PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO AMAZONAS
GABINETE DO DESEMBARGADOR ELEITORAL KON TSIH WANG
MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) nº. 0600157-69.2021.6.04.0000
IMPETRANTE: ESTADO DO AMAZONAS
Advogado do(a) IMPETRANTE: GIORDANO BRUNO COSTA DA CRUZ - AMA761
IMPETRADO: JUÍZO DA 8ª ZONA ELEITORAL DE COARI
LITISCONSORTE: MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL/AM
Relator: DESEMBARGADOR ELEITORAL KON TSIH WANG
DECISÃO
Trata-se de Mandado de Segurança, com tutela provisória de urgência liminar, impetrado pelo Estado do Amazonas tendo como impetrada MM. Juíza Eleitoral da 8ª Zona Eleitoral, no Município de Coari, e como litisconsorte o Ministério Público Eleitoral que, com fundamento no artigo 73, § 10 da Lei 9.504/97, determinou a apreensão de cartões do Auxílio Estadual, documentos referentes à CNH, do programa Detran Cidadão e outras benesses, como ranchos, bem como outros elementos probatórios, inclusive materiais que eventualmente se encontrem no interior de aeronaves e embarcações a Serviço do Governo do Estado do Amazonas, para fins de estritamente impedir a distribuição de benefícios nas véspera das eleições.
Aduz o impetrante que a distribuição de Cartões do Auxílio Estadual e CNH social, bem como a entrega de vários outros benefícios na cidade de Coari fazem parte de programas sociais que contemplam todos os municípios do Estado do Amazonas.
É o relatório.
Decido.
Com efeito, dispõe o artigo 73, §10 da Lei 9.504/97 que:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
(...)
§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.
Analisando os fundamentos trazidos à baila bem como os documentos juntados aos autos, em juízo de cognição súmaria, ressalte-se, em virtude da urgência, parece ter razão o Impetrante, ora Estado do Amazonas, já que:
a) não pode haver interpretação ampliativa de norma restritiva, como é o caso dos arts. 73 a 78 da Lei 9.504/97;
b) a conduta vedada pelo art. 73, § 10 da Lei 9.504/97 restringe-se à circunscrição de Coari e à administração pública municipal;
c) art. 73, § 10, da Lei 9.504/99 comporta exceções descritas no próprio dispositivo, dentre elas a distribuição gratuita de bens em casos de emergência ou de calamidade pública. Há existência de Estado de Calamidade Pública no Estado do Amazonas, devidamente reconhecida pela Assembleia Legislativa pelo prazo de 90 dias a contar de 27 de setembro de 2021, conforme Decreto Legislativo nº 981 de 20 de outubro de 2021;
d) persiste, ainda outra exceção constante no art 73 § 10 da Lei 9.504/97: os programas sociais instituídos por lei, elaborados antes da data definida para a eleição complementar de Coari seus beneficiários são escolhidos pro critérios objetivos e públicos (Leis estaduais 5688/21, 5689/21 e 5.665/21);
O programa, nas razões externadas foram devidamente criados por meio de lei em sentido estrito. Apoiando-se na expressão máxima possível, da vontade popular, como se encaixa perfeitamente nas explicações do professor Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias:
“Somente é direito o que como tal for produzido pelo órgão legislativo do Estado, composto de representantes eleitos pelo povo, tudo sob expressa autorização constitucional e pelo processo legislativo previsto constitucionalmente, sendo esta a estrutura de legitimação democrática do Estado de Direito, não podendo o órgão jurisdicional ignorá-la, a fim de exercer função lúdica no processo…” (DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho in Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito. p. 170/171, 4ª Edição, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2018)
Ademais, os direitos sociais, tal como os individuais, são direitos fundamentais, e estão ligados a direitos mínimos que garantem o bem-estar e a qualidade de vida do indivíduo. Eles não se dissociam dos direitos da personalidade como forma de assegurar a dignidade da pessoa humana e tem proteção constitucional, estampada no art. 6º da Constituição Federal, em virtude de se tratarem de consequências lógicas do Estado Democrático de Direito. Não é outro senão o raciocínio dos professores Mário Lúcio Quintão Soares e Lucas de Alvarenga Gontijo, respectivamente, vejamos:
“… regime democrático deve propiciar oportunidades para todos, em uma conquista cotidiana…” (SOARES, Mário Lúcio Quintão in Teoria do Estado: Novos paradigmas em face da globalização, p. 207, 5ª Edição, Arraes Editores, Belo Horizonte, 2017)
“O Estado Democrático de Direito principia quando políticas públicas passam a garantir meios para que todo e qualquer indivíduo ou grupo social possa ter condições materiais de reconhecimento e, desta forma, se torne um agente ativo, participante das leis que desse Estado emanam. De maneira que, o primeiro dever de um Estado que se pretende democrático de direitos é garantir condições de inserção, integração e respeitabilidade para seus cidadãos…” (GONTIJO, Lucas de Alvarenga in Filosofia do Direito, p. 296, 2ª Edição, Editora D’Plácido, Belo Horizonte, 2019)
Não por menos, salvo melhor juízo, a decisão que agora se externada é a que melhor se adequa ao caso em concreto a fim de efetivar para grande parte da população do município de Coari, benefício a ser recebido, como bem dito nas lições do professor Wendelson Pereira Pessoa:
“O ativismo deve se ater à concretização de direitos fundamentais…” (PESSOA, Wendelson Pereira in Tutela jurisdicional da autonomia existencial: judicialização ou ativismo? Reforma do Estado e Direitos Fundamentais, p. 138, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 2020)
Ante ao exposto, defiro a liminar para suspender integralmente os efeitos do ato coator (ID Nº 100289979 dos autos 0600175-66.2021.6.04.0008) até o julgamento de mérito do presente writ, servindo a própria decisão como mandado para seu pronto e necessário cumprimento, para que possa ocorrer a execução de programas sociais estaduais, e me utilizando do poder geral de cautela, com o acompanhamento da Justiça Eleitoral, Ministério Público Eleitoral se assim o desejar, e dos agentes estaduais, excluindo-se os agente municipais, com a determinação expressa da não vinculação a qualquer campanha política que ocorre naquele município, inclusive vestuário que contenham slogans ou referências a grupo político.
À Secretaria Judiciária, para que se notifique a autoridade coatora para que dê cumprimento à decisão e apresente informações ao processo, nos termos do art. 7º, inciso I, da Lei n. 12.016/2009; em seguida, vista ao Ministério Público Eleitoral.
Por fim, e em homenagem ao princípio da colegialidade, encaminhe-se os presentes autos com urgência à Secretaria Judiciária para que inclua o presente processo na pauta da próxima sessão ordinária para apreciação e referendo do Plenário da Corte.
Manaus, data da assinatura digital.
DESEMBARGADOR ELEITORAL KON TSIH WANG