TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS

 

RECURSO ELEITORAL (11548) - Processo nº 0600248-72.2024.6.13.0011 - Cipotânea - MINAS GERAIS

[Inelegibilidade - Condenação Criminal por órgão colegiado ou Transitada em Julgado, Inelegibilidade - Parentesco, Impugnação ao Registro de Candidatura, Cargo - Prefeito]

RELATOR: DESEMBARGADOR SALVIO CHAVES

RECORRENTE: COLIGAÇÃO O PROGRESSO NÃO PODE PARAR - PP / AGIR - CIPOTÂNEA - MG

Advogados do(a) RECORRENTE: RAYMUNDO CAMPOS NETO - MG96807, MAYRAM AZEVEDO BATISTA DA ROCHA - MG79941,IVIANE MACEDO GARCIA - MG80902, GIOVANNI CARUSO TOLEDO - MG108371

RECORRIDA: WELINGTON THIENE MOREIRA, COLIGAÇÃO CIPOTÂNEA PODE MAIS - CIPOTÂNEA/MG

Advogados do(a) RECORRIDA: LEILA APARECIDA DA SILVA - MG107346-A, MAURO JORGE DE PAULA BOMFIM - MG43712-A

 

 

 

DECISÃO

 

Trata-se de Recurso Eleitoral interposto pela Coligação “O Progresso Não Pode Parar” [PP / AGIR] contra sentença proferida pelo Juízo da 011ª Zona Eleitoral, de Alto do Rio Doce, que julgou improcedente a impugnação ofertada pelo ora recorrente e deferiu o registro de candidatura de Wellington Thiene Moreira para concorrer ao cargo de Prefeito no Município de Cipotânea, pela Coligação “Cipotânea Pode Mais” [Federação Brasil Da Esperança - Fe Brasil (PT/PC do B/PV), Federação PSOL REDE (PSOL/REDE), PRD], ao reconhecer a inexistência de suspensão dos direitos políticos, nos termos do art. 15, inciso III da Constituição Federal e por entender não configurada a inelegibilidade reflexa prevista no art. 14, § 7º, da CF/88.

Em suas razões recursais (ID 72051221), a Coligação Recorrente sustenta, em síntese, que o candidato recorrido possui condenação criminal, confirmada em segunda instância, pelo crime previsto no art. 129, § 9º, do CPB, estando, assim, incluso na hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, alínea “e”, 9, da Lei Complementar nº 64/90; alega que paira sob obre o candidato recorrido a inelegibilidade reflexa do artigo 14, §7º, da Constituição Federal, uma vez que o recorrido é filho do atual Vice-Prefeito do Município Cipotânea, pelo qual pretende concorrer ao cargo de Prefeito, e que o Vice-prefeito, ao exercer o cargo de Prefeito dentro do período de 6 (deis) meses anteriores ao pleito, atraiu a incidência da inelegibilidade reflexa, para o candidato recorrente. Por fim, requer seja dado provimento ao recurso para que seja indeferida a candidatura de Wellington Thiene Moreira para concorrer ao cargo de Prefeito no Município de Cipotânea.

Nas contrarrazões apresentadas (ID 72051230), o candidato Recorrido reafirma que o crime por ele praticado não enseja a inelegibilidade elencada no art. 1º, I, alínea “e”, da LC nº 64/90; que houve fraude no afastamento do Prefeito por motivo de saúde; que o decreto legislativo de licença do prefeito não observou o rito procedimental previsto no Regimento Interno da Câmara e na Lei Orgânica do Município; que ele e seu pai são rivais políticos. Em síntese, aduz que a inelegibilidade reflexa foi resultado de uma “trama” com o objetivo de fraudar sua candidatura, uma vez que seu pai, atual Vice-prefeito, também concorre à reeleição no cargo eletivo de Vice-prefeito em chapa rival.

Pugna, ao final, pela manutenção da sentença que deferiu seu registro da candidatura ao cargo de Prefeito de Cipotânea.

A d. Procuradoria Regional Eleitoral, em seu parecer, manifestou-se pelo provimento parcial do recurso, para que seja indeferido o registro de candidatura de Tom Moreira ao Cargo de Prefeito, em razão da inelegibilidade prevista no artigo 14, §7º, da Constituição Federal (ID 72058327).

Procuração do recorrente ID 72051097.

Procuração do recorrido 72051124 e 72051151.

É, no essencial, o relatório.

DECIDO.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Conforme relatado, no caso vertente, a recorrente pretende a reforma da r. sentença quanto ao deferimento do pedido de registro de candidatura de Welington Thiene Moreira, candidato a Prefeito do Município de Cipotânea.

Sobre a alegada suspensão de direitos políticos do Recorrido, em razão da ocorrência de condenação em segunda instância no processo 0171310-73.2017.8.13.0056, constata-se, por meio da informação procedente da 2ª Vara Criminal e de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, da Comarca de Barbacena/MG, ID 72051144,  que ainda  não houve trânsito em julgado pela defesa nos referidos autos.

Também, o crime de lesão corporal, pelo qual o Recorrido foi condenado, não se amolda à causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “e” , da LC nº 64/90, sendo, assim, inaplicável, ao caso, a referida hipótese de inelegibilidade.

A respeito da inelegibilidade reflexa, prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal, a Coligação Recorrente alega que o candidato recorrido encontra-se inelegível para concorrer às eleições de 2024,eis que é filho de Nelson Moreira, atual Vice-Prefeito do Município Cipotânea, mesmo município pelo qual o recorrido pretende concorrer ao cargo de Prefeito e, conforme apontado, Nelson Moreira teria ocupado o cargo de Prefeito, por um período de 33 (trinta e três) dias, durante os últimos 6 (seis) meses, resultando na inelegibilidade.  

A MM. Juíza Eleitoral a quo, diante do caso concreto, assim se expressou na Sentença (ID 72051214):

 “no tocante à interpretação teleológica do art. 14, § 7º da Constituição, adiro ao entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o legislador, ao prever essa espécie de inelegibilidade, teve como norte, em observância ao princípio republicano, impedir a perpetuação de grupos familiares no poder, obstando que a máquina pública seja utilizada pelo Chefe do Executivo, em todos os âmbitos da esfera de sua competência, para favorecer a candidatura de parente, em verdadeiro desequilíbrio da disputa e em prejuízo dos demais contendores.

Pretendeu o legislador garantir o pluralismo político, fundamental no Estado Democrático de Direito, e condições de igualdade na disputa, impedindo interferências de poder no jogo democrático que obstem sua alternância.

E, aqui, a primeira singularidade do caso concreto.

Ao contrário do que usualmente ocorre, supostamente, a máquina pública não teria sido utilizada para beneficiar a candidatura de determinado familiar ou para de algum modo burlar a inelegibilidade, mas para alijar parente (filho do Vice) da competição eleitoral ao cargo de Prefeito, mediante pressuposta manobra para que o Vice-Prefeito substituísse o Chefe do Executivo por 33 (trinta e três) dias dentro dos seis meses anteriores à data do pleito.

A segunda refere-se à existência de suposto antagonismo político entre pai e filho, inclusive com ruptura de vínculos familiares, o qual, após a devida instrução do feito, entendo que ficou suficientemente demonstrado.

(...)

A terceira questão casuística refere-se à suposta manobra envolvendo a doença do titular para que o Vice-Prefeito assumisse.”

E concluiu:

“Diante de toda a fundamentação expostas e contexto fático sui generis, concluo que a improcedência da presente Ação de Impugnação ao Registro de Candidatura relativamente ao candidato em voga é medida que se impõe:

Seja em virtude do reconhecimento do antagonismo político entre o Impugnado e seu pai, Vice-Prefeito, e inexistência de ofensa à finalidade da inelegibilidade reflexa (impedir interferências de poder no jogo democrático que obstem sua alternância com perpetuação do mesmo grupo familiar) – fundamento este bastante à mitigação do art. 14, §7º da CF/88.

Seja em virtude da falta de certeza e de robustez das provas carreadas no que se refere à suposta manobra envolvendo a doença do titular para que o Vice-Prefeito assumisse interinamente a Prefeitura de Cipotânea-MG e eventual conluio entre eles para os afastamentos, com a consequente aplicação do princípio in dubio pro suffragii.”

Feitas essas considerações, na hipótese dos autos, constata-se que a controvérsia se cinge em definir se há ou não a incidência da inelegibilidade constitucional do art. 14, § 7º, da Constituição Federal, que assim dispõe:

Art. 14.

 (...) § 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

O legislador constituinte, ao prever essa espécie de inelegibilidade, teve como norte evitar que a máquina pública seja utilizada pelo chefe do Executivo visando favorecer a candidatura de parente, bem como impedir que grupos familiares se perpetuem no poder.

Nos termos da jurisprudência do TSE, o art. 14, § 7º, da Constituição há de ser interpretado de forma objetiva, confira-se:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA (RCED). INELEGIBILIDADE REFLEXA. PARENTESCO POR AFINIDADE. ART. 14, § 7º, DA CF/88. CRITÉRIO OBJETIVO. DESPROVIMENTO. 1. A teor do art. 14, § 7º, da CF/88, “são inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição”. 2. Na decisão agravada, manteve–se aresto unânime do TRE/AL no sentido de que a agravante – Vereadora de São Luís do Quitunde/AL eleita em 2016 – incorreu na referida causa de inelegibilidade, porquanto incontroverso que seu cunhado esteve no exercício da prefeitura de maio a dezembro de 2016, ou seja, dentro do período de seis meses anteriores ao pleito. 3. Consoante a jurisprudência desta Corte, a inelegibilidade reflexa em comento tem natureza objetiva, não cabendo discussão sobre o exercício interino da chefia do Poder Executivo, ainda que essa circunstância tenha decorrido de decisum judicial. Precedentes. 4. O antagonismo político também não é apto a afastar a inelegibilidade por parentesco. Precedentes. [...] (AgR-REspe 0600571-83/AL, Rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 13/3/2020) (sem destaques no original)

Pois bem.

É fato incontroverso que Wellington Thiene Moreira, candidato ao cargo de Prefeito de Cipotânea é filho do atual Vice-Prefeito e candidato à reeleição pelo município pelo mesmo município.

É igualmente incontroverso que houve o afastamento do Prefeito Roberto de suas funções e a assunção do exercício do cargo de Prefeito pelo Sr. Nelson Moreira, por 33 dias, em datas posteriores a 6 de abril de 2024 e que nesse período o vice-prefeito efetivamente realizou vários atos de gestão na prefeitura.

A narrativa apresentada pelo Recorrido, por sua vez, vislumbra a ocorrência de fraude, previamente deliberada, no afastamento do titular do cargo, cujo objetivo seria tão somente fazer incidir a inelegibilidade reflexa e impedir que os recorridos participem das Eleições 2024. Acrescenta que haveria grande rivalidade política entre pai e filho, ambos almejando cargos na eleição vindoura em lados opostos.

No que tange à ocorrência de fraude, para apuração das apontadas irregularidades em relação aos afastamentos do prefeito, observa-se que foi instaurada a ação cautelar nº 0600261-71.2024.6.13.0011, em que foi determinada a quebra do sigilo médico sobre os prontuários e demais documentos médicos referentes às consultas e acompanhamentos realizados por Roberto Henriques de Oliveira, nos 6 (seis) meses que precedem as eleições municipais.

Constata-se, no entanto, que não houve a demonstração da ocorrência da alegada inelegibilidade reflexa fictícia e dolosamente criada para prejudicar o candidato a Prefeito. Pelo contrário, comprovou-se que a doença que acomete o chefe do Executivo municipal é preexistente, conforme se verifica da Sentença:

“(...) Após análise detida da documentação carreada ao feito, entendo que inexistem elementos aptos a macular o quadro médico do Prefeito ou a infirmar a veracidade das informações constantes nos documentos médicos. Em verdade, as provas apontam para preexistência das doenças que ensejaram o afastamento.

 (...) Outrossim, entendo que não existem elementos fático-probatórios para afirmar com juízo de certeza que o Prefeito tenha se valido do tratamento das moléstias em momento de conveniência e oportunidade, afastando-se no período de 06 (seis) meses anteriores ao pleito, mediante prévio ajuste com o Vice. (...)”

Assim, uma vez que não ter havido comprovação da ocorrência da fraude, inexiste qualquer hipótese de afastamento excepcional do óbice à candidatura.

Quanto ao argumento de que há grande rivalidade entre o genitor e seu filho, o fato de serem rivais politicamente não possui o condão de afastar a inelegibilidade prevista no art. 14, § 7º, da Constituição Federal. Esta matéria já se encontra bastante sedimentada, conforme precedentes:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PEDIDO DE REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2012. ART. 14, § 70, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INELEGIBILIDADE. PARENTESCO CONSAGUÍNEO. CRITÉRIO OBJETIVO. DESPROVIMENTO. 1. A alegação de existência de rivalidade entre o recorrente, candidato a prefeito, e o atual Chefe do Executivo da localidade, aspirante à reeleição e genitor do pretenso candidato, não afasta a inelegibilidade constitucional, uma vez que o critério da norma é objetivo. Precedentes. 2. Recurso especial desprovido. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL N° 140-71.2012.6.26.0134 - CLASSE 32 - LINDÓIA - SÃO PAULO – Relator Ministro Dias Toffoli).

Veja-se o entendimento desta e. Corte Eleitoral, em decisão recente:

DIREITO ELEITORAL. RECURSO ELEITORAL. INDEFERIMENTO DE REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE REFLEXA. RECURSO NÃO PROVIDO.

I. Caso em Exame

Recurso Eleitoral interposto contra a r. decisão que indeferiu registro de candidatura ao cargo de Vereador. O indeferimento teve como fundamento a inelegibilidade reflexa prevista no art. 14, § 7º, da Constituição da República, em razão do parentesco com o atual Prefeito e candidato à reeleição.

II. Questão em Discussão

Discutem-se se a candidatura do recorrente estaria sujeita à inelegibilidade reflexa, prevista na CR/1988 e na Lei Complementar nº 64/90, devido ao vínculo de parentesco com o prefeito candidato à reeleição e se o alegado antagonismo político entre os irmãos afastaria tal inelegibilidade.

III. Razões de Decidir

Restou comprovado o parentesco consanguíneo de segundo grau entre o recorrente e o atual Prefeito, conforme documentos de identidade. A inelegibilidade reflexa é de caráter objetivo, fundamentada no art. 14, § 7º, da Constituição da República, sendo inaplicável exceção ao caso, uma vez que o recorrente não exerce mandato eletivo. A jurisprudência do TSE e do TRE-MG é pacífica no sentido de que o antagonismo político entre parentes não afasta a inelegibilidade reflexa, como explicitado na Consulta nº 0600211-41.2024.6.00.0000, de relatoria do Ministro Floriano de Azevedo Marques, e no precedente do TRE-MG - Acórdão nº 060026043/MG.

IV. Dispositivo e Tese

Recurso eleitoral desprovido. Mantém-se o indeferimento do registro de candidatura. Fica firmada a tese de que a inelegibilidade reflexa, prevista no art. 14, § 7º, da CR/1988, não pode ser afastada por circunstâncias de antagonismo político familiar, dado o caráter objetivo da norma constitucional.

Dispositivos relevantes citados: CR/1988, art. 14, § 7º; LC nº 64/90, art. 1º, § 3º. Jurisprudência relevante citada: TSE, Consulta nº 0600211-41.2024.6.00.0000, Rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, DJe 13/06/2024; TRE-MG, Recurso Eleitoral nº 060026043/MG, Rel. Des. Patrícia Henriques Ribeiro, Acórdão de 25/11/2020. RECURSO ELEITORAL nº 060021828, Acórdão, Des. Carlos Henrique Perpetuo Braga, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 16/09/2024.

Conforme bem salientado pela d. PRE, “O simples fato de que, hoje, pai e filho sejam adversários políticos, não pode justificar o afastamento da normativa. Primeiramente, porque estaria se permitindo que um núcleo familiar se perpetue no poder. Outrossim, estaríamos diante de uma hipótese permissiva que poderia ensejar diversas fraudes e simulações de rixas familiares para burlar o disposto constitucionalmente. ”

Diante disso, em que pese a judiciosa análise empreendida pela MM. Juíza Eleitoral, o art. 14, § 7º, da Constituição Federal é norma de natureza objetiva, não admitindo indagações subjetivas.

Com essas considerações, nos termos do disposto pelo art. 81, XXIII, c/c art. 84, VIII, do Regimento Interno desse Regional, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, para reformar a sentença e indeferir o registro de WELINGTON THIENE MOREIRA.

Publique-se. Intime-se.

Data registrada pelo sistema.

 

Desembargador SÁLVIO CHAVES

Relator