TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DA BAHIA
RECURSO ELEITORAL (11548) - 0600056-78.2024.6.05.0168 - Botuporã - BAHIA
RELATOR: Juiz RICARDO BORGES MARACAJÁ PEREIRA
RECORRENTE: COLIGAÇÃO POR AMOR A BOTUPORÃ [Federação BRASIL DA ESPERANÇA - FE BRASIL(PT/PC do B/PV)/PSD/Federação PSOL REDE(PSOL/REDE)] - BOTUPORÃ - BA
ADVOGADO: WALLA VIANA FONTES - OAB/SE8375-A
RECORRIDO: OTAVIANO JOAQUIM FILHO
ADVOGADO: DAVID ROLDAN VILASBOAS LAMA - OAB/BA32811-A
ADVOGADO: THIAGO CARNEIRO VILASBOAS GUTEMBERG - OAB/BA19647
ADVOGADO: ANTONIO MARCELO CRUZ BRITTO - OAB/BA14451-A
INTERESSADA: COMISSAO PROVISORIA DO PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA - PDT
INTERESSADA: COMISSAO PROVISORIA DO PARTIDO PROGRESSISTA - PP
INTERESSADO: UNIAO BRASIL - BOTUPORA - BA - MUNICIPAL
FISCAL DA LEI: PROCURADORIA REGIONAL ELEITORAL
EMENTA
Eleições 2024. Recurso. Registro de Candidatura. Vice-Prefeito. Deferimento. Inelegibilidade Inteligência do art. 1º, inciso I, alínea ‘g’, da Lei nº 64/1990. Rejeição de contas pela Câmara Municipal. Inobservância reiterada do limite de gastos com pessoal estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal. Dolo específico caracterizado. Provimento.
1. Cuida-se de recurso interposto contra decisão que deferiu requerimento registro de candidatura ao cargo de vice-prefeito.
2. Verificada a rejeição de contas pela Câmara Municipal e havendo a reiteração no descumprimento do índice de gastos com pessoal apontados nos Pareceres Prévios do Tribunal de Contas dos Municípios, resta evidenciado o dolo específico necessário ao enquadramento do caso à hipótese prevista no art. 1º, inciso I, alínea ‘g’, da Lei nº 64/1990.
3. Recurso a que se dá provimento.
ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, por maioria, vencidos a Relatora, o Desembargador Eleitoral Moacyr Pitta Lima Filho e o Presidente, DAR PROVIMENTO AO RECURSO PARA INDEFERIR O PEDIDO DE REGISTRO DE CANDIDATURA, nos termos do voto do Desembargador Eleitoral Ricardo Borges Maracajá Pereira, designado para lavrar o acórdão.
Sala das Sessões do TRE da Bahia, 04/10/2024
Des(a). Eleitoral RICARDO BORGES MARACAJÁ PEREIRA
EMENTA
Eleições 2024. Recurso. Registro de Candidatura. Vice-Prefeito. Deferimento. Inelegibilidade Inteligência do art. 1º, inciso I, alínea ‘g’, da Lei nº 64/1990. Rejeição de contas pela Câmara Municipal. Inobservância reiterada do limite de gastos com pessoal estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal. Dolo específico caracterizado. Provimento.
1. Cuida-se de recurso interposto contra decisão que deferiu requerimento registro de candidatura ao cargo de vice-prefeito.
2. Verificada a rejeição de contas pela Câmara Municipal e havendo a reiteração no descumprimento do índice de gastos com pessoal apontados nos Pareceres Prévios do Tribunal de Contas dos Municípios, resta evidenciado o dolo específico necessário ao enquadramento do caso à hipótese prevista no art. 1º, inciso I, alínea ‘g’, da Lei nº 64/1990.
3. Recurso a que se dá provimento.
RELATÓRIO
Trata-se de recurso eleitoral interposto por Coligação POR AMOR A BOTUPORÃ contra a sentença proferida pelo Juízo Eleitoral da 168ª Zona, que, julgando improcedente o pedido formulado pela recorrente, deferiu o registro de candidatura de Otaviano Joaquim Filho para o cargo de vice-prefeito do Município de Botuporã, por considerar não incidente a causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/1990.
E suas razões (Id. 50220838), o recorrente alega que (i) encontram-se presentes todos os elementos do tipo previsto no art. 1º, I, g, da LC nº 64/1990; (ii) não incide ao caso o § 4º-A do art. 1º da LC nº 64/1990, por força do tema de repercussão geral nº 1304 do STF; (iii) a Comissão de Finanças, Orçamento e Contas da Câmara Municipal reconheceu a prática de irregularidades insanáveis; (iv) encontra-se configurado o dolo específico.
Por tais razões, pugna pelo provimento do recurso para, julgando procedente o pedido formulado na AIRC, indeferir o requerimento de registro de candidatura do recorrido. Requer, ainda, “i) a expedição de ofício ao Conselho Nacional de Justiça para apuração de descumprimento, pelo Juízo da 168ª Zona Eleitoral – Igaporã, a precedente vinculante firmado em sede de repercussão geral, com fixação de tese, pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, apreciando o tema 1.304. (ii) a expedição de ofício ao Conselho Nacional do Ministério Público para apuração de descumprimento, pela Promotoria de Justiça Estadual em atuação Eleitoral perante a 168ª Zona Eleitoral – Igaporã, registrada no id. 124797243, a precedente vinculante firmado em sede de repercussão geral, com fixação de tese, pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, apreciando o tema 1.304”.
Em sede de contrarrazões, o recorrido refuta as razões recursais e pugna pelo desprovimento do recurso.
A Procuradoria Regional Eleitoral adotou a linha do entendimento exposta pela Promotoria Eleitoral, opinando pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL
GABINETE DO JUIZ MAÍZIA SEAL CARVALHO
| REFERÊNCIA-TSE | : 0600056-78.2024.6.05.0168 |
| PROCEDÊNCIA | : Botuporã - BAHIA |
| RELATOR | : MAÍZIA SEAL CARVALHO |
RECORRENTE: COLIGAÇÃO POR AMOR A BOTUPORÃ [FEDERAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA - FE BRASIL(PT/PC DO B/PV)/PSD/FEDERAÇÃO PSOL REDE(PSOL/REDE)] - BOTUPORÃ - BA
RECORRIDO: OTAVIANO JOAQUIM FILHO
INTERESSADA: COMISSAO PROVISORIA DO PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA - PDT, COMISSAO PROVISORIA DO PARTIDO PROGRESSISTA - PP
INTERESSADO: UNIAO BRASIL - BOTUPORA - BA - MUNICIPAL
REFERÊNCIA-TRE :
VOTO
O caso é de desprovimento do recurso.
Com efeito, o recurso versa acerca da incidência ou não da inelegibilidade de que trata o art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90, em razão da decisão da Câmara de Vereadores, que deliberou pela rejeição das contas do recorrente relativas ao exercício financeiro de 2015, enquanto Prefeito do Município de Botuporã.
Reza o apontado dispositivo legal:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
[...]
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;
Antes, contudo, de adentrar ao exame da matéria posta a acertamento, vale o registro de que, pelo princípio da congruência, cabe à parte autora delimitar o objeto da demanda, indicando o fato constitutivo do direito e o que postula.
No caso em julgamento, o recorrente, na petição inicial da AIRC (Id. 50220784), imputou ao recorrido a pecha de inelegível em razão da rejeição das suas contas de gestão pela Câmara de Vereadores, referentes ao exercício de 2015. E foi sobre estes fatos e os respectivos documentos que o recorrido se defendeu.
Revela-se incabível, portanto, que, apenas em tribuna, o recorrente amplie a causa de pedir da demanda, para incluir novos fatos que não foram submetidos ao crivo do contraditório e da ampla defesa do recorrido.
Assim, as razões de decidir a seguir delineadas limitar-se-ão à causa de pedir deduzida pelo recorrente na petição inicial da AIRC.
Pois bem, como cediço, nem toda desaprovação de contas enseja a causa de inelegibilidade prevista na aludida norma, mas somente aquelas que preenchem os seguintes requisitos cumulativos: “‘(a) existência de prestação de contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas; (b) julgamento e rejeição ou desaprovação; (c) detecção de irregularidade insanável; (d) que essa irregularidade represente ato doloso de improbidade administrativa; (e) decisão irrecorrível no âmbito administrativo emanada do órgão competente para julgar contas; e (f) inexistência de suspensão ou anulação da condenação pelo Poder Judiciário’ (AgR–REspEl 0600291–91, rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE de 6.8.2021).”
Primeiramente, não há notícia nos autos de que os efeitos do Decreto Legislativo nº 001/2017 (Id. 50220804) tenham sido suspensos por decisão judicial.
No mais, em se tratando de contas de Prefeito, é da Câmara Municipal a competência para apreciá-las, a partir de parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas, consoante o julgamento do STF no RE 848.826. Nesse sentido, tem-se entendimento jurisprudencial consolidado, senão vejamos:
ELEIÇÕES 2020. RECURSOS ESPECIAIS. PREFEITO ELEITO. REGISTRO DEFERIDO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPUTAÇÃO DA HIPÓTESE DE INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, G, DA LC Nº 64/1990. REJEIÇÃO DE CONTAS PELO TCE. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. AUSÊNCIA DE ENVOLVIMENTO DE RECURSOS ESTADUAIS OU FEDERAIS. COMPETÊNCIA DA CÂMARA MUNICIPAL PARA O JULGAMENTO DAS CONTAS. JURISPRUDÊNCIA DO TSE. NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS ESPECIAIS. (...).3. Conforme a jurisprudência do TSE, "[...] a Câmara Municipal, e não a Corte de Contas, é o órgão investido de competência constitucional para processar e julgar as contas do chefe do Executivo, sejam elas de governo ou de gestão, ante o reconhecimento da existência de unicidade nesse regime de contas prestadas, ex vi dos arts. 31, § 2º, 71, I, e 75, todos da Constituição (Precedente: STF, RE nº 848.826, repercussão geral)" (AgR-REspe nº 135-22/SP, rel. Min. Luiz Fux, julgado em 21.2.2017, DJe de 6.4.2017). (...).6. Negado provimento aos recursos especiais.
(Recurso Especial Eleitoral nº060007278, Acórdão, Min. Mauro Campbell Marques, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 14/12/2020) (grifei).
Embora não se descure que as contas de gestão do Chefe do Poder Executivo Municipal devem ser julgadas pela Câmara de Vereadores, o certo é que não se pode desconsiderar que o parecer prévio do TCM (Id. 50220801) não apontou a existência de irregularidade insanável que configure a prática de atos dolosos de improbidade administrativa.
No entanto, no Parecer Técnico emitido pela Comissão de Finanças, Orçamentos e Contas da Câmara Municipal de Botuporã (Id. 50220804), a conclusão a que chegou o Relator, foi a de que foram “verificadas irregularidades insanáveis que configuram ato doloso de improbidade administrativa”.
A respeito do dolo, verifica-se que não mais se limita à aferição do dolo genérico, fazendo-se necessário, atualmente, a perquirição do dolo específico na prática da conduta, nos termos da pacificada jurisprudência do TSE, in verbis:
ELEIÇÕES 2022. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL. IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO FEDERAL. CONTAS DE PREFEITO JULGADAS IRREGULARES. CÂMARA MUNICIPAL. ÓRGÃO COMPETENTE. IMPUTAÇÃO DE DÉBITO. ART. 1º, § 4º-A, DA LEI COMPLR 64/1990. SÚMULA 41/TSE. DESCUMPRIMENTO DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PATRONAIS. AUSÊNCIA DE REPASSE DAS CONTRIBUIÇÕES DESCONTADAS DOS SEGURADOS. FALTA DE QUITAÇÃO DE PARCELAMENTO DE DÉBITOS. EMISSÃO DE ALERTAS. INÉRCIA DO GESTOR. PRESENÇA DE DOLO ESPECÍFICO. IRREGULARIDADE INSANÁVEL. CONFIGURAÇÃO DA INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, G, DA LEI COMPLEMENTAR 64/1990. AGRAVO DESPROVIDO.1. Consoante dispõe o art. 1º, I, g, da Lei Complementar 64/1990, são inelegíveis "os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão".2. Na espécie, o registro do candidato foi indeferido em razão de, na qualidade de prefeito do Município de Bananeiras/PB, ter tido suas contas julgadas irregulares pela Câmara Municipal, com aplicação de multa e imputação de débito.3. Nos termos do § 4º-A do art. 1º da Lei Complementar 64/1990, "a inelegibilidade prevista na alínea 'g' do inciso I do caput deste artigo não se aplica aos responsáveis que tenham tido suas contas julgadas irregulares sem imputação de débito e sancionados exclusivamente com o pagamento de multa".4. Compete à Câmara Municipal o julgamento das contas de exercício e de gestão do prefeito, sendo o parecer técnico emitido pela Corte de Contas meramente opinativo.5. As inelegibilidades que decorrem de decisões proferidas em outros processos não podem ser revistas em sede de registro de candidatura, conforme óbice da Súmula 41/TSE.6. Na linha do que foi decidido por esta Corte, a nova redação da Lei de Improbidade Administrativa exige a presença do dolo específico para a configuração do ato de improbidade administrativa previsto no art. 1º, I, g, da Lei Complementar 64/1990.7. A inércia do gestor em reduzir o déficit público, apesar da emissão de alertas da Corte de Contas, evidencia o descumprimento deliberado de suas obrigações legais, consubstanciando ato doloso específico.8. Conforme a jurisprudência deste Tribunal Superior, a ocorrência de déficit de execução financeira e orçamentária é irregularidade insanável apto a configurar ato de improbidade administrativa. Precedentes.9. Agravo interno a que se nega provimento.
(Agravo Regimental no Recurso Ordinário Eleitoral nº060032968, Acórdão, Min. Ricardo Lewandowski, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 25/04/2023) (grifei).
E no caso dos autos, o exame do parecer prévio do TCM evidencia que a irregularidade que ensejou a condenação do recorrido ao pagamento de multa refere-se à “extrapolação e aumento continuado do limite das despesas com pessoal, em flagrante desrespeito ao estabelecido pelo art. 20, III, alínea “b” da Lei de Responsabilidade Fiscal”.
Neste caso, embora o TCM tenha consignado que o aumento do limite com gastos com pessoal tenha sido continuado, o certo é que a caracterização do dolo específico exige a comprovação do fim de obter proveito ou benefício indevido na ação ou omissão do agente público.
Ora, por mais que a conduta praticada pelo recorrido tenha sido crescente, mesmo assim não se pode perder de vista que não restou comprovado o enriquecimento ilícito de terceiros.
Vale o registro que essa Corte, julgando caso análogo em 30/09/2024, decidiu, por maioria, que:
Agravo. Recurso. Registro de candidatura. Candidato ao cargo de prefeito. Impugnação. Contas de gestão. Exercício 2018. Rejeição pela Casa Legislativa. Órgão competente. Art. 1º, I, “g”, da LC nº 64/90. Requisitos cumulativos. Não caracterização. Causa de inelegibilidade não configurada. Improcedência da impugnação. Reforma da sentença. Provimento.
Não obstante a rejeição das contas de gestão do recorrido, pela Câmara Legislativa, considerando que as irregularidades detectadas não apontam para hipótese de ato doloso de improbidade administrativa, à luz da Lei nº 8.429/1992 alterada pela Lei nº 14.230/2021, não há que se falar em causa de inelegibilidade prevista pelo art. 1º, I, “g”, da LC nº 64/90.
Agravo provido, para reformar a decisão e deferir o pedido de registro de candidatura em comento.
(Agravo interno no recurso eleitoral nº 0600141-35.2024.6.05.0113, rel. designado Moacyr Pitta Lima Filho, PSSS 30/09/2024).
A Corte baiana também decidiu caso similar, da relatoria do Des. Eleitoral Maurício Kertzman Szporer, em cuja oportunidade assentou que:
Eleições 2024. Direito Eleitoral. Recurso Eleitoral. Requerimento de registro de candidatura. Impugnação. Indeferimento do pedido de registro. Desaprovação de contas pela Câmara Municipal. Parecer prévio do TCM pela rejeição das contas com imputação de multa. Improbidade administrativa. Não demonstração de dolo específico. Reforma da sentença. Provimento do recurso.
1. Não demonstrado o dolo específico necessário à caracterização de ato de improbidade (Lei nº 8.429/1992 alterada pela Lei nº 14.230/2021), impõe-se o provimento do recurso.
2. Compete à Justiça Eleitoral decidir acerca dos reflexos eleitorais de decisão administrativa que desaprova contas do Executivo. Cabe à Justiça verificar a satisfação do conjunto de pressupostos reputados indispensáveis para que uma conduta objeto de apuração administrativa produza efeitos no campo eleitoral, máxime quando se está diante de uma causa de inelegibilidade ou de uma condição de elegibilidade.
3. A configuração de conduta ilícita, apta a justificar a aplicação de sanções em outras esferas jurídicas, não importa em incidência automática da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/1990.
4. A jurisprudência do TSE exige a satisfação de requisitos cumulativos para o reconhecimento de causa de inelegibilidade.
5. Atentando-se para a inovação do ordenamento jurídico brasileiro após alterações na Lei de Improbidade Administrativa, não foi demonstrado o dolo específico do ex-gestor público.
6. Impõe-se a reforma da sentença que indeferiu o requerimento de registro de candidatura do recorrido.
7. Recurso a que se dá provimento para julgar improcedente a impugnação e deferir o pedido de registro.
(RECURSO ELEITORAL nº060046222, Acórdão, Des. MAURICIO KERTZMAN SZPORER, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 16/09/2024) (grifei)
Como já dito anteriormente, a irregularidade principal que motivou a desaprovação das contas do recorrido foi a extrapolação do limite fixado pela Lei de Responsabilidade Fiscal para o custeio de despesas com pessoal. Neste particular, o TCM pontuou que o gestor não adotou ações efetivas para a redução dos gastos em tela, “ficando patenteado que a administração continuou descumprindo ao limite estabelecido pelo art. 20, III, alínea “b” da Lei de Responsabilidade Fiscal” (Id. 50220801).
A tese de defesa apresentada pelo recorrido perante a Corte de Contas trilhou a linha de que “a redução com gastos de pessoal além do realizados pela municipalidade, confrontaria com o princípio da continuidade dos serviços públicos, podendo paralisar atividades essenciais desenvolvidas, a exemplo dos oferecidos na área de educação e saúde, em franco prejuízo ao interesse público e coletivo” (Id. 50220801).
Diante deste contexto, percebe-se, pois, a inexistência de referências a uma possível intenção deliberada do recorrido de enriquecer ilicitamente, de causar prejuízo ao Erário ou de atentar contra princípios da Administração Pública, condutas típicas previstas na Lei de Improbidade Administrativa, evidenciando mais o descompromisso com a coisa pública e a má gestão do recorrido.
Deve-se ter em mente que a intenção do legislador, ao editar a Lei nº 14.230/2021, que alterou a Lei nº 8.429/1992, foi adotar o critério da aferição do dolo específico, que não se comprova meramente pela configuração da gravidade da conduta, mas, sim, pela comprovação, como já dito acima, do ânimo de lesar o Erário e malversar deliberadamente a coisa pública, o que não evidenciei, tendo em vista as razões apresentadas pelo recorrido perante a Corte de Contas.
Por fim, quanto à alegação de incidência da norma contida no art. 1º, § 4º-A, da LC nº 64/1990, cumpre transcrever o enunciado do dispositivo:
Art. 1° (...)
§ 4º-A. A inelegibilidade prevista na alínea “g” do inciso I do caput deste artigo não se aplica aos responsáveis que tenham tido suas contas julgadas irregulares sem imputação de débito e sancionados exclusivamente com o pagamento de multa.
Sucede que o STF, julgando o tema de repercussão geral 1.304, fixou a seguinte tese: “É correta a interpretação conforme à Constituição no sentido de que o disposto no § 4º-A do art. 1º da LC 64/90 aplica-se apenas aos casos de julgamento de gestores públicos pelos Tribunais de Contas”.
Dessa forma, se a rejeição das contas do recorrente foi efetuada pela Câmara de Vereadores, não há que se falar em incidência do § 4º-A do art. 1º da LC nº 64/1990.
À vista dessas considerações, a conclusão a que se chega é a de que não restou comprovada a incidência da causa de inelegibilidade prevista no artigo 1º, I, g, da LC nº 64/1990 à espécie, por ausência de dolo específico na prática da irregularidade que ensejou a rejeição das contas do recorrido relativas ao exercício de 2017 pela Câmara de Vereadores, estando o recorrido, por conseguinte, apto a participar do pleito de 2024.
Por fim, quantos aos pedidos formulados pela recorrente de expedição de ofício ao CNMP e ao CNJ, entendo-os incabíveis, pois a eventual inobservância, por magistrados e promotores, de tese de repercussão geral não constitui falta funcional, devendo a parte, no caso, insurgir-se por meio dos instrumentos processuais cabíveis.
Pelo exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso, para, julgando improcedente o pedido formulado na AIRC, deferir o pedido de registro de candidatura do recorrido para o cargo de vice-prefeito.
É como voto.
JUSTIÇA ELEITORAL
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DA BAHIA
VOTO ESCRITO
Trata-se de recurso eleitoral interposto por Coligação POR AMOR A BOTUPORÃ [Federação BRASIL DA ESPERANÇA – FÉ BRASIL (PT / PC do B / PV) / PSD / Federação PSOL-REDE (PSOL / REDE)], contra sentença exarada pelo juízo da 168ª Zona Eleitoral, que julgou improcedente pedido de impugnação por ela formulado e deferiu o registro do candidato ao cargo de vice-Prefeito.
Após o voto da Relatora, Desª. Maízia Seal Carvalho, no sentido de negar provimento ao recurso e manter a sentença que deferiu o registro de Otaviano Joaquim Filho, pedi vista dos autos, para melhor analisar o feito.
Do quanto examinado, convenço-me de que assiste razão ao Recorrente.
No mérito, o caso é de provimento do recurso.
Inicialmente, discute-se a configuração da hipótese de inelegibilidade constante do art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90, em razão do Recorrente ter tido as contas referentes ao exercício financeiro de 2015 rejeitadas pela Câmara Municipal de Botuporã.
A decisão foi tomada com esteio no Parecer Prévio do Tribunal de Contas dos Municípios, que opinara pela rejeição das contas, bem como do parecer emitido pela Comissão de Finanças e Orçamento, que também se manifestara no mesmo sentido em face de “ocorrência de irregularidades insanáveis que configuram ato doloso de improbidade administrativa”.
Com efeito, consoante entendimento assentado pelo Tribunal Superior Eleitoral, “[...] A inelegibilidade prevista no art. 1, I, g, da LC nº 64/1990 não incide em todo e qualquer caso de rejeição de contas públicas, sendo exigível o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (i) rejeição das contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas; (ii) decisão do órgão competente que seja irrecorrível no âmbito administrativo; (iii) desaprovação decorrente de (a) irregularidade insanável que configure (b) ato de improbidade administrativa, (c) praticado na modalidade dolosa; (iv) não exaurimento do prazo de oito anos contados da publicação da decisão; e (v) decisão não suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário. [...]” (Ac. de 11.3.2021 no AgR-REspEl nº 060021263, rel. Min. Luis Roberto Barroso).
In casu, a decisão da Casa Legislativa mantém-se válida, em que pese o ajuizamento do processo nº 8000469-69.2024.8.05.0254. Embora Otaviano Joaquim Filho tenha requerido tutela de urgência a fim de suspender os efeitos do decreto legislativo, o pedido foi indeferido.
Para além disso, constata-se que o ex-Prefeito descumpriu, por 6 (seis) anos seguidos, em todos os quadrimestres de 2014 a 2016, o quanto disposto no art. 20, III, alínea “b” da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), ultrapassando o limite de 54% da receita corrente líquida em, no mínimo, 6,12% (1º quadrimestre de 2014).
Ademais, os Pareceres Prévios do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia referentes aos anos de 2015, 2017, 2018 e 2019 opinaram pela rejeição das contas da Prefeitura Municipal de Botuporã.
Constata-se, portanto, evidente reiteração da conduta por parte do ex-Gestor.
Na oportunidade, cumpre fazer a distinção deste feito com o julgamento do REl nº 0600462-22.2024.6.05.0032, de relatoria do Des. Maurício Kertzman Szporer.
Isso porque lá, não obstante terem sido reprovadas as contas de dois exercícios, no segundo, ao ultrapassar em cerca de 1% apenas o limite estabelecido na LRF, houve uma demonstração, por parte do pretenso candidato, de que, ao menos, se tentou atingir os 54%.
Aqui, entretanto, não obstante ter havido apenas uma (1) rejeição das contas de 2015 pela Câmara, os Pareceres Prévios do TCM revelaram a reiteração do desrespeito à aludida Lei por dezoito (18) quadrimestres seguidos, evidenciando, dessa forma, descaso com a legislação de regência.
O e. TSE já se manifestou sobre o tema:
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO. REGISTRO DE CANDIDATURA. INELEGIBILIDADE. REJEIÇÃO DE CONTAS PÚBLICAS. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. EVENTO CLIMÁTICO SEVERO. DÉFICIT. SANEAMENTO. EXERCÍCIO SUBSEQUENTE. MÁ-FÉ. AUSÊNCIA. NEGATIVA DE PROVIMENTO.
1. No decisum monocrático, deu-se provimento ao recurso especial para deferir o registro de candidatura do ora agravado, vencedor do pleito majoritário de Santa Bárbara do Sul/RS nas Eleições 2020.
2. Consoante o art. 1º, I, g, da LC 64/90, são inelegíveis "os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes [...]".
3. Ao interpretar tal dispositivo, esta Corte Superior fixou o entendimento de que nem toda conta desaprovada gera a referida causa de inelegibilidade. Com efeito, cabe à Justiça Eleitoral verificar a presença de elementos mínimos que revelem má-fé, desvio de recursos (em benefício próprio ou de terceiros), dano ao erário, nota de improbidade ou grave afronta a princípios, isto é, circunstâncias que evidenciem lesão dolosa ao patrimônio público ou prejuízo à gestão da coisa pública. Precedentes.
[...]
(TSE. Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 060007714, Acórdão, Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 16/10/2023).
Ante o exposto, pedindo vênia à eminente Relatora, voto no sentido de dar provimento ao recurso, para reformar a sentença de origem e indeferir o registro de candidatura de Otaviano Joaquim Filho.
É como voto.
RICARDO BORGES MARACAJÁ PEREIRA
VISTOR