JUSTIÇA ELEITORAL
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MATO GROSSO DO SUL
REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0601812-20.2022.6.12.0000 - ELEIÇÕES 2022
Procedência: Campo Grande - MATO GROSSO DO SUL
Representante: COLIGAÇÃO TRABALHANDO POR UM NOVO FUTURO (FEDERAÇÃO PSDB/CIDADANIA / 10-REPUBLICANOS / 11-PP / 40-PSB / 22-PL / 12-PDT)
Advogados:EDMILSON CARLOS ROMANINI FILHO - OAB/MS 20.894,MARLA DINIZ BRANDAO DIAS - OAB/MS 14.029,TEOFILO OTTONI ALVES KNOELLER - OAB/MS 23.390-A,ARNALDO PUCCINI MEDEIROS - OAB/MS 6.736,LUCIA MARIA TORRES FARIAS - OAB/MS 8.109-A,MARCIO ANTONIO TORRES FILHO - OAB/MS 7.146-A eMAITE NASCIMENTO LIMA - OAB/MS 22.855
Representada: COLIGAÇÃO MUDANÇA DE VERDADE (PRTB / AVANTE)
Advogados:RAMATIS AGUNI MAGALHAES - OAB/MS 19.905-A,JOAO URBANO DOMINONI NETO - OAB/MS 22.703-A ePEDRO DE CASTILHO GARCIA - OAB/MS 20.236-A
Relator: Juiz RICARDO DAMASCENO DE ALMEIDA
DECISÃO FINAL
Vistos.
Trata-se de representação eleitoral com pedido de tutela de urgência ajuizada pela COLIGAÇÃO TRABALHANDO POR UM NOVO FUTURO (FEDERAÇÃO PSDB/CIDADANIA, REPUBLICANOS, PP, PSB, PL, PDT) em face de COLIGAÇÃO MUDANÇA DE VERDADE (PRTB e AVANTE), por divulgação de propaganda eleitoral irregular, consistente na divulgação de pesquisa não registrada (ID12232979).
Alega que: i) a representada, na data de 10 de outubro de 2022, divulgou, nos stories da rede social Instagran do perfil público de campanha de seu candidato a vice-governador HUMBERTO FIGUEIRÓ, propaganda irregular consistente em pesquisa de intenção de votos não registrada para o governo estadual de Mato Grosso do Sul; e, ii) trata a publicação de propaganda em favor do candidato CAPITÃO CONTAR, com base em pesquisa não registrada junto ao TSE atribuída ao INSTITUTO VERITÁ, utilizando-se de gráficos e dados no intuito de ludibriar o eleitor, havendo, contudo, falha grosseira da total ausência de indicação de registro, o que evidencia pesquisa inexistente, cuja divulgação é contrária às norma eleitorais, caracterizando propaganda irregular e divulgação de Fake News.
Pleiteou, liminarmente, a cessação de toda e qualquer divulgação ou compartilhamento da pesquisa não registrada, ainda que por meios diversos, bem como a remoção de todo conteúdo veiculado e, ainda, a divulgação da decisão que assim determinar de maneira contextualizada e explicada, tudo sob pena de multa pelo descumprimento.
Ao final, requereu a citação da representada para oferecer defesa e a procedência da representação, confirmando-se a liminar, e a condenação ao pagamento da multa do art. 17 da Resolução TSE nº 23.600/2019 e art. 33, § 2º, da Lei nº 9.504/1997, em seu importe máximo ou, subsidiariamente, aplicação da multa do art. 57-D, § 2º, da Lei nº 9.504/1997, também no em seu valor Máximo.
Em sede de juízo perfunctório, foi deferida a tutela de urgência, determinando que a representada se abstivesse de divulgar pesquisa, por qualquer meio, sob pena de multa no valor de R$ 5.000,00, por divulgação realizada e ainda, que a representada publicasse em seus perfis da rede social Instagram a íntegra da presente decisão, referenciando a postagem original e informando que a Justiça Eleitoral considerou que a pesquisa ali divulgada se trata de pesquisa sem prévio e regular registro perante o TSE, sob pena, também, de multa no valor de R$ 5.000,00, por dia de descumprimento, com devida comprovação do cumprimento da determinação no prazo da contestação (ID 12233046).
Citada, a representada apresentou contestação (ID 12233571), aduzindo que a postagem impugnada não está mais sob divulgação e, ainda, que a plataforma da rede social Instagram não permite a divulgação de arquivo tal como ocorre no aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp, tornando-se impossível o cumprimento da determinação de divulgação integral da decisão.
Suscitou, em preliminar, a ilegitimidade passiva do candidato representado, pois a publicação foi realizada por terceira pessoa, tendo apenas aceitado a marcação
No mérito, alega que: i) a publicação não é pesquisa, mas mera tabela e por essa razão não há como se aplicar a penalidade do tipo previsto no art. 17 da Resolução TSE nº 23.600/2019; ii) em última análise, o que houve foi propaganda eleitoral na internet, o que é válido e legítimo e, considerando que cumpriu a ordem judicial liminar, a representação deve ser julgada improcedente por já ter alcançado o seu objetivo que era o de cessar a publicação supostamente irregular; iii) em caso de procedência, ainda assim não cabe aplicação de penalidade em razão dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, um vez que não teve dolo de divulgar pesquisa não registrada, tendo apenas, de boa-fé, aceitado a replicação de uma marcação que um eleitor fez para divulgar sua candidatura, sem potencial de afetar o equilíbrio na disputa eleitoral; e, iv) a sanção estabelecida para veiculação de pesquisa não registrada é desproporcional à conduta praticada mesmo quando aplicada em seu mínimo legal, cabendo em caso de procedência a aplicação da multa prevista para propaganda irregular na internet em seu valor mínimo.
Com vista dos autos, a douta PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL manifestou-se pela parcial procedência da presente representação, de modo a ser confirmada a liminar concedida, sem aplicação da pena de multa prevista no art. 17, da Resolução TSE n. 23.600/19, mas com a aplicação da pena de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por dia de descumprimento por não publicado, na íntegra, do conteúdo indicado (ID 12234620).
É o relatório.
Decido.
O cerne da presente representação é a divulgação pela COLIGAÇÃO MUDANÇA DE VERDADE (PRTB / AVANTE) de pesquisa de intenção de votos não registrada no Estado do Mato Grosso do Sul, em perfil público de campanha de HUMBERTO FIGUEIRÓ, candidato a vice-governador pela coligação representada, cuja penalização é a multa prevista no art. 33, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, regulamentado pelo art. 17 da Resolução TSE nº 23.600/2019, in verbis:
Art. 17. A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações constantes do art. 2º desta Resolução sujeita os responsáveis à multa no valor de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil, duzentos e cinco reais) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais) (Lei nº 9.504/1997, arts. 33, § 3º, e 105, § 2º).
Por pesquisa eleitoral compreende-se “o levantamento e a interpretação de dados atinentes à opinião ou preferência do eleitorado quanto aos candidatos que disputam as eleições. Tem por finalidade verificar a aceitação ou o desempenho dos concorrentes no certame” (GOMES, José Jairo, 2020, pág. 695).
Mais ainda, a legislação eleitoral determina que toda pesquisa eleitoral deve, obrigatoriamente, ser registrada junto à Justiça Eleitoral, no prazo de até 5 (cinco) dias antes da sua divulgação, bem como cumprir os requisitos estabelecidos pelo art. 33 da Lei nº 9.504/1997.
O escopo da norma é impedir que o equilíbrio da disputa eleitoral seja ilegitimamente afetado pela divulgação de informações estatísticas acerca da preferência do voto popular.
Para tanto, a lei imputa responsabilidade a quem divulga pesquisa de opinião sem prévia autorização de regularidade pela Justiça Eleitoral, sobretudo em razão da influência direta que tais consultas exercem no comportamento dos candidatos e eleitores em geral.
In casu, resta incontroverso que a representada divulgou nos stories da rede social Instagram do perfil público de campanha de seu candidato ao cargo de vice-governador HUMBERTO FIGUEIRÓ imagem de suposta pesquisa eleitoral não registrada junto ao TSE atribuída ao INSTITUTO VERITÁ, que emprega gráficos e dados no intuito de ludibriar o eleitor, havendo, contudo, falha grosseira da total ausência de indicação de registro, o que evidencia se tratar de pesquisa inexistente, cuja divulgação é contrária às normas eleitorais, caracterizando propaganda irregular e divulgação de fakenews.
Em consulta ao sistema PesqEle, constatou-se a inexistência de registro da pesquisa compartilhada, bem como do instituto de pesquisas e do estatístico mencionados nas imagens.
Pelas provas colacionadas aos autos, não restou possível saber quem foi o criador do conteúdo divulgado, mas analisando os prints, percebe-se que houve rigor técnico na elaboração da arte apresentada nas imagens. Isso porque o aspecto visual é inquestionável, faz referência a números de intenção de votos para o cargo de governador do Estado de Mato Grosso do Sul e vem acompanhado por gráficos coloridos com percentagem, quantidade de entrevistados e outros elementos capazes de conduzir o leitor à conclusão de que se trata de uma pesquisa confiável, na qual foram observados os requisitos exigidos pela legislação.
Para tanto, a lei imputa responsabilidade a quem divulga pesquisa de opinião sem prévia autorização de regularidade pela Justiça Eleitoral, sobretudo em razão da influência direta que tais consultas exercem no comportamento dos candidatos e eleitores em geral.
Constatada a ausência de registro, decidiu-se em tutela provisória de urgência (ID 12233046) que a representada publique em seu perfil do Instagram que a pesquisa ali divulgada se trata de pesquisa sem prévio e regular registro perante o TSE, ou de pesquisa inexistente, situação que se enquadra na vedação do art. 17 da Resolução 23.600/19, sob pena de multa.
Se uma publicação em redes sociais relacionada à disputa eleitoral se apresenta com caracteres profissionais, assemelhando-se a uma pesquisa eleitoral registrada, sua divulgação irregular não pode ser tolerada tampouco albergada pelo direito à liberdade de expressão, dada sua grande aptidão de influenciar a vontade popular e de trazer riscos ao equilíbrio da disputa eleitoral.
Neste sentido, trago o pertinente comentário do eminente doutrinador RODRIGO LÓPEZ ZILIO:
[...] a pesquisa se caracteriza como valioso elemento de indução de eleitores sem convicção formada, já que aponta os candidatos que, no momento, possuem um melhor desempenho na avaliação dos eleitores, indicando uma possibilidade de semelhante performance no dia do pleito. Historicamente, a divulgação de pesquisa possui inegável influência junto ao público alvo, servindo como elemento de interferência no processo eleitoral. (in Direito Eleitoral, JusPodium, 2020, p. 507)
Em que pese o argumento de não autoria pela divulgação da pesquisa e que a publicação foi realizada por terceira pessoa, tendo apenas aceito a sua marcação, o que a fez aparecer em sua conta no Instagram, cumpre apontar que as redes sociais como a em questão são hoje as principais formas de comunicação entre pessoas, levando informação rápida a um número muito maior de destinatários, podendo assumir feições de cunho público ou privado, de acordo com as peculiaridades.
Na hipótese, resta evidente que o intuito da publicação foi justamente divulgar notícias referentes às eleições, sendo evidente que a intenção era de que a informação atingisse um número grande de pessoas.
Dessarte, a divulgação de dados através de redes sociais possui ampla abrangência em relação a terceiros, haja vista a possibilidade de se replicar a publicação para outros.
Traçadas tais premissas, na esteira do parecer da douta PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL, embora seja evidente que a propaganda eleitoral, quando veicula pesquisa não registrada junto à Justiça Eleitoral, ou que sequer tenha sido realizada, e a inobservância das disposições da Resolução TSE nº 23.600/2019, há o cometimento de abuso, haja vista a difusão de conteúdo que atinge a integridade do processo eleitoral, a aplicação da pena de multa prevista no art. 33, § 3º, da Lei nº 9.504/97 c/c art. 17 da Resolução TSE 23.600/19 se mostra desproporcional, em razão da ausência de certeza que a representada tinha conhecimento da falta de registro junto à Justiça Eleitoral da pesquisa divulgada, razão pela qual este juízo não vislumbra a presença de elementos suficientemente aptos a atrair a subsunção de tais dispositivos.
É dado ao julgador, ao apreciar os fatos, dar-lhe o correto direcionamento e aplicação do direito, sem que recaia em julgamento extra ou ultra petita, amparado no brocardo jurídico narra mihi factum dabo tibi ius (dá-me o fato, dar-te-ei o direito).
Ao apresentar defesa, o representado deve defender-se dos fatos que pesam contra si e não da definição jurídica dada pelo representante aos acontecimentos alegados na petição inicial. É o que entendeu o Tribunal Superior Eleitoral, ao editar a Súmula 62: Os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial, dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor.
Impende ressaltar que o § 1º do art. 96 da Lei nº 9.504/1997 estabelece que as reclamações e representações devem relatar fatos, não exigindo seu enquadramento legal.
Necessário se faz diferenciar a pesquisa eleitoral sem o prévio registro, aludida pelo § 3º do art. 33 da Lei n. 9.504/1997, da falsa notícia sobre pesquisa (pesquisa inexistente), como é o caso dos presentes autos.
A hipótese referenciada no § 3º do art. 33 da Lei n. 9.504/1997 visa assegurar que a pesquisa real e produzida para conhecimento do público em geral - veja-se a exigência da finalidade de ampla divulgação, bem explicada pela expressão legal para conhecimento público, deve obedecer a critérios consentâneos com as normas estatísticas, de forma a que seus resultados não sejam distorcidos mediante oculta manipulação.
No caso dos autos, é possível depreender que os fatos narrados devem ser analisados sob o viés da divulgação de fake news via redes sociais, haja vista seu caráter inverídico.
Nesse diapasão, é cediço que a tônica no contexto atual é o combate à disseminação de informações falsas na internet, redes sociais e por meio de aplicativos de mensagens instantâneas, com potencialidade de viralização, apta a atingir milhões de pessoas em curto espaço de tempo.
Não por acaso, essa preocupação de combate à desinformação, praticada pelas chamadas milícias digitais, levou o TSE, desde as eleições de 2020, a firmar parcerias com as principais redes sociais em operação no Brasil, com cada uma das plataformas que incluem Facebook, Instagram, Twitter, Google, YouTube, TikTok e WhatsApp.
A propósito, confira-se os argumentos lançados pelo Min. LUÍS ROBERTO BARROSO quando do julgamento do REspe nº 0600024-33.2019.6.20.0006:
9. Conforme expus no voto proferido nas AIJEs nos 0601771-28/DF e 0601968-80/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. em 28.10.2021, nos últimos anos, tem sido crescente a percepção de que o uso desvirtuado da internet e das redes sociais pode representar grave ameaça à democracia e aos direitos fundamentais. Especialmente em processos eleitorais, tornou-se evidente o efeito nocivo produzido por campanhas de desinformação e de ódio, que não apenas são capazes de desequilibrar a disputa, mas também afetam a própria capacidade dos cidadãos de tomarem decisões de forma consciente e informada e corroem a confiança social na integridade das eleições e a própria democracia. 10. As narrativas falsas e enganosas e teorias da conspiração que se proliferam no ambiente das redes sociais e aplicativos de mensagens privadas aproveitam-se do fluxo de informação horizontal que é próprio da internet, bem como da formação de “bolhas” ou “câmaras de eco” pelos algoritmos que regem as redes, para criar um ambiente de desordem informacional. Trata-se de um ambiente propício para gerar vantagens econômicas, sociais e políticas. Por isso mesmo, a desinformação – produzida e disseminada em larga escala – tornou-se um desafio de natureza global e perene. 11. Nesse contexto, é essencial o combate sistêmico à desinformação, para a garantia da legitimidade das eleições e da sobrevivência da democracia. Analisando-se o funcionamento e a arquitetura do ambiente informacional digital, verifica-se que, por trás da disseminação de conteúdos falsos, enganosos, ilícitos ou ilegítimos, identificam-se muitas vezes ações coordenadas para influenciar ou corromper o debate público (as chamadas operações de influência). Essas redes articuladas se valem regularmente de comportamentos inautênticos, como o uso de robôs e contas falsas, de propaganda computadorizada e, ainda, de disparos em massa de mensagens para ampliar artificialmente o alcance da comunicação e produzir ganhos políticos e/ou econômicos. [...] 15. Considerados esses fundamentos, a remoção de conteúdos específicos traz sempre a necessidade de realizar uma ponderação que garanta robusta proteção à liberdade de expressão e impeça a censura. Embora isso seja necessário em determinados casos, atuar no campo do controle de conteúdos é atuar no varejo, sem atingir a raiz do problema. A fim de alcançar resultados sistêmicos, sem implicações relevantes sobre a liberdade de expressão, é possível centrar os esforços repressivos sobre as redes articuladas para a disseminação massiva de desinformação – atuando apenas pontualmente sobre conteúdos falsos ou enganosos. (TSE – Acórdão no REspeEl nº 0600024-33, de 17.02.2022, rel. Min. SÉRGIO BANHOS).
Acrescente-se, ainda, as disposições concernentes à propaganda eleitoral na internet, provenientes do mesmo texto normativo:
Art. 27. É permitida a propaganda eleitoral na internet a partir do dia 16 de agosto do ano da eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 57- A). (Vide, para as Eleições de 2020, art. 11, inciso II, da Resolução nº 23.624/2020)
§ 1º A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução. (Redação dada pela Resolução nº 23.671/2021)
É preciso destacar que a publicação de pesquisas eleitorais falsas, em redes sociais, precisa ser combatida pela Justiça Eleitoral, visto que a internet é uma perigosa ferramenta de divulgação de informações inverídicas, amplamente utilizada nas campanhas eleitorais com o intuito de tumultuar o processo eleitoral.
A liberdade constitucional de expressão e manifestação do pensamento surge para a democracia como pilar de sustentação para o livre debate de ideias e para a realização de escolhas conscientes pelos cidadãos.
De fato, trata-se de direito fundamental de força intensiva, cuja limitação, todavia, encontra barreiras apenas em outros direitos fundamentais de igual envergadura, especialmente aqueles relativos à honra, à imagem e, em relação à propaganda eleitoral, ao direito de informação do eleitor.
Nessa esteira, o eleitor tem direito ao debate claro de ideias, com identificação das fontes informativas bem como da veracidade do conteúdo do que lhe é posto ao conhecimento. Surge, nesse ponto, a necessidade de combate à desinformação, às mentiras e às notícias falsas, inclusive na forma de pesquisas, criadas com o único intuito de promoção de propaganda negativa ou positiva dos candidatos e disseminação do que popularmente se convencionou chamar de fake news.
A legislação eleitoral não está a permitir o uso indiscriminado e ilícito de redes sociais com a finalidade de disseminação de conteúdo desprovido de elementos mínimos de fidedignidade das informações e do responsável por sua criação.
Na espécie, a falsa pesquisa ainda afronta, especialmente, dois princípios norteadores da propaganda eleitoral, qual seja, o da veracidade e da responsabilidade, assim conceituados por JOSÉ JAIRO GOMES:
(...) Veracidade – os fatos veiculados devem corresponder à verdade histórica. Como reflexos desse princípio têm-se, por exemplo, a possibilidade de exercício do direito de resposta sempre que candidato for atingido por afirmação “sabidamente inverídica” (LE, art. 58), a criminalização da conduta de “divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado” (CE, art. 323), a previsão de denunciação caluniosa eleitoral e a divulgação por qualquer meio ou forma do fato falsamente imputado (CE, art. 326-A, caput, e § 3).
(...) Responsabilidade – a responsabilidade pela propaganda deve sempre ser atribuída a alguém. Em princípio, é carreada ao candidato, partido e coligação, que 17.2.3 respondem pelo seu teor e pelos excessos ocorridos. Eventualmente, o veículo e o agente da comunicação também podem ser responsabilizados. A esse respeito, o artigo 241 do Código Eleitoral estabelece o princípio da solidariedade, pelo qual: “Toda propaganda eleitoral será realizada sob a responsabilidade dos partidos e por eles paga, imputando-lhes solidariedade nos excessos praticados pelos seus candidatos e adeptos”
Nesse desiderato, a legislação eleitoral acompanha o texto constitucional ao vedar a criação anônima de conteúdo, nos termos do art. 57-D da Lei das Eleições, reproduzido pelo art. 30, § 1º, da Resolução TSE nº 23.610/2019, verbis:
Art. 30. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da internet, assegurado o direito de resposta, nos termos dos arts. 58, § 3º, IV, alíneas a, b e c, e 58-A da Lei nº 9.504/1997, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica e mensagem instantânea (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, caput).
§ 1º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, § 2º).
Portanto, é indubitável que estamos diante de conteúdo apócrifo, cujo responsável pela criação não foi identificado nos presentes autos, fato que lhe atribui também caráter anônimo. Em que pese esta última característica, o anonimato aqui deve ser compreendido em relação ao responsável pela criação do conteúdo ilícito e não de quem o propala.
Ressalte-se, ainda, que a referida imagem fora disseminada pela representada por meio do perfil público da rede social Instagram do seu candidato ao cargo de vice-governador HUMBERTO FIGUEIRÓ, contendo, portanto, real potencial para de atingir um grande número de pessoas.
Diante desse cenário, não há dúvida de que a representada, ao disseminar conteúdo apócrifo, ultrapassou os limites da liberdade de expressão.
Nesse sentido, o precedente paradigmático do Tribunal Superior Eleitoral:
(...) 5. O art. 57–D da Lei das Eleições assegura a livre manifestação do pensamento, mas veda o anonimato durante a campanha eleitoral, por intermédio da rede mundial de computadores – internet – e por outros meios de comunicação interpessoal por meio de mensagem eletrônica. Por sua vez, o § 2º do mesmo dispositivo estabelece que "a violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais)". 6. A interpretação do art. 57–D da Lei 9.504/97, quanto ao anonimato e à responsabilidade pela divulgação de propaganda eleitoral irregular, deve levar em conta as práticas usuais, o alcance da mensagem de acordo com o meio em que for veiculada, a repercussão da conduta no âmbito eleitoral e a finalidade da norma que visa coibir o abuso praticado na internet e nos aplicativos de transmissão de mensagens instantâneas. 7. A norma visa coibir a disseminação de conteúdos apócrifos, o que se verifica especialmente em aplicativos de mensagens instantâneas, cada vez mais utilizados pelo público em geral, inclusive para a republicação de informações falsas e sem autoria conhecida – as chamadas Fake News –, situação que tem repercutido significativamente no contexto das campanhas eleitorais. 8. A proliferação de mensagens falsas na internet tem alcançado grande repercussão na esfera eleitoral e consiste em tema que tem gerado acirradas discussões, diante da dificuldade de controle desses conteúdos, haja vista a facilidade de acesso a qualquer tipo de informação na rede mundial de computadores e, sobretudo, em aplicativos de transmissão de mensagens eletrônicas, através dos quais é possível o compartilhamento imediato do conteúdo, geralmente sem nenhum tipo de averiguação prévia quanto à origem e à veracidade da informação. 9. O art. 38, § 3º, da Res.–TSE 23.610 – resolução que trata da propaganda eleitoral no pleito de 2020 e cujo teor reproduz a Res.–TSE 23.551 (alusiva ao pleito de 2018), dispositivo que pode ser considerado para contribuir à solução do caso concreto alusivo à Eleição suplementar de 2016 – estabelece, quanto aos conteúdos divulgados na internet, que "a publicação somente será considerada anônima caso não seja possível a identificação dos usuários" após a adoção das providências previstas nos arts. 10 e 22 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet)". 10. A identificação de que trata o § 3º do art. 38 da Res.–TSE 23.610 não deve incidir em face dos casos de divulgação de mensagens instantâneas por meio do WhatsApp ou de aplicativo similar, diante do efeito viralizante que a espécie de aplicativo proporciona, situação que praticamente inviabiliza a adoção das providências a que a norma se refere para a identificação do autor original da informação. 11. A sanção prevista no § 2º do art. 57–D da Lei 9.504/97, que prevê o pagamento de multa ao responsável pela divulgação da propaganda anônima, deve ser imposta a todos os usuários que divulgarem conteúdos sem a identificação do autor da mensagem original, interpretação que confere maior eficácia à norma em comento, uma vez que, na descrição legal, não consta a delimitação do conceito de anonimato para fins da sua incidência. 12. A interpretação mais consentânea com a finalidade do preceito descrito no art. 57–D da Lei 9.504/97, que é a de coibir a divulgação de conteúdos sem a identificação da autoria, é no sentido de que o anonimato deve ser verificado em relação à origem da mensagem veiculada, e não somente quanto ao usuário que a republica ou replica seu teor. 13. No caso em exame, a retransmissão de mensagens ofensivas a candidatos por usuários identificados nos grupos do WhatsApp, sem a necessária informação quanto à origem e à autoria do conteúdo, violou o disposto no art. 57–D da Lei 9.504/97, implicando a incidência da multa prevista no § 2º, segundo o qual "a violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais)". (TSE – Acórdão no REspe nº 0600024-33, de 07/03/2022, rel. Min. SERGIO SILVEIRA BANHOS)
Conforme depreende-se do julgado acima colacionado, a jurisprudência mais moderna expandiu a abrangência do art. 57-D, § 2º, da Lei 9.504/1997, a todos os usuários que divulgarem conteúdo sem a identificação do autor da mensagem original, interpretação que confere maior eficácia à norma em comento, uma vez que, na descrição legal, não consta a delimitação do conceito de anonimato para fins da sua incidência.
Ante o exposto, acompanhando o parecer da douta PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL, confirmo a liminar no que tange à não propagação da falsa pesquisa, e JULGO PROCEDENTE a presente representação, com fulcro no art. 9º-A da Resolução TSE nº 23.610/19 c/c art. 57–D, § 2º, da Lei 9.504/1997, condenando a representada ao pagamento de multa no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), pelo compartilhamento de conteúdo apócrifo rede social.
Transitada em julgado a decisão final, proceda-se à intimação da representada para que, no prazo de 30 (trinta) dias, promova o pagamento da multa imposta, conforme determina o art. 367, inciso III, do Código Eleitoral, devendo gerar a respectiva Guia de Recolhimento da União no site <https://consulta.tesouro.fazenda.gov.br/gru_novosite/gru_simples.asp>, preenchendo os dados “Unidade Gestora (UG): 070016”, Gestão “00001-TESOURO NACIONAL”, Nome da Unidade “TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MATO G.DO SUL”, Código de Recolhimento: “20001-8 – TSE/TRE MULTAS CÓDIGO ELEITORAL/LEIS CONEXAS”, devendo, também, comprovar nos autos o pagamento da Guia; havendo pedido de parcelamento, no prazo legal, façam os autos conclusos para decisão.
P.R.I. Arquive-se oportunamente.
À Secretaria Judiciária para as providências necessárias.
Campo Grande, MS, data da assinatura eletrônica.
Juiz RICARDO DAMASCENO DE ALMEIDA
Relator