TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE GOIÁS
REPRESENTAÇÃO (11541) - PROCESSO N. 0600798-82.2022.6.09.0000
RELATOR: ANA CLAUDIA VELOSO MAGALHAES
REPRESENTANTE: JAMIL SEBBA CALIFE
ADVOGADO: HEITOR SIMON FONSECA PEDROSO - OAB/GO61400
REPRESENTADO: CRISTIANO LIVRAMENTO DA SILVA
REPRESENTADO: JUNIO EDER SOUSA 38574918172
REPRESENTADO: FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Trata-se de representação eleitoral, por propaganda eleitoral antecipada negativa, apresentada por JAMIL SEBBA CALIFE, forte no disposto o artigo 96 da Lei nº. 9.504/97 e nas disposições constantes da Resolução TSE nº. 23.608/2019, em face de CRISTIANO LIVRAMENTO DA SILVA, JUNIO EDER SOUSA e FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA.
Segundo os autos, em 07 de julho de 2022, o candidato Jamil Sebba Calife compareceu à festa do peão de Campo Alegre/GO (ExpoCampo 2022). Na ocasião, realizou-se uma filmagem da qual se observa o mesmo dando alguns tapas no chão. Que o objetivo de Jamil Sebba Calife era transmitir aos expectadores a ideia de garra, tenacidade e determinação.
Aduz que, no dia 08/07/2022, o Representado Cristiano Livramento da Silva publicou matéria jornalística no sítio eletrônico "goias24horas.com.br" e no perfil "www.instagram.com/goias24horas", com o seguinte conteúdo, verbis:
“Mandinga? Ao ser anunciado em evento, pré-candidato de Catalão agacha para dar tapas no chão”.
"O pré-candidato a deputado estadual Jamil Calife (PP), compareceu a festa do peão de Campo Alegre/GO e na hora em que foi anunciado pelo locutor, agachou e começou a dar tapas no chão. Ninguém entendeu nada.
Algumas pessoas dizem que se trata de uma mandinga ou ritual para obter apoio sobrenatural para a campanha. Um dos presentes disse que viu um caso parecido na Bahia, e que lá o pai de santo, um Babalorixá, teria dito ao candidato para dar três tapas no chão em três eventos diferentes, “pé de pato mangalô treis veis”.
Será que é simpatia para ganhar a eleição? Se é ou não é, ninguém sabe. O fato é que ficou estranho".
Segundo o Representante, o intuito da postagem é espalhar "fake news" e manipular a opinião pública contra o mesmo, incutindo no leitor a ideia de que JAMIL SEBBA CALIFE pratica "mandinga" ou "ritual" para obter apoio sobrenatural para sua campanha e que uma pessoa teria visto um caso parecido na Bahia em que o pai de santo, um Babalorixá, teria dito ao candidato para dar três tapas no chão em três eventos diferentes, “pé de pato mangalô treis veis” e com essa "mandinga" anharia a eleição.
Sustenta o Representante que a liberdade de expressão e a de imprensa não são absolutas e não acobertam a divulgação de informações sabidamente inverídicas. Nesse sentido, entende que a divulgação de fake news durante o período eleitoral e com caráter eleitoreiro (propaganda eleitoral negativa) merece reprimenda por esta Justiça Especializada.
Requer seja concedida a tutela de urgência pleiteada, para ordenar a todos os Representados, em regime de solidariedade, a imediata remoção provisória da matéria em questão (no site e no Instagram do portal Goiás 24H), nos termos do art. 300 do CPC, sob pena de multa coercitiva a ser fixada por este juízo.
Pede, ao final: a) sejam os promovidos Cristiano Livramento da Silva, Goiás 24 Horas – ME e Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. condenados solidária e definitivamente a excluírem a matéria “jornalística” ora impugnada, tanto no site quanto no Instagram do portal de notícias requerido; b) a título de sanção, sejam os Representados Cristiano Livramento da Silva e Goiás 24H condenados ao pagamento de multa a ser fixada equitativamente por este juízo, por divulgação de fake news com nítido caráter eleitoreiro, forte na aplicação analógica do art. 36, § 3º, e do art. 57-D, § 2º, ambos da Lei nº 9.504/97; c) a título de reparação, sejam os requeridos Cristiano Livramento da Silva e Goiás 24H condenados a se retratarem publicamente do texto em comento, mediante publicação nos mesmos veículos (site e Instagram do Goiás 24H) de nota de retratação.
SUFICIENTEMENTE RELATADOS
FUNDAMENTO E DECIDO
A propaganda eleitoral antecipada positiva é definida pela jurisprudência como qualquer manifestação que, “previamente aos três meses anteriores ao pleito e fora das exceções previstas no artigo 36-A da Lei n° 9.504/97, visa à captação antecipada de votos, o que poderia desequilibrar a disputa eleitoral, vulnerando o postulado da igualdade de chances entre os candidatos e, no limite, comprometendo a própria higidez do prélio eleitoral”. (Ac. de 16.4.2015 no AgR-AI nº 26055, rel. Min. Luiz Fux)
Lado outro, a propaganda eleitoral antecipada negativa configura-se “com o pedido explícito de não voto ou com ato que, desqualificando pré–candidato, venha a macular sua honra ou imagem ou divulgue fato sabidamente inverídico”. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060001643, Acórdão, Relator(a) Min. Luis Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 229, Data 13/12/2021)
Não desconheço que a posição preferencial é pela liberdade de expressão (TSE, RESPE n. 13351, Rel. Min Rosa Weber, julgado em 07/05/2019) e com a diretriz a ela subserviente, no sentido de que a atuação da Justiça Eleitoral com relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático.
No presente caso, há manifesta finalidade eleitoral e o combate à desinformação tem ganho especial relevo nesta justiça especializada. A desinformação compreende informações falsas, inexatas ou deturpadas, concebidas, apresentadas ou providas para obter lucro ou causar prejuízo público intencional, publicadas sob a aparência de realidade, propagando a desinformação ao destinatário.
Nesse sentido, compete a esta Justiça Eleitoral, como órgão fiscalizador das propagandas políticas, primar pela preservação da higidez e lisura do processo eleitoral, impedindo a divulgação de fatos inverídicos ou descontextualizados, ensejadores de propaganda positiva ou negativa que tenham aptidão para influenciar a vontade do eleitorado.
O magistrado, ao realizar a cognição sumária - a fim de outorgar ou não a medida de urgência -, deve, necessariamente, analisar se a inicial expõe, de forma completa, a probabilidade de êxito do direito invocado (fumus boni iuris), bem como a existência de um dano iminente ou risco ao resultado útil ao processo (periculum in mora).
Nesse sentido:
A tutela cautelar é concedida mediante cognição sumária, diante da mera probabilidade de o direito material existir. Trata-se da exigência do famus bani iuris, que para parcela significativa da doutrina significa que o juiz deve conceder tutela cautelar fundada em juízo de simples verossimilhança ou de probabilidade, não se exigindo um juízo de certeza, típico da tutela definitiva. Trata-se de exigência decorrente da própria urgência presente na tutela cautelar, que não se compatibiliza com a cognição exauriente típica dos processos/fases de conhecimento, que naturalmente demandam um tempo para seu desenvolvimento incompatível com a realidade cautelar. (ASSUMPÇÃO NEVES, Daniel Amorim. Manual de Direito Processual Civil – volume único. 10ª ed. Salvador: Editora JusPodvm, 2018, p. 543) [grifos meus]
Os pressupostos da tutela de urgência estão dispostos no art. 300 do Estatuto Processual Civil, verbis:
"Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo".
Pois bem. Alega o Representante que, no dia 08/07/2022, o Representado Cristiano Livramento da Silva publicou matéria jornalística no sítio eletrônico "goias24horas.com.br" e no perfil "www.instagram.com/goias24horas", assim intitulada
“Mandinga? Ao ser anunciado em evento, pré-candidato de Catalão agacha para dar tapas no chão”.
"O pré-candidato a deputado estadual Jamil Calife (PP), compareceu a festa do peão de Campo Alegre/GO e na hora em que foi anunciado pelo locutor, agachou e começou a dar tapas no chão. Ninguém entendeu nada.
Algumas pessoas dizem que se trata de uma mandinga ou ritual para obter apoio sobrenatural para a campanha. Um dos presentes disse que viu um caso parecido na Bahia, e que lá o pai de santo, um Babalorixá, teria dito ao candidato para dar três tapas no chão em três eventos diferentes, “pé de pato mangalô treis veis”.
Será que é simpatia para ganhar a eleição? Se é ou não é, ninguém sabe. O fato é que ficou estranho".
Acosto a imagem e o trecho integral da matéria jornalística:
"O pré-candidato a deputado estadual Jamil Calife (PP), compareceu a festa do peão de Campo Alegre/GO e na hora em que foi anunciado pelo locutor, agachou e começou a dar tapas no chão. Ninguém entendeu nada.
Algumas pessoas dizem que se trata de uma mandinga ou ritual para obter apoio sobrenatural para a campanha. Um dos presentes disse que viu um caso parecido na Bahia, e que lá o pai de santo, um Babalorixá, teria dito ao candidato para dar três tapas no chão em três eventos diferentes, “pé de pato mangalô treis veis”.
Será que é simpatia para ganhar a eleição? Se é ou não é, ninguém sabe. O fato é que ficou estranho".
Os textos do primeiro e do terceiro parágrafos, apesar de não conterem qualquer utilidade pública, não apresentam ofensa à figura do candidato Representante, uma vez que apenas relata fatos e suposições, características comuns a algumas matérias, lamentavelmente, inúteis, relacionadas ao ambiente eleitoral.
Todavia, no segundo trecho, ao enunciar que JAMIL SEBBA CALIFE, fazia uma mandinga ou ritual para obter apoio sobrenatural para a campanha igual a um outro candidato na Bahia orientado por um pai de santo, um Babalorixá, que teria dito ao candidato para dar três tapas no chão em três eventos diferentes, “pé de pato mangalô treis veis”, o Representado intenta desqualificar o candidato a deputado estadual em Goiás, perante a população de outros segmentos religiosos maculando sua honra, divulgando fato inverídico, extrapolando a crítica política, o direito de liberdade de expressão e de informação. E para agravar a situação, os Representados evidenciam intolerância às religiões de matriz africana, uma vez que os termos foram utilizados de forma pejorativa por CRISTIANO LIVRAMENTO DA SILVA e JUNIO EDER SOUSA .
Importa ressaltar que mais de 60% da população de Catalão (base eleitoral do candidato) e mais de 70% da população de Campo Alegre (local onde o vídeo foi gravado) declaram pertencer à religião Católica Apostólica Romana1, cuja profissão de fé não abarca a realização de rituais semelhantes àqueles praticados pelas religiões de matriz africana.
Como dito acima, ee por um lado o discurso apresenta ofensa aos indivíduos que professam a fé católica, evangélica...,de outro, a utilização das expressões "mandinga", "pai de santo", "Barbalorixá" e "pé de pato mangalô treis veis" revelam também intolerância às religiões de matriz africana, uma vez que os termos foram utilizados de forma pejorativa. Vale mencionar que o termo "Babalorixá" ou "babaloxá", também conhecido como pai de santo, pai de terreiro, ou babá, é o sacerdote das religiões afro-brasileiras (FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2ª edição. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 1986. p. 1 247).
Ora! A garantia da liberdade religiosa encontra berço no art. 5º, inciso VI da Constituição Federal de 1988, cujo texto esclarece ser “ inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e às suas liturgias”.
A prática e os rituais relacionados às religiões de matriz africana são “patrimônio cultural imaterial”, na forma do disposto no Artigo 2, item 2, alínea “c”, da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco. Além disso, como dispõe o texto constitucional, elas constituem os modos de criar, fazer e viver de diversas comunidades religiosas e se confundem com a própria expressão de sua identidade. O Estado brasileiro tem o dever de proteger as “manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional” (art. 215, § 1º).
No caso em apreço, portanto, em análise de um juízo primevo, restaram evidenciados os requisitos necessários para o deferimento da tutela de urgência, haja vista que os elementos informativos jungidos aos autos revelam indícios de que os representados promoveram desinformação com a manipulação de conteúdo jornalístico em nítida propaganda eleitoral antecipada negativa.
Entendo presente o fumus boni iuris para a concessão da medida de urgência.
Já o periculum in mora decorre de que o texto jornalístico ofensivo tende a desequilibrar a isonomia entre os concorrentes ao cargo político de Deputado Estadual, colocando em manifesta desvantagem os que optaram por se valer dos meios regulares de propaganda.
São essas mesmas razões que me convencem da necessidade de ser acolhida a tutela provisória de urgência consistente no pedido de remoção de conteúdo tido indiciariamente como irregular, sem embargo, todavia, que a deflagração do contraditório possa levar a entendimento diverso.
Com relação ao FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA, os documentos carreados aos autos não me permitem afirmar a que a sua conduta indique responsabilidade pelo conteúdo divulgado, visto que não teria controle ou poder sobre a inserção por terceiro em domínio na internet, porquanto apenas cataloga e organiza as páginas publicamente disponíveis, motivo pelo qual necessário reconhecer sua ilegitimidade passiva. Porém, esclareço que o Facebook é responsável pela retirada na forma determinada pela autoridade judicial dos conteúdos que configuram propaganda irregular eleitoral.
Ante o exposto,
a) nos termos do art. 485, IV, do CPC, JULGO EXTINTA a representação em relação ao FACEBOOK SERVIÇOS ONLINE DO BRASIL LTDA, por ilegitimidade passiva ad causam;
b) com fulcro no art. 300 do CPC, DEFIRO o pedido de tutela de urgência, porquanto presentes os pressupostos autorizativos, para determinar:
b.1) a imediata remoção pelos representados CRISTIANO LIVRAMENTO DA SILVA e JUNIO EDER SOUSA, no prazo de 24h (vinte e quatro horas), dos conteúdos das URLs identificadas na inicial, a saber: (https://goias24horas.com.br/179640-mandinga-ao-ser-anunciado-em-evento-pre-candidato-de-catalao-agacha-para-dar-tapas-no-chao/ e https://www.instagram.com/p/CfxCfzmJgLT/?igshid=YmMyMTA2);
b.2) aos representados CRISTIANO LIVRAMENTO DA SILVA e JUNIO EDER SOUSA que, imediatamente, se ABSTENHAM de divulgar, por qualquer meio, o conteúdo ora impugnado;
b.3) com fundamento no poder geral de cautela, a notificação, por ofício, do Instagram e Facebook, para que, no prazo máximo de 24h (vinte e quatro horas), proceda à remoção dos conteúdos da segunda URL acima transcrita, por força do art. 17, § 1º-B, c/c art. 10, caput, ambos da Res. TSE n.º 23.608/2019;
ADVIRTO aos representados que, em caso de descumprimento da ordem judicial e sem prejuízo a outras sanções, será aplicada multa individual no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia ou por ocorrência, incidente a partir da intimação pessoal.
CITEM-SE pessoalmente os representados mediante oficial de justiça, a fim de que apresentem defesa, no prazo de 2 (dois) dias, por força do art. 18, caput, da Resolução TSE nº. 23.608/2019 e comprovem o cumprimento desta decisão.
Apresentada defesa ou decorrido o prazo respectivo, INTIME-SE a douta Procuradoria Regional Eleitoral para que, no prazo máximo de 01 (um) dia, ofereça parecer (art. 19, Resolução TSE nº 23.608/2019);
Decorrido prazo deferido no item anterior, com ou sem parecer, RETORNEM-ME conclusos para julgamento (art. 20, Resolução TSE nº 23.608/2019);
INTIMEM-SE. CUMPRA-SE.
Goiânia, na data da assinatura digital.
ANA CLAUDIA VELOSO MAGALHAES
Juíza Relatora
1 https://www.estadosecidades.com.br/go/catalao-go_religioes.html e https://www.estadosecidades.com.br/go/campo-alegre-de-goias-go_religioes.html