TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESPÍRITO SANTO

 

ACÓRDÃO

 

RECURSO CRIMINAL ELEITORAL (14209) N° 0600104-71.2021.6.08.0002 - Cachoeiro de Itapemirim - ESPÍRITO SANTO

ASSUNTO: [Divulgação de Fatos Inverídicos na Propaganda Eleitoral, Difamação na Propaganda Eleitoral]

RECORRENTE: JACKSON RANGEL VIEIRA
ADVOGADO: VANESSA MOREIRA VARGAS - OAB/ES0019468
RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
RECORRIDO: VICTOR DA SILVA COELHO
ADVOGADO: MARIANE PORTO DO SACRAMENTO - OAB/ES22181-A
ADVOGADO: LUCIANO CEOTTO - OAB/ES9183-A
ADVOGADO: PRISCILA VIEIRA BAHIA - OAB/ES23689
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
RECORRIDO: JACKSON RANGEL VIEIRA
ADVOGADO: VANESSA MOREIRA VARGAS - OAB/ES0019468
FISCAL DA LEI: Procuradoria Regional Eleitoral - ES

RELATOR: DR. MARCOS ANTONIO BARBOSA DE SOUZA

 

EMENTA

RECURSO CRIMINAL ELEITORAL. ARTIGO 323 DO CODIGO ELEITORAL. DIVULGAÇÃO DE FATOS INVERÍDICOS. CONTINUIDADE DELITIVA. ARTIGO 325 DO CÓDIGO ELEITORAL. DIFAMAÇÃO ELEITORAL. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. REINCIDÊNCIA. AGRAVANTE GENÉRICA. VALORAÇÃO DA CONDUTA SOCIAL, DA PERSONALIDADE E DOS MOTIVOS DO CRIME. RECURSO DO RÉU A QUE SE NEGA PROVIMENTO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

1 - A instrução processual revelou que o réu, em vários episódios, três deles devidamente enfrentados na ação em curso, publicou postagens ofensivas a honra e imagem do Prefeito de Cachoeiro de ltapemirim, candidato a reeleição à época, promovendo afirmações inverídicas visando negativar sua imagem aos eleitores.

2 - Referidas divulgações extrapolaram o campo da mera liberdade jornalística ou de expressão e invadiram o campo da preservação da imagem do agente político e o resultado do certame do qual ele participava na qualidade de candidato, bem jurídico tutelado pela norma.

3 - No conflito entre a liberdade de expressão e a tutela a imagem e a honra pelo agente político, o primeiro deve ser feito com responsabilidade e com o mínimo de segurança acerca do conteúdo daquilo que é divulgado, sob pena de prejudicar a análise e a decisão dos eleitores sobre os candidatos ao pleito corrente. Qualquer profissional, independente da sua área de atuação, detém responsabilidades sobre suas ações. Tratar a vida alheia com leviandade em nada soma às nossas interações sociais, razão pela qual deve o réu responder pelas penalidades previstas no art. 323, em continuidade delitiva, e no artigo 325 do Código Eleitoral. Sentença mantida. Recurso de Jackson Rangel Vieira a que se nega provimento.

4 - Acerca da dosimetria da pena, restou demonstrado que a conduta do agente, os motivos do crime e sua personalidade legitimam o aumento da pena-base pretendida. Sentença reformada neste tocante. Recurso do Ministério Público Eleitoral a que se dá provimento.

 

Vistos etc.

Acordam os Membros do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo, em conformidade com a Ata e Notas Taquigráficas da Sessão, que integram este julgado, à unanimidade de votos, NEGAR PROVIMENTO ao recurso criminal interposto por JACKSON RANGEL VIEIRA e de DAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo MIINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, nos termos do voto do e. Relator. Averbou suspeição o Exmº Sr. Jurista Lauro Coimbra Martins.

 

Sala das Sessões, 19/04/2023.

DR. MARCOS ANTONIO BARBOSA DE SOUZA, RELATOR

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PROCESSO Nº RECURSO CRIMINAL ELEITORAL (14209) N° 0600104-71.2021.6.08.0002 - Cachoeiro de Itapemirim - ESPÍRITO SANTO

RELATOR: MARCOS ANTONIO BARBOSA DE SOUZA

 

SESSÃO ORDINÁRIA

12-04-2023

 

PROCESSO Nº 0600104-71.2021.6.08.0002 – RECURSO CRIMINAL ELEITORAL

NOTAS TAQUIGRÁFICAS – Fl. 1/7

 

 

RELATÓRIO

 

                        O Sr. JUIZ DE DIREITO MARCOS ANTÔNIO BARBOSA DE SOUZA (RELATOR):-

Senhor Presidente: Trata-se de dois recursos eleitorais, o primeiro deles interposto por JACKSON RANGEL VIEIRA e o segundo pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, ambos visando reformar a sentença proferida pelo Juízo Eleitoral da 48° Zona – Cachoeiro de Itapemirim.

A referida Sentença (ID 106101429) julgou procedente a pretensão punitiva estatal constante da denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (ID 92797564) em face de JACKSON RANGEL VIEIRA, condenando-o ao cumprimento das sanções dos artigos 323, do Código Eleitoral – Divulgação de Fatos Inverídicos, por duas vezes, na forma do artigo 71 do Código Penal (crime continuado) e, ainda, nas sanções do artigo 325 do Código Eleitoral – Difamação Eleitoral, com fixação total de pena em 07 (sete) meses e 21 (vinte e um) dias de detenção e o pagamento de 07 (sete) dias-multa em regime semiaberto.

Em suas razões recursais (ID 9167796), JACKSON RANGEL VIEIRA sustentou, preliminarmente, a impossibilidade de recebimento da denúncia diante da ausência de justa causa e da inexistência de prova de materialidade do fato delitivo; no mérito, sustentou que o conjunto probatório produzido em fase instrutória conduz à sua absolvição. Afirma, em relação aos fatos enquadrados no artigo 323 do Código Eleitoral, que as matérias e opiniões do jornalista foram respaldadas em fatos existentes, comprovados e informações fidedignas, tendo ele agido no dever de informar.

Quanto aos fatos enquadrados no artigo 325 do Código Eleitoral, afirma que não foram demonstrados o dolo e o animus difamandi, que não havia a intenção de injuriar, difamar, tampouco caluniar a suposta vítima, vindo a macular o processo eleitoral, representando a condenação uma censura e cerceamento à liberdade de informar.

Prossegue afirmando que matérias em tom ácido, crítico e opinativo são comuns e fazem parte do jornalismo, sem que tal conduta configure crime eleitoral, sendo estas verídicas (com base em informações obtidas pelo jornalista e o que restou comprovado na instrução processual) e quando não há intenção volitiva em difamar.

Quanto à dosimetria da pena, afirma que não há que se falar em reincidência ante a condenação na ação penal 14-24.2015.6.08.0002, uma vez que este processo é inexistente, ou não se refere ao recorrente, e que só é possível a aplicação da reincidência se os crimes forem do mesmo tipo penal, o que não ocorre no caso. Por fim, afirma que o equívoco na reincidência implica em novo erro na fixação do regime inicial de cumprimento da pena (semiaberto) e que não poderia ser aplicada a agravante específica do artigo 323 do Código Eleitoral, visto que ela foi revogada pela Lei nº 14.192/2021.

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpôs recurso eleitoral (ID 9167798) com razões recursais (ID 9167799), em que declarou a necessidade de reforma da sentença em relação à dosimetria da pena do réu, devendo ser aplicada valoração negativa da conduta social e dos motivos do crime, majorando a pena-base em 1/8 para cada um dos delitos do artigo 323 do Código Eleitoral.

Em relação à conduta social, informa que há 27 (vinte e sete) processos criminais, além de 13 (treze) ações cíveis em tramitação contra o réu, demonstrando que as condutas denunciadas não são um fato isolado.

Quanto aos motivos, afirma que além de o réu possuir ciência da falsidade dos fatos, ele declarou em seu interrogatório ser conhecedor das informações meses antes, deixando para divulgá-las no período de campanha eleitoral, o que leva ao entendimento de que aguardou estrategicamente o momento ideal para exercer influência negativa perante o eleitorado da vítima.

No tocante à dosimetria do delito do artigo 325 do Código Eleitoral, entende que, pelo valor negativo da conduta social, em relação à personalidade do réu e aos motivos do crime, deve ser majorada a pena-base em 1/8, considerando, sobretudo, que a personalidade do agente revela sua má índole ao divulgar suposto relacionamento extraconjugal da vítima, o que afetou seu relacionamento familiar, bem como sua imagem perante colegas de trabalho e sociedade.

O Ministério Público Eleitoral apresentou, ainda, contrarrazões de ID 9167804 à apelação interposta por JACKSON RANGEL VIEIRA, rebatendo todas as teses recursais do apelante.

VICTOR DA SILVA COELHO, assistente de acusação habilitado nos autos, apresentou contrarrazões (ID 9167808) refutando as teses defensivas presentes na apelação interposta por JACKSON RANGEL VIEIRA.

 JACKSON RANGEL VIEIRA apresentou contrarrazões ao recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (ID 9167811).

Decisão do magistrado sentenciante negando os pedidos de retratação (ID 9167812).

Parecer da Procuradoria Eleitoral (ID 9193945) aduzindo que a pretensão recursal de JACKSON RANGEL VIEIRA não traz razões jurídicas novas hábeis a infirmar a conclusão alcançada na sentença pela condenação do réu, tampouco para alterar a dosimetria, conforme contrarrazões ministeriais. Afirma, de outro lado, que as pretensões recursais do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL atuante em primeira instância fundam-se em razões legítimas, razão pela qual devem ser consideradas para agravar a dosimetria das penas aplicadas.

Por tal razão, a Procuradoria Eleitoral, na condição de fiscal da lei, pugnou pelo total improvimento do recurso interposto por JACKSON RANGEL VIEIRA e pelo provimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL atuante em primeira instância.

É o relatório.

Inclua-se em pauta para julgamento.

 

 

*

 

SUSTENTAÇÃO ORAL

 

                        A Sra. ADVOGADA Dra. VANESSA MOREIRA VARGAS:-

Senhor Presidente, Senhor Relator, demais pares: Trata-se de recurso eleitoral apresentado em face de sentença proferida pelo Juiz de piso. Apesar do notório saber jurídico do Juiz sentenciante, esta defesa acredita que houve um equívoco quanto à instrumentalidade legal e jurisprudencial, que, portanto, gerou essa condenação injusta, data máxima vênia, do jornalista Jackson Rangel, às iras dos artigos 323 e 325 do Código Eleitoral. Condenação essa tão somente decorrente de publicações de matérias jornalísticas calcadas em informações verossímeis, que foram anexadas e provadas durante a instrução probatória no juízo de piso.

Antes de adentrar ao mérito recursal propriamente dito, é salutar fazer um registro de fatos que permeiam o feito.

Mormente, o fato de que o jornalista Jackson Rangel encontra-se respaldado por uma liminar deferida nos autos da Reclamação n.º 47.792, que tramitou sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, no Supremo Tribunal Federal. O Ministro deferiu a liminar requerida nessa reclamação para “determinar que as autoridades e seus órgãos de apuração administrativa ou criminal abstenham-se de praticar atos que visem a responsabilização do jornalista”. Tudo isso visando e objetivando proteger as fontes que são respaldadas pelo sigilo constitucional.

No mérito, o douto Relator, Ministro Dias Toffoli, confirmou a liminar e o conteúdo de ambas as decisões, liminar e meritória, que foram publicadas no site do STF, tamanha a importância do objeto da matéria que foi ali julgada. Os lides das matérias divulgadas no site do STF restaram assim consignadas: “Nenhum jornalista pode ser constrangido a revelar suas fontes”. E a segunda matéria: “Ministro Dias Toffoli impede responsabilização de jornalista por divulgação de suposto esquema de corrupção no ES”, referindo-se também às matérias publicadas pelo jornalista Jackson Rangel, que é aqui recorrente e recorrido.

O trâmite do presente requerimento colocado aqui em julgamento por si só é um descumprimento da decisão do STF, porque, conforme entendimento da defesa, o tramitar desse processo nos termos em que se encontra caracteriza constrangimento do profissional de imprensa a revelar suas fontes sigilosas, pois delas advêm as informações divulgadas nas matérias objetos deste processo.

Os fatos que deram origem à denúncia aqui tratada foram objeto de representações eleitorais junto à Justiça Eleitoral, cuja numeração encontra-se especificada na própria inicial. As matérias jornalísticas objeto dessa demanda tratam acerca de questões públicas decorrentes da administração do Município de Cachoeiro de Itapemirim, e cita um Prefeito, suposta vítima, enquanto servidor público, e atos decorrentes da sua administração junto à municipalidade. Portanto, as matérias são de interesse público.

Cabe registrar que a única matéria citada na inicial que adentraria a intimidade da suposta vítima, cuja conduta foi capitulada no crime de difamação, sobre ela não restou comprovado direcionamento do texto à suposta vítima. A uma, porque o texto não cita o nome do Prefeito de Cachoeiro; a duas, porque a sentença nesse tocante é carente de fundamentação.

A sentença, no tocante a esta matéria específica, que, talvez, pudesse ser objeto de uma criminalização, por tratar de questões íntimas, diz que ao acusado oportunizou o instituto da exceção da verdade.

Ora, Excelências, a exceção da verdade é uma ação que permite ao acusado do crime de difamação, no caso contra funcionário público, provar o fato atribuído à pessoa que se julga ofendida. Como seria possível apresentar uma exceção da verdade, como sugerido pelo douto Magistrado sentenciante, se há a negativa dos fatos e a ausência de comprovação do direcionamento da matéria à suposta vítima? Não há o que se falar, portanto, em condenação nesse tocante, uma vez que a materialidade não restou comprovada.

Quanto às demais matérias já enquadradas no outro artigo legal, repise-se que são de interesse público. Também não há que se falar em crime. As reportagens em questão nada mais fizeram do que noticiar e tornar público fatos envolvendo a suposta vítima enquanto funcionário público, Prefeito, administrador do Município de Cachoeiro.

De forma alguma essas reportagens merecem ser censuradas ou criminalizadas. São informações colhidas de material conciso, real, fornecido por fonte sigilosas, com todos os indícios demonstrados ao longo da instrução probatória, seja por meio de oitiva de testemunhas, seja por meio de farta documentação carreada aos autos. Enfim, indícios que demonstram a veracidade do que foi ali noticiado.

Acerca deste tema específico, os nossos tribunais têm se manifestado, inclusive o Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, corroborado com o entendimento dos Tribunais Superiores.

A título exemplificativo, peço vênia para citar a decisão proferida nos autos do Mandato de Segurança Criminal n.º 00012682720228080000, de relatoria do Desembargador Pedro Valls, no qual S. Ex.ª acerca do tema criminalização, imprensa, matérias jornalísticas com indícios de veracidade.

Eu peço vênia para ler o trecho desta decisão:

 

Nesse sentido, a esfera do ilícito penal é muito estrita e não se coaduna com o sentimento pessoal. O que quero dizer é que é possível (e provável) que uma publicação jornalística de 'gosto duvidoso' fatalmente causará indignação, revolta, fereza, ira, daquela a quem é direcionada. Causará até mesmo dano moral. Todavia, quase nunca terá o seu autor cometido crime.1

 

Excelências, só relembrando que este mandado de segurança também trata acerca de matérias do jornalista aqui recorrente. Há, no caso, conflito real de princípios constitucionais entre intimidade e honra contra liberdade de expressão e imprensa.

Examinando a narrativa da inicial, não vislumbro, de plano, que as publicações sejam caluniosas, injuriantes ou difamatórias. Para a esfera criminal, é preciso haver dolo específico, é preciso ser claro e direto. Isso demanda interpretação, leitura, entrelinhas, conhecer previamente os fatos ou envolvidos para que  possa chegar à conclusão de não há crime contra a honra. Do ponto e vista pessoal, vejo um texto confuso, com ideias difíceis de entendimento.

Com base nesse entendimento do Tribunal de Justiça, corroborado com os Tribunais Superiores, a defesa pede que seja acolhida a preliminar de rejeição de denúncias por ausência de justa causa. No mérito, que seja absolvido o acusado por não restar comprovado que as condutas aqui narradas constituem crime, por ausência de elemento constitutivo, qual seja, o dolo específico. Por derradeiro, estamos pedindo a revisão da pena pela ausência da agravante específica, não demonstração da agravante genérica e também alterando-se o regime de cumprimento  pedindo substituição da pena.

Agradeço e peço desculpas por ultrapassar o tempo. Há muito a falar e o tempo é curto.

Obrigada, Senhor Presidente.

 

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QUESTÃO DE ORDEM

 

 

                        O Sr. ADVOGADO Dr. LUCIANO CEOTTO:-

Senhor Presidente: Só um esclarecimento. Nós aqui funcionamos como advogados assistentes de acusação do Ministério Público, por se tratar de ação penal pública. Então, consulto se a preferência para a sustentação não é do órgão ministerial.

 

*

 

                        O Sr. DESEMBARGADOR PRESIDENTE JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA:-

Como o Senhor não se manifestou anteriormente neste sentido, e desconhecendo esta qualidade, estamos invertendo a ordem processual, portanto, vamos abrir novo tempo para que a Dra. Vanessa se manifeste, se o Senhor pretender fazer a sustentação oral.

 

*

 

                        O Sr. ADVOGADO Dr. LUCIANO CEOTTO:-

Senhor Presidente, quero sustentar, sim. Mas só por questão de ordem fiz essa colocação, até para que não se alegue nulidade futura.

 

*

 

                        O Sr. DESEMBARGADOR PRESIDENTE JOSÉ PAULO CALMON NOGUEIRA DA GAMA:-

Perfeitamente. Em razão disso, concedo o prazo regimental para sua sustentação oral. Após, concederemos a palavra à Dra. Vanessa, de acordo com a ordem processual.

O Ministério Público figura como titular da ação.

 

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SUSTENTAÇÃO ORAL

 

                        O Sr. ADVOGADO Dr. LUCIANO CEOTTO:-

Senhor Presidente: Serei bastante breve para não tomar mais tempo do que o necessário para o julgamento.

Vemos no Espírito Santo agora uma questão trazida ao conhecimento desta Corte Eleitoral, um fenômeno detectado pelos professores de Haward no best-seller Como as Democracias Morrem, dos professores Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, um best-seller mundial, onde constatam um fenômeno da democracia moderna, que é a transformação da persuasão política  numa arma de guerra, bem como a transformação de adversários em inimigos figadais.

Foi colocado aqui da tribuna sobre a liberdade de imprensa e o cânone constitucional que é o seguro sigilo da fonte. Não se trata disso. O acusado não nega a autoria das matérias infamantes, e, ao longo da instrução processual, teve a oportunidade, se quisesse, de revelar as suas fontes. Arrolou testemunhas. As testemunhas falaram sob o objeto debatido em juízo, e ficou demonstrado, inclusive por manifestação do próprio acusado, que as matérias não eram baseadas em fatos, mas sim em opiniões do acusado.

Eu cito aqui três pontos, especificamente. Todas as matérias foram divulgadas num contexto de campanha eleitoral, campanha eleitoral de 2020, para Prefeito Municipal de Cachoeiro de Itapemirim. Uma primeira série de matérias referentes a uma operação da Polícia Federal chamada Snack Zero, onde se apurava a compra e a oferta de alimentos com data de validade vencida para escolas públicas do Município de Cachoeiro de Itapemirim.

Na matéria, o acusado fazia referências ao Prefeito como um monstro, bem como dizia: Assim que perder a eleição, ou antes, vai sair gente presa do governo Victor Coelho.

Ele arrolou o Delegado da Polícia Federal responsável pelas investigações. O Delegado, cabalmente, sem margens de dúvidas, sem ambiguidade, disse que não havia investigação sobre a pessoa do Prefeito Vitor Coelho. O acusado, neste caso, justificou-se dizendo que tudo o que acontece na administração é responsabilidade do Prefeito, por isso entendia legítimo a ele responsabilizar qualquer atuação da Polícia Federal.

Num segundo ponto, o acusado fez uma série de divulgações jornalísticas, dizendo que o Prefeito Victor Coelho poderia ser preso a qualquer momento, e arrolou testemunhas. A testemunha arrolada era o Presidente do Sindicato dos Fiscais, ou dos Auditores Fiscais do Município de Cachoeiro de Itapemirim, que esclarece,u em instrução processual,  que havia uma decisão em face do Município de Cachoeira do Itapemirim, onde se discutia o possível descumprimento de decisão.

O jornalista, em sede de instrução processual, entendeu que o Prefeito poderia ser preso, por isso, divulgou que a qualquer momento seria preso, bem como que uma ordem judicial poderia ensejar a prisão.

No terceiro e mais ultrajante ponto, o acusado divulgou por várias vezes um conto erótico em suas redes sociais, onde fazia menção ao quiçá de Cachoeiro de Itapemirim, ou quiçá  da capital secreta do mundo. E não só isso. Às vésperas da eleição, pedia o não voto em quem humilha a sua esposa copulando com sua secretária. Tudo isso consta nos autos.

Então, se a menção expressa o nome da fazenda, recorrendo aqui ao dito popular, não é necessário dar nome aos bois. Em instrução processual, por mais ultrajante que possa parecer, o acusado arrolou a própria esposa do Prefeito Vitor Coelho para indagar exatamente essas questões, revitimizando o Prefeito, vitimizando sua esposa e fazendo a família novamente sofrer com difamações absurdas oriundas daquilo que o acusado disse que era um conto erótico, que não se referia à vítima deste processo.

Eu me encaminho para finalizar, mais uma vez com a obra dos professores de Harvard, que enumeram dois pontos como causas da derrocada da democracia: um deles é a rejeição das regras democráticas do jogo.

 

(...)São várias essas violações, mas duas delas muito bem perceptíveis: a manifestação do expresso desejo de violar ou não aceitar a Constituição; e as tentativas de minar a legitimidade de eleições comprovadamente sérias.

 

E, no segundo ponto:

 

(...) a negação da legitimidade dos oponentes políticos com acusações mentirosas, desqualificação dos seus adversários sem fundamento imputando-lhes crimes sem provas e fatos inventados que denigram a vida deles, calúnias e difamações (...). 

 

Do livro Como as Democracias Morrem, Daniel Ziblatt e Steven Levitsky, editora Zahar.

 

Encerro a minha colocação agradecendo a paciência de todos.

Muito obrigado.

 

*

 

SUSTENTAÇÃO ORAL

 

                        A Sra. ADVOGADA Dra. VANESSA MOREIRA VARGAS:-

Senhor Presidente: Vou pontuar brevemente acerca do que trouxe o Dr. Luciano à tribuna.

Acerca da vertente, isso é importante pontuar, encontra-se nas razões sucursais, o jornalista Jackson Rangel Vieira pratica uma vertente de jornalismo denominada opinativa, crítica e investigativa.

Um artigo da ABRAJI, que eu também citei em sede de razões recursais, e que é uma instituição respeitada, trata acerca dos temas da imprensa nacional, fala do surgimento dessa imprensa opinativa e ideológica.

O jornalista Jackson Rangel não é mais um colunista social ou uma pessoa que recebe informações e as passa de forma a não atingir o público. Ele fala o que recebeu de informações. Ele possui fontes, como todo jornalista respeitado naquela localidade onde convive, no caso o Estado do Espírito Santo. Ele possui fontes em instituições públicas, em instituições privadas e ele colhe esse material. Quando estamos diante de um processo desses, temos que declinar fontes, porque não há como provar a veracidade do que se está falando sem que se apresentem provas de que recebeu aquela informação fidedigna de algum servidor público ou de alguma pessoa. Elas precisam vir aos autos. Então, um processo criminal constrange o jornalista a revelar suas fontes.

Por fim, existem várias matérias tratadas aqui, mas, como o douto Advogado citou a Operação Snack Zero, de fato, essa operação existe. O Delegado de Polícia veio aos autos e nos trouxe essas informações. Eu acredito que é de comum acordo aqui que o responsável pelas pastas da administração pública é o gestor, que foi eleito e escolhido para administrar a municipalidade. Então, sim, ele é responsável pelos atos da sua equipe. E foi isso que foi dito na matéria aqui pontuada.

Então, é isso que eu tenho a complementar. Agradeço novamente a oportunidade e a atenção de todos.

Muito Obrigada.

 

*

 

PEDIDO de RETORNO dos AUTOS

 

            O Sr. JUIZ DE DIREITO MARCOS ANTÔNIO BARBOSA DE SOUZA (RELATOR):-

Senhor Presidente, respeitosamente, solicito o retorno dos autos.

 

*

 

DECISÃO: Adiada a pedido de retorno dos autos formulado pelo Sr. Juiz de Direito Marcos Antônio Barbosa de Souza.

                      

*

 

Presidência do Desembargador José Paulo Calmon Nogueira da Gama.

Presentes o Desembargador Namyr Carlos de Souza Filho e os Juízes Renan Sales Vanderlei, Rogério Moreira Alves, Lauro Coimbra Martins e Marcos Antônio Barbosa de Souza.

Presente também o Dr. Julio Cesar de Castilhos Oliveira Costa, Procurador Regional Eleitoral.

 

ahmd

 

CONTINUAÇÃO DO JULGAMENTO

SESSÃO ORDINÁRIA

19-04-2023

 

PROCESSO Nº 0600104-71.2021.6.08.0002  -  RECURSO CRIMINAL ELEITORAL

CONTINUAÇÃO DE JULGAMENTO

NOTAS TAQUIGRÁFICAS – Fl. 1/14

 

 

VOTO

 

                        O Sr. JUIZ DE DIREITO MARCOS ANTÔNIO BARBOSA DE SOUZA (RELATOR):-

Senhor Presidente: Trata-se de dois recursos eleitorais, o primeiro deles interposto por JACKSON RANGEL VIEIRA e o segundo pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, ambos visando reformar a sentença proferida pelo Juízo Eleitoral da 48° Zona – Cachoeiro de Itapemirim.

 

A referida Sentença (ID 106101429) julgou procedente a pretensão punitiva estatal constante da denúncia oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (ID 92797564) em face de JACKSON RANGEL VIEIRA, condenando-o ao cumprimento das sanções dos artigos 323, do Código Eleitoral – Divulgação de Fatos Inverídicos, por duas vezes, na forma do artigo 71 do Código Penal (crime continuado) e, ainda, nas sanções do artigo 325 do Código Eleitoral – Difamação Eleitoral, com fixação total de pena em 07 (sete) meses e 21 (vinte e um) dias de detenção e o pagamento de 07 (sete) dias-multa em regime semiaberto.

 

Em suas razões recursais (ID 9167796), JACKSON RANGEL VIEIRA sustentou, preliminarmente, a impossibilidade de recebimento da denúncia diante da ausência de justa causa e da inexistência de prova de materialidade do fato delitivo; no mérito, sustentou que o conjunto probatório produzido em fase instrutória conduz à sua absolvição. Afirma, em relação aos fatos enquadrados no artigo 323 do Código Eleitoral, que as matérias e opiniões do jornalista foram respaldadas em fatos existentes, comprovados e informações fidedignas, tendo ele agido no dever de informar.

 

Quanto aos fatos enquadrados no artigo 325 do Código Eleitoral, afirma que não foram demonstrados o dolo e o animus difamandi, que não havia a intenção de injuriar, difamar, tampouco caluniar a suposta vítima, vindo a macular o processo eleitoral, representando a condenação uma censura e cerceamento à liberdade de informar.

 

Prossegue afirmando que matérias em tom ácido, crítico e opinativo são comuns e fazem parte do jornalismo, sem que tal conduta configure crime eleitoral, sendo estas verídicas (com base em informações obtidas pelo jornalista e o que restou comprovado na instrução processual) e quando não há intenção volitiva em difamar.

 

Quanto à dosimetria da pena, afirma que não há que se falar em reincidência ante condenação na ação penal 14-24.2015.6.08.0002, uma vez que este processo é inexistente, ou não se refere ao recorrente, e que só é possível a aplicação da reincidência se os crimes foram do mesmo tipo penal, o que não ocorre no caso. Por fim, afirma que o equívoco na reincidência implica em novo erro na fixação do regime inicial de cumprimento da pena (semiaberto) e que não poderia ser aplicada a agravante específica do artigo 323 do Código Eleitoral, visto que ela foi revogada pela Lei nº 14.192/2021.

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpôs recurso eleitoral (ID 9167798) com razões recursais (ID 9167799), em que declarou a necessidade de reforma da sentença em relação à dosimetria da pena de JACKSON RANGEL VIEIRA devendo ser aplicada valoração negativa da conduta social e dos motivos do crime, majorando a pena-base em 1/8 para cada um dos delitos do artigo 323 do Código Eleitoral.

 

Em relação à conduta social, informa que há 27 (vinte e sete) processos criminais, além de 13 (treze) ações cíveis em tramitação contra o réu, demonstrando que as condutas denunciadas não são um fato isolado.

 

Quanto aos motivos, afirma que além do réu possuir ciência da falsidade dos fatos, ele declarou em seu interrogatório ser conhecedor das informações meses antes, deixando para divulgá-las no período de campanha eleitoral, o que leva ao entendimento que aguardou estrategicamente o momento ideal para exercer influência negativa perante o eleitorado da vítima.

 

No tocante à dosimetria do delito do artigo 325 do Código Eleitoral, entende que pelo valor negativo da conduta social, a personalidade do réu e os motivos do crime deve ser majorada a pena-base em 1/8, considerando, sobretudo, que a personalidade do agente revela sua má índole ao divulgar suposto relacionamento extraconjugal da vítima, o que afetou seu relacionamento familiar, bem como sua imagem perante colegas de trabalho e sociedade.

 

O Ministério Público Eleitoral apresentou, ainda, contrarrazões de ID 9167804 à apelação interposta por JACKSON RANGEL VIEIRA, rebatendo todas as teses recursais do apelante.

 

VICTOR DA SILVA COELHO, assistente de acusação habilitado nos autos, apresentou contrarrazões (ID 9167808) refutando as teses defensivas presentes na apelação interposta por JACKSON RANGEL VIEIRA.

 

JACKSON RANGEL VIEIRA apresentou contrarrazões ao recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (ID 9167811).

 

Decisão do magistrado sentenciante negando os pedidos de retratação (ID 9167812).

 

Parecer da Procuradoria Eleitoral (ID 9193945) aduzindo que a pretensão recursal de JACKSON RANGEL VIEIRA não traz razões jurídicas novas hábeis a infirmar a conclusão alcançada na sentença pela condenação do réu, tampouco para alterar a dosimetria, conforme contrarrazões ministeriais. Afirma, de outro lado, que as pretensões recursais do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL atuante em primeira instância fundam-se em razões legítimas, razão pela qual devem ser consideradas para agravar a dosimetria das penas aplicadas.

 

Por tal razão, a Procuradoria Eleitoral, na condição de fiscal da lei, pugnou pelo total improvimento do recurso interposto por JACKSON RANGEL VIEIRA e pelo provimento do recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL atuante em primeira instância.

 

Considerando, então, os recursos interpostos e as contrarrazões das partes, inicio o julgamento com a única preliminar elencada, constante no recurso do primeiro recorrente, JACKSON RANGEL VIEIRA, senão vejamos:

 

 

1 - DA PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE DE RECEBIMENTO DA DENÚNCIA:

 

Inicialmente, quanto à preliminar apontada pela defesa do recorrente JACKSON RANGEL VIEIRA referente à suposta impossibilidade de recebimento da denúncia tendo em vista a fragilidade de elenco probatório e a ausência de Justa Causa, resta evidente que referidos temas se confundem com o próprio mérito da ação penal, estando eles ligados diretamente ao conjunto probatório produzido em instrução processual, razão pela qual a questão ora levantada, ainda que na roupagem de questão preliminar, deve ser, por hora, afastada, tendo em vista que será exaustivamente tratada no mérito do presente julgamento.

 

Isto posto, afasto, por hora, a preliminar, para analisá-la no mérito do presente recurso.

 

 

2 - DO MÉRITO:

 

Extrai-se dos autos que o recorrente JACKSON RANGEL VIEIRA, na condição de jornalista, teria publicado diversas postagens que prejudicaram o então prefeito e candidato à reeleição da prefeitura de Cachoeiro de Itapemirim, VICTOR DA SILVA COELHO.

 

Quanto ao primeiro fato, na denúncia (ID 92797564), o Ministério Público Eleitoral narra que o Jackson Rangel Vieira, em meados de setembro de 2020, publicou em sua página do Facebook postagem mencionando que “o prefeito de Cachoeiro deu às crianças merenda estragada e superfaturada”, “um monstro”, bem como que “assim que perder a eleição, ou antes, vai sair gente presa do governo Victor Coelho”, conforme print das postagens que constam dos autos, ofendendo, portanto, a honra e imagem do Prefeito de Cachoeiro de Itapemirim, candidato à reeleição à época, promovendo afirmações inverídicas visando criar estado mental negativo nos eleitores, o que gerou a condenação no crime de divulgação de fatos inverídicos durante a propaganda eleitoral, previsto no artigo 323 do Código Eleitoral, senão vejamos:

 

Art. 323. Divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado:

Pena - detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa.

Parágrafo único. A pena é agravada se o crime é cometido pela imprensa, rádio ou televisão. (Revogado)

- Redação dada pela Lei nº 14.192, de 2021:

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem produz, oferece ou vende vídeo com conteúdo inverídico acerca de partidos ou candidatos. (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021)

§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até metade se o crime: (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021)

- é cometido por meio da imprensa, rádio ou televisão, ou por meio da internet ou de rede social, ou é transmitido em tempo real; (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021)

II - envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia. (Incluído pela Lei nº 14.192, de 2021)

 

Tal publicação foi objeto de representação eleitoral (0600075-14.2020.6.08.0048), julgada procedente por este Egrégio Tribunal, tendo sido determinado ao ora acusado que retirasse as publicações correlatas das suas redes sociais, com a seguinte ementa de julgamento:

 

EMENTA: ELEIÇÕES 2020 – RECURSO ELEITORAL – REPRESENTAÇÃO – POSTAGENS NO FACEBOOK – PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA – EXCLUSÃO DAS POSTAGENS – LIMITE DO DIREITO DE CRÍTICA E À LIBERDADE DE IMPRESSA EXTRAPOLADO – NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

1. A propaganda eleitoral pode ressaltar aspectos positivos ou negativos dos candidatos. Na primeira (características positivas) são enaltecidos os feitos e qualidades do candidato, bem como apresentados seus projetos; na segunda (características negativas), são apontadas as deficiências dos opositores, contanto que não se revistam de ilicitude, ao manifestar ofensa a direitos de personalidade, disseminar entre o eleitorado notícias falsas, ou promover a desinformação do eleitorado com informações manipuladas tendentes a influir na decisão do eleitor.

2. A livre manifestação do pensamento, a liberdade de imprensa e o direito de crítica não encerram direitos ou garantias de caráter absoluto. Precedente c. TSE.

3. A veiculação na Internet de informações de caráter calunioso e difamatório sobre candidato, extrapola o direito de crítica e a liberdade de imprensa, configurando a propaganda eleitoral negativa. Precedente c. TSE.

4. Forçoso reconhecer que as conotações dadas ao conteúdo das postagens em exame extrapolam o direito à crítica e à liberdade de imprensa, posto que as conclusões, baseadas em meras suposições, tem o potencial de denegrir a imagem do candidato em questão, bem como de induzir os eleitores ao não voto, de forma que a exclusão das publicações irregulares encontra-se autorizada pelo § 3º do art. 57-D da Lei Federal nº 9.504/97.

5. Recurso conhecido e desprovido. Vistos etc. Acordam os Membros do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo, de conformidade com a ata e notas taquigráficas da sessão, que integram este julgado, à unanimidade de votos, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do eminente Relator. Sala das Sessões, 19/10/2020.

(ACÓRDÃO Nº 113/2020 RECURSO ELEITORAL (11548) - 0600075- 14.2020.6.08.0048 - Cachoeiro de Itapemirim - ESPÍRITO SANTO - RECORRENTE: Jackson Rangel Vieira - RECORRIDO: Coligação "Pra Frente Cachoeiro" - RELATOR: DESEMBARGADOR CARLOS SIMÕES FONSECA. PUBLICADO EM SESSÃO).

 

A respeito do aludido fato, o Delegado da Polícia Federal, Sr. Dácio Igor Moreira e Souza, ouvido como testemunha na presente instrução processual, informou perante o juízo que conduziu - até sua remoção da cidade de Cachoeiro de Itapemirim - a operação Snack Zero, que tratava de supostas irregularidades na merenda escolar da cidade. Perguntado, o delegado limitou-se a prestar algumas informações sobre o tema por não saber até que ponto poderia discorrer sobre a investigação, uma vez que os autos tramitavam em segredo de justiça.

 

Declarou a testemunha que foram colhidas informações durante as investigações acerca da má qualidade da merenda escolar fornecida às escolas e que cumpriu mandado de busca e apreensão de documentos relacionados à licitação e a pagamentos. Informou que a investigação se limitava apenas aos fornecedores e a alguns funcionários da prefeitura, sendo que o prefeito não era pessoa investigada.

 

Em seu interrogatório, indagado a respeito da questão, o acusado JACKSON RANGEL SILVA disse nem considerar que chegou a fazer matéria jornalística sobre o caso da merenda escolar, somente emitiu sua opinião com poucas palavras. Concluiu que foi até ameno em suas palavras publicadas contra a vítima quanto ao assunto merenda escolar.

 

Acerca do tema, precisa foi a conclusão dada pelo juízo sentenciante quando afirmou, a ver:

 

“Diante dos elementos de prova acima, revela-se que, durante a instrução processual, restou comprovado que o réu, publicou em sua página do facebook postagem ofensiva à honra e imagem do Prefeito de Cachoeiro de Itapemirim, candidato a reeleição à época, promovendo afirmações inverídicas, visando negativar sua imagem aos eleitores.

Para tanto, basta observar que o Delegado da Polícia Federal, ao depor em juízo, narrou que a investigação tramitava sob segredo de justiça. Sendo assim, as informações a respeito da operação eram restritas e, portanto, qualquer divulgação a respeito, sobretudo da forma como apresentada, assume caráter inegavelmente temerário.

Dessa forma, essa divulgação extrapola o campo da mera liberdade jornalística ou de expressão e invade o campo da preservação da imagem do agente político e o resultado do certame do qual ele participava na qualidade de candidato, bem jurídico tutelado pela norma.

É certo que nesse conflito entre a liberdade de expressão e a tutela a imagem e a honra pelo agente político, o primeiro deve ser feito com responsabilidade e com o mínimo de segurança acerca do conteúdo daquilo que é divulgado, sob pena de prejudicar a análise e a decisão dos eleitores sobre os candidatos ao pleito corrente.

Após realizar detida análise dos fundamentos deduzidos pelas partes, confrontando-os com os elementos de prova colhidos na instrução, restou comprovada a materialidade e a autoria delitiva, posto que a conduta imputada ao réu subsume-se ao tipo penal do art. 323 do Código Eleitoral, restando evidenciada a tipicidade penal da conduta por ele praticada de divulgar fatos inverídicos durante o período de propaganda eleitoral.”

 

Indene de dúvidas que a conduta do jornalista extrapolou em muito sua suposta intenção de informação, tendo ele tornado público, em período eleitoral, fato inverídico capaz de prejudicar sobremaneira a imagem do político em questão.

 

Extrai-se da “matéria jornalística” que seu conteúdo não condiz com os fatos, uma vez que o jornalista fez uma conclusão de um tema cujas investigações haviam apenas começado e estavam em sigilo, sem saber se o prefeito estava minimamente envolvido nos fatos mas dando a entender que ele, pessoalmente, estava entregando comida estragada nas escolas da região.

 

Qualquer profissional, independente da sua área de atuação, detém responsabilidades sobre suas ações. Tratar a vida alheia com leviandade em nada soma às nossas interações sociais, razão pela qual concluo não restar qualquer dúvida acerca da materialidade e autoria delitiva do primeiro recorrente, devendo ele responder pelas penalidades previstas no artigo 323 do Código Eleitoral.

 

Quanto ao crime de difamação eleitoral, segundo fato narrado na denúncia, assim dispõe a previsão legal do artigo 325 do Código Eleitoral:

 

Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção de três meses a um ano, e pagamento de 5 a 30 dias-multa.

Parágrafo único. A exceção da verdade somente se admite se ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

 

Segundo a denúncia, o primeiro recorrente imputou ao então candidato a prefeito Victor da Silva Coelho a existência de relacionamentos extraconjugais e conduta indecorosa, além de ter publicado no site do jornal Folha do ES texto de ficção intitulado “CAPÍTULO VI: A VIDA LIBIDINOSA DO CZAR”, em que divulgou conto erótico extremamente minucioso onde o personagem principal, o Czar da Capital Secreta (que é, por óbvio, como a cidade de Cachoeiro de Itapemirim é conhecida popularmente), seria adepto de libertinagens e práticas sexuais vulgares.

 

O denunciado teria divulgado, ainda, mensagens por aplicativo de mensagens instantâneas (Whatsapp) com pedido de não voto no candidato referido sob a falsa imputação de que "humilha sua família, copulando com sua secretária".

 

De uma simples leitura do referido conto, desnecessários maiores comentários acerca do total excesso cometido pelo primeiro recorrente, que narra detalhes acerca da suposta vida sexual do que o autor chamou do “Czar da Capital Secreta”. A despeito de o réu ter se espantado, em seu interrogatório, com o fato de o prefeito se sentir constrangido pelo conto, argumentando que se tratava de mera ficção que não diz respeito ao prefeito da cidade, qualquer homem médio minimamente informado faria ligação entre o governante da cidade e o personagem principal do conto, que é, justamente, o governante (“czar”) da capital secreta.

 

As repetidas “notícias” veiculadas pelo réu em desfavor do prefeito em nada somam ao respeitável trabalho dos profissionais da categoria do jornalismo. Como já afirmado, o profissional, independente do seu ramo de atuação, detém responsabilidades dentro do seu ofício. Ser porta-voz em um meio de comunicação não pode ser canal para divulgação de inverdades e invasão avassaladora na vida íntima de quem quer que seja, sendo evidente que o prefeito indubitavelmente sofreu inegável constrangimento ao ver seu nome ligado a conto erótico que explorava, pasmem, até a anatomia do órgão sexual do “czar da capital secreta”.

 

Ademais, além do referido conto, ainda foram veiculadas, por mensagens do aplicativo whatsapp e da rede social facebook, outras publicações que são tratadas nos autos do Recurso Eleitoral n° 0600107-19.2020.6.08.0048 como sendo de suposta autoria do jornalista réu, que também trazem sensíveis informações pessoais não comprovadas acerca de infidelidade conjugal do agente público, gerando inegável desvalor à imagem do prefeito.

 

O dolo específico inerente ao tipo penal imputado resta evidente ao exame dos elementos que instruem os autos, denotando que a manifestação do acusado ultrapassou os limites da crítica admissível, trazendo inegável ofensa à dignidade pessoal da vítima.

 

O julgamento, por esse Egrégio Tribunal, da Representação que abarca esse mesmo fato também se deu no sentido de reconhecer a extrapolação do limite do direito de crítica e liberdade de imprensa, senão vejamos: 

 

EMENTA: ELEIÇÕES 2020 – RECURSO ELEITORAL – REPRESENTAÇÃO – POSTAGENS – FACEBOOK – WHATSAPP – JORNAL – PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA – EXCLUSÃO DAS POSTAGENS E PUBLICAÇÕES – LIMITE DO DIREITO DE CRÍTICA E À LIBERDADE DE IMPRESSA EXTRAPOLADOS – NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

1. A propaganda eleitoral pode ressaltar aspectos positivos ou negativos dos candidatos. Na primeira (características positivas) são enaltecidos os feitos e qualidades do candidato, bem como apresentados seus projetos; na segunda (características negativas), são apontadas as deficiências dos opositores, contanto que não se revistam de ilicitude, ao manifestar ofensa a direitos de personalidade, disseminar entre o eleitorado notícias falsas, ou promover a desinformação do eleitorado com informações manipuladas tendentes a influir na decisão do eleitor.

2. A livre manifestação do pensamento, a liberdade de imprensa e o direito de crítica não encerram direitos ou garantias de caráter absoluto. Precedentes.

3. A veiculação na internet de informações de caráter calunioso e difamatório sobre candidato, extrapola o direito de crítica e a liberdade de imprensa, configurando a propaganda eleitoral negativa. Precedentes.

4. Forçoso reconhecer que as conotações dadas ao conteúdo das postagens em exame extrapolaram o direito à crítica e à liberdade de imprensa, posto que as conclusões, baseadas em meras suposições, tem o potencial de denegrir a imagem do candidato em questão, bem como de induzir os eleitores ao não voto, de forma que a exclusão das publicações irregulares encontra-se autorizada pelo § 3º do art. 57-D da Lei Federal nº 9.504/97.

5. Recurso conhecido e desprovido.

(Acórdão nº 476/2020  - Recurso Eleitoral n° 0600107-19.2020.6.08.0048 – Recorrente: Jackson Rangel Vieira - Recorrido: Coligação “Pra frente Cachoeiro  - Relator: Des. Carlos Simões Fonseca – Julgado em 18/11/2020).

 

Desse modo, comprovada no caso dos autos a tipicidade penal e não havendo comprovação de causas excludentes da ilicitude ou da culpabilidade, o pedido de condenação formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, quanto ao delito do artigo 325 do Código Penal, foi acertadamente julgado procedente pelo juiz sentenciante.

 

Por fim, quanto ao terceiro fato, capitulado no artigo 323 do Código Eleitoralque se refere à postagem que anuncia possibilidade de prisão do prefeito Victor da Silva Coelho em caso de descumprimento de decisão judicial em favor de fiscais do município, mais uma vez o primeiro recorrente excede o direito de liberdade de expressão e informação e ofende a honra e imagem do candidato.

 

Nesse caso específico, o réu divulgou, também durante o período de propaganda eleitoral, fatos que sabia serem inverídicos em relação ao candidato, exercendo inegável influência perante o eleitorado. Em seu interrogatório, o réu informou que leu na íntegra a referida decisão judicial a favor dos fiscais do município e afirmou saber que não havia menção de prisão por descumprimento de ordem, mas ainda assim noticiou a matéria dessa forma por saber que o descumprimento de qualquer comando judicial pode originar uma prisão.

 

O título da matéria leva a crer que o prefeito havia praticado algum ilícito e estaria na iminência de sofrer uma ordem de prisão, o que se dissocia totalmente da realidade dos fatos. Vê-se, assim, que o réu, claramente objetivando tornar mais sensacionalista e atrativa a sua matéria, lhe atribui título que não corresponde com a verdade, tendo em vista que a decisão judicial a favor dos fiscais municipais em nenhum momento prevê pena de prisão a desfavor do prefeito, como comprovado na instrução processual, ofendendo, mais uma vez, a imagem do candidato de forma irresponsável.

 

Tal fato, mais uma vez, também foi objeto de representação eleitoral nesse Egrégio Tribunal (autos n° 0600078-66.2020.6.08.0048), tendo a mesma sido julgada procedente, senão vejamos:

 

EMENTA: RECURSO ELEITORAL – JORNAL – INTERNET - VEICULAÇÃO DE FATO INVERÍDICO - OFENSA A IMAGEM – CARACTERIZAÇÃO – IMPROVIMENTO.

1. “[...]a livre manifestação do pensamento, a liberdade de imprensa e o direito de crítica não encerram direitos ou garantias de caráter absoluto, atraindo a sanção da Lei Eleitoral no caso do seu descumprimento. [...]” (TSE. Agravo de Instrumento nº 060302019, Publicação:  DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 30, Data 12/02/2020)

2. A exteriorização de opiniões, por meio da imprensa escrita, sejam elas favoráveis ou desfavoráveis, faz parte do processo democrático, não podendo, contudo, as informações extrapolar a linha de informação e crítica, passando a ter caráter ofensivo e difamatório. A matéria extrapola a função informativa na medida em que veicula fato sabidamente inverídico e ofensivo à reputação do candidato da Coligação.

3. Improvimento.

(ACÓRDÃO Nº 197/2020 - RECURSO ELEITORAL (11548) - 0600078-66.2020.6.08.0048 - Cachoeiro de Itapemirim – ES – RECORRENTE: Jackson Rangel Vieira - RECORRIDO: Coligação Pra Frente Cachoeiro  - RELATOR: DR. ADRIANO ATHAYDE COUTINHO).

 

Ressalta-se, por fim, como salientado tanto pela defesa quanto pelo magistrado eleitoral, que, caso o recorrente desejasse provar a verdade dos fatos imputados ao prefeito, poderia ter requerido a instauração de procedimento de exceção da verdade, o que inexistiu no caso em análise, não havendo que se falar em ausência de animus diffamandi nas imputações em questão. Assim, desvinculadas de qualquer fato específico à atuação da vítima, enquanto autoridade pública, as ofensas irrogadas do recorrente ultrapassaram e muito o exercício do direito fundamental à liberdade de expressão.

 

Como muito bem salientado pelo Juiz Sentenciante, “ao acusado a legislação oportunizou o instituto da exceção da verdade, posto que a vítima exerce função pública e os fatos ofensivos a sua honra teriam sido praticados no exercício do cargo de prefeito. No entanto, a defesa não apresentou qualquer manifestação nesse sentido no prazo legal”.

 

Estando comprovadas a autoria e a materialidade dos crimes, acertada se revela a condenação imposta pela Sentença proferida, uma vez que suas condutas se amoldam aos tipos penais descritos nos artigos 323, por duas vezes, e 325 do Código Eleitoral, sendo indiferente para a consumação dos delitos a ocorrência de lesão efetiva ao pleito ou o prejuízo à campanha eleitoral.

 

 

3 - DA DOSIMETRIA:


 

Em relação à dosimetria da pena, o Direito Penal Brasileiro adota o sistema trifásico estabelecido no artigo 68 do Código Penal, qual seja: fixação da pena-base, análise das circunstâncias atenuantes e agravantes e a análise das causas de diminuição ou de aumento.


 

A primeira fase consiste na fixação da pena-base que se dá pela análise e valoração subjetiva das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do CP, quais sejam: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima.


 

Na segunda fase da dosimetria analisam-se as circunstâncias atenuantes e agravantes e na terceira as causas especiais de diminuição ou aumento de pena, aplicadas sobre o resultado a que se chegou na segunda fase, estas ora vêm elencadas na parte especial, ora na parte geral.


 

3.1 – Quanto ao crime de divulgação de fatos inverídicos na propaganda eleitoral (artigo 323 do Código Eleitoral):


 

Na esteira do artigo 59 do Código Penal e das provas carreadas aos autos, evidencia-se uma reprovabilidade de conduta superior à habitual, não havendo que se falar em motivos ou consequências inerentes ao tipo penal para impedir o aumento da pena-base.

 

Muito embora o réu não ostente maus antecedentes, à luz da Certidão Criminal juntada aos autos (ID 9167632), a existência de inúmeras ações criminais e/ou cíveis, além da prova testemunhal e documental colhida, são bastante para demonstrar a sua reiterada conduta perante a sociedade, revelando e exteriorizando o seu modo de agir e, nessa linha, os motivos do próprio crime.


 

Como visto, o réu utiliza-se da imprensa com interesses próprios e sem qualquer preocupação com as consequências de seus atos, seja perante suas vítimas, seja perante terceiros que com elas mantêm relação direta ou indireta, visando apenas atingir os seus fins delituosos através dessa sua reiterada conduta social.


 

Como ressaltado anteriormente no voto, o réu chega até mesmo a afirmar, ao tentar esquivar-se da prática do ato delituoso, que teria sido ameno em suas palavras publicadas contra a vítima, em nítido contraste com as exigências da sociedade.


 

O modus operandi relatado nos autos evidencia uma conduta confessadamente desleal, que extrapola os limites do tipo penal e transborda para o seio da sociedade, afetando a todos, que passam a constituir para ofensor mero dano colateral dessas corriqueiras mentiras e inverdades, tratando-se do verdadeiro estilo de vida do réu perante a sociedade, seu ambiente de trabalho, seu círculo de amizades, vizinhança etc.


 

A conduta do réu não se mostra natural e não decorre do alegado exercício da liberdade constitucional de imprensa, constituindo um comportamento social inadequado na comunidade a legitimar o aumento da pena.


 

Por outro lado, relativamente à motivação do crime, vê-se que as questões suscitadas também não se mostram inerentes ao tipo penal, podendo, sim, serem supedâneo para o aumento da pena-base.


 

O réu não apenas tinha ciência de que os fatos que deram causa à denúncia eram falsos, como confessou ter aguardado o início do período eleitoral para sua divulgação, o que evidencia tratar-se não apenas de um ato doloso, alocado no fato típico, mas de um ato repugnante perante a sociedade, pois não houve apenas uma publicação, mas a publicação de algo fabricado, inexistente e em momento oportuno para seu desiderato, única e exclusivamente para causar danos à vítima, sem qualquer preocupação com seus reflexos perante a família, terceiros e a sociedade, como visto acima, o que deve ser avaliado pelo julgador na fixação da pena-base.


 

Ao assim agir, o réu não pretendeu apenas prejudicar a eleição da vítima, então candidato, mas também atentou contra a família desta e de todos aqueles mencionados direta ou indiretamente nas mensagens e no material publicado.


 

É exatamente o que nos ensina Guilherme Nucci, citado pelo réu em suas contrarrazões (ID 9167811), que deve ser avaliado para fixação da pena-base:


 

“Todo crime tem um motivo, que pode ser mais ou menos nobre, mais ou menos repugnante. A avaliação disso faz com que o juiz exaspere ou diminua a pena-base (Código Penal Comentado. 5ª. Edição. São Paulo: RT, 2005, p. 336).


 

Legítima, assim, a pretensão recursal do Ministério Público Eleitoral para aumento da pena-base, razão pela qual é de se alterar a pena base aplicada, que passará a ser de 02 meses e 15 dias.


 

Na segunda fase, na esteira da sentença prolatada, também se verifica haver circunstâncias agravantes, quais sejam, a reincidência, posto que o acusado foi condenado no bojo da ação penal nº. 14-25.2015.6.08.0002, com trânsito em julgado em 04/10/2017 (vide documento de comprovação de ID n. 9167624) também por crime eleitoral contra a honra, e, ainda, pela agravante específica do parágrafo único do art. 323, do Código Eleitoral, qual seja, o crime ser cometido pela imprensa, previsão essa que vigia no momento em que os crimes foram praticados, e que só foi revogada pela redação dada pela Lei 14.192, de 2021, redação essa que, inclusive, agravaria a situação do réu, tendo em vista que a nova previsão legal é de aumento de pena de 1/3 até metade caso o crime seja cometido pela imprensa.


 

Por outro lado, não se identifica qualquer atenuante aplicável ao réu, dentre as previstas no artigo 65 do Código Penal.


 

Na esteira da sentença proferida, após a incidência da agravante específica do parágrafo único do art. 323 do Código Eleitoral e da agravante genérica (reincidência), é de se manter o agravo à pena imposta e reformada em 1/5 (um quinto), estabelecendo-a em 03 (três) meses de detenção.


 

Na terceira fase, aplica-se a causa de aumento do art. 71, caput, do Código Penal, correspondente a 1/6 da pena base extraída na segunda fase acima, em razão da continuidade delitiva em relação ao crime do artigo 323 do Código Eleitoral.


 

Diante desse quadro, julgo por acolher o recurso do Ministério Público Eleitoral para que seja reformada a sentença, tornando definitiva a pena do réu em 03 (três) meses e 15 (quinze) dias de detenção.


 

3.2 – Crime de difamação na propaganda eleitoral ou visando fins de propaganda (art. 325 do Código Eleitoral).


 

Provada a materialidade e autoria quanto ao injusto penal do artigo 325 do Código Eleitoral, foi aplicado em primeiro grau pena mínima correspondente a detenção de 03 (três) meses e 05 (cinco) dias de multa, contra ela insurgindo-se o Ministério Público Eleitoral, uma vez que não teria sido considerado na fixação da pena-base a conduta social do agente, os motivos do crime e a sua personalidade.


 

Como visto acima, todas as provas carreadas aos autos evidenciam uma reprovabilidade de conduta superior a habitual, não havendo que se falar em motivos ou consequências inerentes ao tipo penal para impedir o aumento da pena-base, citando aqui o já anteriormente exposto acerca da conduta social e dos motivos do crime para legitimar o aumento da pena-base.


 

Tratar a vida alheia com leviandade em nada soma às nossas interações sociais.


 

Além disso, como suscitado pelo Ministério Público Eleitoral recorrente, tem-se também a circunstância relacionada com a personalidade do agente que, no caso em apreço, encaixa-se nos exatos termos do Tema Repetitivo no 1077.


 

Não restam dúvidas acerca da insensibilidade e do modo de agir criminoso para a consumação do delito utilizada e confessada sem o menor pudor pelo réu, por exemplo, ao defender o seu conto intitulado “A VIDA LIBIDINOSA DO CZAR”, exteriorizando sua personalidade.


 

O mais interessante é que esse tom pejorativo e essa narrativa mentirosa, segundo réu, deveria ser até esmo admitida, uma vez que matérias em tom ácido, crítico e opinativo seriam comuns e fariam parte do jornalismo, revelando um pouco de seu juízo de valor e personalidade.


 

Isso é exatamente o que deve ser analisado à luz do Tema Repetitivo n. 1.077, evidenciando que agiu sem qualquer preocupação com o próximo, com a família do próximo, com os efeitos deletérios de sua falsa e inverídica informação, espalhada a quatro ventos sem qualquer cerimônia, respeito ou compaixão, demonstrando sua falta de sensibilidade ético-social, sua total falta de empatia com a vítima e sua família.


 

No presente caso, a personalidade do agente deve ser analisada à luz destes fatores negativos, caracterizando-se, sim, como desfavorável por traduzir seu modo de agir em sociedade, verdadeira manifestação de sua psique.


 

Legítima, assim, a pretensão recursal do Ministério Público Eleitoral para aumento da pena-base, razão pela qual é de se alterar a pena base aplicada, que passará a ser de 04 (quatro meses) e três dias de detenção e 6 dias multa.


 

Na segunda fase, presente a circunstância agravante genérica da reincidência, posto que o acusado foi condenado no bojo da ação penal identificada no tópico anterior (ação penal nº. 14-25.2015.6.08.0002). Ausentes circunstâncias atenuantes.


 

Diante a presença da agravante de reincidência, é de se manter o agravamento da pena base ora fixada em 1/6 (um sexto), passando a dosá-la em 04 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias de detenção e 7 dias multa.


 

Na terceira fase, é de se confirmar a incidência das causas de aumento de pena dos incisos II e III do artigo 327 do Código Eleitoral, correspondente a 2/5 da pena base extraída da segunda fase, em razão da vítima ocupar cargo público e as ofensas estarem relacionadas ao seu exercício, bem como pelo fato do meio de divulgação escolhido pelo acusado facilitar a propagação das ilações difamatórias.


 

Diante desse quadro, é de se reformar a sentença, tornando definitiva a pena do réu em 06 (seis) meses e 25 (vinte e cinco) dias de detenção e pagamento de 10 dias multa.

 

Isto posto, VOTO NO SENTIDO DE NEGAR PROVIMENTO ao recurso criminal interposto por JACKSON RANGEL VIEIRA e de DAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, para reformar a dosimetria das penas, que, uma vez unificadas, passam a ser fixadas em 10 meses e 10 dias de detenção e o pagamento de 10 dias-multa, com o valor do dia multa em 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente ao tempo do fato.

 

 É como voto.

             

*

 

 

                        ACOMPANHARAM O VOTO DO EMINENTE RELATOR:-

           O Sr. Desembargador Namyr Carlos de Souza Filho;

                        O Sr. Jurista Renan Sales Vanderlei;

                        O Sr. Juiz Federal Rogério Moreira Alves;

                        A Srª Juíza de Direito Isabella Rossi Naumann Chaves e

                        O Sr. Desembargador Presidente José Paulo Calmon Nogueira da Gama.

 

 

                      

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DECISÃO: À unanimidade de votos, NEGAR PROVIMENTO ao recurso criminal interposto por JACKSON RANGEL VIEIRA e de DAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo MIINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, nos termos do voto do e. Relator. Averbou suspeição o Exmº Sr. Jurista Lauro Coimbra Martins.

 

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Presidência do Desembargador José Paulo Calmon Nogueira da Gama.

Presentes o Desembargador Namyr Carlos de Souza Filho e os Juízes Renan Sales Vanderlei, Rogério Moreira Alves, Lauro Coimbra Martins, Isabella Rossi Naumann Chaves e Marcos Antônio Barbosa de Souza.

Presente também o Dr. Alexandre Senra,  Procurador Regional Eleitoral.

 

Averbou suspeição para atuar no presente feito o Sr. Jurista Lauro Coimbra Martins.

 

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