PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO CEARÁ
RECURSO ELEITORAL N. 0600286-46.2024.6.06.0022
ORIGEM: SÃO BENEDITO/CE
RELATOR: DESEMBARGADOR ELEITORAL GLÊDISON MARQUES FERNANDES
RECORRENTE: HENRIQUE PAULO SANTANA
ADVOGADO(A): RAUL LUSTOSA BITTENCOURT DE ARAÚJO - OAB CE45195-A, ÂNGELA BEATRIZ DA COSTA VETTORAZZI - OAB CE52599
RECORRIDOS: SAUL LIMA MACIEL, FRANCISCO TEIXEIRA JORGE FILHO
ADVOGADO: WILSON EMMANUEL PINTO PAIVA NETO - OAB CE23847
Ementa: DIREITO ELEITORAL. RECURSO ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO. CONDUTAS VEDADAS. CONTRATAÇÕES TEMPORÁRIAS. USO DE BENS PÚBLICOS. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. DISTRIBUIÇÃO DE BENS. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE E PROVA ROBUSTA. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Recurso eleitoral interposto contra sentença de primeiro grau que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada por supostas práticas de abuso de poder político e condutas vedadas durante as Eleições Municipais de 2024, consistentes em contratações temporárias sem processo seletivo, uso de bens públicos para eventos partidários, publicações institucionais com promoção pessoal e distribuição de bens e serviços com recursos públicos.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. Há duas questões em discussão: (i) verificar se as condutas atribuídas aos investigados configuram abuso de poder político ou prática de condutas vedadas a agentes públicos; (ii) analisar se há prova robusta e suficiente para justificar a cassação dos diplomas e a inelegibilidade dos investigados.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. A caracterização do abuso de poder político exige prova inequívoca de desvio de finalidade de atos administrativos com o objetivo específico de beneficiar determinada candidatura e afetar a normalidade do pleito.
4. A contratação temporária de servidores em 2024 foi precedida de processo seletivo e ocorreu antes do período vedado, sem demonstração de desvio de finalidade ou finalidade eleitoral.
5. A divulgação de atos de gestão nas redes sociais institucionais e pessoais dos agentes políticos ocorreu antes do período eleitoral, sem menção direta às candidaturas ou pedido de voto, configurando prestação de contas à população.
6. A utilização de bem público para evento partidário não foi acompanhada de prova da intenção de promover candidaturas nem de potencialidade lesiva ao pleito, conforme exige a jurisprudência do TSE.
7. A distribuição de bens e serviços sociais foi realizada sem personalização, fora do período vedado e sem demonstração de desvio de finalidade, tratando-se de ações compatíveis com a continuidade dos serviços públicos.
8. As provas coligidas aos autos não demonstram a gravidade necessária das condutas para caracterização do abuso de poder, sendo insuficientes para justificar a cassação dos mandatos e a inelegibilidade dos investigados.
IV. DISPOSITIVO E TESE
9. Recurso desprovido.
Tese de julgamento:
1. A configuração do abuso de poder político exige prova robusta de desvio de finalidade dos atos administrativos com gravidade suficiente para comprometer a legitimidade do pleito.
2. Atos típicos de gestão pública realizados por agentes em exercício, mesmo em ano eleitoral, não caracterizam conduta vedada ou abuso se não demonstrada a finalidade eleitoreira e o desequilíbrio do pleito.
3. A ausência de prova concreta e inequívoca impede a aplicação das sanções do art. 22 da LC nº 64/90.
Dispositivos relevantes citados:
CF/1988, art. 14, § 9º;
LC nº 64/1990, art. 22;
Lei nº 9.504/1997, art. 73, I e V; CPC, art. 373, I.
Jurisprudência relevante citada:
TRE-RJ, AIJE nº 378375, Rel. Des. Alexandre de Carvalho Mesquita, j. 01.12.2014;
TRE-MT, RE nº 60072076, Rel. Des. Gilberto Lopes Bussiki, j. 27.05.2021;
TSE, RO-El nº 06008654220186250000, Rel. Min. Sérgio Silveira Banhos, j. 09.11.2021;
TRE-GO, AIJE nº 162878, Rel. Des. Kisleu Dias Maciel Filho, j. 13.08.2015.
ACÓRDÃO
ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, por unanimidade, em conhecer do recurso para, preliminarmente, rejeitar a alegação de ausência de dialeticidade, e no mérito, negar-lhe provimento, mantendo-se, na íntegra, a sentença que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral em desfavor de Saul Lima Maciel e Francisco Teixeira Jorge Filho., nos termos do voto do Relator. Participou da votação o desembargador eleitoral Raimundo Nonato Silva Santos, Presidente.
Fortaleza, 13/05/2025.
DESEMBARGADOR ELEITORAL GLEDISON MARQUES FERNANDES
RELATOR
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO CEARÁ
RECURSO ELEITORAL N. 0600286-46.2024.6.06.0022
ORIGEM: SÃO BENEDITO/CE
RELATOR: DESEMBARGADOR ELEITORAL GLÊDISON MARQUES FERNANDES
RECORRENTE: HENRIQUE PAULO SANTANA
ADVOGADO(A): RAUL LUSTOSA BITTENCOURT DE ARAÚJO - OAB CE45195-A, ÂNGELA BEATRIZ DA COSTA VETTORAZZI - OAB CE52599
RECORRIDOS: SAUL LIMA MACIEL, FRANCISCO TEIXEIRA JORGE FILHO
ADVOGADO: WILSON EMMANUEL PINTO PAIVA NETO - OAB CE23847
RELATÓRIO
Trata-se de recurso eleitoral interposto por Henrique Paulo Santana contra a sentença proferida pelo Juízo da 22ª Zona Eleitoral do Estado do Ceará que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral ajuizada em face de Saul Lima Maciel e Francisco Teixeira Jorge Filho, Prefeito e Vice-Prefeito reeleitos no Município de São Benedito/CE, por suposta prática de abuso de poder político e condutas vedadas a agentes públicos no contexto das Eleições Municipais de 2024.
A inicial aponta condutas supostamente abusivas dos investigados consistentes em contratação massiva de servidores temporários no ano eleitoral sem processo seletivo; realização de eventos de filiação partidária em bem público; uso de perfis institucionais da Prefeitura para promoção pessoal durante o período vedado; e distribuição gratuita de bens e serviços custeados com recursos públicos em desacordo com a legislação eleitoral.
Alega o autor que tais condutas teriam causado desequilíbrio no pleito e comprometido a lisura da disputa, com destaque para a evolução quantitativa das contratações temporárias como indício da finalidade eleitoreira das nomeações.
Os investigados apresentaram contestação afirmando que as contratações seguiram previsão legal e necessidades de interesse público, negando que tenham ocorrido no segundo semestre de 2024. Rejeitaram as demais imputações, alegando inexistência de atos abusivos ou vedados.
O Ministério Público Eleitoral opinou pela improcedência do pedido, ponderando que as condutas narradas não se revestem da gravidade necessária para configurar o abuso de poder e que há ausência de elementos concretos e robustos que amparem a pretensão autoral.
Sobreveio sentença que julgou improcedente a ação, ao argumento de que as condutas imputadas se confundem com atos de gestão próprios da Administração Pública e não restou demonstrado o desvio de finalidade para fins eleitorais.
Inconformado, o autor interpôs recurso sustentando que a sentença deixou de valorar adequadamente os elementos de prova constantes nos autos, insistindo na tese de que houve utilização da máquina pública para beneficiamento da candidatura dos investigados.
Em contrarrazões ao recurso, os recorridos reiteraram os fundamentos da contestação e sustentaram a inexistência de ilegalidades. Alegaram ausência de dialeticidade recursal, apontando que o recorrente teria apenas repetido os termos da inicial, sem impugnação específica à sentença.
A Procuradoria Regional Eleitoral ofereceu parecer pelo conhecimento e provimento do presente recurso, pelas razões que expõe no id 19933208.
É, no que importa, o relatório.
Fortaleza, 13 de maio de 2025.
GLEDISON MARQUES FERNANDES
Desembargador Eleitoral Relator
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO CEARÁ
RECURSO ELEITORAL N. 0600286-46.2024.6.06.0022
ORIGEM: SÃO BENEDITO/CE
RELATOR: DESEMBARGADOR ELEITORAL GLÊDISON MARQUES FERNANDES
RECORRENTE: HENRIQUE PAULO SANTANA
ADVOGADO(A): RAUL LUSTOSA BITTENCOURT DE ARAÚJO - OAB CE45195-A, ÂNGELA BEATRIZ DA COSTA VETTORAZZI - OAB CE52599
RECORRIDOS: SAUL LIMA MACIEL, FRANCISCO TEIXEIRA JORGE FILHO
ADVOGADO: WILSON EMMANUEL PINTO PAIVA NETO - OAB CE23847
VOTO
Inicialmente, rejeito a preliminar de ausência de dialeticidade recursal, suscitada pelos recorridos. Embora as razões recursais contenham elementos repetidos da inicial, há manifesta insurgência quanto à fundamentação da sentença, principalmente no tocante à valoração das provas.
No mérito, é forçoso reconhecer que não assiste razão ao recorrente. a sentença de primeiro grau apreciou com acerto os elementos fáticos e jurídicos dos autos ao concluir pela ausência de provas suficientes a demonstrar tal desvio de finalidade. A decisão impugnada é bem fundamentada e alinhada à jurisprudência consolidada do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que a caracterização do abuso de poder político requer prova inequívoca de que os atos administrativos foram desvirtuados de sua finalidade pública com o objetivo específico de beneficiar determinada candidatura, de modo a comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito.
Nesse aspecto, importante apreciar, individualmente, as supostas condutas vedadas imputadas ao investigado Saul Lima Maciel, fundamentos dos pedidos de cassação dos diplomas e decretação de inelegibilidade dos investigados.
Quanto às contratações temporárias, embora se reconheça que houve aumento do número de servidores em 2024, os recorridos contestaram a prática da conduta vedada disposta no artigo 73, inciso V, da Lei das Eleições, argumentando que os números apresentados no Portal da Transparência se referem a contratos efetivados em 2023 e que tiveram vigência até o ano de 2024.
Alegaram, também, que a contratação foi precedida do respectivo processo seletivo e que, ainda que tivesse sido efetivada em 2024, não incidiria na conduta vedada prevista na norma, conquanto teria sido realizada no primeiro semestre de 2024, antes do período eleitoral. Apresentou documentos que negam e existência de novas contratações temporárias naquele ano, conforme declarado pelo órgão competente da Administração Municipal.
A acusação, por sua vez, não logrou êxito em demonstrar a irregularidade dessas contratações ou o desvio de finalidade voltado à captação de votos. A defesa, por sua vez rebateu a informação de que não houve processo seletivo prévio, juntando ao autos, para comprovar sua alegação, não somente declaração de órgão oficial (id 19913910), como as publicações oficiais relativas aos processos seletivos prévios correspondentes (ids 19913912 a 19913921).
Assim, os supostos vícios dos atos administrativos de contratação, alegados pelos investigantes não restaram comprovados e, sem nenhuma prova de vínculo direto com o processo eleitoral, devem ser analisados com cautela, para que não se confunda conduta vedada com atos de gestão ordinária da coisa pública. Nesse sentido:
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2014. CANDIDATO À REELEIÇÃO. ALEGAÇÕES DE ABUSO DE PODER POLÍTICO E CONDUTA VEDADA . GABINETE ITINERANTE. INÉPCIA DA INICIAL, ILEGITIMIDADE PASSIVA E IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO REJEITADAS. EXERCÍCIO DE ATIVIDADES TÍPICAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. MEDIDAS DE GOVERNO QUE NATURALMENTE SE CONFUNDEM COM ATOS DE CAMPANHA . NÃO CONFIGURAÇÃO DE ILÍCITO ELEITORAL. IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS.
[…]
IV - A instalação de gabinete itinerante, programa através do qual o Prefeito, juntamente com seus secretários, percorrem diversos Municípios com a finalidade de atender demandas sociais, ainda que em período próximo à campanha eleitoral, caracteriza ato típico de governo, não configurando, por si só, abuso do poder político ou conduta vedada, sobretudo porque não comprovados nos autos quaisquer gastos com a medida.
V - O permissivo constitucional dado aos chefes do executivo de concorrer à reeleição, sem a necessidade de afastamento do cargo, acaba, por vezes, conduzindo a situações tênues, em que naturalmente se confundem atos de gestão, com propaganda eleitoral ou promoção pessoal. Necessário se faz, portanto, a reunião de provas robustas da ocorrência de eventuais ilícitos, sob pena de se banalizar supostas violações e inviabilizar o exercício regular da continuidade do serviço público em anos eleitorais.
VI - Abuso de poder e conduta vedada afastadas. Improcedência dos pedidos.
(TRE-RJ - AIJE: 378375 RJ, Relator.: ALEXANDRE DE CARVALHO MESQUITA, Data de Julgamento: 01/12/2014, Data de Publicação: DJERJ - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-RJ, Tomo 352, Data 11/12/2014, Página 10/13)
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RECURSO ELEITORAL. AIJE. CONDUTAS IMPUTADAS AOS AGENTES PÚBLICOS. ABUSO DE PODER POLÍTICO. AUSÊNCIA DE CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO. ÔNUS DA PROVA INCUMBE A QUEM ALEGA. ART. 373, CPC. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE PISO. RECURSO IMPROVIDO.
1. O abuso do poder político ocorre quando agentes públicos se valem da condição funcional para beneficiar candidaturas (desvio de finalidade), violando a normalidade e a legitimidade das eleições .
2. Em juízo a regra é que se comprovem as alegações, de modo que, o ônus processual pertence à parte representante, nos termos do disposto no art. 373, inciso I, do CPC.
3. Os episódios trazidos pelos recorrentes como supostos desvios de conduta dos representados, em verdade, não foram confirmados pelas provas do processo, permanecendo nos lindes da esfera da legalidade que devem orientar os atos de gestão.
4. Negado provimento ao recurso. Sentença de primeiro grau mantida .
(TRE-MT - RE: 60072076 FIGUEIRÓPOLIS D'OESTE - MT, Relator.: GILBERTO LOPES BUSSIKI, Data de Julgamento: 27/05/2021, Data de Publicação: DEJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 3438, Data 15/06/2021, Página 30-31)
Também imputou-se a utilização dos perfis institucionais, da Prefeitura, e pessoal, do candidato, nas mídias sociais, com prática de conduta vedada, alegando-se o uso de publicidades dos atos de gestão em benefício da candidatura à reeleição.
Entendo, contudo, que tais publicações não extrapolaram os limites da legalidade, na medida que, conquanto propaguem a figura dos agentes políticos, mantiveram-se dentro dos parâmetros da divulgação de atos e serviços públicos, como permitido pela legislação eleitoral, considerando a qualidade de gestores que lhes competia à época e não revelam, de forma clara, a utilização da máquina pública para fins eleitorais. Trata-se, na maioria, de atos típicos de divulgação de atividades administrativas, inerentes ao exercício regular do cargo.
Destaque-se, ainda, no presente caso, que todas as publicidades oficiais apontadas como irregulares foram divulgadas antes início do período eleitoral (6 de julho de 2024), consoante se infere da inicial e dos documentos que a acompanham. Esse fato, embora isoladamente não afaste a possibilidade do cometimento de abuso político, enfraquece a narrativa da abusividade e corrobora com a tese defensiva de que se tratou de prestação de contas do gestor com a população, em especial quando nenhuma menção à sua candidatura ou ao pleito de 2024 restou comprovada.
Destaco, nesse tema, o percuciente destaque que o magistrado de primeiro grau deu à imputação, na sentença recorrida, fundamento que também adoto como razão de decidir:
“… Impende ressaltar que os investigados são agentes públicos, de modo que a presença dos mesmos nos eventos elencados na inicial faz parte de suas atribuições como gestores.
Ademais, por tudo que consta nos autos é possível perceber que os eventos descritos na exordial e suas divulgações ocorriam desde o ano de 2023, não sendo algo que se deu exclusivamente em ano eleitoral. Ainda, não é possível afirmar que os investigados fazem menção ao pleito eleitoral de 2024 ou a suas candidaturas, nem tampouco que houve pedido de voto. Em verdade o que se observa é que fazem referência ao trabalho dos agentes enquanto gestores do município.
Nessa seara, o que a lei eleitoral proíbe é o desvio de finalidade, ou seja, o uso de bens e serviços públicos com finalidade eleitoreira. Para que se tenha qualquer desvirtuamento, fazse necessária a comprovação do desvio da finalidade do evento, transmutando em eleitoreiro seu objetivo, e isso ocorre precisamente quando estão presentes elementos que demonstrem a intenção de beneficiar determinado candidato, seja proferindo discursos de cunho eleitoral, enaltecendo suas qualidades pessoais, ou mesmo na divulgação de materiais típicos de campanha eleitoral, desvirtuando a finalidade pública do evento.
Entretanto, não é o caso dos autos. Não há provas de que os eventos foram organizados com o intuito de promover a candidatura dos investigados ou mesmo que tenham sido desvirtuados para essa finalidade. Não está caracterizada autopromoção.” (destaques no original)"
Concluo a análise reafirmando que os atos de governo que se confundem com campanha exigem demonstração de dolo específico e de gravidade, conforme pacífica jurisprudência sobre o tema.
Com relação à realização de eventos partidários em dependências da Câmara Municipal, verifica-se que o evento ocorreu em março de 2024, anterior, portanto, ao período eleitoral, e não há nos autos prova cabal da utilização irregular de bem público com intuito de promover candidaturas.
A Lei das Eleições é clara e objetiva em relação à vedação:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;
Portanto, ainda que se reconheça a impropriedade na utilização do prédio público para o evento partidário, não há uma cabal demonstração de que o fato tenha causado desequilíbrio na disputa eleitoral. Em conformidade com o entendimento do TSE, é necessário que a conduta vedada possua potencialidade lesiva ao pleito, o que, no caso concreto, não foi demonstrado.
Para a condenação por abuso de poder político, é imprescindível a presença de três elementos: a conduta abusiva, a intenção de beneficiar candidatura específica e a efetiva gravidade do ato a ponto de comprometer a normalidade do pleito. Nenhum desses elementos se apresenta de forma contundente no caso em exame.
Por fim, alega o recorrente que os recorridos promoveram a distribuição de bens e serviços de caráter social, em benefício de suas candidaturas.
Entendo que a mera realização de ações sociais, sem personalização ou vinculação direta à imagem dos investigados na qualidade de candidatos, não é suficiente para caracterizar conduta vedada ou abuso.
Não se pode olvidar que o investigado ao qual se imputa a conduta vedada atuava como chefe do Poder Executivo, e, mesmo em ano eleitoral, a continuidade da prestação dos serviços públicos essenciais à população deve ser preservada. Nesse aspecto, é firme o entendimento de que os atos próprios da gestão, se desprovidos de gravidade e de comprovação do desvio de finalidade, não ensejam a condenação por abuso de poder. Confira-se, sobre o tema:
RECURSOS ORDINÁRIOS. ELEIÇÕES 2018. GOVERNADOR E VICE–GOVERNADOR. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. MATÉRIA PRELIMINAR. IMPEDIMENTO. REJEIÇÃO. ABUSO DO PODER POLÍTICO. ASSINATURA DE ORDENS DE SERVIÇO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. PROVIMENTO. SÍNTESE DO CASO
[…]
12. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, “o abuso do poder político configura–se quando o agente público, valendo–se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a legitimidade do pleito e a paridade de armas entre candidatos, o que se aplica igualmente às hipóteses de condutas aparentemente lícitas, mas com eventual desvirtuamento apto a impactar na disputa” (AgR– AI 518–53, de minha relatoria, DJE de 6 .3.2020).
13. No caso, não há prova robusta de manifesto desvio de finalidade na conduta supostamente abusiva – assinatura de ordens de serviço informais, tendo em vista que: i) a Administração Pública estadual observou o disposto no art . 77 da Lei 9.504/97; ii) a concentração de obras nos meses de maio e junho de 2018 decorreu de circunstâncias normais, não atreladas ao pleito, quais sejam: a data de assunção do chefe do Poder Executivo, em abril de 2018, e a iminência do encerramento do prazo para a comprovação do emprego dos recursos do programa PROINVESTE, o qual custeou as ações públicas; iii) não ficou comprovada a exploração eleitoral nem a veiculação de artefatos de propaganda político–partidária durante as cerimônias de assinatura; iv) a divulgação dos eventos, por meio da agência oficial de notícias, apresentou caráter meramente informativo, sem evidência de exaltação das qualidades pessoais do mandatário; v) a assinatura de ordens de serviço pelo governador, conquanto desnecessária no plano legal, era costumeira no âmbito administrativo local, tendo sido adotada por diversos mandatários, de variadas inclinações político–partidárias, como medida de divulgação das ações administrativas à população afetada.
14. Nos termos inciso XVI do art . 22 da Lei Complementar 64/90, para a caracterização do abuso de poder, é necessária a comprovação da gravidade das circunstâncias do ato, o que não ficou evidenciado na espécie. CONCLUSÃO Recursos ordinários providos.
(TSE - RO-El: 06008654220186250000 ARACAJU - SE, Relator.: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 09/11/2021, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 50)
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AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2014. REPASSE DE VERBA A SECRETARIA ESTADUAL. NOTÍCIA JORNALÍSTICA. LICITUDE. INEXISTÊNCIA DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO.
1 . O repasse de verbas do Governo Estadual à Secretaria Estadual de Segurança Pública não configura qualquer ilícito, pois compete ao Chefe do Poder Executivo, mesmo durante o período eleitoral, continuar a gerir a res pública, dando prosseguimento a investimentos, obras e serviços nas áreas da saúde, educação, segurança, dentre outras, conforme previsão orçamentária.
2. A notícia do repasse de verbas à Segurança Pública, veiculada na imprensa escrita, por si só, não caracteriza publicidade institucional em período vedado, mormente quando não comprovado o dispêndio de recursos públicos para o seu custeio.
3 . AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(TRE-GO - AIJE: 162878 GOIÂNIA - GO, Relator.: Kisleu Dias Maciel Filho, Data de Julgamento: 13/08/2015, Data de Publicação: DJ-145, data 20/08/2015)
No caso em análise, não há comprovação de que a oferta de bens e serviços à comunidade tenham ocorrido fora dos parâmetros legais, tampouco que tenham sido dirigidos a beneficiar o pleito dos investigados.
As condutas, vistas em seu conjunto, não ultrapassam o limite da legalidade administrativa. São condutas corriqueiras na gestão pública municipal, especialmente de chefes do Poder Executivo em exercício e candidatos à reeleição.
A aplicação das sanções do artigo 22 da Lei Complementar 64/90 requer prova robusta, inequívoca e contundente da prática abusiva, com demonstração de sua gravidade e do impacto sobre a normalidade e legitimidade do pleito e, no caso concreto, não se verifica a presença de tais requisitos.
As condutas apontadas, ainda que possam ser objeto de censura sob a ótica administrativa ou ética, não se revestem da gravidade necessária à aplicação das sanções de natureza eleitoral.
Reforça-se, ademais, que é da parte autora o ônus da prova quanto aos fatos constitutivos do seu direito, nos termos do artigo 373, I, do CPC, o que não foi devidamente atendido nos presentes autos.
Nesse contexto, a sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos, não merecendo reforma.
DISPOSITIVO
Por todo o exposto, VOTO pelo CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO do recurso eleitoral interposto, mantendo-se, na íntegra, a respeitável sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral em desfavor de Saul Lima Maciel e Francisco Teixeira Jorge Filho.
É como voto.
Fortaleza, 13 de maio de 2025.
GLEDISON MARQUES FERNANDES
Desembargador Eleitoral Relator
EXTRATO DA ATA
RECURSO ELEITORAL N. 0600286-46.2024.6.06.0022
ORIGEM: SÃO BENEDITO/CE
RELATOR: DESEMBARGADOR ELEITORAL GLÊDISON MARQUES FERNANDES
RECORRENTE: HENRIQUE PAULO SANTANA
ADVOGADO(A): RAUL LUSTOSA BITTENCOURT DE ARAÚJO - OAB CE45195-A, ÂNGELA BEATRIZ DA COSTA VETTORAZZI - OAB CE52599
RECORRIDOS: SAUL LIMA MACIEL, FRANCISCO TEIXEIRA JORGE FILHO
ADVOGADO: WILSON EMMANUEL PINTO PAIVA NETO - OAB CE23847
SUSTENTAÇÃO ORAL
Manifestaram-se, na oportunidade, os(as) advogados(as) Ângela Beatriz Vetrorazzi, pela parte recorrente, e Wilson Emmanuel Pinto Paiva Neto, pelas partes recorridas.
DECISÃO: ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, por unanimidade, em conhecer do recurso para, preliminarmente, rejeitar a alegação de ausência de dialeticidade, e no mérito, negar-lhe provimento, mantendo-se, na íntegra, a sentença que julgou improcedente a ação de investigação judicial eleitoral em desfavor de Saul Lima Maciel e Francisco Teixeira Jorge Filho., nos termos do voto do Relator. Participou da votação o desembargador eleitoral Raimundo Nonato Silva Santos, Presidente.
COMPOSIÇÃO: DESEMBARGADOR ELEITORAL RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS (PRESIDENTE), DESEMBARGADOR ELEITORAL FRANCISCO GLADYSON PONTES, DESEMBARGADOR ELEITORAL GLÊDISON MARQUES FERNANDES, DESEMBARGADOR ELEITORAL FRANCISCO ÉRICO CARVALHO SILVEIRA, DESEMBARGADOR ELEITORAL DANIEL CARVALHO CARNEIRO, DESEMBARGADOR ELEITORAL LUCIANO NUNES MAIA FREIRE, DESEMBARGADOR ELEITORAL SUBSTITUTO WILKER MACÊDO LIMA.
Procurador Regional Eleitoral: Samuel Miranda Arruda
SESSÃO DE 13.05.2025.