TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESPÍRITO SANTO

GABINETE DA DRA. ISABELLA ROSSI NAUMANN CHAVES 

 

REPRESENTAÇÃO (11541) - Processo nº 0601294-41.2022.6.08.0000 - Cariacica - ESPÍRITO SANTO

ASSUNTO: [Propaganda Política - Propaganda Eleitoral - Extemporânea/Antecipada]

REPRESENTANTE: FABIO BARBOSA DA FONSECA

Advogados do(a) REPRESENTANTE: PRISCILA LIMA AGUIAR FERNANDES - SP312943, FATIMA CRISTINA PIRES MIRANDA - SP109889, CRISTIANO VILELA DE PINHO - SP221594

REPRESENTADA: OZETI DELOURDES ARAUJO

Advogados do(a) REPRESENTADA: MAURO AUGUSTO PERES DE ARAUJO - ES12608-A, OSVALDO LUCAS ANDRADE - ES16133

 

DECISÃO

I – RELATÓRIO 

Cuidam os autos de Representação com fulcro no art. 36, §3°, da Lei nº 9.504/97 e artigos 3º-A e 9º-A da Resolução TSE nº 23.610/2019, ajuizada em 23/08/2022, pelo candidato a deputado estadual FÁBIO BARBOSA DA FONSECA, concorrente com o nome de “CABO FONSECA” em face da também candidata a deputada estadual, OZETI DELOURDES ARAÚJO, concorrente com o nome de ZETY ARAUJO, em razão de suposta propaganda eleitoral antecipada negativa, com publicação de fake news na internet, por meio de vídeo divulgado no perfil oficial do Instagram da Representada. 

Aduz o Representante que: 

Ao final, requereu o Representante a procedência dos pedidos, condenando-se a Representada ao pagamento das multas previstas na Lei nº 9.504/97, determinando-se a obrigação de retirada definitiva do conteúdo ofensivo indicado e a proibição de novas condutas como as praticadas, sob pena de multa diária. 

Para comprovar os fatos trouxe aos autos a documentação constante do seu Requerimento de Registro de Candidatura (ID 9006880) e vídeos publicados na rede social Instagram questionados neste feito (IDs 9006881 e 9006882). 

Contestação da Representada protocolizada em 26/08/2022 (ID 9010241), antes da citação, conforme certidão de ID 9011123, requerendo a improcedência da Representação e alegando, em síntese, que: 

Parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral, lançado ao ID 9011600, manifestando-se pelo(a):  

In fine, opinou o Parquet: 1) pelo indeferimento do pedido de aplicação de multa por propaganda eleitoral antecipada; 2) pelo deferimento do pedido de remoção do conteúdo e proibição de reinseri-lo, sob pena de multa arbitrada por esse Juízo; 3) pelo envio de cópia dos autos ao promotor eleitoral de Cariacica para avaliar a ocorrência de crimes contra a honra. 

É o relato do necessário. 

II - FUNDAMENTAÇÃO 

A propaganda extemporânea vem sendo refreada pelos Tribunais Eleitorais, com parcimônia, anotando-se a necessidade de se analisar casuisticamente a hipótese sub judice para cotejo dos direitos em debate: acesso à informação e livre manifestação da opinião. Na linha da jurisprudênciadoTribunal Superior Eleitoral: 

(...) as restrições impostas à propaganda eleitoral não afetam os direitos constitucionais de livre manifestação do pensamentoe de liberdade de informação e comunicação (art. 220[da]Constituição Federal), os quais devem ser interpretados em harmonia com os princípios da soberania popular e da garantia do sufrágio (AI 115–64, rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 29.2.2016). No mesmo sentido: AgR–AI 2–64, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 22.9.2017. (...) (RESPE - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoralnº 060759889 - RIO DE JANEIRO – RJ; Acórdão de 01/10/2019; 0607598-89.2018.6.19.0000). 

Para a análise deste caso, consideram-se, especialmente, as disposições da Resolução TSE nº 23.610/2019, que dispõem sobre a propaganda eleitoral, nas Eleições 2022, em especial, os artigos: 3º-A; 9º, 9-A; 27, e 38. 

A Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97), em seu art. 36, aduz que a propaganda eleitoral só é permitida a partir do dia 16 (dezesseis) de agosto do ano da eleição e, na sequência, no art. 36-A, disciplina as hipóteses autorizadas de atos de pré-campanha, trazendo situações que não são consideradas propaganda eleitoral extemporânea, de modo a proporcionar maior liberdade de manifestação a pretensos candidatos, ou seja, traduziu a opção política de flexibilizar a promoção pessoal no período de pré-campanha, restringindo a caracterização de atos que configurem propaganda eleitoral antecipada ilícita. 

Art. 36-A.  Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet 

I - a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico; 

II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; 

III - a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos;  

IV - a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos; 

V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais; 

VI - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias. 

VII - campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4o do art. 23 desta Lei. 

§ 1º. É vedada a transmissão ao vivo por emissoras de rádio e de televisão das prévias partidárias, sem prejuízo da cobertura dos meios de comunicação social. 

§ 2º. Nas hipóteses dos incisos I a VI do caput, são permitidos o pedido de apoio político e a divulgação da pré-candidatura, das ações políticas desenvolvidas e das que se pretende desenvolver. 

§ 3º.  O disposto no § 2o não se aplica aos profissionais de comunicação social no exercício da profissão. 

Verifica-se das disposições legais que o pré-candidato poderá realizar sua promoção pessoal perante a população no período anterior à campanha, fazendo menção à pretensa candidatura, exaltando suas qualidades pessoais e divulgando seu posicionamento pessoal sobre questões políticas, desde que não haja pedido explícito de voto. 

Nesse contexto, muito embora seja a redação do art. 36-A muito permissiva, os Tribunais Eleitorais têm imposto limites e punido a prática da propaganda eleitoral extemporânea como forma de assegurar condições equânimes a todos os candidatos e de respeito ao processo eleitoral. 

II.1 – Análise do conteúdo e remoção da propaganda eleitoral 

Para que seja assegurado o direito à livre manifestação do pensamento e o direito de crítica, próprias do debate eleitoral, a Justiça Eleitoral deve atuar de forma limitada, sendo-lhe possível cercear a propaganda eleitoral somente quando estritamente necessário. 

Para analisar os fatos com profundidade, é curial perscrutar o conteúdo da mensagem veiculada, com especial destaque ao momento do vídeo em que a Representada profere a frase “todo mundo comenta, não posso provar, mas todos comentam que você recebe propina do Morro do Quiabo”

Forçoso reconhecer o conteúdo eleitoral da mensagem vergastada, vez que direcionada aos eleitores, em sítio oficial registrado junto ao TRE/ES para a realização de propaganda eleitoral da candidata ao cargo de deputada estadual, ora Representada, em período próximo ao permitido para a realização de campanha, com supostas ofensas ao também candidato a deputado estadual, ora Representante.  

Registra-se que não há pedido explícito de votos, tampouco pedido de não voto. O que pode ser verificado, in casu, é a atribuição ao Representante de suposta conduta criminosa, consubstanciada no recebimento de propina por militar proveniente dos envolvidos com o tráfico em localidade conhecida como Morro do Quiabo. 

Em contestação, a Representada preocupou-se, precipuamente, em trazer novas ilações quanto à perseguição sofrida por si e por sua família pelo Jornal Cariacica News, alegando que “não afirma categoricamente que o requerente recebe propina, mas, sim, que houve comentários na região”, ou seja, procura descontextualizar o discurso proferido no vídeo divulgado, ao tempo que refuta as acusações elencadas à inicial. 

Nesse ponto, de plano, entende-se que as seguintes afirmações possuem escopo de generalização e descontextualização da Representada, quais sejam, “todo mundo comenta, não posso provar, mas todos comentam”. Referidas afirmações não são suficientes para mitigar o dano do discurso proferido, mormente porque a imputação criminosa ocorreu para uma audiência de mais de seis mil pessoas. As ressalvas ditas em nada minimizam as ofensas, principalmente porque quem diz que “todo mundo comenta” e, na sequência prossegue com o discurso, age em conivência com o próprio discurso como se a ressalva não existisse, pois compartilha a informação caluniosa mesmo assim. 

Reconhece–se, assim, um dever de “obediência à verdade e compromisso com a seriedade” por parte daqueles que divulgam e/ou compartilham fatos em notícias acerca de terceiros, de forma que não ocorra a veiculação de informações inverídicas, aptas a atingir, negativamente, a dignidade e a reputação de determinados candidatos ou pré-candidatos. 

Para analisar, portanto, no mérito, a sustação do conteúdo e eventuais implicações jurídicas, a discussão deve ser levada ao campo constitucional, sendo curial estabelecer a existência de efetivo conflito in casu entre normas constitucionais para utilização da técnica da ponderação, quais sejam: de um lado, os princípios da liberdade de manifestação do pensamento e, de outro pórtico, os princípios da democracia e da dignidade da pessoa humana. 

O inciso IV do art. 5º da Constituição da República consagra o primeiro princípio retrotranscrito, qual seja, a livre manifestação do pensamento. 

Na compreensão teórica e dogmática, reconhece-se que a liberdade de manifestação do pensamento se constitui um dos direitos fundamentais mais preciosos e corresponde a uma das mais antigas exigências humanas, integrando catálogos constitucionais desde a primeira fase do constitucionalismo moderno (MENDES et al., 2011). Na mesma linha, para assegurar a sua máxima proteção e sua posição de destaque no cenário das liberdades fundamentais, o âmbito de proteção da liberdade de expressão deve ser interpretado como o mais extenso possível, englobando tanto a manifestação de opiniões, quanto de ideias, pontos de vista, convicções, críticas, juízos de valor sobre qualquer matéria ou assunto e mesmo proposições a respeito de fatos (CANOTILHO, 2007). 

Sob outra ótica, contudo, suscita-se o princípio da democracia e da dignidade da pessoa humana. Este último se apresenta como cláusula geral de tutela da pessoa humana e está positivada na Constituição da República no art. 1º, III, como fundamento da República; nos artigos 170; 226, §6º, e 227; e, ainda, nos tratados internacionais de direitos humanos ratificados e incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro.  

É na eficácia horizontal da dignidade da pessoa humana que se verifica a imprescindibilidade de sua aplicação no trato entre particulares e, especificamente, no panorama ofensivo dos discursos de ódio (hate speech), discursos esses que ofendem gravemente a integridade moral dos envolvidos. 

Quanto ao postulado democrático, mencionado direta e indiretamente em inúmeros dispositivos constitucionais, em especial o art. 1º, parágrafo único, trata-se de princípio normativo-estruturante e, em sua dimensão material, vincula-se diretamente aos direitos políticos, à nacionalidade e à higidez do processo eleitoral. Nesta última compreensão, o supracitado princípio, sob o pilar da manutenção da ordem democrática, traduz o respeito às normas de regência que garantem o necessário equilíbrio. 

Com espeque nessa premissa, ab initio, na análise da submáxima da adequação, não há dúvidas que a afirmação ao qual imputa de forma direta conduta criminosa ao candidato representante, conforme apregoada pela Representada no vídeo divulgado no Instagram colacionado à exordial, demonstra vilipêndio danoso à honra do candidato, desequilibrando de modo desarrazoável a disputa eleitoral. A limitação da liberdade que se busca com a tutela jurisdicional, portanto, promove claramente, de outro pórtico, a importância da dignidade da pessoa humana e as regras do jogo eleitoral.  

No tocante à submáxima da necessidade, compreende-se que a restrição à livre manifestação do pensamento é estritamente necessária, não havendo medida alternativa menos gravosa com o escopo de alcançar o mesmo objetivo requestado nesta tutela jurisdicional. A extirpação no mundo dos fatos de publicações com conteúdo lastreado em propaganda eleitoral negativa extemporânea que imputa crime a pré-candidato e a eventual aplicação de multa não se constituem medidas excessivas, pelo contrário, definem aplicação direta e eficiente da legislação eleitoral de regência. 

Passa-se ao vislumbre da submáxima da proporcionalidade em sentido estrito com o fito de que se possa analisar se o interesse constitucionalmente protegido por uma norma constitucional é ou não compensado pela promoção do interesse antagônico. Trata-se de verdadeira lei de sopesamento. 

Aprioristicamente, obtempera-se que a inexistência de hierarquia entre os princípios dispostos na Constituição da República não significa que houve atribuição do mesmo nível de proteção constitucional aos bens jurídicos por eles tutelados. Certamente, alguns direitos e bens jurídicos são protegidos mais intensamente. 

Nessa linha, de modo abstrato, entende-se pela relevância maior do princípio da democracia e da dignidade da pessoa humana no comparativo com o da liberdade de manifestação do pensamento. 

Em verdade, hoje, nos casos de abuso da liberdade de expressão, sujeita-se o agente à responsabilização nas diversas searas jurídicas, mormente na eleitoral. Inclusive, considera-se como abuso os discursos de ódio que, hodierna e infelizmente, apresentam-se cada vez mais frequentes. 

Nesse diapasão, malgrado não haja no panorama jurisprudencial brasileiro uma definição remansosa acerca da proteção ao discurso de ódio, majoritariamente, percebe-se que o simples fato de haver mitigação da livre manifestação do pensamento no próprio texto constitucional (artigos 5º, IV, IX, XLII; e 200) serve de fundamento para que se conclua pela negativa dessa proteção. 

Cumpre rememorar decisão relevante do Pretório Excelso no julgamento do Caso Ellwanger, cidadão condenado por racismo por ter publicado obra na defesa da inexistência do holocausto: 

(...) Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implica, ilicitude penal. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, art. 5º, §2º, primeira parte). (...) um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana (...) (HC 82.424/RS – STF – Rel. Min. Moreira Alves. Julgado em 17.09.2003) 

Em verdade, as liberdades públicas, incluindo-se a livre manifestação do pensamento, não são incondicionais e por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites explícitos e implícitos (advindos estes da proporcionalidade e da ponderação com outros direitos) previstos na Constituição e em normas internacionais de direitos humanos. 

Nessa linha é imprescindível repisar as brilhantes anotações dos constitucionalistas Ingo Wolfgang Sarlet e Andressa de Bittencourt Siqueira: 

(...) À guisa de conclusão parcial, é possível assumir as seguintes premissas amparadas constitucionalmente: (i) as liberdades de expressão e de informação ocupam uma posição preferencial relativa na arquitetura constitucional brasileira; (ii) eventuais restrições à liberdade de expressão (...) carecem de robusta justificação e reforçado ônus argumentativo; e (iii) no caso específico do uso das fake News no âmbito do processo eleitoral, o STF estabeleceu, ao menos por ora, uma proibição absoluta, excluindo tal tipo de manifestação do âmbito de proteção da liberdade de expressão e de informação. (DIREITOS FUNDAMENTAIS E SOCIEDADE TECNOLÓGICA / Anderson Schreiber ...[et al.]; / SARLET, Ingo Wolfgang, SIQUEIRA, Andressa de Bittencourt, Algumas notas sobre liberdade de expressão e democracia - Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2022, pag. 47). 

Em outras palavras, não será tolerada a propaganda eleitoral que calunie, difame, injurie qualquer pessoa, sendo ela candidata ou não, ou, ainda, que divulgue fatos sabidamente inverídicos, ficando assegurado o seu direito de intentar ações cabíveis na reparação ao dano sofrido. 

Estabelece-se, assim, que é de responsabilidade da pessoa que realiza a propaganda eleitoral a verificação prévia da presença de elementos que permitam concluir, com razoável segurança, pela fidedignidade do conteúdo que ela veicula, ficando, por isso, vedada, a divulgação de fatos reconhecidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados, que possam atingir a honra de qualquer pessoa ou a integridade do processo eleitoral. 

Além disso, depreende-se que, na linha da jurisprudência do C. TSE, os fatos sabidamente inverídicos que ensejam a ação repressiva desta Justiça Eleitoral são aqueles que podem ser verificados pelo receptor do conteúdo da propaganda de forma simples e imediata. 

Ademais, conforme destacado acima, o Tribunal Superior Eleitoral, posicionou-se, por vezes, reconhecendo a prática da propaganda negativa, consoante paradigmas transcritos: 

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA NEGATIVA. ARTS. 36 E 36–A DA LEI 9.504/97. VÍDEO. TWITTER. OFENSA. HONRA. PRÉ–CANDIDATO. CONFIGURAÇÃO. NEGATIVA DE PROVIMENTO.1. No decisum monocrático, manteve–se aresto unânime do TRE/SP em que se impôs multa de R$ 5.000,00 à agravante, candidata ao cargo de prefeito de São Paulo/SP nas Eleições 2020, por prática de propaganda extemporânea negativa (arts. 36, § 3º, e 36–A da Lei 9.504/97).2. De acordo com o entendimento desta Corte, a configuração de propaganda eleitoral extemporânea negativa pressupõe pedido explícito de não voto ou, ainda, ato que macule a honra ou a imagem de pré–candidato ou divulgue fato sabidamente inverídico em seu desfavor. 3. No caso, extrai–se da moldura fática do aresto do TRE/SP que a agravante publicou vídeo em sua conta no Twitter, destacando–se passagem na qual assevera que seu adversário político nas Eleições 2020 "é um [...] mentiroso nato, gangster. [...] Esquerda quer roubalheira, é isso que você quer né?".4. Na linha do parecer ministerial, configurou–se ofensa à honra de pré–candidato, não se limitando a mensagem à mera veiculação de críticas ácidas.5. Agravo interno a que se nega provimento. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060001836, Acórdão, Relator(a) Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 95, Data 25/05/2022)(grifos nossos) 

Em caso similar ao tratado nos presentes autos, cita-se julgado recente deste Tribunal Regional Eleitoral, no qual foi firmado entendimento no sentido de que buscar, na rede social, incutir em contingente de pessoas a ideia de que o possível candidato estaria associado a famosa facção criminosa extrapola a menção a meras críticas ou posições ácidas, constituindo-se propaganda antecipada negativa: 

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA CARACTERIZADA. INTERNET. REDES SOCIAIS. FACEBOOK E INSTAGRAM. IMAGEM DE CANDIDATO ASSOCIADA À FACÇÃO CRIMINOSA PCC. ALEGAÇÃO DE VINCULAÇÃO APENAS DO PARTIDO AO PCC AFASTADA. FATOS SABIDAMENTE INVERÍDICOS. INCIDÊNCIA DA MULTA PREVISTA NO ART. 36, § 3º DA LEI 9.504/1997. RECURSO CONHECIDO. NEGADO PROVIMENTO. 1. Recurso Eleitoral interposto em face de decisão monocrática que julgou procedente representação por propaganda eleitoral antecipada negativa para condenar o representado ao pagamento de multa no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com fulcro no §3º do art. 36 da Lei nº 9.504/1997 c/c art. 2º, §4º da Resolução TSE nº 23.610/2019. 2. Propaganda eleitoral antecipada negativa na internet configurada em publicação nas redes sociais Facebook e Instagram com o seguinte teor: “Quem é da esquerda e qual o nível de relação possui com o PCC? Candidatura (...) condenada: PT e PSB querem estar juntos. O capixaba não vota no PT e para ludibriar a população mais uma vez, o PT irá apoiar a dupla do atraso, só para permanecer mais quatro anos no poder. Essa história se perpetua por 20 anos e o estado segue estagnado (sic). Chega! O Espírito Santo não aguenta mais, se a mídia não abre o olho do capixaba, nós abrimos. Não queremos mais comunistas no poder. É pra frente que se anda." A foto publicada possui ao centro imagem colorida do candidato Recorrido. Em rodapé consta o slogan do Recorrente e sua foto fazendo continência com camisa verde escrita em amarelo: “O Espírito Santo é verde e amarelo.” 3. O conflito entre o direito à livre manifestação do pensamento e o direito de crítica deve ser levado ao campo constitucional. Curial utilização da técnica da ponderação: de um lado, os princípios da liberdade de manifestação do pensamento e da liberdade de expressão, independentemente de censura; e, de outro pórtico, os princípios da democracia e da dignidade da pessoa humana. 4. Ofensa à honra de pré-candidato ao associá-lo com o PCC - Primeiro Comando da Capital, famigerada facção criminosa brasileira. Fatos sabidamente inverídicos ensejam a ação repressiva da Justiça Eleitoral e são aqueles que podem ser verificados pelo receptor do conteúdo da propaganda de forma simples e imediata. 5. O Colendo Tribunal Superior Eleitoral, em recentíssima decisão do Min. Alexandre de Moraes apreciando fatos correlatos, determinou liminarmente a exclusão e abstenção de publicações, entre outros fatos, de ligação entre PT e PCC (TSE. Representação n. 06000543-76.2022.6.00.0000 / Min. Alexandre de Moraes. Em: 17.07.2022). 6. Não afastam a caracterização da propaganda antecipada negativa: 1) a alegação de que se teria apenas questionado a aliança de pré-candidato com o Partido dos Trabalhadores, agremiação acusada de ter relações com o PCC; 2) o fato de que, em momento algum, o Recorrente teria declarado que o pré-candidato é ligado ao PCC, e; 3) o questionamento se referir ao PT e não ao pré-candidato. 7. A associação do pré-candidato ao PCC revelou-se clara na postagem das redes sociais, uma vez que houve grande destaque de sua fotografia na publicação (colorido, centralizado e destacado). 8. Não convém o enquadramento da publicação como crítica política, inerente ao próprio debate democrático e à vida pública dos mandatários, assegurada nos termos dos arts. 5º, IV, da Constituição Federal e 36-A, V, da Lei nº 9.504/1997, pois o nome do candidato sequer foi aventado nas matérias jornalísticas de âmbito nacional que trataram de suposta relação do PT com o PCC. 9. Configurada a propaganda eleitoral antecipada negativa, imperiosa a manutenção in totum da decisão monocrática e a incidência da multa prevista no art. 36, § 3º, da Lei 9.504/97, cujo valor foi fixado em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), atendendo-se à razoabilidade. 10. Recurso conhecido e não provido. Vistos etc. Acordam os Membros do Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo, em conformidade com a Ata e Notas Taquigráficas da Sessão, que integram este julgado, à unanimidade de votos, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, nos termos do voto do eminente Relator. Sala das Sessões, 30/08/2022. DR. MARCOS ANTONIO BARBOSA DE SOUZA, RELATOR. 

Nesse contexto, sob o rígido pilar do princípio da proporcionalidade, bem como sob o crivo das jurisprudências dos Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral, queda-se, portanto, indubitável nos autos a ocorrência de propaganda eleitoral antecipada irregular negativa que enseja sua extirpação do mundo dos fatos.   

II.2 – Aplicação da multa eleitoral, insculpida no art. 36, §3º, da Lei nº 9504/97 

É pertinente mencionar, ainda, que, nos autos do REspe nº 0600227-31/PE, de relatoria do Ministro Edson Fachin, julgado em 09.04.2019, o Tribunal Superior Eleitoral ressaltou importante premissa quando da análise a ser realizada pela Justiça Eleitoral nos casos de propaganda eleitoral antecipada, qual seja, a de que o conteúdo da mensagem veiculada deve ser relacionado à disputa, requisito sem o qual essa seria um “indiferente eleitoral” (AgR-AI nº 0600501-43/SP, Rel. Min. Sérgio Banhos, j. em 09.04.2019).  

No parecer ministerial, o Parquet trouxe a lume argumento de não configuração de propaganda eleitoral antecipada, na linha do que aduz o art. 3º-A da Resolução TSE nº 23.610/2019, verbis

Art. 3º-A. Considera-se propaganda antecipada passível de  multa aquela divulgada extemporaneamente cuja mensagem  contenha pedido explícito de voto, ou que veicule conteúdo  eleitoral em local vedado ou por meio, forma ou instrumento  proscrito no período de campanha. 

A propaganda eleitoral extemporânea, sob a égide das normas eleitorais mais recentes, possui como um de seus pilares o artigo retrotranscrito, incluído pela Resolução nº 23.671/2021. Entretanto, referido dispositivo não deve ser analisado de maneira individualizada, mas, sim, sistematicamente, a partir de uma ótica ampliada do ordenamento. 

O escopo da propaganda eleitoral negativa é desqualificar determinado candidato ou candidata, mostrando suas carências e incapacidades para exercer a função pública. Grande parte das críticas está abarcada pelas discussões democráticas, mas parcela delas extrapola referida permissividade, mormente quando há imputação criminosa ou lançamento de fatos sabidamente inverídicos. 

Nessa linha, imputar crime a outrem não está inserido nas modalidades autorizativas de pré-campanha, posto que não se enquadra no rol elencado do art. 3º da Res. 23.610/2019 c/c art. 36-A da Lei das Eleições, especialmente quando ausentes lastros concernentes à alegação. 

Ademais, o ordenamento jurídico apresenta panorama que abrange o art. 3º-A, da Resolução TSE nº 23.610/2019, não o contrário, posto que é imprescindível a observância das normas que contextualizam a propaganda eleitoral negativa, sob o enfoque dos abusos e do ferimento à honra dos envolvidos, conforme se infere dos dispositivos abaixo elencados: 

Constituição da República: 

Art. 5º (omissis) 

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;  

(omissis) 

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; 

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Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: 

Artigo 10º - Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. 

Artigo 11º - A livre comunicação dos pensamentos e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do Homem; todo o cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na Lei 

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Código Eleitoral: 

Art. 243. Não será tolerada propaganda: 

(omissis) 

IX – que caluniar, difamar ou injuriar quaisquer pessoas, bem como órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública; 

Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: 

Pena – detenção de seis meses a dois anos e pagamento de 10 a 40 dias-multa. 

(omissis) 

Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: 

Pena – detenção de três meses a um ano e pagamento de 5 a 30 dias-multa. 

(omissis) 

Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: 

Pena – detenção até seis meses, ou pagamento de 30 a 60 dias-multa. 

(omissis) 

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Res. 23.610/2019: 

Art. 9º-A. É vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos, devendo o juízo eleitoral, a requerimento do Ministério Público, determinar a cessação do ilícito, sem prejuízo da apuração de responsabilidade penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação. 

Art. 22. Não será tolerada propaganda, respondendo a pessoa infratora pelo emprego de processo de propaganda vedada e, se for o caso, pelo abuso de poder: 

(omissis) 

X - que caluniar, difamar ou injuriar qualquer pessoa, bem como atingir órgãos ou entidades que exerçam autoridade pública;  

Art. 23. A pessoa ofendida por calúnia, difamação ou injúria, sem prejuízo e independentemente da ação penal competente, poderá demandar, no juízo cível, a reparação do dano moral, respondendo por este a pessoa que ofende e, solidariamente, o partido político desta, quando responsável por ação ou omissão, e quem quer que, favorecido pelo crime, haja de qualquer modo contribuído para ele. 

Art. 27. (omissis) 

§ 1º A livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução. 

Art. 29. (omissis) 

§3º O impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no país, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecida(o) no país e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatas e candidatos ou suas agremiações, vedada a realização de propaganda negativa. 

Art. 30. (omissis) 

§ 2º Sem prejuízo das sanções civis e criminais aplicáveis à(ao) responsável, a Justiça Eleitoral poderá determinar, por solicitação da(o) ofendida(o), a retirada de publicações que contenham agressões ou ataques a candidatas e candidatos em sítios da internet, inclusive redes sociais. 

§ 3º Nos casos de direito de resposta em propaganda eleitoral realizada na internet, prevista no art. 58, § 3º, IV, da Lei nº 9.504/1997 , em se tratando de provedor de aplicação de internet que não exerça controle editorial prévio sobre o conteúdo publicado por suas usuárias e seus usuários, a obrigação de divulgar a resposta recairá sobre a usuária ou o usuário responsável pela divulgação do conteúdo ofensivo, na forma e pelo tempo que vierem a ser definidos na respectiva decisão judicial. 

Art. 38. (omissis) 

§ 1º Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral.  

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Lei das Eleições: 

Art. 53. Não serão admitidos cortes instantâneos ou qualquer tipo de censura prévia nos programas eleitorais gratuitos. 

§ 1º É vedada a veiculação de propaganda que possa degradar ou ridicularizar candidatos, sujeitando-se o partido ou coligação infratores à perda do direito à veiculação de propaganda no horário eleitoral gratuito do dia seguinte. 

§ 2º Sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, a requerimento de partido, coligação ou candidato, a Justiça Eleitoral impedirá a reapresentação de propaganda ofensiva à honra de candidato, à moral e aos bons costumes. 

Art. 57-H. Sem prejuízo das demais sanções legais cabíveis, será punido, com multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), quem realizar propaganda eleitoral na internet, atribuindo indevidamente sua autoria a terceiro, inclusive a candidato, partido ou coligação. 

§ 1ºConstitui crime a contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação, punível com detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). 

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Código Penal: 

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: 

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa. 

(omissis) 

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação. 

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. 

(omissis) 

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: 

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. 

(omissis) 

Percebe-se claramente a grande preocupação do arcabouço legislativo com a honra dos indivíduos, em especial, dos candidatos em período eleitoral com a finalidade de obstar e se opor a ofensas que exorbitem o razoável debate de ideias e incutem sentimento de repulsa no eleitorado. 

Urge constatar que a propaganda eleitoral negativa extemporânea deve ser configurada numa análise a contrario sensu, isto é, sua subsunção e suas consequências legais devem ser as mesmas de uma propaganda eleitoral que ocorra em período vedado.  

Entender que uma propaganda eleitoral negativa só pode ser considerada extemporânea se contiver pedido explícito de não voto ou se veiculada em meio proscrito é fazer tábula rasa da legislação de regência e dos escólios do Tribunal Superior Eleitoral, este, inclusive, que tem decidido pela aplicação de multa do art. 36, §3º, em casos de propaganda eleitoral negativa: 

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA NEGATIVA. ARTS. 36 E 36–A DA LEI 9.504/97. VÍDEO. TWITTER. OFENSA. HONRA. PRÉ–CANDIDATO. CONFIGURAÇÃO. NEGATIVA DE PROVIMENTO.1. No decisum monocrático, manteve–se aresto unânime do TRE/SP em que se impôs multa de R$ 5.000,00 à agravante, candidata ao cargo de prefeito de São Paulo/SP nas Eleições 2020, por prática de propaganda extemporânea negativa (arts. 36, § 3º, e 36–A da Lei 9.504/97).2. De acordo com o entendimento desta Corte, a configuração de propaganda eleitoral extemporânea negativa pressupõe pedido explícito de não voto ou, ainda, ato que macule a honra ou a imagem de pré–candidato ou divulgue fato sabidamente inverídico em seu desfavor.3. No caso, extrai–se da moldura fática do aresto do TRE/SP que a agravante publicou vídeo em sua conta no Twitter, destacando–se passagem na qual assevera que seu adversário político nas Eleições 2020 "é um [...] mentiroso nato, gangster. [...] Esquerda quer roubalheira, é isso que você quer né?".4. Na linha do parecer ministerial, configurou–se ofensa à honra de pré–candidato, não se limitando a mensagem à mera veiculação de críticas ácidas.5. Agravo interno a que se nega provimento. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060001836, Acórdão, Relator(a) Min. Benedito Gonçalves, Publicação:DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 95, Data 25/05/2022). 

Portanto, compreender isoladamente o art. 3º-A como definidor único de critérios para a configuração da propaganda eleitoral é entendimento que exclui a possibilidade de sancionar propagandas eleitorais negativa, ao arrepio da legislação e de julgados da própria Corte Superior Eleitoral. 

Nesse contexto, por eventualidade, intuindo-se como parâmetro unicamente o art. 3º-A da Res. TSE nº 23.610/2019, existe, também, entendimento jurisprudencial no sentido de que a ofensa que ultrapassa o razoável deve ser compreendida pelo teor do citado art. 3º-A, porquanto seria abarcada pela “forma proscrita”. Em outras palavras, referidas ofensas (art. 22, X, da Res. 23.610/2019) devem ser consideradas, por sua forma, ilícitas e, portanto, também passíveis de multa. Trata-se de recentíssima decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins, de 27 de julho do corrente ano, que, não obstante no caso em análise, tenha julgado improcedente o pedido de propaganda eleitoral irregular extemporânea, balizou como forma proscrita a imputação de fato específico definido como crime nos autos da REPRESENTAÇÃO - Processo nº 0600142-27.2022.6.27.0000: 

ELEIÇÕES 2022. RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA NEGATIVA. FORMA PROSCRITA. CALÚNIA. OFENSA GRAVE. NÃO CONFIGURAÇÃO. CRÍTICA POLÍTICA. LIBERDADES DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. NÃO OCORRÊNCIA. PROPAGANDA ANTECIPADA NÃO CONFIGURADA.     1. Configura propaganda eleitoral antecipada negativa a divulgação extemporânea de mensagem com pedido explícito de (não) voto, ou a veiculação de mensagem com conteúdo eleitoral em local vedado ou por meio, forma ou instrumento proscrito no período de campanha (art. 3º–A da Res. TSE nº 23.610/19).     2. Para caracterizar a calúnia, forma proscrita prevista no art. 22, X, da Res. TSE nº 23.610/2019, é necessário a imputação a indivíduo determinado de fato específico definido como crime. Precedentes (AgR–REspe nº 22484, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 27/03/2019).     3. A exposição de críticas políticas, ainda que desabonadoras em razão de sua acidez e contundência, estão amparadas pelos arts. 5º, IV, da Constituição Federal e 36–A, V, da Lei nº 9.504/1997, não se confundindo com a ofensa grave, a calúnia ou o discurso de ódio, que são proscritos.     4. A intervenção da Justiça Eleitoral no debate democrático deve ser mínima, em respeito à liberdade de expressão e de pensamento.     5. Inexiste nos autos prova de eventuais valores despendidos com os vídeos produzidos, de modo que não foi demonstrado dispêndio financeiro expressivo capaz de comprovar, no caso em concreto, efetiva lesão a isonomia entre os candidatos.     6. Recurso eleitoral improvido. (RECURSO nº 060014227, Relator(a) Des. Edssandra Barbosa Da Silva Lourenco, Publicação:  DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 132, Data 07/07/2022, Página 47/53). 

Portanto, considerando a relevância que o ordenamento jurídico brasileiro trouxe à temática, bem como à luz dos entendimentos jurisprudenciais, é limpidamente adequado o enquadramento dos fatos narrados na exordial como passíveis de serem sancionados, nos termos específicos do art. 36, §3º, da Lei das Eleições. 

Transcrevem-se os exatos termos do dispositivo legal referido: 

Art. 36.  A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição. 

(omissis) 

§ 3º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado o seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), ou ao equivalente ao custo da propaganda, se este for maior. 

Considerando todos os apontamentos referidos acima, bem como tendo em vista os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, entende-se pela imprescindível aplicação de multa, eis que clarividente foi a ofensa à legislação eleitoral. 

Por fim, considerando a razoabilidade, entende-se pela aplicação de multa em seu mínimo legal. 

III – DISPOSITIVO 

Ante todo o exposto, com fulcro no art. 96, §3º, da Lei nº 9.504/97, resolvo o mérito, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil e JULGO PROCEDENTE o pedido constante na exordial da presente Representação e, por via de consequência, CONDENO a Representada, OZETI DE LOURDES ARAÚJO, a retirada da propaganda eleitoral considerada ofensiva à honra do candidato FÁBIO BARBOSA DA FONSECA, bem como ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), na forma do §3º do art. 36 da Lei 9.504/1997 c/c art. 2°, §4º, da Resolução TSE nº 23.610/2019. 

Para cumprimento deste decisum, DETERMINO, com urgência

(1) a intimação do provedor de aplicação de internet, FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA, responsável pelas redes sociais “Facebook” e “Instagram”, por intermédio do endereço eletrônico eleicoes_facebook@tozzinifreire.com.br, indicado com fulcro artigo 10 da Resolução TSE nº 23.608/2019: 

a) para exclusão da publicação constante na URL https://www.instagram.com/tv/Cg143vbhz_v/?igshid=YmMyMTA2M2Y%3D, do  perfil oficial (https://www.instagram.com/zety.araujo/), no prazo de 48 (quarenta e oito horas), com fulcro no artigo 17, §§ 1º-A e 1º-B, da Res. TSE n° 23.608/2019; 

b) para comprovação da exclusão, no mesmo prazo, juntando os documentos que entender pertinentes a estes autos eletrônicos, sob pena de multa (astreintes) arbitrada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), com fulcro no artigo 38, §6º da Res. TSE nº 23.610/2019, que será aplicada eventualmente por dia de descumprimento. 

(2) a intimação da Representada, OZETI DE LOURDES ARAÚJO: 

a) para imediata exclusão da publicação constante na URL https://www.instagram.com/tv/Cg143vbhz_v/?igshid=YmMyMTA2M2Y%3D, do perfil oficial (https://www.instagram.com/zety.araujo/);   

b) para apresentação de comprovação imediata do cumprimento, juntando os documentos que entender pertinentes a estes autos eletrônicos, sob pena de multa (astreintes) de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), que será aplicada eventualmente por dia de descumprimento.

(3) para fins de apuração da ocorrência de crimes contra à honra, previsto nos artigos 324 a 325 do Código Eleitoral, encaminhe-se cópia dos presentes ao Promotor Eleitoral de Cariacica-ES, conforme solicitado pela d. Procuradoria Regional Eleitoral. 

Sem custas ou honorários nos presentes autos, nos moldes do art. 1º da Lei nº 9.265/1996, ante a remansosa jurisprudência das Cortes Regionais e Superior Eleitorais: “A Condenação em honorários advocatícios, em razão de sucumbência, apresenta-se incabível em feitos eleitorais”. (Acórdão TSE n. 13.101, de 06.03.97).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se as partes e o Ministério Público Eleitoral. 

À Secretaria Judiciária para os expedientes necessários. 

Transitada em julgado, adotem-se os procedimentos para cobrança, se não houver satisfação espontânea.  

Após, arquivem-se os autos, observadas as cautelas de estilo. 

Vitória-ES, datada e assinada eletronicamente.

 

ISABELLA ROSSI NAUMANN CHAVES

Juíza Auxiliar