GUIBO e CARLOS ALBERTO ALMEIDA DE OLIVEIRA FILHO.

Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral.

Em Campo Grande, MS, 19 de agosto de 2024.

HARDY WALDSCHMIDT, Secretário da Sessão