TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SÃO PAULO

JUÍZO DA 002ª ZONA ELEITORAL DE SÃO PAULO - SP 

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PROCESSOS n.º 0600058-76.2024.6.26.0002, n.º 0600060-46.2024.6.26.0002, n.º 0600062-16.2024.6.26.0002 e n.º 0600032-81.2024.6.26.0001 -  JULGAMENTO UNIFICADO - ART. 96-B, da Lei n.º 9.504/1997)


CLASSE PROCESSUAL: REPRESENTAÇÃO (11541)

 

 

SENTENÇA 

 

Vistos.

Cuida-se de Representações por Propaganda Eleitoral Antecipada, com pedido liminar, apresentadas pelas agremiações Partido Novo - órgão municipal (autos n.º 0600058-76.2024.6.26.0002), Movimento Democrático Brasileiro - órgão municipal (autos n.º 0600060-46.2024.6.26.0002), Progressistas - órgão nacional (autos n.º 0600062-16.2024.6.26.0002) e Partido da Social Democracia Brasileira - órgão nacional (autos n.º 0600032-81.2024.6.26.0001)  contra Luís Inácio Lula da Silva e Guilherme Castro Boulos porque os representados teriam, em tese, praticado propaganda eleitoral extemporânea em benefício ao segundo representado, pré-candidato a prefeito no município de São Paulo.

Foi narrado nas iniciais (ID n.º 122708928, autos 58-76; ID n.º 122710705, autos 60-46;  ID n.º 122724831, autos 62-16 e ID n.º 122712438, autos 32-81), em apertada síntese, que nas comemorações do dia 1º de maio, na  Neo Química Arena (estádio do Corinthians), o representado Luiz Inácio Lula da Silva, teria proferido discurso em favor do segundo representado Guilherme Boulos, presente também no ato e  pré-candidato a prefeito no município de São Paulo pelo PSOL, no qual houve verdadeira campanha eleitoral antecipada, tendo em conta que os as expressões utilizadas pelo representado Luiz Inácio se amoldam a pedido explícito de voto, o que é vedado pela legislação eleitoral no período em questão.

Indicaram  para provar o quanto alegado URLs que direcionavam a perfis no Youtube, Facebook e "X" oficiais do representado Luiz Inácio nos quais constavam vídeos dos fatos imputados aos representados e, ainda, reproduziam a propaganda eleitoral antecipada ocorrida na Neo Química Arena, disseminando referido ilícito eleitoral.

Apontaram que o fato foi amplamente divulgado nos veículos de comunicação de massa, o que corrobora as alegações trazidas em Juízo.

Requereram a concessão de liminar para que fossem removidas as referidas URLs (pedidos liminares constaram dos autos 58-76 e 60-46) e, ao final, a procedência dos pedidos e a aplicação de multa aos representados nos patamares legais.

Pelo Juízo foi então deferido o pedido nos autos 58-76, por decisão proferida em 02 de maio de 2024, ID n.º 1227125, determinando-se a remoção da URL https://www.youtube.com/watch?v=5qUgDmwJ2VA, que remetia ao perfil oficial do representado Luiz Inácio na plataforma Youtube.

A determinação foi atendida dentro do prazo estipulado pelo Juízo, ID n.º 122725145.

Nos autos 60-46 a liminar restou prejudicada porque, quando da tentativa de acesso pelo Juízo das URLs que direcionavam aos três links referentes às plataformas Facebook, "X" e Youtube, adicionados na petição inicial pelo representante, respectivamente, https://www.facebook.com/Lula/videos/147457715342 1956https://twitter.com/LulaOficial/status/1785709089 395519931 e https://www.youtube.com/watch?v=5qUgDmwJ2VA, não se encontrava mais disponível o vídeo impugnado.

Nas quatro Representações foi determinado o apensamento dos autos para que fosse realizado o julgamento unificado dos feitos, em fiel cumprimento ao art. 96-B, da Lei n.º 9.504/1997.

Devidamente citados, apresentaram defesa nos autos, tempestivamente, conforme segue: 

Luiz Inácio apresentou sua defesa nos autos 58-76, ID n.º122769801; autos 60-46, ID n.º 122769794; autos 62-16, ID n.º 122769804 e autos 32-81, ID n.º 122769798.

 Guilherme Boulos apresentou sua defesa nos autos 58-76, ID n.º 122743267; autos 60-46, ID n.º 122743271; autos 62-16, ID n.º 122977856 e autos 32-81 ID n.º 122749835.

Luiz Inácio, preliminarmente, nos autos 32-81 arguiu a ilegitimidade ativa para a propositura da ação, pois o Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB, é integrante da Federação PSDB/Cidadania, o que inviabilizaria o ajuizamento isolado da presente demanda judicial.

No que diz respeito aos autos 62-16, também é apontada a ilegitimidade ativa, sob o fundamento de que a Representação foi proposta pelo Diretório Nacional do Progressistas, e que apenas o órgão municipal da agremiação possui legitimidade para demandar em juízo em ações relativas às eleições municipais.

No mérito, o representado Luiz Inácio  em suas defesas nas quatro Representações argumenta que sua fala impugnada não comportou propaganda eleitoral antecipada, pois não conteve pedido de voto a favor de quaisquer pessoas, representando mera menção à pretensa candidatura e exaltação às qualidades pessoais de Guilherme Boulos, conforme autorizado pelo art. 36-A, caput e inciso V, da Lei 9.504/1997 e albergado pelo direito constitucional à liberdade de expressão.

Apontou, ainda, que houve, em verdade, um apelo à coerência e coesão política de seus apoiadores, indicando concordar com as ideias historicamente defendidas pelo Deputado Federal Guilherme.

Defendeu que se tratou de posicionamento pessoal e apoio político, incapaz de prejudicar a paridade de armas nas eleições e a que Justiça Eleitoral não deve atuar de modo a reprimir as manifestações de cunho político neste período pré-eleitoral, sob pena de produzir "odioso efeito inibidor", prejudicando a comunicação entre pretensos candidatos e a população.

Rechaçou, ainda, a decisão liminar (nos autos 58-76), apontando divergência entre as alegações iniciais e a conclusão da cognição sumária do Juízo, afirmando a ocorrência de julgamento extra petita  e apontou a impossibilidade da valoração probatória trazida aos autos.

Pugnou pela reforma da decisão liminar (nos autos 58-76),  improcedência dos pedidos constante das iniciais ou, subsidiariamente, a aplicação de multa no mínimo legal em razão do efeito negativo que a propaganda teria ocasionado.

Guilherme Boulos, no mesmo sentido do primeiro representado, aponta preliminarmente que, nos autos 32-81 há ilegitimidade ativa para a propositura da demanda, pois o Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB, é integrante da Federação PSDB/Cidadania, o que inviabilizaria o ajuizamento isolado da presente demanda judicial.

No mérito, em suas defesas nas quatro Representações, alegou que não possuía conhecimento prévio a respeito da fala proferida pelo representado Luiz Inácio, o que é requisito indispensável para a caracterização do ilícito e responsabilização do beneficiário, e que sua presença física, juntamente do primeiro representado, não pode ser confundida com a sua anuência acerca do conteúdo do discurso.

Arguiu, ainda, que não publicou, republicou ou transmitiu o discurso do presidente em quaisquer de suas redes ou canais de comunicação e que as iniciais não trouxeram elementos capazes de provar a autoria ou o prévio conhecimento das possíveis publicações em seus canais replicando o discurso em questão.

No mérito, alegou que o discurso se tratou de manifestação de terceiro -  que não é pré-candidato-, de cunho político-eleitoral, inerente à democracia e à própria cidadania, e amparado pelo direito à liberdade de expressão, bem como que é fato público que Luiz Inácio apoia sua futura candidatura e, por tal razão, referida fala em nada poderia influenciar o pleito futuro.

Pugnou, subsidiariamente, caso afastados seus argumentos, que seja aplicada multa em seu patamar mínimo, diante do baixo potencial ofensivo da conduta, comprovada pela inexpressiva quantidade de pessoas que compareceram ao evento e pelo conhecimento já público do apoio do presidente ao peticionário.

Autos ao Ministério Público Eleitoral, foram apresentados os pareceres sob IDs 122786963 nos autos 58-76; 122786976 nos autos 60-46; 122988025 nos autos 62-16; e 122786983 nos autos 32-81.

No que tange às preliminares relativas às ilegitimidade ativa, entendeu o operoso Promotor Eleitoral pela ilegitimidade ativa do Partido da Social Democracia Brasileira, nos autos 32-81, por demandar isoladamente em juízo estando federado ao Cidadania, pugnando, por fim, pela extinção do feito sem julgamento do mérito.

No que diz respeito à ilegitimidade ativa do Progressistas, apontado pela defesa de Luiz Inácio nos autos 62-16, rechaçou a tese da defesa arguindo que a restrição se dá nas eleições presidenciais aos demais órgãos partidários, levando-se em conta o princípio da razoabilidade, evitando-se, desta forma, legitimar todos os órgãos partidários nos diversos níveis da federação e, com isso , milhares de representações oriundas de diretórios municipais em matéria reservada exclusivamente ao diretório nacional.

No mérito, apontou o digno Promotor, em resumo, que o quanto alegado nas iniciais restou cabalmente provado, pois, antes mesmo da decisão liminar do Juízo, foi possível acesso ao vídeo, além do fato ter sido amplamente divulgado pela mídia televisiva, jornais impressos e canais na internet, não havendo dúvida de sua ocorrência nem de seu exato conteúdo e que, da análise do conteúdo do discurso, restou claro que os representados incorreram na violação do art. 36 da Lei n.º 9.504/1997.

Aduziu o Ministério Público que houve pedido explícito de votos pelo representado Luiz Inácio, Presidente da República e líder político,  em evento público de grande adesão, em benefício de Guilherme Boulos, exercendo forte influência sobre os eleitores que irão às urnas no próximo pleito.

Destacou que a lei não exige que haja referida influência, mas tão somente que haja o pedido de voto.

Pontuou, também, que o discurso não se restringiu à mera enaltação das qualidades do representado Guilherme Boulos ou de posicionamento político sobre determinado tema, mas, sim, de pedido explícito de voto, em local de livre acesso a todos os trabalhadores.

Quanto à conduta de Guilherme Boulos, referiu o douto Promotor que não se pode acolher a alegação de não ter conhecimento prévio do teor do discurso do representado Luiz Inácio, pois compartilhavam do mesmo espaço físico, estavam de mãos dadas, não houve conduta contrária de Guilherme, ambos partilham das mesmas ideias,  pretensões políticas, cuidam dos mesmos interesses e o voto explícito era do objetivo de ambos.

Pugnou, por fim, pela procedência das Representações com a aplicação de multa individualizada, fixada acima do mínimo legal ao representado Guilherme Boulos e aproximada do máximo legal ao representado Luiz Inácio.

Antes que os autos viessem à sentença, em postura atípica em procedimentos deste jaez, veio aos autos a defesa do representado Luiz Inácio em três das Representações,  IDs 122922981 nos autos 58-76; 122923135 nos autos 60-46; e 122887712 nos autos 32-81, repetindo resumidamente as teses já apresentadas e, num movimento pouco usual, apresentando uma espécie de quase "réplica" à manifestação do Ministério Público, combateu o parecer ministerial e pugnou pela abertura de instrução probatória, indicando, inclusive, testemunhas.

É a síntese do essencial.

Decido.

De início, há que se enfrentar as causas que eventualmente levam à extinção do feito sem a análise do mérito.

Assiste razão aos representados e ao digno Promotor Eleitoral no que diz respeito à ilegitimidade ativa do Partido da Social Democracia Brasileira nos autos n.º 0600032-81.2024.6.26.0001.

Em que pese o PSDB compor a "Federação PSDB Cidadania",  ajuizou a demanda isoladamente. No entanto, constituída a federação, há a necessidade da atuação conjunta dos partidos federados para a propositura de ações, seja como federação, ente único, seja com o ajuizamento unificado de todos os partidos, devidamente representados, que a compõem.

Uma vez formada a federação partidária, os partidos que a compõem passarão a atuar, em todos os níveis, de forma unificada. Portanto, deixam de ter legitimidade para litigar na Justiça Eleitoral de forma isolada.

O Partido da Social Democracia Brasileira federou-se ao Cidadania em 26 de maio de 2022 (RFP nº 0600291-73.2022.6.00.0000).

A autonomia partidária fica parcialmente mitigada quando uma agremiação opta por ingressar em uma federação.

O novel instituto das federações, criado pela Lei n.º 14.208/2021, que inseriu o art. 11-A na Lei dos Partidos Políticos n.º 9.096/1995, ainda traz alguns debates. Mas no que tange à legitimidade ativa, não há dúvidas quanto à necessidade da atuação da federação, como ente único, ou de seus partidos componentes de forma agrupada.

No caso sob exame, há uma irregularidade no polo ativo da demanda. A legitimidade ad causam é da federação, e não do partido, o PSDB, isoladamente.

O Cidadania deveria estar presente nos autos, mas não está.

Válido transcrever trecho do acórdão da Representação n.º 0600550-68.2022.6.00.0000 -DF, do Tribunal Superior Eleitoral:

(...)

2. Não se admite a atuação isolada em ação judicial eleitoral de partido político que se acha formalmente reunido em federação partidária. A partir do deferimento do seu respectivo registro pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a federação partidária passa a atuar de forma unificada em nome de todas as agremiações que a compõem, como se novo partido fosse. 3. O art. 338 do CPC é materialmente incompatível com o rito marcadamente célere previsto no art. 96 da Lei nº 9.504/1997 e na Res.-TSE no 23.608/2019, que não preveem a possibilidade de deferimento de prazo para eventual emenda à inicial. Hipótese em que o comparecimento espontâneo da parte legítima, anteriormente à triangularização da demanda, permite a sucessão processual, porquanto observados os princípios da celeridade e da primazia da decisão de mérito.

3. O art. 338 do CPC é materialmente incompatível com o rito marcadamente célere previsto no art. 96 da Lei nº 9.504/1997 e na Res.-TSE no 23.608/2019, que não preveem a possibilidade de deferimento de prazo para eventual emenda à inicial. Hipótese em que o comparecimento espontâneo da parte legítima, anteriormente à triangularização da demanda, permite a sucessão processual, porquanto observados os princípios da celeridade e da primazia da decisão de mérito.

(...)

Já no que diz respeito à suposta ilegitimidade ativa do Progressistas nos autos 0600062-16.2024.6.26.0002, a tese da defesa do representado Luiz Inácio não faz jus à acolhida.

Como muito bem registrado pelo doutro Promotor Eleitoral, a restrição se dá, a princípio, para que órgãos municipais não atuem em esfera federal e estadual, pois adstritos à atuação no município. Entendimento em sentido contrário poderia levar a uma proliferação de demandas judiciais eleitorais no âmbito das eleições gerais se fossem legitimados todos os órgãos municipais.

Restrição não se faz, em sentido contrário, por questão de razoabilidade, a diretórios nacionais e estaduais, que não encontram vedação para atuarem no âmbito municipal.

Aqui vale máxima: quem pode o mais, pode o menos.

Desta forma, não há que se falar em ilegitimidade ativa do Progressistas para atuar na circunscrição do município.

No que toca à alegação de decisão liminar extra petita do Juízo nos autos 0600058-76.2024.6.26.0002, a tese também não prospera.

E aqui não há muito o que se alongar, com o devido respeito à defesa, pois a decisão está fundamentada, expressamente, no artigo 297 do Código de Processo Civil, que trata do  Poder Geral de Tutela/Cautela do juiz, que faculta ao magistrado a determinação de medidas que considere adequadas e cabíveis para a efetivação da tutela provisória.

Uma vez requerida a tutela antecipada pela parte, o juiz deverá analisá-la e adotar a medida requerida pelo interessado ou, se assim o entender, outra que se adeque à necessidade do caso concreto para que se evite lesão ou ameaça a direito.

Talvez por um descuido, a leitura açodada da decisão tenha levado a nobre defesa a não verificação do embasamento legal de que se serviu o magistrado ao proferir a decisão.

Assim, não há que se falar em quaisquer vícios presentes na decisão liminar proferida nos autos 58-76.

Por derradeiro, no que se refere à falta de valor probante do quanto se alega nos autos das Representações, importante rememorar que o próprio magistrado procedeu à verificação da URL que remetia ao vídeo na plataforma Youtube no canal oficial do Presidente Lula, no qual constava o discurso do representado Luiz Inácio, e assistiu ao vídeo antes que ele fosse removido e pode, na ocasião, de forma direta e imediata, analisar seu conteúdo, condição  que, inclusive, subsidiou a decisão liminar.

Enfrentadas as questões preliminares, resta avaliar as petições apresentadas pela defesa do representado Luiz Inácio antes dos autos virem conclusos à sentença.

Primeiramente, insta destacar que o parecer ministerial, ainda que inove teses dos representantes, o que não é o caso dos autos, não tem o condão de "alargar" o pedido inicial, como pretende a defesa. O Ministério Público Eleitoral, quando não atua como representante, autor da demanda, funciona como "custos legis" e, nessa qualidade, sua valorosa colaboração é opinativa. Evidentemente que a manifestação ministerial muito colabora para a elucidação dos fatos e a formação da convicção do Juízo, mas o parecer não se confunde com os requerimentos dos demandantes. 

Também, considerando-se a natureza especialíssima do rito da propaganda, que é caracterizado pela celeridade, não há espaço para instrução probatória.

E ainda que houvesse, a prova pretendida pela defesa seria indeferida por esse Juízo, porque os autos já estão suficientemente instruídos para o fim ao qual se destinam, qual seja, provar a ocorrência da propaganda eleitoral extemporânea.

Desta feita, com a devida vênia, os pedidos que constaram das três petições apresentadas pela defesa de Luiz Inácio antes dos autos virem à sentença, não comportam acolhimento.

Passo à análise do mérito.

No que se refere à conduta do representado Luiz Inácio, resta inquestionável a prática do ilícito eleitoral. Está configurada a propaganda eleitoral antecipada pelo pedido explícito de voto.

Veja-se que do discurso do referido representado há menção expressa de pedido de voto ao público presente na Neo Química Arena, como "(...) se vocês votarem no Boulos para prefeito de São Paulo(...)", "(...) tem que votar no Boulos para prefeito de São Paulo (...)".

No discurso é realizado um verdadeiro apelo aos presentes para que votem em Guilherme Boulos para prefeito de São Paulo no pleito vindouro.

A questão é bastante objetiva para o subsunção dos fatos aos tipos previstos nos artigos 36, § 3º e  36-A da Lei n.º 9.504/1997: a conduta foi realizada antes do período permitido pela legislação eleitoral e houve pedido explícito de voto.

Como muito bem destacado pelo operoso Promotor Eleitoral, a lei prescinde seja demonstrada a influência e a repercussão do discurso.

Mas os representantes e o Parquet informam nos autos a repercussão do ilícito para evidenciar, de forma ainda mais patente,  com números de inscritos, visualizações nas plataformas etc., o alcance e a proporção que a conduta atingiu. Não servem referidos dados e informações para configurar o ilícito, pois este já restava configurado lá na Neo Química Arena, no dia 1º de maio, nas comemorações do Dia do Trabalhador, quando Luiz Inácio, em entusiasmado discurso, faz palanque a Guilherme Boulos para um público estimado de cerca de duas mil pessoas, conforme relata a própria defesa. 

Não se pretendeu, como insistem as defesas, transportar o ilícito ocorrido na Neo Química Arena também às plataformas Youtube, Facebook e "X".  Referidas plataformas teriam servido apenas de meio de reprodução, retransmissão do ilícito. Mas somente, frise-se, pode o Juízo verificar a veiculação no Youtube, no canal oficial do Presidente Lula e, de forma imediata, sob o manto do Poder Geral de Cautela,  determinou-se a remoção da URL para que se evitassem danos maiores ao pleito vindouro, especialmente no que diz respeito à paridade de armas entre os postulantes à prefeitura de São Paulo, pois, como justificado na decisão liminar, Luiz Inácio é um "cabo eleitoral" de notória expressão.

E ainda que as defesas muito se esforcem para tentar persuadir o Juízo, o que é absolutamente válido, de que o discurso deve ser considerado como posicionamento político, enaltecimento das qualidades pessoais por parte de Luiz Inácio em relação a Guilherme Boulos, e que tudo o quanto foi falado se encontra amparado pelo direito da liberdade de expressão, data maxima venia, não há como afastar a ilicitude de uma conduta claramente transgressora dos ditames legais, que não enseja um mínimo de hesitação por parte deste Juízo em entendê-la ilegítima.

Quanto à conduta de Guilherme Boulos, também não há como afastar seu caráter ilícito, apenas atenuar sua responsabilização.

Bem destacam os representantes e o Ministério Público Eleitoral de que não há como descaracterizar a conduta irregular sob a escusa do não conhecimento prévio do teor do discurso do representado Luiz Inácio.

Persevera o representado Guilherme Boulos sob o argumento de que não se pode imputar-lhe a conduta ilícita presumindo-se seu conhecimento prévio quanto ao discurso de Luiz Inácio, mas os fatos depõem contra seus argumentos, pois estava ele ali, de mãos dadas, sorrindo, anuindo com tudo o quanto se propalava a seu respeito.

Evidentemente que, por uma questão de respeito e de elegância, ele não tomaria das mãos do representado Luiz Inácio o microfone, tampouco lhe interromperia de forma abrupta a fala, mas com o traquejo inerente dos políticos profissionais, de carreira, uma intervenção discreta, sutil, poderia ter sim sido realizada, de forma a amenizar aquela conduta que ambos, pela experiência que têm, sabiam irregular, mas assumiram o que se chama popularmente de "risco calculado".

Ao manter-se omisso, Guilherme Boulos chancelou a conduta do representado Luiz Inácio e dela passou a ser ciente e beneficiário devendo, portanto, ser responsabilizado também.

No que se refere ao quantum das penalidades aplicadas, aqui serão levadas em consideração a natureza do evento, qual seja, a comemoração do Dia do Trabalhador, festividade de grande porte,  promovida  pelas centrais sindicais e outros financiadores; o fato do representado Luiz Inácio apresentar-se no evento na qualidade de Presidente da República, acompanhado de outros Ministros de Estado e de seu Vice-Presidente, cercado de todo o aparato institucional e guarnecido de suporte público para sua participação; a quantidade estimada de pessoas presentes no evento; a notória representatividade de Luiz Inácio no cenário político nacional e sua significativa e indiscutível capacidade de angariar votos; a inércia de Guilherme Boulos diante da conduta de Luiz Inácio, mesmo podendo atuar de forma discreta para amenizar o discurso; e o proveito da ação no que tange à visibilidade aumentada, ainda que temporariamente, do pré-candidato Guilherme Boulos.

Por todo exposto, na forma do art. 96-B, da Lei 9.504/1997, julgo EXTINTA  a Representação n.º 0600032-81.2024.6.26.0001, SEM APRECIAÇÃO DO MÉRITO, com fundamento no art. 3º, da Res. TSE 23.608/2019 c/c art. 485, inciso VI, do Código de Processo Civil, e julgo PROCEDENTES os pedidos que constaram nas Representações n.º 0600058-76.2024.6.26.0002, n.º 0600060-46.2024.6.26.0002 e n.º 0600062-16.2024.6.26.0002, por estar configurada a propaganda eleitoral antecipada, e condeno os representados Luiz Inácio Lula da Silva à multa no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e Guilherme Castro Boulos à multa no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

Publique-se. Intimem-se.

Proceda a serventia aos ajustes na autuação de forma que, como requerido pela defesa de Luiz Inácio, seja intimado oficialmente tão somente o patrono indicado, Dr. Angelo Longo Ferraro, OAB/DF 37.922.

 

 

São Paulo, data da assinatura digital.

 

Paulo Eduardo de Almeida Sorci

Juiz Eleitoral