TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MINAS GERAIS

 

RECURSO ELEITORAL (11548) - 0600046-67.2024.6.13.0279 - Uberlândia - MINAS GERAIS
RELATOR: Juíza LAVIA BIRCHAL DE MOURA

RECORRENTES: LEONIDIO HENRIQUE CORREA BOUCAS, GUSTAVO GALASSI GARGALHONE
Advogados do RECORRENTE: CAMILLA CARVALHO DE PAULA PIANO VARGAS - MG130483-A, GUILHERME DIAS MACHADO - MG95374-A, MAXWELL LADIR VIEIRA - MG88623-A, FLAVIO RIBEIRO DOS SANTOS - MG100767-A, RICARDO FRANCO SANTOS - MG88926-A
Advogados do RECORRENTE: CAMILLA CARVALHO DE PAULA PIANO VARGAS - MG130483-A, GUILHERME DIAS MACHADO - MG95374-A, MAXWELL LADIR VIEIRA - MG88623-A, RICARDO FRANCO SANTOS - MG88926-A

RECORRIDA: COLIGAÇÃO UBERLÂNDIA PRA FRENTE
Advogados da RECORRIDA: RAUA MOURA MELO SILVA - MG180663-A, PEDRO FELIPE NAVES MARQUES CALIXTO - MG136471-A, FLAVIO ROBERTO SILVA - MG118780-A, RAFAEL TAVARES DA SILVA - MG105317-A, RODRIGO RIBEIRO PEREIRA - MG83032-A

  

DECISÃO

 

Trata-se de Recurso Especial Eleitoral interposto por LEONÍDIO HENRIQUE CORREA BOUÇAS e GUSTAVO GALASSI GARGALHONE, com fundamento no art. 121, § 4º, I e II, da Constituição da República, de 1988, e no art. 276, I, a e b, do Código Eleitoral, em oposição a Acórdão deste Tribunal (ID nº 71948348) que negou provimento ao Recurso por eles manifestado contra sentença de procedência dos pedidos formulados em sede de Representação ajuizada pela COLIGAÇÃO UBERLÂNDIA PRA FRENTE (PP/PL/União/PODE/DC), que resultou na condenação dos ora Recorrentes ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para cada um, em razão da veiculação de propaganda antecipada na Internet, caracterizada pela utilização de “deep fake”.

Nas razões recursais, sustentam que a última imagem exibida no vídeo mostra um abraço fraterno entre Gustavo Galassi e seu falecido avô, Virgílio Galassi, “sem qualquer justaposição de voz”.

Afirmam que, no referido vídeo, não consta pedido positivo ou negativo de voto, ofensa ou ataques de ódio, divulgação de fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados, tampouco propaganda eleitoral antecipada.

Aduzem, outrossim, que não houve, no caso em tela, o uso de “deep fake”, que, no seu entendimento, configura-se a partir da propaganda dolosa de fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados, com gravidade suficiente para desequilibrar o pleito ou para causar danos à integridade do processo eleitoral.

Esclarecem que a mera utilização de imagens de pessoas públicas – vivas ou falecidas –, seja para realizar sátiras ou homenagens às pessoas amadas, não configura “deep fake”.

Ressaltam que, nos termos do art. 38 da Resolução TSE nº 23.610, de 2019, as manifestações divulgadas na Internet estão asseguradas pelos princípios constitucionais da liberdade de expressão e de manifestação.

Salientam que o direito à liberdade de expressão também encontra amparo no art. 27, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE nº 23.610, de 2019 e no art. 57-D da Lei nº 9.504, de 1997.

Argumentam que “a liberdade de expressão compreende a faculdade de expressar livremente idéias, pensamentos e opiniões, bem como o direito de comunicar e receber informações verdadeiras sobre fatos, sem impedimentos, nem discriminações, o que sempre ocorreu de forma natural nas publicações divulgadas pelos representados nas suas respectivas redes sociais”.

Apontam a ocorrência de dissídio jurisprudencial com Acórdão do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, consubstanciado no julgamento do Recurso Eleitoral nº 0600053-54.2024.6.26.0002, segundo o qual a proibição das “deep fakes” tem por propósito combater a desinformação do eleitorado.

Citam julgados do Tribunal Superior Eleitoral sobre o tema.

Defendem o entendimento de que, embora tenha sido utilizada inteligência artificial, não houve a divulgação, no vídeo citado, de fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para desequilibrar o pleito ou prejudicar a integridade do processo eleitoral.

Por essas razões, requerem o provimento do apelo para que os pedidos formulados na petição inicial sejam julgados improcedentes, afastando-se a multa imposta.

O Recorrido apresentou contrarrazões (ID nº 71965762).

Vieram-me os autos conclusos.

 

DECIDO.

A peça recursal é tempestiva e foi subscrita por procurador habilitado (ID nº 71940042).

O Tribunal, à unanimidade, negou provimento ao Recurso Eleitoral interposto, nos seguintes termos:

 

Antes de tudo, certifico que os recorrentes não questionaram a licitude e veracidade do vídeo de ID 71914376, usado como base probatória para a condenação; nem a alegação de que o vídeo foi publicado nas redes sociais.

Dessa forma, tenho como fidedigno o conteúdo do vídeo, e verdadeira a afirmação de que houve a publicação dele, nas redes sociais dos recorrentes.

Assim, ao analisar o conteúdo do vídeo, verifico que não procede a alegação que se tratou de indiferente eleitoral. De fato, não há pedido explícito de voto, mas o recorrente, Gustavo Galassi, faz clara alusão ao pleito vindouro, já que, logo no início da gravação, identifica-se como pré-candidato a Vice-prefeito; e no final, afirmou que ele, e o pré-candidato a Prefeito, Leonídio Henrique, estariam prontos para "continuar o legado" do falecido avô, que foi Prefeito da cidade de Uberlândia por quatro mandatos. Concluo, então, que o vídeo publicado pelos recorrentes possui conteúdo eleitoral, o que atrai a atuação dessa Justiça.

Superado esse ponto, verifico não haver dúvida de que o conteúdo do referido vídeo foi manipulado digitalmente, para nele acrescentar a figura de pessoa já falecida. Ora, sobre esse fato há vedação expressa, contida na norma do art. 9º-C, §1º, da Resolução nº 23.610/2019/TSE:

 

Art. 9º-C É vedada a utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

§ 1º É proibido o uso, para prejudicar ou para favorecer candidatura, de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deep fake)(Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)

(SEM DESTAQUES, NO ORIGINAL)

 

Nota-se que, para o conteúdo ser vedado, é indiferente se ele foi feito para prejudicar ou favorecer candidaturas. Assim, identificado que se tratou de deep fake, deixam de prosperar as alegações de que no vídeo: i) não houve pedido de votos; ii) a mensagem não induziu o eleitor a erro; iii) não houve tentativa de desequilibrar o pleito; iv) informou que o vídeo foi produzido por Inteligência Artificial (IA).

Já que o conteúdo do vídeo é, por força de lei, considerado deep fake, forçoso concluir que se enquadrou no conceito de propaganda antecipada, conforme definido pelo art. 3º-A, da mesma Resolução, visto que aquele foi veiculado por meio proscrito em período de campanha:

 

Art. 3º-A. Considera-se propaganda antecipada passível de multa aquela divulgada extemporaneamente cuja mensagem contenha pedido explícito de voto, ou que veicule conteúdo eleitoral em local vedado ou por meio, forma ou instrumento proscrito no período de campanha. (Incluído pela Resolução nº 23.671/2021)

 

E se enquadrando como propaganda antecipada, necessariamente deve incidir a multa prevista no art. 36, § 3º, da Lei nº 9.504/1997, c/c art. 2º, §4º, da Resolução nº 23.610/2019/TSE.

Diante do exposto, como os recorrentes não trouxeram fatos novos, capazes de afastar as conclusões às quais esta Corte chegou, quando do julgamento do Mandado de Segurança nº 0600808-47.2024.6.13.0000, concluo que a utilização de deep fake configurou afronta à legislação de regência, o que justifica a multa aplicada em Primeira Instância.

Com essas considerações, NEGO PROVIMENTO ao recurso e mantenho as multas aplicadas aos recorrentes.

É como voto.

 

Conforme consignado na decisão recorrida, a partir da análise do vídeo de ID nº 71914376 foi possível verificar que o seu conteúdo foi manipulado digitalmente para nele acrescentar a figura do avô de Gustavo Galassi, que foi Prefeito de Uberlândia por quatro mandatos, não havendo dúvida de que houve a utilização de “deep fake”.

Registrou-se, ainda, no decisum, que no referido vídeo, divulgado nas redes sociais, não há pedido explícito de voto, mas o Recorrente, Gustavo Galassi, faz clara alusão ao pleito vindouro, já que, logo no início da gravação, identifica-se como pré-candidato a Vice-prefeito; e no final, afirmou que ele, e o pré-candidato a Prefeito, Leonídio Henrique, estariam prontos para "continuar o legado" do falecido avô.

Com efeito, verifica-se que o Tribunal, ao negar provimento ao Recurso, decidiu em harmonia com a legislação de regência (art. 3º-A e art. 9º-C, § 1º, da Resolução TSE nº 23.610, de 2019) que proíbe a divulgação extemporânea de mensagem que veicule conteúdo eleitoral mediante a utilização de “deep fake”, ainda que não haja pedido explícito de voto.

Cabe ressaltar, outrossim, que o acolhimento das razões recursais e o consequente reconhecimento da ausência de utilização de “deep fake” no vídeo divulgado demandariam o reexame de prova, o que não se admite em sede de Recurso Especial, nos termos da Súmula TSE nº 24.

Quanto ao alegado dissídio jurisprudencial com Acórdão do TRE/SP, consubstanciado no julgamento do Recurso Eleitoral nº 0600053-54.2024.6.26.0002, tem-se que os Recorrentes não lograram êxito em demonstrar que este Regional teria conferido tratamento jurídico distinto a situações semelhantes.

No Acórdão indicado como paradigma, diversamente do que ocorre no caso dos autos, concluiu-se que a publicidade divulgada não configura propaganda extemporânea ante a ausência de conteúdo eleitoral.

Assim, confrontadas as razões recursais com os fundamentos do Acórdão, vê-se que não há argumento que permita o trânsito do apelo à Superior Instância.

Ante o exposto, NÃO ADMITO o Recurso Especial.

P.I.

Belo Horizonte, data registrada no sistema.

 

Des. RAMOM TÁCIO

Presidente