JUSTIÇA ELEITORAL
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MATO GROSSO DO SUL
REGISTRO DE CANDIDATURA n. 0600943-57.2022.6.12.0000 - Origem: Campo Grande - MATO GROSSO DO SUL - ELEIÇÕES 2022
Requerente: DELCÍDIO DO AMARAL GOMEZ
Advogado: Laercio Arruda Guilhem - OAB/MS0007681
Requerente: ÓRGÃO DE DIREÇÃO ESTADUAL DO PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO - PTB/MS
Impugnante: PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL
Impugnado: DELCÍDIO DO AMARAL GOMEZ
Fiscal da lei: PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL
Relator: Desembargador JULIZAR BARBOSA TRINDADE
DECISÃO
Trata-se de requerimento de registro de candidatura-RRC ao cargo de Deputado Federal apresentado por DELCÍDIO DO AMARAL GOMEZ pelo ÓRGÃO DE DIREÇÃO ESTADUAL DO PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO - PTB/MS (12179443).
Constam dos autos os documentos 12179451, 12179452, 12179453, 12179454, 12179455, 12179456 e 12179457, o relatório REQUISITOS PARA REGISTRO - DADOS DO CADASTRO ELEITORAL E FILIA (12181339) e certidão referente à publicação do edital de ciência aos interessados (12183604).
A PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL ajuizou ação de impugnação de registro de candidatura, na qual acusa a incidência da inelegibilidade prevista no art. 1.º, I, “B”, LC n. 64/90, pois o impugnado, eleito senador para mandato entre 2011 e 2018, sofreu cassação, em maio de 2016, com fulcro no art. 55, inciso II da CRFB/1988 e no art. 5º, I e II, c/c art. 11, inciso I, da Resolução do Senado Federal nº. 20/1993.
Frente a isso, o impugnado estaria inelegível desde o período remanescente do mandato para o qual foi eleito até 8 anos após o término da legislatura e, por isso, a PRE pugnou pelo indeferimento do RRC (12185722).
Citado (12188429), o requerente apresentou a contestação 12195249, alegando que não haveria incidência da inelegibilidade da alínea “B”, porque a Resolução SF n. 21/2016 teve seus efeitos suspensos por decisão liminar concedida pelo Tribunal Regional Federal da 1.ª região, em 30/08/2022, nos autos de agravo de instrumento n. 1030256-69.2022.4.01.0000.
Apresentou os expedientes 12195249 e os documentos 12195253, 12195254, 12195255 e 12195256.
Com fulcro no art. 43, § 4.º, da Resolução TSE n. 23.609/2019, foi aberta vista dos autos à PRE que, reiterando seu posicionamento, opinou pela improcedência da AIRC e pelo deferimento da candidatura do requerente (12197565).
Consoante a informação 12195501, a inscrição do candidato no cadastro eleitoral possui anotação do ASE 540.
Esse, o relatório cabível.
Decido.
1. Trata-se de requerimento de registro de candidatura formulado perante este Tribunal Regional Eleitoral pelo ÓRGÃO DE DIREÇÃO ESTADUAL DO ÓRGÃO DE DIREÇÃO ESTADUAL DO PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO - PTB/MS em favor de DELCÍDIO DO AMARAL GOMEZ, para o cargo de Deputado Federal, após regular escolha em convenção partidária, de acordo com lista publicada no site do TRE/MS e edital publicado no Diário de Justiça.
O DRAP, autuado sob o número PJe 0600942-72.2022.6.12.0000, encontra-se regular, tendo sido deferido monocraticamente.
A teor do que consta do relatório REQUISITOS PARA REGISTRO - DADOS DO CADASTRO ELEITORAL E FILIA (12181339) e da informação 12195501, a inscrição do candidato no cadastro eleitoral possui anotação do ASE 540.
No caso, a Atualização da Situação do Eleitor, ou ASE, corresponde à anotação de um código que irá documentar fatos relativos à condição pessoal do eleitor, tais como “ausência às urnas”, “ausência aos trabalhos eleitorais”, “justificativa” ou “omissão de prestação de contas”.
Tais códigos constam do Manual de ASE, elaborado e atualizado pela Corregedoria Regional Eleitoral, conforme comunicado no ofício-circular n. 13/2022, expedido pela própria CGE.
Dentro dessa sistemática, o código 540, acima mencionado, corresponde a ocorrência a ser examinada em pedido de registro de candidatura, decorrente do registro das comunicações enviadas pelos órgãos competentes relativamente a situações fáticas previstas no art. 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/1990.
In casu, o requerente, eleito senador para mandato entre 2011 e 2018, sofreu cassação, em maio de 2016, com fulcro no art. 55, inciso II da CRFB/1988 e no art. 5º, I e II, c/c art. 11, inciso I, da Resolução do Senado Federal nº. 20/1993, conforme consta da Resolução SF n. 21/2016, que formaliza o ato de cassação.
Por tal motivo, a PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL ajuizou a mencionada AIRC, acusando a incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “B”, da LC n. 64/90.
A propósito, destaque-se que o exame do requerimento de registro de candidatura submete-se ao rito fixado pela Resolução TSE n. 23.609/2019 e deve observância aos critérios da LC nº 64/1990.
E a ação de impugnação ao registro da candidatura eventualmente ajuizada observará o procedimento detalhado na sobredita Resolução, no qual estão previstas etapas destinadas à instrução probatória do feito.
Dessa feita, embora a parte impugnante tenha protestado pela produção de todos os meios de provas admitidos, é de se apontar que a ausência de condição de elegibilidade é matéria eminentemente de direito, a ser examinada a partir do enquadramento dos fatos, dispensando a dilação probatória
Esse, aliás, o comando do art. 5º da LC nº 64/1990, segundo o qual decorrido o prazo para contestação, se não se tratar apenas de matéria de direito e a prova protestada for relevante, serão designados os 4 (quatro) dias seguintes para inquirição das testemunhas do impugnante e do impugnado, as quais comparecerão por iniciativa das partes que as tiverem arrolado, com notificação judicial.
Nesse sentido, igualmente, os precedentes do TSE, nos quais a alegação de cerceamento de defesa foi afastada, quando do indeferimento de pedidos de instrução probatória em feitos com o mesmo objeto, a saber:
(...) Inexiste cerceamento de defesa quando o magistrado decide julgar antecipadamente a lide, entendendo ser desnecessário produzir quaisquer outras provas, porque todos os elementos fático-probatórios necessários à solução da controvérsia estão presentes nos autos. (REspe n. 52-86, ac. de 23/10/2012, Rel. Min. LAURITA VAZ, j. em 23.10.2012)
Cite-se, ainda, o quanto decidido naquela Corte Superior no AgR-AI n. 147-38, da relatoria da Min. ROSA WEBER, e no AgR-REspe nº 72-10/RS, da relatoria do Min. GILMAR MENDES.
Como resultado, a presente impugnação pode ser julgada no estado em que se encontra, uma vez que a questão a ser decidida é meramente de direito, ao mesmo tempo em que as informações necessárias à cognição exauriente da matéria já estão devidamente encartadas aos autos.
2. No mérito, veja-se que, consoante conceito firmado pelo TSE, a inelegibilidade importa no impedimento temporário da capacidade eleitoral passiva do cidadão, que consiste na restrição de ser votado, não atingindo, portanto, os demais direitos políticos, como, por exemplo, votar e participar de partidos políticos (AgRgAg n. 45-98, ac. de 03/06/2004, rel. Min. FERNANDO NEVES).
O instituto não possui natureza jurídica sancionatória, mas, antes, de limitação constitucional da elegibilidade, conforme firmado pelo STF no julgamento da ADI 4578 e das ADCs 29 e 30.
Postas essas considerações iniciais, o mencionado art. 1.º, I, “B”, da LC n. 64/90 estabelece o seguinte:
Art. 1º São inelegíveis:
I – para qualquer cargo: (...)
b) os membros do Congresso Nacional, das assembleias legislativas, da Câmara Legislativa e das câmaras municipais, que hajam perdido os respectivos mandatos por infringência do disposto nos incisos I e II do art. 55 da Constituição Federal, dos dispositivos equivalentes sobre perda de mandato das constituições estaduais e leis orgânicas dos municípios e do Distrito Federal, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito anos subsequentes ao término da legislatura (...).
Por sua vez, assim dispõe a Constituição Federal, na parte que interessa:
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
§ 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.
§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 76, de 2013)
E, em complemento, colaciono o seguinte trecho da Resolução nº 20/1993, Código de Ética do Senado Federal:
Art. 5º Consideram-se incompatíveis com a ética e o decoro parlamentar:
I – o abuso das prerrogativas constitucionais asseguradas aos membros do Congresso Nacional (Constituição Federal, art. 55, § 1º);
II – a percepção de vantagens indevidas (Constituição Federal, art. 55, § 1º), tais como doações, ressalvados brindes sem valor econômico;
III – a prática de irregularidades graves no desempenho do mandato ou de encargos decorrentes.
Parágrafo único. Incluem-se entre as irregularidades graves, para fins deste artigo:
I – a atribuição de dotação orçamentária, sob a forma de subvenções sociais, auxílios ou qualquer outra rubrica, a entidades ou instituições das quais participe o Senador, seu cônjuge, companheira ou parente, de um ou de outro, até o terceiro grau, bem como pessoa jurídica direta ou indiretamente por eles controlada, ou ainda que aplique os recursos recebidos em atividades que não correspondam rigorosamente às suas finalidades estatutárias;
II – a criação ou autorização de encargos em termos que, pelo seu valor ou pelas características da empresa ou entidade beneficiada ou contratada, possam resultar em aplicação indevida de recursos públicos.
(...) Art. 11. Serão punidas com a perda do mandato:
I – a infração de qualquer das proibições constitucionais referidas no art. 3º (Constituição Federal, art. 55);
II – a prática de qualquer dos atos contrários à ética e ao decoro parlamentar capitulados nos arts. 4º e 5º (Constituição Federal, art. 55);
III – a infração do disposto nos incisos III, IV, V e VI do art. 55 da Constituição.
Na hipótese, a inelegibilidade será consequência da perda de mandato parlamentar imposta como pena por infração à proibição imposta pelo art. 54 da Constituição ou por conduta que a respectiva casa declare incompatível com o decoro parlamentar.
Exige-se, ainda, que a perda do mandato resulte de deliberação da respectiva casa legislativa, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
A propósito, leciona a doutrina:
No tocante aos parlamentares federais, a perda de mandato deve ser decidida por maioria absoluta dos membros da respectiva Casa, isto é, a Câmara ou o Senado. A votação é aberta (CF, art. 55, § 2o, com redação da EC no 76/2013), sendo assegurada ampla defesa ao acusado. O processo tem início mediante provocação da Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional. Durante o processo, não surtirá efeito a renúncia do parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato (CF, art. 55, § 4o).
Entre os motivos da cassação, figuram as seguintes condutas, vedadas aos parlamentares: (a) realização de procedimento declarado incompatível com o decoro parlamentar, assim entendido o abuso das prerrogativas asseguradas aos membros do Congresso Nacional, a percepção de vantagens indevidas, além dos casos definidos no regimento interno; (b) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de Direito Público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; (c) aceitar, exercer ou ocupar cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis ad nutum, nas entidades constantes do item anterior; (d) ser proprietário, controlador ou diretor de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de Direito Público, ou nela exercer função remunerada; (e) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades aludidas na letra b; (f) ser titular de mais de um cargo ou mandato público-eletivo.
Interessante na hipótese legal em apreço é a definição do período de incidência da inelegibilidade. O termo inicial coincide com a publicação da decisão emanada da respectiva Casa Legislativa de perda do mandato.
Já quanto ao termo final, é preciso considerar o disposto na última parte da presente alínea b, pelo que a inelegibilidade vigorará: (i) para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual o parlamentar foi eleito; (ii) “nos oito anos subsequentes ao término da legislatura”. Há, portanto, duas referências a serem consideradas: o mandato e a legislatura. A Constituição define a legislatura como sendo o período de quatro anos (CF, art. 44, parágrafo único).
Para o cargo de deputado federal, o mandato coincide com a legislatura, não havendo margem a dúvida sobre o período de incidência da inelegibilidade. Assim, por exemplo, se em 2012 deputado eleito em 2010 ficou inelegível com fundamento na regra legal em exame, a inelegibilidade perdurou pelo restante do mandato (i. e., até 2014), estendendo-se por oito anos após o fim da legislatura, ou seja, de 2015 a 2022.
Mas essa coincidência não ocorre no cargo de senador, pois o mandato deste é de oito anos (CF, art. 46, § 1o) e abrange duas legislaturas. O problema, então, consiste em saber se o período de inelegibilidade se estenderá a partir da primeira ou da segunda legislatura abarcadas pelo mandato senatorial. Pelo menos duas hipóteses podem ser aventadas, contando-se a inelegibilidade: (1) a partir do final da legislatura em que o mandato era exercido, caso em que pode ser a primeira ou a segunda legislatura; (2) a partir do final da segunda legislatura. À guisa de exemplo, figure-se senador eleito em 2010 (para exercício nas legislaturas de 2011/2014 e 2015/2018) cujo mandato tenha sido cassado em 2012. Pela hipótese “1”, a inelegibilidade perdura pelo tempo restante do mandato (i. e., até 2018) e se estende por mais oito anos após o fim da primeira legislatura (na qual o mandato foi cassado), vigorando, portanto, de 2015 até 2022. Nessa mesma hipótese “1”, se o mandato for cassado na segunda legislatura, o final desta seria o marco a partir do qual a inelegibilidade se estenderia, vigorando de 2019 a 2026. Já pela hipótese “2”, a inelegibilidade se estenderia por mais oito anos após o fim da segunda legislatura, vigorando, portanto, de 2015 até 2026 – nesse caso, é irrelevante que o mandato tenha sido cassado na primeira ou na segunda legislatura.
Sopesadas as situações expostas, tem-se que a hipótese “2” é mais consentânea com os princípios da igualdade, proporcionalidade e responsabilidade presentes no sistema jurídico. Isso porque, a par de impor a responsabilização de autores de ilícito, enseja que a todos seja dado o mesmo tratamento. Além disso, na hipótese “1” poderia haver dupla incidência de inelegibilidade no período correspondente à 2a legislatura, caso em que a inelegibilidade ocorreria porque se conta a partir do final da legislatura em que ocorreu a cassação do mandato, e porque vigora até o final do mandato.
Registre-se que a presente alínea b foi objeto da ADI no 4089/DF, por suposta violação da isonomia. É que o artigo 52, parágrafo único, da CF prevê para o Presidente da República que sofrer impeachment a “inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública”, sanção essa incidente a partir da publicação da decisão de perda de mandato. Argumentou-se que esse mesmo marco temporal deve ser observado para parlamentares. Entretanto, em 17-8-2020, o STF julgou improcedente o pedido formulado na referida ADI, considerando, portanto, constitucional o dispositivo impugnado. (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 18.ª ed., Barueri: Atlas, 2022, p. 289-291) (grifo nosso)
A jurisprudência do TSE dá suporte ao magistério doutrinário, impondo-se destacar o seguinte precedente:
A cassação de mandato de parlamentar por decisão do plenário do Senado Federal, por quebra de decoro e com arrimo no art. 55, inciso II, da Constituição Federal, impede o deferimento de registro de candidatura por incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, inciso I, alínea b, da Lei Complementar nº 64/1990. (TRE-MS. RCAND n. 0601484-32, ac. de 16/10/2018, rel. Min. ELIZABETE ANACHE)
3. Apresentado o instituto e definido seu alcance, cumpre passar ao exame do caso dos autos, sendo oportuna a transcrição de trecho da inicial 12185722:
Vale pontuar que o pretenso candidato foi eleito Senador da República em 2010, para exercício do mandato entre 2011 e 2018. Contudo, em maio de 2016, sobreveio referida condenação à perda de seu mantado, por votação aberta e de maioria absoluta, assegurada a ampla defesa, nos termos do art. 55, § 2º, da CRFB/1988. Destaca-se, ainda, que a cassação encontrou fundamento no art. 55, inciso II da CRFB/1988 e no art. 5º, I e II, c/c art. 11, inciso I, da Resolução do Senado Federal nº. 20/1993 (Código de Ética e Decoro Parlamentar) (...).
Portanto, restou consignado na Resolução nº. 21/2016 a cassação, pelo Senado Federal, do mandato de Delcídio Amaral Gomez por procedimento incompatível com a dignidade da Casa Legislativa e quebra de decoro parlamentar, razão pela qual encontra-se o Impugnado inelegível, desde o período remanescente do mandato para o qual foi eleito (findado em 31/12/2018) até o período de 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura - conforme consta do art. 1º, I, b, da LC 64/1990 (...).
De lá para cá, não se verificou a incidência de qualquer condição capaz de afastar a inelegibilidade do Impugnado. Nesse sentido, verifica-se que a decisão do Senado Federal continua a produzir seus efeitos sobre o Impugnado, atribuindo-lhe, até o final de 2026, a pecha de inelegível, nos termos do art. 1º, inciso I, alínea b, da Lei Complementar nº. 64/1990, razão pela qual há que se indeferir o seu pedido de registro.
Na situação em exame, a inelegibilidade decorreria da Resolução nº 21/2016, editada pelo Senado Federal, e publicada no DOU de 11.5.2016, com o seguinte teor:
Art. 1º É decretada a perda do mandato do Senador Delcídio do Amaral Gomez, nos termos do art. 55, inciso II, da Constituição Federal, combinado com os arts. 5º, incisos I e III, e 11, inciso II, da Resolução nº 20, de 1993, do Senado Federal.
Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Logo, seria possível o reconhecimento de que subsistem os efeitos da inelegibilidade decorrentes da decisão proferida pelo Senado Federal, com força para impedir o registro.
Ocorre que, em 30/08/2022, nos autos de agravo de instrumento n. 1030256-69.2022.4.01.0000, a Desembargadora Federal Daniele Maranhão do Tribunal Regional Federal da 1.ª região, deferiu pedido de antecipação de tutela apresentado pelo candidato, “para suspender a eficácia da Resolução nº 21/16 do Senado Federal, e por consequência suspender a inelegibilidade decorrente da alínea “b” do inciso I do artigo 1º da Lei Complementar nº 64/90, desde que o único impedimento seja decorrente da Resolução nº 21/16” (12195254), em decisão vazada nos seguintes termos:
A possibilidade de concessão da antecipação de tutela recursal está prevista no artigo 1.019, inciso I, do CPC, desde que demonstrados a probabilidade do direito invocado e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Em análise preliminar, entendo ser cabível a antecipação de tutela, uma vez que ficou evidenciada a existência de elementos que demonstram a probabilidade do direito do agravante e o perigo do dano ao resultado útil do processo.
O periculum in mora, consoante apontado na inicial do recurso, decorre do fato de o agravante ter se candidato nas eleições gerais de 2022 e, devido a cassação pelo Senado Federal por quebra de decoro, estar sofrendo processo de impugnação a candidatura ajuizado pelo Ministério Público Eleitoral, findando seu prazo para contestar em 30 de agosto.
Já em relação à plausibilidade jurídica do pedido, destaco inicialmente que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a atuação do Poder Judiciário quanto ao ato de cassação pela casa legislativa está adstrita à análise de ilegalidade, de inconstitucionalidade ou de infringência a dispositivos regimentais.
Com efeito, é assente que, ante a natureza eminentemente política e interna corporis de tais decisões, os atos praticados pelo Poder Legislativo no exercício de suas prerrogativas institucionais não se revelam passíveis de controle judicial no que concerne ao seu mérito (...).
Seguindo essa linha de entendimento, a cassação de mandamento parlamentar fundada em quebra de decoro parlamentar se insere na esfera de competência da casa legislativa, porquanto de natureza política, insuscetível de controle judicial quanto ao mérito da decisão.
Assim, inexistindo violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, não haveria, em princípio, ilegalidade na atuação do Senado Federal quando da análise da quebra de decoro parlamentar, pois compete àquela Casa examinar, à luz da Constituição Federal (art. 55, II) e do seu Regimento Interno, a compatibilidade da conduta do parlamentar com as regras de decoro dele exigidas.
Assim, não haveria, na espécie, repercussão do processo criminal a que respondeu o agravante sobre o ato de cassação do então parlamentar por ato incompatível com o decoro parlamentar, sanção qualificada como ético-disciplinar, pois, consoante já assinalado, tal infração possui pressupostos próprios. E também porque, como é sabido, a comunicação da instância penal com cível ou administrativa se dá apenas nas hipóteses de negativa do fato ou de autoria.
Tudo considerado, a pretensão veiculada neste recurso tem por fundamento a sentença absolutória da 10ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Distrito Federal, com fulcro no artigo 386, inciso III, do CPP (não constituir o fato infração penal), posteriormente confirmada por este Tribunal, que absolveu todos os réus, incluindo o agora agravante, ante o reconhecimento, tanto da nulidade da prova (flagrante preparado), quanto da atipicidade das condutas. (ACR 0042543-76.2016.4.01.3400, Desembargador Federal Néviton Guedes, TRF1 - Quarta Turma, e-DJF1 17/07/2019).
E, em razão disso, o agravante pugna pela aplicação, ao seu caso, do mesmo entendimento proferido pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal na Reclamação n. 0042543- 76.2016.4.01.3400, que reconheceu a possibilidade de revisão, quanto aos efeitos da inelegibilidade, de Resolução do Senado Federal que cassa mandado de parlamentar quando as provas que fundamentam a condenação são declaradas ilícitas na esfera criminal.
Colhe-se, ainda, do voto do relator do processo de cassação no Conselho de Ética do Senado a conclusão de que: “(...) não há dúvidas de que o Representado participou de uma reunião, juntamente com outras três pessoas, com a finalidade de propor medidas que, caso fossem implementadas, obstruiriam a Justiça, especificamente no que diz respeito às apurações relacionadas à operação Lava Jato, e que colocariam em dúvida o isento e correto funcionamento da Suprema Corte brasileira”.
No entanto, em que pese o entendimento jurisprudencial já assentado, o Supremo Tribunal Federal decidiu no “caso Demóstenes Torres” pela possibilidade de sindicar os efeitos da perda de mandato ante a superveniência fatos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada – naquele caso, de decisão judicial reconhecendo a ilicitude das provas que respaldaram o processo cassação do mandato parlamentar.
Por oportuno, destaco trecho do voto condutor do acórdão, segundo o qual, “diante de aparente conflito entre as decisões censórias nas instâncias política e jurisdicional acerca dos elementos que informam a capacidade eleitoral passiva”, deve ser reconhecida a necessidade de se fazer “ajuste dos postulados de proteção do direito político fundamental a partir da realidade fática submetida ao Poder Judiciário em registro de candidatura, quando é permitido diferenciar os pressupostos fáticos nos casos presentes e futuros”.
Considerando-se a evidente similaridade fática entre ambos os casos, já que tanto na Rcl 29870 quanto nesta ação que visa anular a Resolução n.º 21/16 do Senado Federal, qual seja, cassação de mandato parlamentar com base na utilização de provas em processo criminal posteriormente reconhecidas como ilícitas pela Justiça, tenho que, neste momento processual, merece prosperar a pretensão de restabelecimento da capacidade eleitoral passiva do agravante.
Registre-se em abono a essa constatação que o relator do processo de cassação do agravante no Senado Federal frisou em seu relatório final a semelhança das situações envolvendo o então Senador Demóstenes Torres com a representação contra o Senador Delcídio do Amaral, “quanto aos seus aspectos penais, processuais e de decoro parlamentar.” (Id. 1270964291 dos autos originais).
Ademais, consoante consignado na Rcl 29870, a imprestabilidade de provas obtidas ilicitamente para subsidiar procedimento de perda de mandato parlamentar e seus efeitos prospectivos, qual seja, a inelegibilidade por oito anos, viola o devido processo legal, um dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.
Sobre a mácula das provas ilícitas sobre o devido processo legal, colhe-se o pertinente entendimento do Ministro Celso de Mello: “a ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do ‘due process of law’, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo” (STF - HC nº 95.050/RJ, Segunda Turma, DJe de 1º/8/2008).
Há de se destacar, por fim, que não se trata de lide envolvendo a possibilidade de o agravante retornar ao mandato de senador, mas tão somente quanto à possibilidade de suspender os efeitos da resolução do Senado que o tornou inelegível por oito anos.
Nesta linha de raciocínio, observo que no julgamento da Rcl 29870 ainda foi acrescentado que: “a decisão na presente reclamatória é consentânea com o que tem decidido o TSE ao se deparar com a incidência ou não da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, k, da LC 64/90 nos casos de posterior absolvição de parlamentar na esfera criminal e de posterior arquivamento pela Casa Legislativa de representação por quebra de decoro parlamentar lastreados nos mesmos fundamentos da representação anterior que tenha levado à renúncia do mandato”.
Logo, reconhecida a plausibilidade jurídica do pedido e ante a ausência de dano inverso, e também sem prejuízo de melhor análise da matéria em juízo exauriente, a tutela de urgência pretendida se revela necessária neste momento processual para resguardar os direitos políticos do agravante, considerados os prazos exíguos do calendário eleitoral e o avizinhamento do pleito no qual o agravante pretende concorrer.
A suspensão dos efeitos da decisão que baseou o pleito impugnatório é causa superveniente que afasta a inelegibilidade e deve ser considerada para fins do julgamento do presente requerimento de registro de candidatura.
Nesse sentido é o teor do art. 11, § 10, da Lei nº 9.504/1997 e do art. 26-C, § 2.º, da LC n. 64/90, ao preceituarem que:
Art. 11. (...).
§ 10 As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.
Art. 26-C (...).
§ 2.º Mantida a condenação de que derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente.
Frente a isso, há que se reconhecer como afastada a causa de inelegibilidade apontada pela impugnante, situação que afasta, inclusive, os efeitos que o ASE 540 poderia produzir para impedir o registro da candidatura.
Nesse sentido:
ELEIÇÕES 2018. REGISTRO DE CANDIDATURA. CARGO DE SENADOR. IMPUGNAÇÕES. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, “L”, DA LEI COMPLEMENTAR N.º 64/90. PROVIMENTO JUDICIAL SUSPENDENDO OS EFEITOS DA DECISÃO. AÇÕES DE IMPUGNAÇÃO DE REGISTRO DE CANDIDATURA IMPROCEDENTES. REGISTRO DEFERIDO. TUTELA PROVISÓRIA INCIDENTAL DA IMPUGNANTE PREJUDICADA. (TRE-MS. RCAND n. 0600695-33, ac. de 17/09/2018, rel. Juiz CEZAR LUIZ MIOZZO)
Acrescente-se que, afora a questão ora tratada, os autos indicam o preenchimento das demais exigências da legislação eleitoral, com atendimento de todas as condições de elegibilidade e de registrabilidade, como bem anotou a PRE (12197565, f. 2).
Advirta-se, todavia, que, embora devido o deferimento do RRC, esta é decisão a ser dada de modo condicional, porquanto a inelegibilidade deixou de incidir devido a uma decisão de caráter precário.
Ou seja, há que se ter por elegível o candidato enquanto vigentes os efeitos da tutela concedida no âmbito do TRF da 1. ª região, em providência admitida nesta Justiça Especializada, consoante precedente do TSE:
4. O § 2º do art. 26-C da LC no 64/90 expressamente estabelece que o deferimento do registro, na hipótese de concessão de cautelar sustando os efeitos da condenação, fica condicionado ao deslinde do recurso interposto contra a decisão colegiada ou à manutenção da liminar concedida, razão pela qual, nessas hipóteses, deve o pedido de registro ser deferido sob condição. (TSE. AgR-RO n. 125.963/RO – PSS 28-10-2010).
Com efeito, afastada a causa de inelegibilidade aventada na impugnação, impõe-se a improcedência da AIRC e o deferimento do registro da candidatura.
4. Ante o exposto, acompanhando a PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL, consoante os percucientes fundamentos apontados e nos termos do art. 11, § 10, da Lei n. 9.504/97 c/c art. 26-C, § 2.º, da LC n. 64/90, julgo improcedente a impugnação e defiro o requerimento de registro de candidatura de DELCÍDIO DO AMARAL GOMEZ, para concorrer ao cargo de Deputado Federal pelo PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO - PTB/MS, sob o número 1414 e nome para urna DELCÍDIO AMARAL.
Os efeitos da presente decisão ficam condicionados à manutenção dos efeitos da decisão acima mencionada, que, nos autos de agravo de instrumento n. 1030256-69.2022.4.01.0000, em trâmite no Tribunal Federal da 1.ª região, concedeu ao candidato antecipação de tutela para suspender a eficácia da Resolução nº 21/16 do Senado Federal.
Registre-se. Publique-se.
Em Campo Grande, MS, na data da assinatura.
Desembargador JULIZAR BARBOSA TRINDADE
Relator