JUSTIÇA ELEITORAL
034ª ZONA ELEITORAL DE NOSSA SENHORA DO SOCORRO SE
REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0600079-80.2024.6.25.0034 / 034ª ZONA ELEITORAL DE NOSSA SENHORA DO SOCORRO SE
REPRESENTANTE: CIDADANIA
Advogados do(a) REPRESENTANTE: JOSE EDMILSON DA SILVA JUNIOR - SE5060, SAULO ISMERIM MEDINA GOMES - SE740-A
REPRESENTADA: LIDIA GOMES DOS SANTOS 02720327514
Advogado do(a) REPRESENTADO: MARIANA SANTA RITA DANTAS - SE11421
Trata-se de representação eleitoral, com pedido liminar movida pelo Partido Cidadania em face de Realce Midia – Lidia Gomes dos Santos, relatando que, em 20/06/2024, foi divulgado texto com conteúdo absolutamente inverídico no perfil do Instagram da representada (https://www.instagram.com/reel/C8c1JiESyD4/), com objetivo de atacar o pré candidato do Partido Cidadania e confundir o eleitorado, promovendo a desinformação e a propaganda antecipada negativa.
Aduziu que, ao contrário do que foi divulgado pelo perfil, o pré-candidato do partido Cidadania não foi obrigado a reembolsar qualquer valor e não houve apropriação indébita de dinheiro da cliente Andreia e, que, na verdade, teria ocorrido falta de comunicação entre cliente e advogado, restando comprovado ausência de justa causa para acusação, diante da atipicidade da conduta, conforme decisão que trancou a ação penal 2020721013334.
Ressaltou que, antes da abertura do procedimento junto ao Mistério Público, o pré-candidato já havia depositado o valor proveniente da ação judicial na qual representou a cliente. Afirmou ainda que o texto foi deturpado da realidade dos fatos, extrapolando a linha da crítica ácida, sendo inverídica e utilizada para prejudicar a imagem do pré-candidato.
Pontuou que a publicação já teve mais de 8000 visualizações.
Pleiteou o deferimento da medida liminar com determinação de imediata retirada do conteúdo disponível em https://www.instagram.com/reel/C8c1JiESyD4/ e a proibição de reproduzi-lo por qualquer meio de comunicação, a exemplo de WhatsApp, redes sociais, sites, blog. Pugnou, ainda, para a) caso esse Juízo Eleitoral entendesse que o vídeo não continha propaganda negativa, fosse concedida tutela de urgência para que a representada fosse compelida a retirar da legenda da publicação postada em seu perfil de Instagram o seguinte texto: “No vídeo em questão, que circula nas redes sociais, uma mulher identificada como Andreia detalha toda a história envolvendo a denúncia do Ministério Público por apropriação indébita, na qual o deputado Samuel Carvalho foi processado judicialmente e obrigado a reembolsar mais de R$ 4 mil.” b) citação do representado, c) oitiva do MPE e d) julgamento pela procedência.
Foi concedida liminar (ID 122232221) determinando a retirada da legenda acima transcrita.
Em sua defesa, a representada alegou preliminar de ilegitimidade passiva por ter tido sua baixa efetivada em 26 de setembro de 2018 e asseverou que a inicial não poderia ser conhecida por não ter apresentado prova da autoria ou prévio conhecimento do beneficiário. No mérito, afirmou não ter responsabilidade por ato de terceiros e a inexistência de propaganda eleitoral negativa.
O Ministério Público, por sua vez, manifestou-se pela confirmação da liminar e procedência dos pedidos, destacando que a divulgação de fato sabidamente inverídico viola os princípios da liberdade de expressão e da informação, justificando a intervenção da Justiça Eleitoral para garantir a integridade do processo eleitoral (ID 122258993).
É o relatório. Decido
A Lei 9.504/97 dispõe que a propaganda eleitoral na internet poderá ser realizada por meio de redes sociais, sítios de mensagens instantâneas, aplicações de internet assemelhadas cujo conteúdo seja gerado ou editado por candidatos, partidos ou coligações ou por qualquer pessoa natural, desde que esta não contrate impulsionamento de conteúdos (art. 57-B, inciso IV).
A legislação eleitoral prescreve que a propaganda eleitoral na internet é possível a partir de 16 de agosto do ano da eleição (art.27 da Resolução 23.610/20219), sendo considerada extemporânea quando divulgada em período anterior, inclusive, aquelas de cunho negativo, que desqualificam potencial candidato em momento anterior ao indicado na legislação, sujeitando-se, com já referido, aos limites impostos pelo ordenamento eleitoral, não podendo veicular ataques à honra ou a imagem dos pré-candidatos e/ou candidatos, tampouco, servir para divulgação de fatos sabidamente inverídicos.
Mais recentemente, visando coibir a desinformação, a Resolução TSE n.º 23.610/2019, alterada pela Resolução 23.732/2024, trouxe o artigo 9º-C, com vedação à utilização de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral.
A atuação da Justiça Eleitoral no tocante aos conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático (art. 38 da Res. TSE n.º 23.610/19). E justamente com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura é que as ordens judiciais de remoção de conteúdo divulgado na internet são limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral.
No caso em apreciação, preliminarmente, a representada alegou ilegitimidade passiva e o pleito de não conhecimento da inicial.
De acordo com a teoria da asserção, a legitimidade da parte deve ser aferida a partir de uma análise abstrata da correlação da responsabilidade e do fato apontado na inicial. Dessa forma, deixo para analisar junto ao mérito a alegação da extinção da personalidade jurídica da representada.
Nesse mesmo sentido, deixo para apreciar no mérito a alegada irresponsabilidade por atos de terceiro.
Dito isso, analisando o mérito, destaco que, conforme registrado no julgamento da liminar, não vislumbro dos fatos relatados e do vídeo em que mulher apenas abre mão de sua pré-candidatura a vereadora, o chamado fato sabidamente inverídico, nem tampouco conduta que atinja a honra do pré-candidato, ou até mesmo circunstância que possa desequilibrar o pleito.
Diferentemente, o trecho “No vídeo em questão, que circula nas redes sociais, uma mulher identificada como Andreia detalha toda a história envolvendo a denúncia do Ministério Público por apropriação indébita, na qual o deputado Samuel Carvalho foi processado judicialmente e obrigado a reembolsar mais de R$ 4 mil", induz, indubitavelmente, o eleitorado a achar que o pré candidato cometeu apropriação indébita, fato esse que não ocorreu. Nesse sentido, decisão proferida por este Juízo nos autos 0600044-25.2024.6.25.0001:
"O fato narrado no vídeo e legenda da postagem não é verdadeiro, pois omite que há decisão colegiada trancando a ação penal 202072101334 (HC 202100331703) por ausência de justa causa para continuidade (atipicidade da conduta). Em outras palavras, o processo foi encerrado por ter sido constatado que não houve a prática de crime pelo denunciado e essa informação não foi divulgada na postagem.
A postagem realizada pelo representado faz menção “à prática de golpe”, “...retirou todo o dinheiro sem repassar nenhum centavo…” “...foi obrigado pela Justiça a devolver o dinheiro…”, transmite uma ideia equivocada aos pretensos eleitores, pois descontextualiza a realidade e dá aos relatos da Sra Andreia uma conotação “ofensiva” e direcionada ao pré-candidato do partido representante, sem que houvesse um esclarecimento acerca da conclusão do processo, podendo induzir o eleitor em erro no momento de formação de sua escolha, acreditando que o pré-candidato foi condenado pela apropriação indébita, quando, em verdade, há decisão trancando a Ação Penal n.º 202072101334."
Trata-se, portanto, de desinformação veiculada com o propósito de difundir fatos notoriamente inverídicos, com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral. E, nesse ponto, a liberdade de expressão não constitui direito absoluto, não podendo, assim, ser arguido como escudo protetor para difusão de informações evidentemente falsas.
O Tribunal Superior Eleitoral já decidiu, inclusive, que “[...] A Constituição Federal consagra o binômio ‘Liberdade e Responsabilidade’; não permitindo de maneira irresponsável a efetivação de abuso no exercício de um direito constitucionalmente consagrado; não permitindo a utilização da “liberdade de expressão” como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, infrações penais e toda a sorte de atividades ilícitas. [...] A Constituição Federal não autoriza, portanto, a partir de mentiras, ofensas e de ideias contrárias à ordem constitucional, a Democracia e ao Estado de Direito, que os pré–candidatos, candidatos e seus apoiadores propaguem inverdades que atentem contra a lisura, a normalidade e a legitimidade das eleições” (Decisão monocrática de 27.10.2022 na Rp nº 060170084, rel. Min. Alexandre de Moraes.)
Durante a análise dos recursos Rec-RP 0601754-50 (28.03.2023), e Rec-Rp 0601756-20 (18.04.2023), de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu, por maioria, que a multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei 9.504/97 pode ser aplicada em casos de abuso da liberdade de expressão na propaganda eleitoral veiculada na internet, especialmente quando se trata de disseminação de conteúdo desinformativo.
Conforme pontuado pela Ministra Maria Cláudia Bucchianeri (Rp nº 060085467, de 25.10.2022), a desinformação e a desconstrução de figuras políticas a partir de fatos sabidamente inverídicos ou substancialmente manipulados devem ser rapidamente reprimidas pela Justiça Eleitoral, por configurarem verdadeira falha no livre mercado de circulação das ideias políticas, que pode desembocar na indução do eleitor em erro, com comprometimento da própria liberdade de formação da escolha cidadã.
No que concerne à legislação sobre o tema, o art. 9º, caput, da Resolução TSE nº 23.610/2019, que dispõe que “A utilização, na propaganda eleitoral, de qualquer modalidade de conteúdo, inclusive veiculado por terceiras(os), pressupõe que a candidata, o candidato, o partido, a federação ou a coligação tenha verificado a presença de elementos que permitam concluir, com razoável segurança, pela fidedignidade da informação, sujeitando-se as pessoas responsáveis ao disposto no art. 58 da Lei nº 9.504/1997 , sem prejuízo de eventual responsabilidade penal”.
De fato, a liberdade de expressão e o debate democrático são pilares fundamentais do processo eleitoral. No entanto, a multimencionada Resolução do TSE, em seu art. 38, ressalta que a atuação da Justiça Eleitoral deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático, mas isso não significa tolerar a divulgação de informações falsas. A proteção à liberdade de expressão não abrange a disseminação de fake news, que visa desinformar e manipular o eleitorado.
Ademais, a finalidade de promover desinformação resta evidenciada a partir do momento em que a representada divulgou em seu instagram(https://www.instagram.com/reel/C8c1JiESyD4/) o trecho apontado de forma tão deturpada da realidade.
De mais a mais, não há que se falar em irresponsabilidade da representada pela divulgação, seja asseverando ilegitimidade passiva, ausência de prova da autoria ou prévio conhecimento do beneficiário, ou ainda a impossibilidade de se responsabilizar por fatos de terceiros. Restou incontroverso que o conteúdo foi divulgado em seu instagram, independentemente de estar a empresa ativa ou não.
Ademais, não seria razoável uma empresa extinta manter seu instagram ativo, fazer publicações depois de muito tempo e não ser responsabilizada por tais atos.
Por fim, nos termos do art. 9º-H, da Resolução TSE n.º 23.610/2019, a remoção de conteúdos que violem o disposto no caput do art. 9º e no caput e no § 1º do art. 9º-C não impede a aplicação da multa prevista no art. 57-D da Lei nº 9.504/1997 por decisão judicial em representação.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a presente Representação Eleitoral para:
1. Confirmar a liminar anteriormente deferida, que determinou a remoção da legenda da postagem https://www.instagram.com/reel/C8c1JiESyD4/ : “No vídeo em questão, que circula nas redes sociais, uma mulher identificada como Andreia detalha toda a história envolvendo a denúncia do Ministério Público por apropriação indébita, na qual o deputado Samuel Carvalho foi processado judicialmente e obrigado a reembolsar mais de R$ 4 mil".
2. Condenar a representada ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do art. 36, § 3º, da Lei nº 9.504/97, em razão da prática de propaganda eleitoral antecipada negativa, consubstanciada em divulgação de fatos sabidamente inverídicos.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Nossa Senhora do Socorro, datado e assinado eletronicamente.
José Antônio Novais de Magalhães
Juiz Eleitoral