Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul

AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA/PERDA DE CARGO ELETIVO (12628)  nº  0600039-66.2024.6.12.0000 
PROCEDÊNCIA:  Campo Grande -  MATO GROSSO DO SUL
REQUERENTE: RAFAEL BRANDAO SCAQUETTI TAVARES
ADVOGADO: BRUNO MARQUES MAIA - OAB/MS22193
ADVOGADO: DANILO ASSIS AZAMBUJA - OAB/MS27500
ADVOGADO: ALEXANDRE JACQUES COSTA GLAYCHMAN - OAB/MS16570
ADVOGADO: MARCELO BONOTTO DEMIRDJIAN - OAB/MS20134
ADVOGADO: LUIZ FERNANDO ESPINDOLA BINO - OAB/MS0017696
REQUERIDO: ÓRGÃO DE DIREÇÃO NACIONAL DO PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO - PRTB

RELATOR: JUIZ VITOR LUIS DE OLIVEIRA GUIBO

EMENTA

AÇÃO DECLARATÓRIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. DEPUTADO ESTADUAL. ELEIÇÕES 2022. JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO. LEGENDA QUE NÃO ATINGIU CLÁUSULA DE DESEMPENHO. INEXISTÊNCIA DE MARCO CRONOLÓGICO PARA A DESFILIAÇÃO MOTIVADA POR AUSÊNCIA DE SATISFAÇÃO À CLÁUSULA DE BARREIRA. REDAÇÃO INCLUÍDA PELA EC Nº 97/2017. EXIGÊNCIA SOMENTE DA CONDIÇÃO DE "ELEITO" DAQUELE QUE TENCIONA DESLIGAR-SE DE PARTIDO. MIGRAÇÃO JUSTIFICADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 17, § 5º, DA CF. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

1 - Para a desfiliação fundada no art. 17, § 5º, da CF, exige-se tão somente a proclamação formal, por esta Justiça Especializada, do resultado da corrida eleitoral, não havendo exigência de observância de lapso temporal para o ajuizamento de ação declaratória de justa causa para desfiliação partidária.

2 - O § 5º do art. 17 da CF prevê a faculdade do detentor de mandato eletivo, cujo partido pelo qual foi eleito não tenha atingido, nas eleições para a câmara federal, a cláusula de barreira imposta no § 3º, inciso I, filiar a outro partido sem a perda de seu mandato.

3 - Referido dispositivo não faz distinção entre os mandatos e tampouco estabelece prazos legais para tal filiação, não cabendo estabelecer interpretação restritiva em prejuízo aos mandatários.

4 - Alicerçado o pedido em fundamentos idôneos e não tendo sido apresentados argumentos aptos a infirmá-los, merece ser julgada procedente a ação declaratória de justa causa para desfiliação partidária.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Juízes deste Tribunal Regional Eleitoral, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, que ficam fazendo parte integrante desta decisão colegiada, À unanimidade de votos e de acordo com o parecer ministerial, este Tribunal Regional julgou procedente o pedido na ação de justificação de desfiliação partidária formulado por RAFAEL BRANDÃO SCAQUETTI TAVARES e ajuizada em face do PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO (PRTB), reconhecendo a justa causa para a desfiliação, nos termos do voto do relator e resolvendo o mérito. O Presidente participou do julgamento, votando por último, em face do quórum exigido pelo art. 28, § 4º, do Código Eleitoral e, ainda, nos termos dos arts. 24, §§ 2º e 5º, 43, inciso VII, e 129 do Regimento Interno deste Tribunal Regional (Resolução nº 801/2022).

Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral.

Em Campo Grande, MS, 27/05/2024.

Juiz VITOR LUIS DE OLIVEIRA GUIBO, Relator.

RELATÓRIO

Tratam os autos de ação declaratória de existência de justa causa para desfiliação partidária, com pedido de antecipação de tutela, proposta por RAFAEL BRANDAO SCAQUETTI TAVARES, movida em face do ÓRGÃO DE DIREÇÃO NACIONAL DO PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO - PRTB, a sigla pela qual foi eleito.

O requerente alega que obteve o cargo de Deputado Estadual pelo PRTB no pleito de 2022, no entanto, a referida agremiação não teria atingido a cláusula constitucional de desempenho, de forma a prejudicar a sua plena atuação parlamentar.

Com base nesta alegação, afirma que possui direito à declaração de existência da justa causa para a desfiliação partidária prevista pelo § 5º do art. 17 da Constituição Federal, que preceitua a possibilidade de desfiliação quando o partido, pelo qual o candidato foi eleito, não tiver alcançado a cláusula de desempenho prevista pelo § 3º do sobredito artigo, por se tratar de hipótese que impossibilita o recebimento de recursos do Fundo Partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão.

Alega também estarem presentes os requisitos para concessão de tutela provisória de urgência diante da probabilidade do direito invocado, uma vez que o PRTB não atingiu a cláusula de desempenho prevista pelo art. 17, § 3º, da Constituição Federal, bem como pelo perigo da demora, porque o requerente pretende concorrer a uma vaga municipal, seja no Executivo, ou ainda, na Câmara de Vereadores no pleito deste ano de 2024.

Requereu, ao final, a concessão da tutela de urgência, em caráter liminar, reconhecendo-se a presença da justa causa prevista pelo art 17, § 5º, da Constituição Federal.

E, em caso de não concessão da tutela provisória de urgência, pugna pela apreciação do pedido sob a ótica da tutela de evidência, na forma do art. 311, inciso IV, do CPC.

Pede ainda pela citação do partido requerido, a intimação da Procuradoria Regional Eleitoral para emissão de parecer e pela procedência da ação.   

O pedido de antecipação de tutela foi indeferido e o recurso de agravo interno contra o indeferimento não foi conhecido, conforme se constata das decisões proferidas pelo relator que me antecedeu (id 12478228 e 12481427).

Citado, o partido requerido deixou transcorrer o prazo para apresentação de defesa sem qualquer manifestação.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela procedência da ação de justificação de desfiliação partidária.

É o relatório.

VOTO

A Ação Declaratória de Justa Causa para Desfiliação Partidária é demanda utilizada pelos detentores de cargos eletivos proporcionais para a desfiliação das greis partidárias sem que haja a perda dos respectivos mandatos.

Na espécie, o autor ingressou com ação declaratória de justa causa para desfiliação partidária, com fundamento no art. 1º, § 3º, da Resolução TSE nº 22.610/2007, verbis:

Art. 1º (...)

§ 3º - O mandatário que se desfiliou ou pretenda desfiliar-se pode pedir a declaração da existência de justa causa, fazendo citar o partido, na forma desta Resolução.

Diversamente do que ocorre com a ação de perda de mandato por infidelidade partidária, de cariz constitutivo negativo, a ação declaratória de justa causa para a desfiliação ostenta natureza declaratória, razão pela qual eventual improcedência não enseja, de per si, a perda do mandato eletivo, exceto quando desnaturada pela incidência de pedido contraposto, o que não se verifica na espécie em que a agremiação requerida sequer respondeu aos termos da inicial.

Em relação à pretensão do autor, constata-se que assiste razão ao requerente quando afirma que a previsão contida pelo § 5º do art. 17 da Constituição Federal constitui justa causa que autoriza a promoção da desfiliação partidária, sem que ocorra a perda do mandato eletivo.

A propósito, transcrevo a Constituição Federal no que é pertinente:

Art. 17. (...)

§ 5º Ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos no § 3º deste artigo é assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os tenha atingido, não sendo essa filiação considerada para fins de distribuição dos recursos do fundo partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e de televisão.

Ademais disso, em consulta aos dados do c. TSE, constata-se que o PRTB de fato não atingiu a cláusula de desempenho.

Em relação ao lapso de tempo entre a ocorrência da justa causa e o ajuizamento da ação de justificação de desfiliação partidária, cumpre notar que especificamente para o caso de o partido não ter atingido a cláusula de desempenho, embora relevante, não é fundamental.

Nesse sentido, trago o percuciente parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

(...) certo é que o TSE, em posicionamento recente, tem manifestado pela impossibilidade de fixação de marco cronológico específico para o ajuizamento de ação de desfiliação partidária pelo motivo previsto no art. 17, §§ 5º e 6º, da CRFB/1988. É o que se verifica do precedente a seguir:

ELEIÇÕES 2022. AÇÃO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE CARGO ELETIVO. DEPUTADO FEDERAL. HIPÓTESE DE DESFILIAÇÃO FUNDADA NA AUSÊNCIA DE ALCANCE DA CLÁUSULA DE BARREIRA. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. IMPROCEDÊNCIA . JUSTA CAUSA CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE MARCO CRONOLÓGICO PARA A DESFILIAÇÃO MOTIVADA POR AUSÊNCIA DE SATISFAÇÃO À CLÁUSULA DE BARREIRA. REDAÇÃO INCLUÍDA PELA EC Nº 97/2017. EXIGÊNCIA SOMENTE DA CONDIÇÃO DE "ELEITO" DAQUELE QUE TENCIONA DESLIGAR-SE DE PARTIDO. MIGRAÇÃO JUSTIFICADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 17, § 5º, DA CF. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. A decisão agravada negou seguimento à ação de decretação de perda de cargo eletivo derivada de desfiliação partidária, uma vez que foi verificada a presença de justa causa para a desfiliação, consubstanciada na ausência de alcance, pelo partido anterior, da cláusula de barreira - art. 17, § 5º, da CF.

2. O Poder Constituinte Derivado não fixou marco cronológico para a desfiliação em hipótese como a dos autos, notadamente ao se considerar que a redação incluída pela EC nº 97/2017 reclama tão somente a condição de "eleito" daquele que tenciona desligar-se de partido que não alcançou a cláusula de barreira.

3. Para a desfiliação fundada no art. 17, § 5º, da CF, exige-se tão somente a proclamação formal, por esta Justiça Especializada, do resultado da corrida eleitoral, não havendo exigência legal expressa para que o ato seja efetivado a partir de 1º de fevereiro do ano subsequente ao pleito.

4. Alicerçada a decisão impugnada em fundamentos idôneos e não tendo sido apresentados argumentos aptos a reformá-la, merece ser desprovido o agravo interno.

5. Negado provimento ao agravo interno. (TSE - AgRg nos ED na AJDesCargEle n. 060011560, Acórdão, Min. Raul Araujo Filho, Publicação: DJe de 13/06/2023).

No mesmo sentido, já entendeu a Corte Eleitoral maranhense (TRE/MA):

PETIÇÃO. AÇÃO DE PERDA MANDATO ELETIVO. PRELIMINAR DE DECADÊNCIA REJEITADA. SAÍDA DE PARTIDO. VEREADOR. CLÁUSULA DE BARREIRA NÃO CUMPRIDA. JUSTA CAUSA. IMPROCEDÊNCIA DA ARGUMENTAÇÃO. RECONHECIMENTO DA JUSTA CAUSA.

1. No presente caso, inexiste prova de que o PRTB, na pessoa do presidente nacional, tenha sido intimado da desfiliação do requerido pela Justiça Eleitoral, de modo que não se iniciou regularmente a contagem do prazo decadencial de 30 dias para propositura da ação de perda de mandato eletivo por desfiliação partidária sem justa causa, razão pela qual a preliminar de decadência deve ser rejeitada.

2. Possui legitimidade o autor, na qualidade de vereador para pleitear sua desfiliação partidária com base no § 5º, do artigo 17, da Constituição da República.

3. O § 5º do artigo 17 da CF prevê a faculdade do detentor de mandato eletivo, cujo partido pelo qual foi eleito não tenha atingido, nas eleições para a câmara federal, a cláusula de barreira imposta no §3º, inciso I, filiar a outro partido sem a perda de seu mandato.

4. Referido dispositivo não faz distinção entre os mandatos e tampouco estabelece prazos legais para tal filiação, não cabendo estabelecer interpretação restritiva em prejuízo aos mandatários.

5. Ação julgada improcedente. (TRE-MA - AJDesCargEle n. 060011785, SÃO LUÍS/MA, Rel. Des. Camilla Rose Ewerton Ferro Ramos, j. 22/08/2022, DJe de 31/08/2022)

Vale destacar que, ainda que "entre o fato alegado como justificativa e o ato de desfiliação não se dev(a) mediar grande lapso de tempo" conforme leciona José Jairo Gomes, certo é que tal situação melhor se adequa às hipóteses previstas apenas no art. 22-A da LPP, uma vez que remetem a situações em que a permanência na agremiação se revela insustentável - seja pela mudança substancial e/ou desvio reiterado do programa partidário (inc. I) ou pela grave discriminação política pessoal (inc. II) -, ou ao caso específico da janela partidária (inc. III).

Não bastasse, há que se reconhecer que a Res. TSE n. 22.610/2007 estabelece prazo específico para ajuizamento apenas da ação de perda do mandato eletivo por infidelidade partidária (art. 1º, § 2º), sem qualquer menção à ação que busca o reconhecimento de justa causa para desfiliação.

Assim, comprovado o não atingimento da cláusula de barreira do art. 17, § 3º, da CRFB/1988 pelo PRTB no pleito de 2022, certo é que o pedido em tela deve ser deferido.

Ante o exposto, a PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL em Mato Grosso do Sul se manifesta pelo deferimento do pedido de reconhecimento de justa causa para desfiliação de RAFAEL BRANDÃO SCAQUETTI TAVARES do PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO (PRTB), com fundamento na hipótese prevista no art. 17, §§ 5º e 6º, da CRFB/1988, para fins de migração para o PARTIDO LIBERAL (PL).  

Nesse contexto, constata-se que a premissa alegada configura justa causa para a desfiliação, existindo, portanto, elementos suficientes a evidenciar o direito do requerente.

Diante disso, por estar presente a justa causa fundada no art. 17, § 5º, da CF, deve ser reconhecida a procedência da presente ação.

Ante o exposto, com o parecer ministerial, julgo procedente o pedido de justificação de desfiliação partidária formulado por RAFAEL BRANDAO SCAQUETTI TAVARES, ajuizado em face do PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO - PRTB.

EXTRATO DA ATA - DECISÃO

Conforme consta na ata de julgamentos, a DECISÃO foi a seguinte:

À unanimidade de votos e de acordo com o parecer ministerial, este Tribunal Regional julgou procedente o pedido na ação de justificação de desfiliação partidária formulado por RAFAEL BRANDÃO SCAQUETTI TAVARES e ajuizada em face do PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO (PRTB), reconhecendo a justa causa para a desfiliação, nos termos do voto do relator e resolvendo o mérito. O Presidente participou do julgamento, votando por último, em face do quórum exigido pelo art. 28, § 4º, do Código Eleitoral e, ainda, nos termos dos arts. 24, §§ 2º e 5º, 43, inciso VII, e 129 do Regimento Interno deste Tribunal Regional (Resolução nº 801/2022).

Presidência do Exmo. Des. PASCHOAL CARMELLO LEANDRO.

Relator(a), o(a) Exmo(a) Juiz(a) VITOR LUIS DE OLIVEIRA GUIBO.

Procurador(a) Regional Eleitoral, o(a) Exmo(a). Dr(a). LUIZ GUSTAVO MANTOVANI.

Tomaram parte no julgamento, além do(a) relator(a), o(a)(s) Exmo(a)(s). Senhor(a)(es)(s) Juízes: Desembargador SIDENI SONCINI PIMENTEL (Membro Substituto), RICARDO DAMASCENO DE ALMEIDA, JOSÉ EDUARDO CHEMIN CURY, SANDRA REGINA DA SILVA RIBEIRO ARTIOLI, VITOR LUÍS DE OLIVEIRA GUIBO, FERNANDO BONFIM DUQUE ESTRADA  (Membro Substituto) e, ainda, Desembargador PASCHOAL CARMELLO LEANDRO (Presidente).

Sala das Sessões do Tribunal Regional Eleitoral.

Em Campo Grande, MS, 27 de maio de 2024.

HARDY WALDSCHMIDT, Secretário da Sessão