TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SÃO PAULO
JUÍZO DA 002ª ZONA ELEITORAL DE SÃO PAULO - SP
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Tel: 3130 2702 – Email: ze002@tre-sp.jus.br
PROCESSO nº 0600205-05.2024.6.26.0002
CLASSE PROCESSUAL: REPRESENTAÇÃO (11541)
SENTENÇA
VISTOS.
Trata-se de representação por propaganda eleitoral irregular, com pedido de liminar, ajuizada por COLIGAÇÃO CAMINHO SEGURO PARA SÃO PAULO contra MAIARA MACHADO DA SILVA (cf. aditamento havido sob o ID 125805123), na condição de responsável pelo perfil @capitao.jairbolsonaro no TikTok, aduzindo, em síntese, que há veiculação de video manipulado, sem rotulagem e manifestamente inverídico em que o ex-Presidente Jair Bolsonaro externa apoio e pede o voto ao candidato Pablo Marçal. Com tais fundamentos, pede a procedência do pedido. O autor junta o video (ID 125253524) e indica o perfil no TikTok (@capitao.jairbolsonaro).
Foi deferida liminar sob ID 125272178, com a consequente suspensão do video impugnado.
Após diligências junto ao Tiktok, Google e Vivo, houve aditamento da petição inicial, com indicação da requerida MAIARA MACHADO DA SILVA (aditamento sob ID 125805123).
Citada, a requerida apresentou defesa (ID 126786436), com preliminar de ilegitimidade passiva. Com relação ao mérito, sustenta que não é responsável pela conta do tiktok e tampouco pela veiculação impugnada. Com tais fundamentos, requer a improcedência do pedido. Junta documentos.
O Ministério Público Eleitoral opinou pela procedência parcial do pedido, com a remoção do video (r. parecer sob ID 126848442).
Facultada oportunidade (decisões de IDs 126788743 e 126969038), houve novamente manifestações do autor sob ID 126955863 e da requerida sob ID 128193941.
É o relatório.
FUNDAMENTO e D E C I D O.
Passo ao pronto julgamento do feito, em conformidade com o disposto no artigo 96, § 7º da Lei nº 9.504/97 e no artigo 20, caput da Resolução TSE nº23.608/2019.
A preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela requerida está intimamente relacionada ao mérito e como tal será apreciada pelo juízo, a seguir. Com relação ao mérito, impositiva a procedência do pedido.
Com efeito, não precisa qualquer esforço intelectual para perceber que o video impugnado (ID 125253524) é objeto de inteligência artificial não rotulada, como também de flagrante manipulação digital de audio e video envolvendo a pessoa do ex-Presidente Jair Bolsonaro, que no video expressa apoio e pede o voto ao candidato Pablo Marçal, com violação ao disposto nos artigos 9º-B, caput e 9º-C, § 1º da Resolução TSE 23.610. Diante destas considerações, impositiva a remoção definitiva de referido vídeo.
A questão especificamente controvertida envolve a responsabilidade (ou não) da requerida MAIARA pelo conteúdo veiculado. E, diante das provas dos autos e em que pese a negativa da requerida, tenho que não há como isenta-la de referida responsabilidade.
Após, diversas diligências do juízo junto ao TIKTOK, GOOGLE e VIVO, todas as informações remetem ao nome dela.
O TikTok informou que a conta @capitao.jairbolsonaro está vinculada aos emails jeffersonferreirasp07@gmail.com e sts.marketing.net@gmail.com (ID 125294622).
O Google informou os IPs de acesso e o número de telefone 11-93444-2976 que está vinculado a referidos emails (IDs 125478819 e 125478821). Em ambos os emails há indicação de email de recuperação da conta justamente no nome da requerida e de seu marido Jeferson (emails jeffersonfe@hotmail.com e maiaras2jefferson@gmail.com).
Os IPs informados tanto pelo TikTok quanto pelo Google são sempre os mesmos ou com mesma raiz (IDs 125294628, 125478819 e 125478821). Ou seja, o acesso tanto à conta do TikTok quanto aos emails a ela vinculados (gmail) partiram sempre do mesmo dispositivo ou mesma rede de internet, o que não se coaduna com a utilização por hackers ou fraudadores, como alega a requerida.
A linha telefônica vinculada está cadastrada em nome da requerida junto à Vivo (cf. ID 125747989) e, conquanto a requerida alegue abertura fraudulenta, não comprovou que tomou qualquer atitude judicial ou extrajudicial contra a empresa de telefonia, quando tomou conhecimento da presente ação. Certamente a inércia não é comportamento médio esperado de alguém que realmente tem a linha telefônica indevidamente aberta por fraudadores em seu nome.
Tampouco há qualquer prova de que a requerida tenha promovido alguma atitude em relação ao TikTok ou ao Google, caso realmente não fosse a responsável pelas respectivas contas e emails.
Finalmente, o autor demonstrou que a requerida realmente é casada com a pessoa de Jefferson Ferreira, conforme se verifica da petição constante de ID 126955863 (fls. 04), nos exatos termos do email cadastrado no perfil @capitao.jairbolsonaro do TikTok.
Enfim, diante de todos esses elementos, não há como afastar a legitimidade passiva e a consequente responsabilidade da requerida pela veiculação impugnada.
Resta ainda decidir se é cabível (ou não) a aplicação da multa constante do artigo 57-D, § 2º da Lei nº 9.504/97 no caso de violação ao disposto nos artigos 9º-B, caput e 9º-C, § 1º da Resolução TSE 23.610.
Tenho que a resposta é afirmativa, em consonância com a jurisprudência do C. Tribunal Superior Eleitoral, a qual é bastante segura no sentido de que a multa prevista no artigo 57-D, § 2º da Lei nº 9.504/97 não se restringe ao caso de anonimato. Referido dispositivo não restringe, de forma expressa, qualquer interpretação no sentido de limitar sua incidência aos casos de anonimato, de forma que é possível ajustar a exegese à finalidade de preservar a higidez das informações divulgadas na propaganda eleitoral, alcançando a tutela de manifestações abusivas por meio da internet – incluindo–se a disseminação de deep fakes.
E, consolidando a jurisprudência do C. TSE, o art. 9º-H da Resolução TSE nº 23.610/19 estabelece que "A remoção de conteúdos que violem o disposto no caput do art. 9º e no caput e no § 1º do art. 9º-C não impede a aplicação da multa prevista no art. 57-D da Lei nº 9.504/1997 por decisão judicial em representação" (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024).
Colaciono o seguinte julgado paradigma do C. Tribunal Superior Eleitoral:
"ELEIÇÕES 2022. RECURSOS INOMINADOS. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. INTERNET. DESINFORMAÇÃO. FATOS MANIFESTAMENTE INVERÍDICOS. REMOÇÃO DAS PUBLICAÇÕES. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 57-D DA LEI 9.504/97. ART. 16 DA CF. INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO".
1. O art. 57-D da Lei 9.504/97 não restringe, de forma expressa, qualquer interpretação no sentido de limitar sua incidência aos casos de anonimato, de forma que é possivel ajustar a exegese à sua finalidade de preservar a higidez das informações divulgadas na propaganda eleitoral, ou seja, alcançando a tutela de manifestações abusivas por meio da internet - incluindo-se a disseminação de fake news tendentes a vulnerar a honra do candidato adversário - que, longe de se inserirem na livre manifestação de pensamento, constituem evidente transgressão à normalidade do processo eleitoral. Precedente.
2. O entendimento veiculado na decisão monocrática se mostra passível de aplicação imediata, não se submetendo ao princípio da anualidade, previsto no artigo 16 da CF, tendo em vista a circunstância de que a interpretação conferida pelo ato decisório recorrido não implica mudança de compreensão a respeito do caráter lícito ou ilícito da conduta, mas sim somente quanto à extensão da sanção aplicada, o que não apresenta repercussão no processo eleitoral nem interfere na igualdade de condições dos candidatos.
3. Tratando-se de conduta já considerada ilícita pelo ordenamento jurídico, o autor do comportamento ilegal não dispõe de legítima expectativa de não sofrer as sanções legalmente previstas, revelando-se inviável a invocação do princípio da segurança jurídica com a finalidade indevida de se eximir das respectivas penas (TSE, Rep 601788-25.2022, rel. Min. Alexandre de Moraes, J. 11/04/2024).
No teor de referido voto, o E. Min. Relator ponderou expressamente que: "não é possível conferir ao artigo 57-D a interpretação segundo a qual, tão somente pelo fato de haverem sido publicadas na internet, os autores pelos excessos na liberdade de expressão ocorridos na propaganda eleitoral, ressalvados os casos de anonimato, não se sujeitam à sanção pecuniária, uma vez que se trata de compreensão restritiva destituída de respaldo expresso no enunciado normativo e que conflita, como visto, com a interpretação conferida à livre manifestação do pensamento. Além disso, tal diferenciação quanto à possibilidade de impor sanção pecuniária não encontra justificativa concreta, pois a disseminação de fake news, ainda que realizada por responsável identificado, produz os mesmos efeitos nocivos à legitimidade das eleições, considerando-se a higidez das informações acessíveis ao eleitor, do que àquela propagada por usuário apócrifo, razão pela qual a ratio da norma proibitiva em questão não pode se restringir aos casos de anonimato. No mais, essa interpretação, que viabiliza a imposição de multa aos responsáveis pela propagação de desinformação na internet, revela-se mais consentânea com a crescente preocupação desta Justiça Especializada no combate à desinformação, de modo que, além da remoção do conteúdo, a imposição de multa constitui mecanismo importante para evitar tal prática, tendo em vista seu caráter repreensivo aos autores que, até então, não se acham alcançados pela punição".
Em igual sentido, os julgados também do C. Tribunal Superior Eleitoral:
ELEIÇÕES 2022. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA. RECEBIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA. CONTEÚDO INVERÍDICO. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 57–D DA LEI 9.504/97. ART. 16 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO INCIDÊNCIA. SÍNTESE DO CASO
1. Trata–se de embargos de declaração opostos em face de decisão monocrática que deu provimento a agravo em recurso especial eleitoral interposto pelos embargados, para, desde logo, conhecer do recurso especial eleitoral por eles interposto e lhe dar provimento, a fim de condenar o embargante ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00, com base no art. 57–D, § 2º, da Lei 9.504/97.
2. Opostos embargos de declaração, foi o embargante intimado para convolar o apelo integrativo, tendo apresentado, então, agravo interno.
3. Nos termos do art. 1.022, caput, do Código de Processo Civil, é cabível a oposição de embargos de declaração contra qualquer decisão judicial. Todavia, recebem–se os aclaratórios como agravo regimental quando, a pretexto de indicar omissão na decisão monocrática, a parte veicula pretensão modificativa do julgado embargado. Precedentes.
Aplicação da multa prevista no art. 57–D da Lei 9.504/97. Propaganda negativa por meio de divulgação de conteúdo sabidamente inverídico em página de rede social.
4. No caso, o TRE/PR afastou a sanção aplicada ao embargante, por entender que a multa estabelecida no art. 57–D da Lei 9.504/97 decorre da utilização do anonimato para veiculação de conteúdo eleitoral, assegurando, para a propaganda identificada, na qual se divulgou informação inverídica, o direito de resposta na forma do art. 58 do mesmo diploma legal.
5. Em consonância com orientação recente desta Corte, foi dado provimento ao recurso especial eleitoral interposto pelos embargados para condenar o embargante, ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00, com base no art. 57–D, § 2º, da Lei 9.504/97, tendo em vista que da análise do conteúdo da publicação realizada pelo embargante, em seu perfil do Twitter, verifica–se a configuração de propaganda negativa, por meio de divulgação de conteúdo sabidamente inverídico, conforme expressamente admitido pela Corte de origem. (TSE, AgR-REspEl nº 060381534 Acórdão CURITIBA - PR, Relator(a): Min. Floriano De Azevedo Marques, Julgamento: 07/12/2023
REPRESENTAÇÃO. ELEIÇÕES 2022. PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. INTERNET. REDE SOCIAL. CONTEÚDO SABIDAMENTE INVERÍDICO E ATENTATÓRIO À HONRA DE ADVERSÁRIO. ART. 57–D, § 2º, DA LEI 9.504/97. MULTA. REMOÇÃO DE CONTEÚDO. PROCEDÊNCIA.1. Representação ajuizada por coligação adversária, em desfavor de candidato ao cargo de presidente da República nas Eleições 2022, por propaganda irregular consubstanciada na veiculação, em rede social (Twitter), de vídeo com conteúdo sabidamente inverídico e atentatório à honra de candidato da aliança autora.
2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, é cabível aplicar–se a multa prevista no art. 57–D, § 2º, da Lei 9.504/97 na hipótese de abuso na liberdade de expressão ocorrido por meio de propaganda veiculada na internet – como ocorre na divulgação de discurso de ódio, ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático, e de informações injuriosas, difamantes ou mentirosas. Nesse sentido, Rp nº 0601754–50/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgamento ocorrido em 28.3.2023. (TSE, Rp nº 060155613 - Acórdão BRASÍLIA - DF Relator designado(a): Min. André Ramos Tavares Relator(a): Min. Benedito Gonçalves - Julgamento: 08/02/2024
Assim, seja na esteira da jurisprudência do C. Tribunal Superior Eleitoral, seja pela disposição expressa do artigo 9º-H da Res TSE 23.610/2019, tenho como inafastável a imposição de multa sancionatória à requerida pela divulgação de desinformação e deep fake.
Com relação à quantificação da multa, considerando a primariedade da requerida e os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, fixo-a em R$ 5.000,00, em conformidade com o disposto no artigo 57-D, § 2º da Lei nº 9.504/97.
POSTO ISSO e considerando o que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a representação e CONDENO a representada MAIARA MACHADO DA SILVA no pagamento de multa por propaganda eleitoral inverídica no valor de R$ 5.000,00. Torno definitiva a liminar deferida sob o ID 125272178, com a baixa definitiva do video impugnado.
Ciência às partes e ao MPE.
P.R.I.C.
São Paulo, 18 de setembro de 2024
Rodrigo Marzola Colombini
Juiz Eleitoral