Autos nº 0600027-23.2024.6.26.0110

 

 

    Meritíssimo Juiz:

 

 

 

                                          O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, por sua representante abaixo assinada, com fundamento na Resolução nº23.609/2019, reitera os termos da ação de impugnação de registro de candidatura proposta em face de PAULO MARCOS GUEDES, nome de urna PAULO GUEDES (nº11000), pelos fatos e fundamentos já apontados.


                                   Como anteriormente já deduzido, é impossível o deferimento do registro de candidatura do impugnado, já que, conforme os documentos anteriormente juntados, ele se enquadra na hipótese prevista n a causa de inelegibilidade do art. 1º, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar nº 64/90, já que foi ele foi condenado por ) já que foi condenado à suspensão dos direitos políticos, em decisão proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importou em enriquecimento ilícito, com pena ainda não cumprida.


 Como já frisado, o impugnado foi condenado por ato de improbidade administrativa na ação civil nº 1000630-08.2016.8.26.0510 pela prática ilegal conhecida como rachadinha, realizada pelo impugnado enquanto Vereador da Câmara Municipal de Rio Claro.


 A sentença condenatória  condenou-o “à suspensão dos direitos políticos por quatro anos; ao pagamento de multa civil equivalente a quarenta vezes a remuneração percebida na época dos fatos pelo vereador, para cada um; à perda da função pública que exercerem quando do trânsito em julgado da sentença; à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais pelo prazo de três anos, além do pagamento das despesas e custas processuais” foi parcialmente confirmada em acórdão, com julgamento realizado em 30 de outubro de 2019, pela 12ª Câmara de Direito Público, proferido sob a seguinte ementa:


 IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Vereador e assessor informal que ficava com parte dos vencimentos de servidoras comissionadas de então. Responsabilidade criminal e por ato de improbidade administrativa que não implica “bis in idem”. Esferas distintas. Autonomia entre as instâncias, por isso sem necessidade de aguardar pelo trânsito em julgado na instância criminal. Não obstante, o processo ficou suspenso até a prolação da sentença no processo criminal, não se justificando que permanecesse suspenso por mais tempo. Código de Processo Civil atual, artigo 315. Uma vez que os réus tiveram oportunidade de acompanhar a oitiva de testemunhas no processo criminal, a tomada dos seus depoimentos como prova emprestada dispensava nova oitiva dessas mesmas testemunhas, sendo válido o seu indeferimento. Réus que agiram com vontade consciente de exigir e receber parte dos vencimentos da ex-assessora e da ex-chefe de gabinete para acrescer às suas próprias remunerações e para quitação de dívidas pessoais de campanha. Conduta que viola princípios da Administração Pública. Mantidas as penas cumuladas da Lei 8429/1992, artigo 12, inciso III, sendo reduzido apenas o valor das multas civis impostas, à luz dos princípios da proporcionalidade e da individualização das penalidades. Lei 8429, artigo 12, parágrafo único. Sem alteração da sucumbência em razão de ter o autor decaído departe mínima do pedido. Código de Processo Civil atual, artigo86, parágrafo único. Demanda procedente. Recursos parcialmente providos, apenas para reduzir a multa civil para ambos os réus e conceder o benefício da gratuidade a N.A. D.S.


 Portanto, mantida a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 4 anos e reconhecendo expressamente a prática de rachadinha e o enriquecimento ilícito ao afirmar expressamente “Réus que agiram com vontade consciente de exigir e receber parte dos vencimentos da ex-assessora e da ex-chefe de gabinete para acrescer às suas próprias remunerações(...)”.


 Como já dito anteriormente, o acórdão apenas não transitou em julgado diante dos sucessivos recursos interpostos pelo impugnado, sem efeito suspensivo – o que em nada influencia na análise da causa de inelegibilidade em tela, já que, para tanto, basta decisão proferida por órgão judicial colegiado.


 A alegação de deferimento anterior da candidatura não importa já que NÃO HÁ DIREITO ADQUIRIDO em matéria de registro de candidatura eleitoral.


 Neste sentido, vem decidindo constantemente o TSE:

 

 AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2022. REGISTRO DE CANDIDATURA INDEFERIDO NA ORIGEM. ENCERRAMENTO DAS ELEIÇÕES. PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE RECURSAL. CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE. AFERIÇÃO A CADA ELEIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE COISA JULGADA OU DIREITO ADQUIRIDO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.1. Encerrado o pleito, não mais subsiste o interesse do candidato em alterar o nome de urna, o que afasta a necessidade e a utilidade do processo, conduzindo à perda superveniente do interesse recursal.2. É firme a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que as causas de inelegibilidade e as condições de elegibilidade devem ser aferidas a cada eleição, sem que se possa falar em coisa julgada e direito adquirido. Precedentes.3. Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº060055562, Acórdão, Min. Cármen Lúcia, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 19/12/2022 – destaque não original.)

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. INDEFERIMENTO. REJEIÇÃO DE CONTAS PELO TCE/RJ. AFERIÇÃO DAS CAUSAS DE INELEGIBILIDADE A CADA ELEIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE COISA JULGADA OU DIREITO ADQUIRIDO. PRECEDENTES. DESCUMPRIMENTO DOS ARTS. 1º E 42 DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL. EMISSÃO DE ALERTA, PELA CORTE DE CONTAS, NO EXERCÍCIO ANTERIOR. INÉRCIA DO GESTOR. CONFIGURAÇÃO DE ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INSANABILIDADE. HIPÓTESE DE INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, "g", DA LC Nº 64/1990. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO.

1- A decisão proferida em ação de impugnação ao registro de candidatura, afastando a incidência de inelegibilidade, tem eficácia restrita àquele pleito e não produz os efeitos exógenos da coisa julgada para eleições posteriores. Precedentes.

2- (...)

6- Agravo regimental a que se nega provimento.

Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº060076992, Acórdão, Min. Edson Fachin, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 19/12/2018 – destaque não original

 

A questão é apenas saber se o enriquecimento ilícito precisaria estar expresso na condenação por improbidade administrativa ou basta seu reconhecimento pela Justiça Eleitoral. Nesse sentido o TSE, ao enfrentar o tema, já apontou sobre a possiblidade de reconhecimento do enriquecimento ilícito pela Justiça Eleitoral, salientando a ausência de direito adquirido:

 

ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO. CAUSA DE INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, L, DA LC Nº 64/1990. SUSTENTAÇÃO ORAL EM JULGAMENTO DE AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. ERROS MATERIAIS. IRRELEVÂNCIA PARA O DESLINDE DA CAUSA. DECISÃO DE ÓRGÃO JUDICIAL COLEGIADO. DESNECESSIDADE DE DECISÃO MERITÓRIA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NÃO PREVISTO NO DECRETO CONDENATÓRIO DA JUSTIÇA COMUM. RECONHECIMENTO PELA JUSTIÇA ELEITORAL. AUSÊNCIA DE INELEGIBILIDADE ETERNA. REGISTRO DE CANDIDATURA. AUSÊNCIA DE COISA JULGADA. POSSIBILIDADE DE NOVA AVALIAÇÃO NA ELEIÇÃO SEGUINTE. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DE TERCEIROS. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA À AMPLA DEFESA. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO JULGADO. REJEIÇÃO. 1. Na linha da jurisprudência desta Corte, não há sustentação oral em agravo regimental por ausência de previsão legal. Precedentes. No caso concreto, houve expressa manifestação da Corte, negando fundamentadamente o pedido de sustentação oral em Plenário.2. Não é possível afirmar que a expressão "nos termos do voto do Min. Og Fernandes" constitua erro material, porque não se afirmou que a totalidade do voto-vista foi seguida pela Corte, mas apenas que a conclusão do voto-vista representou o posicionamento da maioria dos ministros votantes. Ademais, a parte do voto-vista que não prevaleceu é irrelevante para o deslinde da causa. Precedentes.3. O fato de se ter constado no voto-vista "condenação transitada em julgado", ao invés de "condenação proferida por órgão judicial colegiado", não altera a conclusão do julgamento. Precedentes.4. A decisão de órgão judicial colegiado, mesmo que não aborde o mérito, é apta a atrair a incidência da inelegibilidade da alínea l.5. É possível à Justiça Eleitoral reconhecer a existência de enriquecimento ilícito que não conste do decreto condenatório da Justiça comum sem que isso represente inelegibilidade eterna do agente. A aferição, pela Justiça Eleitoral, de que o ato praticado pelo agente causou não apenas dano ao erário, mas, também, enriquecimento ilícito possui relevância apenas para fins de análise das causas de inelegibilidade, matéria eminentemente eleitoral.6. É pacífica a noção de que o registro de candidatura deve ser renovado a cada pleito, pois não há direito adquirido ao registro de candidatura. Precedentes.7. É assentada nesta Corte a ideia de que é possível reconhecer a existência de enriquecimento ilícito de terceiros sem que o beneficiário tenha feito parte da relação processual. Precedentes.8. Embargos de declaração rejeitados. Embargos de Declaração em Agravo Regimental em Recurso Ordinário nº060068793, Acórdão, Min. Og Fernandes, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 18/12/2018 – destaque não original.

 

Isso porque a tipificação da ação civil não afasta a origem ou natureza do fato praticado, pois decorrente de indevido recebimento de remuneração dos cofres públicos e da apropriação ilicitamente realizada pelo impugnado, como bem reconheceu o v. acórdão condenatório.

 

           Vale reprisar que a prática de rachadinha já foi expressamente considerada causa de inelegibilidade pelo Tribunal Superior Eleitoral, nas últimas eleições de 2022 (acórdão em anexo), como bem relatou o então Ministro Ricardo Lewandowski, apontando a desnecessidade da condenação expressa por enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário, bastando seu reconhecimento pela Justiça Especializada:

 

ELEIÇÕES 2022. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ORDINÁRIO ELEITORAL. IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL. INDEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, L, DA LC 64/1990. CONDENAÇÃO À SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS PELA PRÁTICA DE “RACHADINHA”. SÚMULA 41/TSE. MANUTENÇÃO DO DECISUM. DESPROVIMENTO DO AGRAVO. 1. Não cabe à Justiça Eleitoral, em processo de registro de candidatura, rever a justiça ou o cabimento de condenações geradoras de inelegibilidade proferidas pelos órgãos competentes, nos termos da Súmula 41/TSE. 2. Para fins de incidência da causa de inelegibilidade descrita no art. 1º, I, l, da LC 64/1990, a verificação, no caso concreto, da lesão ao Erário e do enriquecimento ilícito próprio ou de terceiro pode ser realizada por esta Justiça Especializada, a partir do exame da fundamentação do acórdão condenatório proferido pela Justiça Comum, ainda que tal reconhecimento não tenha constado expressamente do dispositivo daquele pronunciamento judicial. 3. A prática do esquema de rachadinha preenche os requisitos do enriquecimento ilícito e da lesão ao Erário, além de configurar o dolo específico, que passou a ser exigido para a incidência das inelegibilidades das alíneas g e l do art. 1º, I, da LC 64/1990, após as alterações na Lei de Improbidade Administrativa, levadas a efeito pela Lei 14.230/2021. 4. Agravo desprovido.

(AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL Nº 0601954-34.2022.6.26.0000 – SÃO PAULO – SÃO PAULO, Relator: Ministro Ricardo Lewandowski, 15/12/2022)

 

Vale repisar o que consta do v. acórdão:

 

“Logo, diante da conclusão da Justiça Comum acerca da prática ilegal de apropriação de parte da remuneração dos assessores pelo candidato, não cabe à Justiça Eleitoral, como já mencionado, a análise sobre o acerto ou desacerto sobre o julgamento da ACP. Reitero, contudo, a possibilidade de se extrair a lesão ao Erário e o enriquecimento ilícito da conduta analisada, tendo por referência os fundamentos adotados na ação que julgou o ato de improbidade, de modo que é desnecessária a condenação específica, na Justiça Comum, por ambas as transgressões. Assim, rememoro a jurisprudência desta Corte Superior quanto ao tema, no sentido de que “o esquema de ‘rachadinha’ demonstra a configuração do enriquecimento ilícito, caracterizado pelo aproveitamento, pelo parlamentar, de parte da remuneração de assessores, bem como dano ao Erário, consubstanciado na contraprestação desproporcional dos serviços efetivamente prestados” (AgR-REspEl 0600183-66/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves; grifei)[1] De igual forma, confira-se:

“ELEIÇÕES DE 2020. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRÁTICA ILÍCITA DE "RACHADINHA". CARACTERIZAÇÃO SIMULTÂNEA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E DANO AO ERÁRIO PÚBLICO. INELEGIBILIDADE DO ART. 1º, I, L, DA LC Nº 64/1990 CONFIGURADA. RECURSO PROVIDO. 1. "Fazem muito mal à República os políticos corruptos, pois não apenas se impregnam de vícios eles mesmos, mas os infundem na sociedade, e não apenas a prejudicam por se corromperem, mas também porque a corrompem, e são mais nocivos pelo exemplo do que pelo crime" (MARCO TÚLIO CÍCERO. Manual do candidato às eleições. As leis, III, XIV, 32). 2. O esquema de "rachadinha" é uma clara e ostensiva modalidade de corrupção, que, por sua vez é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de cargos públicos. 3. A exigência legal imposta de que a conduta ímproba traga, simultaneamente, prejuízo ao erário e enriquecimento ilícito do próprio agente ou de terceiros, como exigido por esta Corte Eleitoral, está presente, pois é regular e lícito ao TSE verificar na fundamentação da decisão condenatória a existência de ambos os requisitos (AgR-AI nº 411–02/MG, Rel. Min. EDSON FACCHIN, DJe de 7.2.2020; Rel. Min. OG FERNANDES, PSESS de 27.11.2018). 4. O enriquecimento ilícito está caracterizado pelo desvio de dinheiro público para o patrimônio da requerida; enquanto o dano ao erário público consubstanciou–se justamente pelo desvio de finalidade no emprego de verba pública de utilização não compulsória para subsequente apropriação de parte dos valores correlatos em desrespeito à legislação municipal. 5. Flagrante caracterização de existência de contraprestação desproporcional de serviços relacionada a esses valores; pois houve claro pagamento indevido à custa do erário, sendo que a retribuição pelo serviço prestado foi irregularmente superior à efetivamente pactuada.”

 

Diante do exposto, reiterando os termos da ação de impugnação, aguarda seja reconhecida a inelegibilidade do impugnado, indeferindo-se o seu registro da candidato, por se enquadrar na hipótese prevista no art. 1º, inciso I, alínea “l”, da LC nº 64/90.

 

Rio Claro, 06/09/24.

 

Geórgia Carla Chinalia

Promotora de Justiça - 110ª Zona Eleitoral de Rio Claro

 

 



[1] Negrito não original