TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SANTA CATARINA
JUÍZO DA 91ª ZONA ELEITORAL - ITAPEMA SC
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0600411-97.2024.6.24.0091.
REQUERENTE: COLIGAÇÃO "RENOVAR PARA AVANÇAR" (PODE/PSD/FEDERAÇÃO PSDB/CIDADANIA), CLOVIS JOSE DA ROCHA JUNIOR
Advogados: MARIANA GOMES - SC71870, MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA - SC12309, EMANOELLA VIEIRA FERREIRA - SC61633, LUIS GUSTAVO SANTOS DA SILVA - SC64931
Advogados: MARIANA GOMES - SC71870, MARCELO RAMOS PEREGRINO FERREIRA - SC12309
INVESTIGADO: CARLOS ALEXANDRE DE SOUZA RIBEIRO, EURICO MARCOS OSMARI
INVESTIGADA: NILZA NILDA SIMAS, PATRICIA MOLIN MARIN
Advogados: PIERRE AUGUSTO FERNANDES VANDERLINDE - SC24881, FABIO JEREMIAS DE SOUZA - SC14986-A, JOSE AUGUSTO FREITAS - SC29169, JULIANE MILAK MARTIGNAGO - SC53378
SENTENÇA
RELATÓRIO.
Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), com pedido de concessão de tutela provisória, proposta pela Coligação Renovar para Avançar Construindo a Itapema do Futuro e por Clóvis José da Rocha Júnior, em face de Carlos Alexandre de Souza Ribeiro (Xepa), Eurico Marcos Osmari, Patrícia Molin Marin e Nilza Nilda Simas, todos qualificados nos autos.
Sustentam os investigantes, em sua petição inicial (ID 123843645), que os investigados praticaram diversas condutas ilícitas, que teriam comprometido a lisura do pleito, agrupando-as nos seguintes tópicos: 1) Utilização de bens e servidores públicos: Alegam que, em evento realizado no dia 08/09/2024, foram utilizados ônibus da Prefeitura de Itapema para o transporte de apoiadores e que houve coação de servidores públicos para participarem do evento. 2) Coação de cidadãos para regularização de escrituras: Afirmam que a empresa Terra Firme Consultoria e Assessoria Ltda. teria coagido cidadãos a regularizarem escrituras sob ameaça de cancelamento, configurando vantagem indevida em benefício do candidato apoiado pela então prefeita Nilza Simas. 3) Uso promocional de distribuição de bens e serviços: Sustentam que o então vereador Carlos Alexandre (Xepa) propôs projeto de lei para declarar a utilidade pública da Associação Beneficente Amigos do Morretes, o que foi concretizado pela Lei n. 4362/2022. Narram que a associação, a partir de janeiro de 2024, teria manifestado apoio à candidatura de Carlos Alexandre, com atuação ativa de sua presidente durante a campanha. 4) Propaganda eleitoral em templo religioso: Narram que, em 15/09/2024, na Igreja Peniel Meia Praia, o pastor José Luís Santos teria realizado propaganda eleitoral, e que, em 22/09/2024, na Igreja Peniel Morretes, ocorreu novo episódio de propaganda pelo pastor Evandro Corrêa. 5) Utilização de pessoa jurídica e abuso de poder econômico: Afirmam que a Churrascaria Osmari, de propriedade do candidato a vice-prefeito, foi utilizada como local para reuniões de campanha, com distribuição de alimentos e bebidas. 6) Arrecadação e gastos ilícitos de campanha: Alegam que a investigada Patrícia Molin Marin promoveu reuniões eleitorais com distribuição de alimentos e bebidas em apoio à chapa. 7) Uso indevido dos meios de comunicação: Destacam que o investigado Carlos Alexandre divulgou vídeo com afirmações sabidamente inverídicas e que descumpriu decisão judicial que determinou a veiculação de direito de resposta. Requereram tutela provisória (i ao vi, letra b do pedido). Ao final, pugnaram pela cassação dos diplomas e decretação de inelegibilidade dos investigados.
O pleito liminar para produção antecipada de provas foi indeferido (ID 123847748).
No curso do feito, as partes juntaram documentos e regularizaram suas representações processuais.
Os investigados apresentaram suas contestações (IDs 125224804 e 125311113), nas quais negaram as imputações. A defesa conjunta de CARLOS ALEXANDRE DE SOUZA RIBEIRO (XEPA), EURICO MARCOS OSMARI e PATRÍCIA MOLIN MARIM sustenta, em síntese, que a alegação de uso de ônibus vinculado ao Município de Itapema para transporte de apoiadores em passeata realizada no dia 08 de setembro de 2024 carece de fundamento, tratando-se de denúncia já enfrentada em outra representação e baseada em informações distorcidas. Afirma que o veículo mencionado estava estacionado no local apenas por razões logísticas, conforme declaração nos autos, e que não há qualquer prova de coação de servidores, ressaltando que a data em questão caiu em um domingo. Quanto à empresa Terra Firme Consultoria e Assessoria Ltda., a defesa argumenta que não há demonstração de coação nem de relação entre os fatos narrados e o processo eleitoral, o que tornaria a inicial inepta nesse ponto. Sustenta que a mensagem atribuída à empresa refere-se exclusivamente a prazos administrativos, sem menção às eleições de 2024, e que eventual conduta impopular da empresa, se existente, seria prejudicial — e não benéfica — à candidatura apoiada. Ao final, requer a improcedência das alegações relativas a esse tópico. No que se refere à alegação de uso promocional de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social subvencionados pelo poder público, a defesa sustenta que se trata de denúncia desprovida de fundamentação. Afirma que não há qualquer comprovação de que a Associação Beneficente Amigos do Morretes receba recursos públicos ou seja mantida com verbas do Município. Ademais, os investigados Carlos Alexandre de Souza Ribeiro e Osmari declaram não ter conhecimento sobre eventuais postagens realizadas pela referida associação, as quais, caso entendessem irregulares, deveriam ter sido objeto de apuração própria no tempo e forma adequados.
Após decisão que levantou o sigilo dos autos e redefiniu o prazo de defesa (ID 125205960), os primeiros investigados ratificaram sua defesa (ID 125311116).
A defesa de NILZA NILDA SIMAS sustentou que a denúncia sobre o uso do ônibus já foi analisada em outro processo e se baseia em informação distorcida. Afirma que o veículo estava no local por razões logísticas e que não há provas de coação de servidores, sendo que o evento ocorreu num domingo. Conclui-se que não há evidência de uso indevido de bem público nem de coação. E, no tocante à alegação de que a empresa Terra Firme Consultoria e Assessoria Ltda. teria coagido cidadãos a promoverem a regularização de escrituras públicas sob pena de cancelamento dos procedimentos, refutou os fatos, ao firmar que não há comprovação nos autos. Que a petição inicial mostra-se inepta nesse ponto, por não demonstrar nexo entre os fatos narrados e o pleito eleitoral. Alega que mensagem mencionada limita-se a tratar de prazos administrativos, sem qualquer referência ao processo eleitoral de 2024. e afirma que eventual conduta dessa natureza, por parte de empresa prestadora de serviços ao Município, seria mais apta a causar repulsa no eleitorado do que a beneficiar qualquer candidatura. (ID 125311112)
O Ministério Público Eleitoral, em parecer inicial (ID 125357276), opinou pelo prosseguimento do feito para apurar parte dos fatos.
Este Juízo proferiu despacho saneador (ID 125405198), designando audiência de instrução. Antes da audiência, a parte autora peticionou requerendo a dispensa de seu representante e juntou novos documentos, incluindo acórdão do Tribunal Superior Eleitoral (ID 125451492 e ID 125452417).
Realizou-se, na data aprazada, a audiência de instrução e julgamento, conforme ata de ID [125468894). No ato, registrou-se a ausência do autor Clóvis José Rocha Junior e das testemunhas Lilian Villalba, Ricardo Matheus Vasconcelos Machado e Nara Luz Lemes. Por consenso das partes, foram dispensados os depoimentos pessoais e a presença física dos investigados durante a instrução. Na sequência, procedeu-se à oitiva das testemunhas Mabel Cátia Barbieri e Neli Gonçalves, arroladas pelos autores, e Ana Maria Vedana, Márcio Dos Santos Pinheiro e David William De Oliveira, arroladas pelos investigados. A defesa, ao final, declinou da oitiva de suas demais testemunhas, o que foi homologado por este Juízo. Durante a audiência, indeferiram-se requerimentos formulados pela parte autora, concedendo-se, contudo, o prazo de 30 (trinta) dias para a realização de diligências probatórias. Por fim, restou estabelecido que, após o prazo de diligências, os investigados e o Ministério Público teriam prazo para manifestação, declarando-se, ao final, encerrada a dilação probatória e abrindo-se o prazo comum de 10 (dez) dias para a apresentação de alegações finais por todas as partes.
Certificado o decurso in albis o prazo de 30 dias para as diligências (ID 125545364).
Ato contínuo, as partes e o Ministério Público Eleitoral foram intimados para apresentar alegações finais.
Os investigantes pugnaram pela procedência da ação, sustentando que a instrução confirmou os ilícitos. Detalharam as acusações de uso da Associação Amigos do Morretes como cabo eleitoral, com veiculação de propaganda; a propaganda irregular na Igreja Peniel, cujo vídeo do culto teria sido removido do YouTube; o uso da Churrascaria Osmari como doação de pessoa jurídica; e o descumprimento de ordem judicial para veiculação de direito de resposta. (ID 125578715)
Os investigados, em suas alegações finais, pugnaram pela total improcedência, argumentando que a instrução não produziu provas robustas. Reafirmaram as teses de defesa, ressaltando que os depoimentos testemunhais reforçaram seus argumentos, destacando trechos dos depoimentos de Neli Gonçalves, Deivid de Oliveira, Mabel Cátia Barbieri, Márcio Dos Santos Pinheiro e Ana Maria Vedana para afastar as acusações de uso da máquina pública, propaganda religiosa e distribuição de benesses ((ID 125570716).
O Ministério Público Eleitoral, em seu parecer final (ID 125601944), manifestou-se pela improcedência dos pedidos. O órgão ministerial analisou cada uma das imputações e concluiu pela fragilidade do conjunto probatório. Pontuou que não restou comprovado o uso de bens ou a coação de servidores públicos, e que as alegações sobre a empresa Terra Firme já haviam sido arquivadas em procedimento próprio. Quanto à Associação Amigos do Morretes, embora reconhecendo o apoio ao candidato, entendeu que não foram demonstrados os requisitos para a configuração de abuso de poder, como o recebimento de recursos públicos. Sobre os eventos na Churrascaria Osmari e em outros locais, considerou não haver prova da distribuição sistemática de benesses. No que tange à propaganda em templo religioso, afirmou que a conduta, embora irregular e já punida em representação específica, não configurou abuso de poder. Por fim, sobre o descumprimento do direito de resposta, atribuiu a inexecução da medida a vícios da própria parte autora. O parecer destacou ainda que a análise dos depoimentos testemunhais colhidos na instrução não corroborou as acusações, mas, ao contrário, fortaleceu a tese de defesa, já que nenhuma testemunha confirmou ter presenciado atos de coação ou troca de benefícios por votos. Ao final, requereu a extinção do processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.
Vieram-me os autos conclusos.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO.
A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) é o instrumento processual destinado a coibir e punir práticas que atentem contra a normalidade e a legitimidade das eleições, protegendo bens jurídicos caros à democracia, como a isonomia entre os candidatos e a livre manifestação da vontade do eleitor.
As sanções previstas – cassação do registro ou diploma e declaração de inelegibilidade – são de extrema gravidade, razão pela qual a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é uníssona em exigir, para a sua aplicação, a presença de provas robustas, inequívocas e concludentes da prática dos ilícitos, bem como a demonstração da gravidade das circunstâncias, nos termos do art. 22, XVI, da Lei Complementar n. 64/90.
O ônus da prova, ressalte-se, incumbe à parte autora, a quem cabe demonstrar, de forma cabal, a ocorrência dos fatos constitutivos de seu direito, não sendo admitidas, para um juízo condenatório, presunções, ou conjecturas.
Feitas essas considerações preambulares, passo à análise pormenorizada de cada uma das condutas imputadas aos investigados.
1. DA UTILIZAÇÃO DE BENS E SERVIDORES PÚBLICOS E DA COAÇÃO DE CIDADÃOS.
Os investigantes alegam o uso de ônibus da municipalidade para transporte de apoiadores e a coação de servidores para participação em evento de campanha, bem como a coação de cidadãos pela empresa Terra Firme para fins de regularização fundiária.
No que tange à suposta utilização de ônibus, a prova coligida aos autos cinge-se a capturas de tela da rede social Instagram (perfil @itapema.oficial, ID 123842939), as quais, por si sós, são insuficientes para demonstrar o uso indevido da frota pública com finalidade eleitoral. Ademais, o fato de este Juízo ter julgado improcedente a Representação n. 0600232-66.2024.6.24.0091, em decisão que visou proteger a liberdade de expressão, não tem o condão de chancelar a veracidade da informação ali veiculada .
A defesa, por seu turno, aduziu que o veículo em questão pertence a empresa terceirizada, e que sua presença no local decorreu de razões de ordem logística de seu condutor, tese amparada pela declaração de JOÃO CARLOS BOTELHO DE OLIVEIRA (ID 125224808). A parte autora, em contrapartida, não se desincumbiu de seu ônus probatório, uma vez que não trouxe aos autos qualquer contraprova apta a elidir a justificativa apresentada e, por conseguinte, comprovar o alegado desvio de finalidade.
A imputação de coação a servidores públicos não encontra o menor respaldo probatório nos autos. Com efeito, a parte autora não produziu prova documental nem arrolou qualquer testemunha que corroborasse a narrativa. O argumento torna-se ainda mais inverossímil ao se constatar que o ato de campanha ocorreu em um domingo, dia de descanso semanal, o que afasta a presunção de qualquer tipo de pressão funcional.
Neste tópico, por derradeiro, a imputação referente à empresa Terra Firme perdeu sua força probante diante do depoimento prestado em juízo pela testemunha Neli Gonçalves. A depoente asseverou que apenas reencaminhou uma mensagem para um grupo de whatsapp, a qual possuía finalidade administrativa, qual seja, contatar os interessados para obstar o arquivamento de seus processos, afastando, de forma expressa, qualquer conotação político-eleitoral:
"(...) tenho dois terrenos que estão na mão do Dr. André, que seria da Terra Firme, e todos os proprietários, que a gente tem um grupo da Terra Firme, segundo o seu endereço, a gente recebeu essa mensagem e entendeu que seria para encontrar as pessoas que estavam nessa lista (...) que está colocando os documentos para seguir o processo (...) não explicaram a urgência, que só colocaram a lista, para divulgar para encontrar as pessoas da lista, se não conseguisse, os processos seriam cancelados. (...) a princípio, nenhum (dono) recebeu escritura de nada. (...) Que não é funcionária da Terra Firme, é cliente e está organizando a sua documentação, mas ainda não regularizou. (...) todo que eu conheço, ninguém recebeu nada de documentação, até recebeu o número de protocolo, para consultar no site da Prefeitura (...)" (ID 125468895).
O Ministério Público Eleitoral, em seu parecer de ID 125601944, ressalta o teor do depoimento prestado por Ana Maria Vedana, nos seguintes termos: "Declarou ter sido beneficiada pelo processo de regularização fundiária, conduzido pela empresa Terra Firme, mas afirmou que jamais lhe foi solicitado apoio político, votos ou presença em eventos de campanha como contrapartida. Ressaltou que os comunicados recebidos tinham caráter exclusivamente técnico e jurídico, e que sempre entendeu o processo como um direito, não como favor político."
A testemunha Márcio dos Santos Pinheiro: "Confirmou que recebeu comunicações da empresa Terra Firme relacionadas ao Reurb, mas destacou que o conteúdo sempre foi técnico e informativo, sem menção a candidatos, campanhas ou partidos. Negou ter presenciado qualquer tentativa de vincular o benefício à escolha eleitoral.
A testemunha David William de Oliveira: "Relatou que participou do processo de regularização de seu imóvel e que nunca recebeu qualquer proposta de troca de apoio político por benefícios. Afirmou que toda a comunicação da empresa Terra Firme foi de cunho técnico, e que não tomou conhecimento de qualquer conduta que vinculasse a regularização à campanha dos investigados."
Outrossim, conforme apontado pelo Ministério Público Eleitoral, o fato já havia sido objeto de apuração em procedimento próprio (Notícia de Fato n.º 01.2024.00043897-5), que foi arquivado.
Ademais, a fragilidade dos elementos probatórios restou tão evidente que os próprios Investigantes, em suas Alegações Finais (ID 125578715), abstiveram-se de ratificar as acusações, o que impõe o afastamento de qualquer responsabilidade imputada ao Município de Itapema e, por conseguinte, à Investigada Nilza Nilda Simas.
Dessa forma, não restaram comprovadas as condutas descritas neste tópico.
2. DO USO PROMOCIONAL DA ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE AMIGOS DO MORRETES.
As partes autoras sustentam que a Associação Beneficente Amigos do Morretes (CNPJ . 45.393.563/0001-25 ID 123842950), declarada de utilidade pública por iniciativa do então vereador CARLOS ALEXANDRE XEPA, foi utilizada como instrumento de campanha.
É incontroverso que a Associação manifestou apoio ao candidato em suas redes sociais. Contudo, para a configuração da conduta vedada prevista no art. 73, §10, da Lei n. 9.504/97 (Lei das Eleições), é requisito indispensável que a distribuição de bens ou serviços de caráter social seja "custeada ou subvencionada pelo poder público".
As defesas, por seu turno, negam o recebimento de verbas públicas pela entidade e a juntada documental demonstra o alegado: "Declaração não receber auxílio público" da Associação Beneficente Amigos do Morretes (ID 125224809). As partes autoras, neste ponto, não lograram êxito em comprovar a existência de tal subvenção.
Sem a prova do financiamento público, a conduta não se amolda ao tipo específico de conduta vedada do art. 73 da Lei das Eleições.
Contudo, sob a perspectiva do abuso de poder econômico (art. 22, LC n. 64/90), os fatos ganham contornos de ilicitude.
Afirmaram os Autores (fl. 8): "Ocorre que a associação, desde janeiro deste ano, tem se manifestado em favor da candidatura de Xepa e atuado, de forma ilícita, em seu favor (docs. 10 a 55)" e "As postagens se intensificaram com a aproximação do período eleitoral" (ID 123842936).
Asseveraram que (fl. 15): Xepa, na qualidade de homem público, subsidia uma pessoa jurídica que, em retorno, em campanha eleitoral usa os mesmos recursos, com distribuição de bens, uso de materiais e pessoas, em favor de sua campanha. (ID 123842936)
De início, constata-se que os fatos imputados ao investigado CARLOS ALEXANDRE XEPA, referentes à sua participação na distribuição de benesses, tornaram-se incontroversos, uma vez que não foram objeto de impugnação em sua manifestação. Tais ações, ademais, foram amplamente divulgadas na rede social do projeto da Associação, sob o perfil @amigos_do_morretes.
O liame subjetivo entre o investigado CARLOS ALEXANDRE XEPA e a referida Associação é incontroverso, evidenciado não apenas por sua participação contínua, mas pela própria gênese da entidade, cuja declaração de utilidade pública foi obtida por lei de sua autoria, revelando a inequívoca intenção de vincular a pessoa jurídica à sua atuação (Projeto de Lei Ordinária ID 123842941; Matéria da Rede Câmara de Vereadores: entrevista sobre o Projeto de Lei 152/2022 ID 123842944; Lei Municipal n. 4362/2022 - declara de utilidade pública a Associação Beneficente Amigos do Morretes, ID 123842948 e ID 123842950: Consulta Quadro Sócios: Nara Luz Lemes).
2.1. DA ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO.
Superadas as questões iniciais, a análise do acervo probatório revela não meras fotografias e vídeos isolados, mas a crônica de fatos concretos inseridos na vida social da comunidade
Para tanto, ressalta-se a análise e referência a cada documento, mídia e link anexado ao Processo Judicial Eletrônico (PJe). Por outro lado, não há impugnação direta, específica ou técnica quanto à autenticidade ou veracidade dos links de vídeo ou das postagens em redes sociais apresentadas pela parte autora, garantindo que a presente fundamentação se assente em base fática segura.
Portanto, no que tange às provas documentais apresentadas pela parte autora, especialmente os relatórios de preservação de provas digitais, links de vídeos, postagens em redes sociais e conteúdos audiovisuais associados à Associação Amigos do Morretes, observa-se que não houve impugnação específica, técnica ou formal por parte da defesa quanto à autenticidade, integridade ou veracidade desses elementos.
A defesa limitou-se a negar conhecimento sobre as postagens, a atribuir eventual responsabilidade à presidente da associação, e a alegar ausência de vínculo formal entre os investigados e a entidade beneficente. Contudo, não apresentou qualquer contestação quanto à origem, edição, manipulação ou falsidade dos conteúdos digitais. Tampouco requereu a realização de perícia técnica ou a produção de prova destinada a infirmar a validade dos arquivos de mídia ou dos perfis de redes sociais utilizados como prova.
Dessa forma, prevalece a presunção de veracidade e autenticidade dos documentos digitais regularmente juntados aos autos, especialmente diante da ausência de impugnação específica, nos termos do que dispõe o art. 434, parágrafo único, do Código de Processo Civil, aplicado subsidiariamente ao processo eleitoral: “A parte que produziu o documento digital goza da presunção de veracidade quanto à sua integridade, salvo impugnação específica da parte contrária.”
Assim, os elementos probatórios digitais devem ser considerados válidos e aptos à formação do convencimento judicial, não havendo controvérsia técnica ou fática sobre sua autenticidade.
Feitas essas considerações, passo a destacar as provas que estão vinculadas à fundamentação deste tópico, indicando precisamente os IDs correspondentes.
A fim de reconstruir com a máxima fidelidade a linha do tempo dos fatos, a análise do acervo probatório seguirá uma ordem cronológica, com base nas datas de publicação de cada ato na rede social, conforme certificado nos respectivos "Relatórios de Preservação de Prova".
Passo, pois, ao exame individualizado dos atos que configuram a pré-campanha.
1. O Aniversário e a Associação da Imagem do Investigado (Janeiro de 2024).
Iniciando a análise, no ID 123842954 e no ID 123842955, constam os Relatórios de Preservação de Prova que certificam a existência de postagens na rede social Instagram, publicadas em 05 de janeiro de 2024. Ao acessar os referidos links, consta-se diretamente na plataforma vídeos e fotografias da comemoração do aniversário do então vereador Alexandre Xepa. As imagens demonstram o investigado sobre um caminhão do Corpo de Bombeiros e distribuindo alimentos à população. A cena não apenas o associa a um ato de benemerência, mas também utiliza um símbolo de autoridade e serviço público para promover sua imagem pessoal, em um evento com ampla divulgação.
2. O Anúncio da Pré-Candidatura (Janeiro de 2024).
Seguindo a ordem dos acontecimentos, em postagem de 23 de janeiro de 2024, o Relatório de Preservação (ID 123842956) documenta uma publicação do "Projeto Amigos do Morretes" que, além de agradecer ao investigado, o lança de forma inequívoca na corrida eleitoral. O acesso ao link confirmou o teor da legenda, que continha o seguinte texto:
"O Projeto Amigos do Morretes, agradece primeira mente a DEUS. E ao nosso amigo Alexandre Xepa, que está a frente desse projeto lindo a 8 anos. Dizer a ele que conte sempre com todos nós. Estaremos sempre juntos. Nosso futuro Prefeito de Itapema." (grifo nosso)
A publicação na referida plataforma, não deixa margem para dúvidas quanto ao propósito eleitoral das ações e à vinculação direta da imagem do investigado a uma futura candidatura majoritária.
3. A Continuidade da Distribuição de Vantagens (Março de 2024).
O modus operandi se repete nos meses seguintes.
O Relatório de ID 123842958 aponta para publicação de 02 de março de 2024, cuja verificação na rede social revelou fotografia do investigado Xepa e a Presidente da Associação, Nara, em meio à distribuição de marmitas. O ID 123842959, em foto publicada no dia 09 de março de 2024, retrata apenas sua presença no dia das mulheres.
Em 16 de março de 2024, o vídeo preservado no ID 123843662 mostra o próprio investigado, sob a legenda: "Obrigado Senhor, por mais um dia de doações. 220 marmitas doadas, muitas roupas e calçados entregues. Obrigado a todos os doadores e voluntários...". A constante associação de sua imagem à entrega de bens e alimentos caracteriza a contínua campanha de promoção pessoal.
4. O Uso de Prestígio Político e a Festa de Páscoa (Março e Abril de 2024).
A magnitude das ações escala em 22 de março de 2024, quando os Relatórios de ID 123843663 e ID 123843664 documentam a visita de um Deputado Estadual à Associação. Os vídeos confirmam a distribuição de benesses na presença do referido parlamentar, utilizando-se de seu capital político para engrandecer o evento e, por consequência, a imagem do investigado Xepa como líder local.
O ápice do abuso de poder econômico se materializa nos eventos de Páscoa. Em 02 de abril de 2024 (ID 123843666) e, notadamente, em 10 de abril de 2024 (ID 123843665), os relatórios apontam para festas de enorme proporção. A verificação dos links confirma o teor das publicações, que agradecem nominalmente ao "vereador Alexandre Xepa" e detalham a distribuição de volumes de alimentos e presentes, incluindo:
"...1615 pacotes de doces... 1100 Cachorro quente, 22 kg De Pipoca, 980 Algodão Doce, 800 Picolé, 8 mts de Bolo, 404 Litros de Refrigerante..."
A escala do evento, para além de um simples ato de caridade, demonstra uma capacidade econômica, empregada com o nítido propósito de gerar dividendo eleitoral, impactando a isonomia entre os futuros candidatos.
5. A Sistematização dos Atos até o Limite do Período de Convenções (Abril a Julho de 2024).
A prática se torna sistemática e ininterrupta nos meses que antecedem as convenções partidárias. As provas constantes dos IDs 123843667 (25/04/24), 123843669 (28/04/24), 123843671 (06/06/24) e 123843672 (11/06/24) seguem o mesmo padrão: a divulgação de doações com a ostensiva menção e agradecimento ao investigado (carrossel de fotos).
Destaca-se a publicação de 06 de junho de 2024 (ID 123843670), que reforça o vínculo: "Obrigado DEUS por tudo, pelos voluntários, doadores, pelo nosso vereador Alexandre Xepa...". De forma similar, em 17 de junho de 2024 (ID 123843674) e 23 de junho de 2024 (ID 123843677), eventos como "Jogo Beneficente" e "Arraial" são utilizados para o mesmo fim. A prova de ID 123843679 (08/07/24) confirma mais doações com o Investigado (carrossel de fotos).
Adentra-se, a partir daqui, no período oficial das convenções partidárias (20/07 a 05/08). Mesmo neste período crítico, a conduta persiste, como prova o ID 123843680, de 20 de julho de 2024, que noticia a doação de "320 marmitas", sempre sob a égide do projeto associado ao investigado de forma destacada (carrossel de fotos).
6. Da Convocação para a Convenção Partidária (elo partidário) e da Posterior Supressão da Prova (indício de má-fé) (Julho de 2024).
Finalmente, a prova mais contundente do dolo eleitoral é a constante do Relatório de Preservação de ID 123843681. O documento atesta a existência, em 31 de julho de 2024, de uma publicação convocando para a Convenção Partidária do PL, com explícito apoio ao "pré-candidato XEPA".
É de suma importância ressaltar a observação de que tal postagem foi posteriormente retirada do ar. Este ato de remoção, por si só, é um forte indício de reconhecimento do caráter ilícito da publicação. A prova só permanece acessível a este Juízo devido ao trabalho de preservação, que se torna, aqui, o guardião da verdade dos fatos. A conduta demonstra uma clara tentativa de apagar os rastros de uma convocação que vinculava, de maneira indissociável, as ações assistencialistas à campanha eleitoral que se formalizaria.
DA CONTINUIDADE DOS ATOS APÓS A OFICIALIZAÇÃO DA CANDIDATURA
Conforme noticiado e de conhecimento público, em 04 de agosto de 2024, o Partido Liberal (PL) de Itapema realizou sua convenção partidária, na qual foi homologada a candidatura do investigado Alexandre Xepa ao cargo de Prefeito Municipal. A oficialização da candidatura, contudo, não representou um marco para a cessação das condutas que mesclam assistência social e promoção pessoal. Ao contrário, o que se verifica é a persistência e o aprofundamento do modus operandi, agora com o investigado na condição de candidato oficial.
7. A Primeira Ação como Candidato Oficial (Agosto de 2024)
Apenas seis dias após ser escolhido em convenção, em 10 de agosto de 2024, o Relatório de Preservação de Prova (ID 123843682) documenta nova ação de distribuição de alimentos. A verificação do link revela um vídeo (carrossel de fotos) de forte apelo assistencialista, no qual o agora candidato Xepa é visto servindo pessoalmente as pessoas, em meio a filas extensas de cidadãos em situação de vulnerabilidade. A cena, registrada e divulgada estrategicamente, reforça a imagem do candidato-provedor, utilizando-se da carência da população para a construção de sua imagem política, em um momento em que a campanha eleitoral já está formalmente deflagrada.
8. A Construção da Narrativa Pessoal e Paternalista (Agosto de 2024)
No dia seguinte, em 11 de agosto de 2024, data em que se comemora o Dia dos Pais, a estratégia de comunicação atinge um novo patamar de personalismo. O Relatório de Prova (ID 123843685) preservou uma publicação de longa e emotiva legenda, que busca criar uma narrativa heroica e paternal para o candidato. A verificação do conteúdo confirma o seguinte texto:
"Como nós saberíamos, que a história dos Amigos do Morretes se tornaria tão grande [...]. Começou em 2016, XEPA não era candidato a vereador. E já fazia um trabalho social [...] sentimos a necessidade de ajudar mais pessoas. Começamos com 17 famílias, hoje 250 famílias. [...] Obrigado XEPA por ser essa pessoa humilde, que abraça as crianças, escuta eles, e dá esperança de uma vida melhor. obrigado por abraçar as famílias e ajudar internar os dependente quimicos que passam pelo projeto. Obrigado por tudo, seu coração é gigante de mais. Obrigado por ser esse PAI para tantas crianças que não tem PAI e saiba que todos ti amam de coração" (grifo nosso).
O teor desta publicação é de gravidade ímpar. Ele transcende a mera divulgação de um ato social para (i) construir uma biografia de benemerência que se confunde com a origem do projeto; (ii) explorar temas de alta sensibilidade social, como o amparo a crianças e o tratamento de dependentes químicos, vinculando a solução ao candidato; e (iii) principalmente, atribuir ao candidato a figura arquetípica de "pai" da comunidade. Tal ato, praticado no Dia dos Pais e após a oficialização da candidatura, representa uma sofisticada peça de propaganda eleitoral, que visa criar um laço de gratidão e dependência emocional do eleitorado para com o candidato, desequilibrando a disputa de forma manifesta.
DO VÍNCULO ASSOCIATIVO DURANTE A CAMPANHA OFICIAL E DA OCULTAÇÃO DAS PROVAS.
Consoante o calendário eleitoral, em 16 de agosto de 2024 teve início o período de campanha, no qual o investigado Carlos Alexandre Xepa passou a figurar oficialmente como candidato a Prefeito. A partir desta data, observa-se uma notável e estratégica alteração no modus operandi da Associação Beneficente Amigos do Morretes.
Cessam as publicações sobre distribuição de bens e vantagens. Contudo, a simbiose entre a entidade e o candidato não apenas perdura, como se converte em apoio eleitoral explícito à chapa majoritária. Mais grave, contudo, é a constatação de que tais provas, uma vez judicializadas, foram sistematicamente removidas da rede social, numa clara manobra de ocultação. Tal fato, por si só, reforça a tese de que os investigados tinham consciência do caráter ilícito da instrumentalização da entidade para fins eleitorais.
Ressalta-se que a análise a seguir não adentrará no mérito de propaganda eleitoral irregular, objeto estranho a esta AIJE, mas se limitará a demonstrar a ininterrupta conexão entre a associação e a campanha, o que corrobora que os atos de pré-campanha eram, de fato, o estágio inicial de um plano único.
9. O Apoio Explícito e a Imediata Remoção das Provas (Agosto de 2024).
As provas preservadas nos autos demonstram a continuidade do apoio. O documento de ID 123842936 (folhas 8-12) já continha cópias de material de propaganda eleitoral veiculado pela associação. Na sequência cronológica, o Relatório de Preservação de Prova (ID 123843686) atesta que, em 25 de agosto de 2024, foi publicada a frase: "Nosso futuro Prefeito. Estamos juntos sempre XEPA".
Contudo, ao tentar verificar o link original indicado no relatório, este Juízo deparou-se com a mensagem de "Página Indisponível". A mesma situação ocorreu com as provas dos dias seguintes:
ID 123843687 (26/08/24): O relatório preservou imagem de propaganda eleitoral, cujo link original também foi desativado.
ID 123843688 (29/08/24): Igualmente, o link para a imagem de propaganda eleitoral preservada neste relatório encontra-se indisponível.
A remoção sistemática do conteúdo do ar logo após sua documentação nos autos é um forte indicativo de que a parte investigada, ciente da ilicitude, buscou eliminar os vestígios digitais de suas ações.
10. A Intensificação da Campanha pela Associação (Final de Agosto a Outubro de 2024).
A partir da petição de ID 123843642, anexa-se uma vasta sequência de relatórios que comprovam a intensa atividade da Associação em favor da chapa composta por Carlos Alexandre Xepa e Eurico Marcos Osmari. As publicações, datadas do final de agosto até a véspera da eleição, foram igualmente retiradas do ar, conforme constatado por este Juízo ao tentar acessar os links.
A título de registro, a contínua e farta propaganda, cujo conteúdo só é conhecido graças aos relatórios de preservação, é atestada pela longa lista de IDs, dentre os quais se citam: 123843654 (30/08/24), 123843655 (1º/09/24), 123843657 (04/09/24), 123843658 (08/09/24), 123843660 (09/09/24), 123843661 (15/09/24), 123844062 (16/09/24), 123844064 (19/09/24), 123844066 (21/09/24) e 123844069 (24/09/24).
Curiosamente, a publicação do dia 03 de outubro de 2024 (ID 123844070), a poucos dias do pleito, permanecia disponível para acesso no momento da verificação judicial, sendo a exceção que confirma a regra da ocultação probatória.
Essa cadeia de eventos demonstra, de forma inequívoca, que a associação não era uma entidade independente, mas sim um braço de campanha, cuja atuação foi estrategicamente alterada após o dia 16 de agosto, evidenciando um plano contínuo que se iniciou com o abuso de poder na pré-campanha e se transmudou em apoio eleitoral direto durante a campanha, com a subsequente tentativa de apagar os rastros de toda a empreitada.
DOS ATOS PÓS-ELEIÇÃO E DA CONFISSÃO DO VÍNCULO
Realizado o pleito em 06 de outubro de 2024, no qual se sagrou eleito o investigado Carlos Alexandre Xepa e Eurico Marcos Osmari, a Associação Beneficente Amigos do Morretes publicou, no dia imediatamente seguinte, a mensagem que encerra e, ao mesmo tempo, confessa toda a lógica da estratégia empregada.
11. A Confissão: A Gratidão pelo Resultado Eleitoral (Outubro de 2024)
Conforme atestam os Relatórios de Preservação de Prova de IDs 123844072 e 123844074, em 07 de outubro de 2024, um dia após a eleição, foi publicada a seguinte mensagem:
"Obrigado a todos, a família dos Amigos do Morretes, agradecem de Obrigado XEPA por tudo , que vç faz pelas famílias, DEUS o abençoe nessa nova caminhada. Nosso Prefeito de Itapema" (grifo nosso).
Esta publicação, veiculada no calor da vitória, é a prova cabal que conecta todas as pontas da presente ação. A mensagem não é um mero cumprimento, mas um agradecimento que revela a contrapartida: a gratidão da "família Amigos do Morretes" pelo resultado nas urnas é explicitamente vinculada a "tudo que você faz pelas famílias".
O agradecimento sela o ciclo iniciado com a postagem de "Nosso futuro Prefeito" e demonstra que, na percepção da própria associação e de seus beneficiários, os atos de benevolência e a conquista do cargo majoritário são faces da mesma moeda. Fica evidente que a distribuição de bens e serviços durante todo o período pré-eleitoral e eleitoral foi percebida não como caridade desinteressada, mas como uma plataforma que gerou um sentimento de dívida e gratidão, revertido em capital político e, finalmente, em votos.
Conclui-se, assim, a análise do robusto conjunto fático-probatório, que desenha uma linha do tempo clara e inequívoca da utilização de uma associação beneficente como ferramenta para alavancar uma candidatura, desequilibrando a disputa eleitoral por meio do abuso de poder econômico e de condutas vedadas.
2.2 DO DIREITO.
Superada a análise acervo probatório, passa-se à subsunção dos fatos ao direito, a fim de verificar a configuração do abuso de poder econômico apto a ensejar a cassação dos diplomas dos investigados.
Nos termos do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, compete à Justiça Eleitoral conhecer de representações que visem à apuração do uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou da utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político:
Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:
...
XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;
XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
Trata-se de norma de natureza instrumental, voltada à proteção da normalidade e legitimidade das eleições, sendo desnecessária, para sua aplicação, a demonstração de dolo específico ou de captação ilícita de sufrágio, bastando a existência de conduta abusiva com potencialidade lesiva ao equilíbrio do pleito.
II.I. Da Configuração do Abuso de Poder em Período de Pré-Campanha.
Inicialmente, cumpre rechaçar qualquer tese de que a atuação da Justiça Eleitoral estaria limitada aos atos praticados após o registro de candidatura. É pacífico na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral que o abuso de poder, seja ele político ou econômico, pode se configurar a partir de atos anteriores ao período oficial de campanha, desde que possuam a gravidade necessária para impactar a isonomia do pleito e a livre manifestação da vontade popular.
Nesse sentido, os precedentes da Corte Superior são claros:
“O dia do registro das candidaturas não é o marco inicial para a atuação da Justiça Eleitoral na apuração de abuso de poder político ou econômico, bem como do uso abusivo dos meios de comunicação, capazes de prejudicar a igualdade de oportunidades nas eleições e a livre manifestação da vontade política popular. Atos anteriores ao registro podem ser apurados (RCED 761, Rel. Min. Eros Grau, DJ 26.3.2009; RCED 627/CE, Rel. Min. Luiz Carlos Lopes Madeira, DJ de 24.6.2005; RO 725/GO, Rel. Min. Luiz Carlos Lopes Madeira, Rel. Designado Min. Caputo Bastos, DJ de 18.11.2005).”
No caso em tela, os atos praticados ao longo do primeiro semestre de 2024 instrumentalizaram a filantropia como um plano metodicamente executado de promoção pessoal do investigado, configurando abuso de poder econômico, mediante utilização de recursos privados, com gravidade suficiente para comprometer a isonomia da disputa eleitoral.
II.II. Do Desvio de Finalidade da Associação e da Responsabilidade Pessoal dos Investigados
O cerne da controvérsia reside no manifesto desvio de finalidade da 'Associação Amigos do Morretes'. A despeito de seu reconhecido histórico de atuação social, a prova dos autos demonstra, de forma inequívoca, que no ano eleitoral de 2024 suas atividades foram ostensivamente instrumentalizadas. A estrutura, antes voltada à filantropia, foi convertida em um aparato assistencialista com o nítido propósito de criar e manter uma base de eleitores cativos, beneficiando diretamente seu patrono político.
Não se nega a relevância social da entidade, mas sim a sua utilização como instrumento de política eleitoreira. A finalidade espúria, longe de ser presumida, é comprovada pela maciça prova material coligida, que documenta a prática reiterada de exaltação do nome do candidato de forma concomitante à entrega das benesses, com sua participação pessoal e direta nos eventos.
Neste ponto, é fundamental destacar a responsabilidade do candidato CARLOS ALEXANDRE XEPA. Eventual tentativa de delegar a responsabilidade dos atos à presidente da associação, Sra. Nara Luz Lemes — cujo estreito vínculo subjetivo com o candidato também restou comprovado —, não se sustentaria. Pois o investigado não apenas tinha ciência, como participava ativamente dos eventos, aquiescendo e se beneficiando da distribuição de bens. Não se pode usar a figura da presidente como "laranja" para se eximir da responsabilidade por seus próprios atos. A presente demanda não busca responsabilizar a Sra. Nara por propaganda, mas sim o candidato CARLOS ALEXANDRE DE SOUZA RIBEIRO pelos atos de abuso de poder econômico que maculam a higidez do processo eleitoral. A participação pessoal e direta nos eventos, servindo alimentos e sendo o centro das atenções, conforme fartamente documentado, afasta qualquer tese de que o investigado era mero expectador ou simples homenageado. Ele era o protagonista e beneficiário direto dos atos, configurando-se não apenas como partícipe, mas como autor principal da estratégia que visava converter capital social em capital político, o que torna sua responsabilidade inequívoca.
O ilícito não está na mera divulgação dos atos, mas no ato em si: a distribuição massiva e inoportuna de bens em ano eleitoral, que antes poderia ser feita de forma oculta e que hoje, com a publicidade das redes sociais, se revela em toda a sua extensão ou em parte dela.
II.III. Da Gravidade da Conduta e da Prova do Ilícito
Diante das peculiaridades do caso, a avaliação da gravidade das condutas deve ser realizada considerando o conjunto da obra, e não cada ação de forma isolada. A sequência cronológica de eventos, desde o início do ano até a véspera da eleição, demonstra um plano coordenado e contínuo, cuja gravidade se acentua com o passar dos meses.
Malgrado não seja materialmente possível quantificar a exata natureza e o número total de cada item distribuído, é fato incontroverso e robustamente comprovado que a entrega de benesses ocorreu de forma generalizada. Exigir dos investigantes a produção de prova sobre cada marmita, cesta básica ou presente entregue configuraria a imposição de uma prova impossível — ou diabólica (probatio diabolica) —, o que é rechaçado pelo direito. Para a configuração do ilícito, o que se revela crucial é a certeza da prática sistemática do ato e seu potencial de influenciar o eleitor, e não sua impossível contabilidade pormenorizada.
A conduta apurada ultrapassa, em muito, os limites da propaganda irregular. Ela consubstancia ato de extrema gravidade, com a participação direta ou, episodicamente, a plena anuência do investigado CARLOS ALEXANDRE (XEPA). Permitir que tal prática se normalize seria criar um perigoso precedente, onde o poderio econômico, mascarado de assistencialismo, se tornaria o fiel da balança nas disputas eleitorais, em detrimento do debate de ideias e propostas.
II.IV. Da Potencialidade Lesiva e do Impacto Decisivo no Resultado do Pleito
A gravidade da conduta e sua potencialidade para desequilibrar o pleito são aferíveis não apenas pela análise qualitativa e quantitativa dos atos, mas também pelo impacto direto e mensurável no resultado da eleição. Nesse sentido, colhe da jurisprudência do TSE a afirmação de que:
para a caracterização do abuso de poder, é necessário que a gravidade dos fatos seja comprovada de forma robusta e segura a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo) (AIJE nº 0600814-85/DF, rel. Min. Benedito Gonçalves, julgada em 30.6.2023, DJe de 2.8.2023)
Conforme se extrai dos dados públicos do Tribunal Superior Eleitoral, a votação recebida pela chapa dos investigados na seção eleitoral da E.M.E.B. Prefeito Francisco Victor Alves — localidade que constitui o epicentro da atuação da associação — apresenta uma anomalia estatística manifesta, destoando drasticamente do padrão de votação observado nos demais locais do município.
Essa votação expressiva e geograficamente concentrada não pode ser atribuída a uma mera coincidência. É o resultado direto do assistencialismo eleitoreiro praticado de forma massiva naquele reduto. A gravidade torna-se ainda mais patente ao se verificar que a diferença final de votos entre a chapa vencedora e a segunda colocada foi ínfima, apenas 1,69% (18.226 votos contra 17.361 votos, diferença de 601 votos). O resultado desequilibrado naquela específica zona de influência teve, portanto, impacto direto e decisivo na determinação do resultado final do pleito.
Conforme já assentado pelo TSE, embora o resultado das urnas não seja o único critério, ele constitui um "lídimo reforço na constatação da gravidade das circunstâncias verificadas no caso concreto" (REspe nº 60507/MG, Rel. Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, DJe de 7.10.2019). "O exame da potencialidade não se prende ao resultado quantitativo, mas aos elementos que podem influir no transcurso normal e legítimo do processo eleitoral" (RO nº 781, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 24.9.2004), o que ficou sobejamente demonstrado nos autos.
E, neste sentido, a Lei Complementar n. 135/2020 (Lei Ficha Limpa), que deu nova redação à Lei das Inelegibilidades:
XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
Assim, plenamente configurado o abuso de poder econômico, a cassação dos diplomas dos investigados é a medida que se impõe, como única forma de restaurar a normalidade e a legitimidade do processo eleitoral violado.
3. Da Propaganda Eleitoral em Templo Religioso.
Asseveraram os autores que o candidato Xepa realizou propaganda eleitoral irregular em duas ocasiões distintas dentro da Igreja Peniel, um local religioso. A principal prova é a fala do pastor José Luis Santos, que, do púlpito, teria pedido votos para o candidato de forma velada ao proferir uma oração direcionada, declarando "vitória" sobre ele e seu vice e exaltando suas qualidades ("pessoas boas, íntegras, cristãos, que lutam pela família"). A acusação é reforçada pelo depoimento da testemunha Mabel, que confirmou a presença do candidato no púlpito, e pelo fato de que os vídeos desses cultos específicos foram retirados do YouTube da igreja, ao contrário de outros eventos, o que sugere uma tentativa de ocultar a prova da propaganda irregular.
A realização de manifestações de cunho político em cultos da Igreja Peniel é fato incontroverso, inclusive já reconhecido como propaganda eleitoral irregular nos autos da Representação n. 0600374-70.2024.6.24.0091, atualmente sub judice em grau de recurso.
Contudo, para que tal irregularidade se transmute em abuso de poder apto a ensejar a sanção de cassação, exige-se a demonstração de gravidade suficiente da conduta. A prova oral colhida nos autos, inclusive o depoimento da testemunha arrolada pelos próprios autores, Sra. Mabel Cátia Barbieri, foi categórica ao afirmar que não houve pedido explícito de votos durante os atos religiosos.
A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que o abuso de poder religioso, por si só, não configura figura autônoma no ordenamento eleitoral, sendo necessária sua associação a alguma das formas típicas de abuso previstas em lei. Além disso, exige-se que haja comprometimento relevante da normalidade e legitimidade do pleito, especialmente quanto à liberdade de voto dos eleitores, o que não se verificou no presente caso. Tratou-se de conduta pontual, já sancionada no juízo competente por meio de aplicação de multa, sem demonstrar repercussão apta a comprometer o resultado da eleição.
Sobre o tema, colhe-se o seguinte precedente do Tribunal Superior Eleitoral:
"ELEIÇÕES 2016. [...] ABUSO DE PODER DE AUTORIDADE RELIGIOSA. NECESSIDADE DE ENTRELAÇAMENTO COM FORMAS TÍPICAS DE ABUSO DE PODER. AUSÊNCIA DE CONEXÃO NO CASO CONCRETO. [...] o abuso de poder de autoridade religiosa, porquanto falto de previsão expressa no ordenamento eleitoral, só pode ser reconhecido quando exsurgir associado a alguma forma tipificada de abuso de poder. [...] Ausente o requisito do entrelaçamento, na linha da jurisprudência deste Tribunal Superior, revela-se impossível o reconhecimento do abuso de poder religioso como figura antijurídica autônoma."
(AgRg no Ag nº 0000425-31.2016.6.26.0035 – Campos do Jordão/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 09/09/2021)
Para a caracterização do abuso, a jurisprudência exige elementos adicionais que demonstrem um desvio de finalidade da instituição religiosa de forma sistemática e grave, extrapolando a simples manifestação de apoio. Seria imprescindível a comprovação de atos como o repasse de recursos financeiros, o uso estruturado da máquina da igreja em prol da candidatura (com mobilização de funcionários, uso de veículos, etc.), ou a coação de fiéis, o que não ocorreu no caso em tela. Como bem pontuou o Parquet, "não se demonstrou qualquer repasse de recursos ou atuação estruturada da igreja em prol da candidatura." (ID 125601944).
Dessa forma, afasta-se a alegação de abuso de poder no âmbito religioso como fundamento para a procedência desta AIJE.
4. DO USO DE PESSOA JURÍDICA (CHURRASCARIA OSMARI) E DA DISTRIBUIÇÃO DE ALIMENTOS E BEBIDAS (OSMARI e PATRÍCIA MOLIN).
No que tange à alegação de abuso de poder econômico, supostamente materializado pela realização de eventos e distribuição de refeições na churrascaria de propriedade do candidato a vice-prefeito, Sr. Eurico Marcos Osmari, este Juízo acolhe integralmente as razões expendidas no parecer do Ministério Público Eleitoral, que concluiu pela inexistência de ilicitude.
Da detida análise do acervo probatório, notadamente das imagens carreadas aos autos, extrai-se que os eventos realizados no aludido estabelecimento foram de diminuta envergadura, caracterizando-se como encontros restritos a apoiadores e à militância. Inexiste, no caderno processual, lastro probatório mínimo a corroborar a tese autoral de que houve distribuição gratuita e sistemática de refeições ao público em geral, com o fito de configurar captação ilícita de sufrágio.
Sobre os eventos, a testemunha Márcio dos Santos Ribeiro declarou (ID 125468894):
Se em meados de setembro o senhor esteve na churrascaria do seu Osmari, nesse evento, que aparece nas fotos aqui? Sim, estive. Por que que o senhor foi lá? Fui lá para falar com, na época do meu sócio, o Dico, fui pegar um documento com ele. Quem eram as pessoas que estavam assim? Eram pessoas públicas, no caso, eram os vereadores que eu pude conhecer na época, né? E algumas pessoas da prefeitura. Mas era uma reunião de organização, ou era um comício? Não, pelo que eu percebi, até perguntei para o Dico. Era uma questão de organização? Isso. O senhor viu comida e bebida? Não, não vi. (...) Não, não vi. O senhor se recorda se teve alguma palestra, alguma questão de... Não. Mas o Dico falou enquanto eu quero mais uma reunião de organização? Isso.
A jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral é remansosa no sentido de que confraternizações com a militância, ainda que com o fornecimento de alimentos, não configuram, per si, o abuso de poder econômico. A configuração de tal ilícito pressupõe a demonstração cabal de que a conduta ostentou gravidade suficiente para comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, desequilibrando a paridade de armas entre os candidatos, o que não restou demonstrado nos presentes autos.
Idêntica sorte segue a imputação dirigida à Investigada Patrícia Molin Marin, cujos encontros particulares com apoiadores e voluntários (ID 123884229), desprovidos de condicionamento à obtenção de votos ou de distribuição massiva de benesses, não extrapolam os limites da legalidade dos atos de campanha.
O depoimento da testemunha Ana Maria Vedana corrobora a tese defensiva (ID 125570716):
"Eu gostaria de saber se a senhora esteve, na campanha eleitoral, durante a campanha eleitoral de um evento das mulheres organizadas pelos mulheres ali no mês de setembro. Sim, eu faço parte de um grupo desde 2018 de mulheres na política. Certo. Seria, em várias fotos aqui, em várias situações trazidas na inicial, seria esse evento aqui na sua residência? Sim. E quem é essa residência? É do Rodrigo. Eu vou perguntar aqui, quem é que organizou esse evento? A gente organiza eventos assim, onde a gente divide a alimentação, bebida da mulher sua. Isso a gente faz seguidamente. Durante quanto tempo? Ah, muito tempo. Acho que dois, dois, mil e dezoito. Ontem a gente também teve um encontro assim, a gente faz um encontro de pessoas. São muitas mulheres? Não, não, são muitas mulheres. É um evento. E aí alguns maridos de mulheres, esposo, né? É um evento fechado? Não pode ser aberto, qualquer um pode ser aberto. Fechado, fechado, até porque, né? Fechado, porque a gente sobe lá, tem, né? São nomes do grupo. Nesse dia a Patrícia e o Xepa estiveram lá. A Patrícia ela é, inclusive, desse grupo, né? É desse grupo. Eventual despesa com alimentação. Sempre a gente divide. Foi algum outro evento de campanha, assim, durante a eleição de 2024 A senhora foi em algum evento de campanha, que o Xepa, Osmari ou da Pati onde eles distribuíram gratamente comida e bebida para a Patrícia. Não, até porque a gente sabe que se não ...."
Destarte, impõe-se a rejeição das presentes imputações, ante a não configuração das condutas de abuso de poder econômico ou de captação ilícita de sufrágio nos fatos narrados.
5. DO USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL.
Alegam os Investigantes que o Investigado ALEXANDRE XEPA teria promovido a publicação e o impulsionamento pago de vídeo com conteúdo negativo e sabidamente inverídico em desfavor do candidato Clóvis Júnior, imputando-lhe, de forma falsa, a contratação de pesquisa eleitoral fraudulenta. Sustentam que o Investigado tinha plena ciência da falsidade da informação divulgada, uma vez que, ao intentar ação judicial visando à impugnação da referida pesquisa (autos n. 0600387-69.2024.6.24.0091), indicou corretamente a empresa responsável pela contratação do levantamento (Lance Itapema LTDA), distinta daquela mencionada no vídeo.
Afirmam, ainda, que, embora tenha sido condenado a remover a postagem e assegurar direito de resposta ao adversário (autos n. 0600402-38.2024.6.24.0091), o Investigado teria descumprido a ordem judicial, reiterando a conduta reputada ilícita.
A questão, todavia, já foi decidida em caráter definitivo nos autos do DRE n. 0600402-38.2024.6.24.0091, cuja decisão, transitada em julgado, dispõe:
ELEIÇÕES 2024 - RECURSO - REPRESENTAÇÃO - DIREITO DE RESPOSTA - PROPAGANDA ELEITORAL - SUPOSTA OFENSA VEICULADA NAS REDES SOCIAIS DE CANDIDATO DIRIGIDAS A CANDIDATO OPONENTE - SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO.
PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL SUSCITADA PELO REPRESENTADO - ACOLHIMENTO - AUSÊNCIA DE TEXTO DA RESPOSTA COM A EXORDIAL - ELEMENTO INDISPENSÁVEL - PETIÇÃO INEPTA - PRECEDENTE (TSE. Recurso no Direito de Resposta 060086936, Acórdão de 18/10/2022, Rel. Min. Paulo De Tarso Vieira Sanseverino) - EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, A TEOR DO DISPOSTO NO ART. 330, INC. I, E ART. 485, INC. I, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO ELEITORAL (11548) N. 0600402-38.2024.6.24.0091 - ITAPEMA - SANTA CATARINA RELATOR: JUIZ ADILOR DANIELI, em 15/04/2025).
Ademais, o Ministério Público Eleitoral, ao analisar o caso na Notícia de Fato n. 01.2024.00045996-0, também concluiu pelo arquivamento.
Assim sendo, uma vez comprovada a prática do abuso de poder econômico por meio do desvio de finalidade de atos assistencialistas, impõe-se a aplicação das sanções previstas no art. 22, XIV, da Lei Complementar n. 64/90.
Em razão do princípio da indivisibilidade da chapa majoritária, a primeira consequência jurídica é a cassação dos diplomas do prefeito CARLOS ALEXANDRE DE SOUZA RIBEIRO e do vice-prefeito EURICO MARCOS OSMARI, obtidos no pleito de 2024.
Importante frisar que, embora a chapa seja indivisível para fins de cassação, a análise do abuso de poder aqui detalhado — centrado na instrumentalização da Associação Amigos do Morretes — não revelou qualquer participação ou anuência do candidato a vice-prefeito, EURICO MARCOS OSMARI. As provas se concentram de forma exclusiva e pessoal na figura do candidato a prefeito, razão pela qual a análise da sanção de inelegibilidade, de caráter personalíssimo, deve ser a ele restrita:
Quanto à sanção de inelegibilidade, todavia, esta possui caráter personalíssimo e exige a comprovação da participação efetiva ou da anuência do agente na prática do ato abusivo, não sendo automática a sua extensão ao vice, sob pena de responsabilidade objetiva. ((RO nº 1788-49/MT, rel. Min. Luís Roberto Barroso, julgado em 7.11.2018, DJe de 28.3.2019. BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Regimental Em Recurso Especial Eleitoral 36424/AL, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Acórdão de 18/12/2018, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico, data 25/02/2019, pag. 22).
Portanto, a declaração de inelegibilidade para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes ao pleito de 2024 deve ser aplicada unicamente ao investigado CARLOS ALEXANDRE DE SOUZA RIBEIRO.
Considerando a cassação dos diplomas dos eleitos para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito, impõe-se a realização de novas eleições diretas, conforme determina o art. 224, § 3º, do Código Eleitoral:
Art. 224. Se a nulidade atingir a mais da metade dos votos do País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do Município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.
§ 3º. A decisão da Justiça Eleitoral que resultar no indeferimento do registro, na cassação do diploma ou na perda do mandato de candidato eleito em pleito majoritário, independentemente do número de votos anulados, acarretará a realização de novas eleições, nos termos do caput deste artigo.
DISPOSITIVO.
DIANTE DO EXPOSTO, e por tudo mais que dos autos consta:
1. Em relação às investigadas NILZA NILDA SIMAS e PATRÍCIA MOLIN MARIN, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial.
2. Em relação aos investigados CARLOS ALEXANDRE DE SOUZA RIBEIRO (XEPA) e EURICO MARCOS OSMARI, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para, com fundamento no art. 22, XIV, da Lei Complementar n. 64/90:
a) CASSAR os respectivos diplomas de Prefeito e Vice-Prefeito do Município de Itapema/SC, obtidos na eleição de 2024;
b) DECLARAR a inelegibilidade de CARLOS ALEXANDRE DE SOUZA RIBEIRO para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição de 2024.
3. DECLARO, nos termos do art. 224, § 3º, do Código Eleitoral, que a presente decisão, uma vez transitada em julgado, implicará a necessidade de realização de novas eleições diretas para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito, a serem oportunamente convocadas pelo egrégio Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina.
4. EXTINGO O PROCESSO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Sem condenação em custas ou honorários.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, comunique-se à Presidência da Câmara Municipal para as providências decorrentes e, ao final, arquivem-se.
Itapema/SC, datada e assinada eletronicamente.
LUCIANO FERNANDES DA SILVA
Juiz Eleitoral