JUSTIÇA ELEITORAL
161ª ZONA ELEITORAL DE PORTO ALEGRE RS
REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0600030-57.2024.6.21.0161 / 161ª ZONA ELEITORAL DE PORTO ALEGRE RS
REPRESENTANTE: ELEICAO 2024 SEBASTIAO DE ARAUJO MELO PREFEITO, COLIGAÇÃO ESTAMOS JUNTOS, PORTO ALEGRE
Advogados do(a) REPRESENTANTE: ROGER FISCHER - RS93914-A, RAFAEL MORGENTAL SOARES - RS105182-A, MATEUS VIEGAS SCHONHOFEN - RS68427
Advogados do(a) REPRESENTANTE: MATEUS VIEGAS SCHONHOFEN - RS68427, ROGER FISCHER - RS93914-A, RAFAEL MORGENTAL SOARES - RS105182-A
REPRESENTADA: ELEICAO 2024 MARIA DO ROSARIO NUNES PREFEITO, ELEICAO 2024 TAMYRES FRANCIS CARVALHO FILGUEIRA VICE-PREFEITO, COLIGAÇÃO O POVO DE NOVO NA PREFEITURA
Advogados do(a) REPRESENTADA: CHRISTINE RONDON TEIXEIRA - RS94526, MARCIO MEDEIROS FELIX - RS77679
Advogados do(a) REPRESENTADA: CHRISTINE RONDON TEIXEIRA - RS94526, MARCIO MEDEIROS FELIX - RS77679, THIRZA CENTENO PEREIRA ZANETTI - RS86310
Advogados do(a) REPRESENTADA: CHRISTINE RONDON TEIXEIRA - RS94526, MARCIO MEDEIROS FELIX - RS77679
Vistos.
SEBASTIÃO DE ARAÚJO MELO e COLIGAÇÃO ESTAMOS JUNTOS, PORTO ALEGRE (MDB, PL, PODEMOS, PP, PRD, PSD E SOLIDARIEDADE) ingressaram com REPRESENTAÇÃO com PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA contra MARIA DO ROSÁRIO NUNES, TAMYRES FRANCIS CARVALHO FILGUEIRA e COLIGAÇÃO O POVO DE NOVO DA PREFEITURA.
Em resumo, alegaram que no dia 10/09/2024, às 12h20min, na propaganda eleitoral gratuita, na RBS-TV, as representadas exibiram clipe em que consta o conteúdo a seguir transcrito:
“"Melo custa caro: R$100 milhões em ROUBOS na Educação, secretária presa e fraudes nas reformas de escola. Não tinha manutenção das bombas, mas tinha corrupção no DMAE. E o fogo queimou duas pousadas Garoa, cujo dono foi condenado por estelionato. Mas tem contratos de mais de R$9 milhões com a gestão do Melo. Além do escândalo do kit covid, sem eficácia, e sucateamento da Carris."
Anexaram vídeo para comprovar as alegações e fizeram considerações, ainda, sobre transgressão às regras legalmente previstas para divulgação da propaganda eleitoral gratuita, nos termos da Resolução 23.610/2019.
Deferida medida liminar (ID 061880570442), foi determinado que os representados se abstenham de reproduzir a propaganda impugnada, sob pena de fixação de multa, com fundamento no artigo 300 do CPC.
Citadas, as representadas apresentaram defesa, alegando que a propaganda foi construída com informações fidedignas baseadas em reportagens e matérias jornalísticas divulgadas em veículos de informação de grande circulação e fidedignidade, sem ataques pessoais ao candidato.
Discorre que a locução da apresentadora, quando pronunciou a palavra “roubo” em vez de “rombo”, decorreu da dicção da âncora da propaganda e tão logo verificado o fato foi realizada a alteração, mesmo antes de receber a citação dos presentes autos.
Diz ainda, que todas as informações legais constam da peça publicitária e acusa a representante de não cumprimento das regras da propaganda eleitoral.
O Ministério Público, manifestou-se em parecer ID 124253990, no sentido de confirmação da liminar, e o julgamento de parcial procedência da representação, com aplicação de multa, nos termos do art. 36, § º, da Lei 9.504/97.
DECIDO.
Inicialmente, examino a questão relativa aos defeitos formais da peça impugnada.
De fato, a divulgação da inserção publicitária eleitoral em comento se deu sem a indicação do nome das candidatas a prefeita e vice da coligação representada, requisitos essenciais a qualquer peça de propaganda eleitoral (incluídas as inserções) na dicção do art. 36, §4º, da Lei nº 9.504/97.
A infração, que é objetiva e restou consumada, sujeita as representadas ao pagamento de multa, na forma do art. 34, §3º, da Lei nº 9.504/97, que fixo em R$5.000,00.
Já os nomes dos partidos que compõem a coligação, não se mostram ilegíveis, como sustentam os representantes, e há referência de que se trata de Propaganda Eleitoral Gratuita, de modo que inocorrentes essas irregularidades.
No que toca ao conteúdo, a questão posta em debate comporta análise mais acurada.
Inicialmente, com a devida vênia à posição sustentada pelo Ministério Público, eventual ilegalidade do conteúdo veiculado não diz com a chamada propaganda negativa, pois esta somente é vedada na fase de pré-campanha, ou, durante o período de propaganda eleitoral, em conteúdos impulsionados na internet (art. 28, §7º-A da Resolução nº 23.610/19).
Fora dessas hipóteses, se insere no exercício do direito de livre manifestação e crítica política, sendo perfeitamente admissível que qualquer candidato aponte o que reputar como negativo em seus adversários, ressalvadas as vedações às ofensas a honra (calúnia, injúria e difamação), à divulgação de conteúdo sabidamente inverídico ou gravemente descontextualizado.
Pois bem.
De partida, ressalto que o fato de que a narradora da peça fala “roubos”, enquanto a legenda refere "rombos", não parece ser controvertida, tendo a representada sustentado que se tratou de problema de dicção da narradora, e que já teria sido corrigido.
Contudo, a representada sustenta que, ainda que se tratasse da expressão "roubo", o conteúdo não se caracterizaria como propaganda ilegal ou irregular, pois está posto num contexto de crítica a fatos ocorridos na administração municipal, durante a gestão do representante, e que são objeto de investigação, o que seria notório (fatos relativos à supostos atos de corrupção ou malversação do dinheiro público no âmbito da Secretaria Municipal da Educação e no DMAE).
De fato, a existência de investigações acerca de fatos ocorridos naqueles órgãos públicos, na atual gestão, que tem o representante como Prefeito, ora em busca da reeleição, é notória e foi amplamente divulgada. Vedar a menção a esses episódios, com a consequente referência de que ocorreram na administração do representante configuraria, de fato, interdição do debate político, o que não se mostra adequado.
A propósito, pertinente a transcrição da lição de Carlos Frederico Barbosa Bentivegna a respeito da redução da esfera de proteção dos direitos da personalidade de pessoas públicas:
“Quer nos parecer que só deveriam ser pessoas sujeitas a algum sacrifício de suas privacidade e imagem aquelas que: a) voluntariamente abriram mão de seu resguardo exibindo-se ao público para além da exposição natural do homem médio, em virtude de atividade artística ou atlética, ou qualquer outra a que favoreça a exposição midiática ou b) tenham o poder de influir na vida social, através da política ou da governança pública, tendo seu comportamento e biografia relação possível com o desempenho de atividades que repercutam nas vidas das pessoas comuns do povo."
De outro lado, "parte-se da premissa que, por desfrutarem de notoriedade, é razoável submetê-las a um regime em que a sua reputação não é, a priori, tão protegida como a dos demais cidadãos" (CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; Sarlet, Ingo W.; STRECK, Lênio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 257).
Assim sendo, a crítica política, se realizada sem abusos ou excessos, está respaldada pela liberdade de manifestação de pensamento (CF, artigo 5º, IV).
No caso em comento, não se pode concluir que o conteúdo seja gravemente descontextualizado, pois, como dito, as expressões foram utilizadas num contexto de crítica à administração - e, por extensão, ao administrador. Da mesma forma, não se vislumbra a hipótese de conteúdo sabidamente inverídico, pois há fatos supostamente ilegais que teriam ocorrido na administração municipal, na gestão do representado - ainda que não haja qualquer indiciamento por envolvimento pessoal do atual Prefeito -, que podem ter causado dano aos cofres públicos, e que estão sob investigação.
Contudo, em que pesem todas essas considerações, a utilização da expressão: "Melo custa caro: R$100 milhões em ROUBOS na Educação, secretária presa e fraudes nas reformas de escola. (...)", com a imagem do representado posposta, no meu sentir, extrapolou o direito à crítica política, pelo caráter pessoal e acusatório do conteúdo.
Destaco - apenas a título ilustrativo, já que não é objeto de exame neste feito - que os mesmos fatos foram referidos em propaganda eleitoral de outra coligação, e objeto de outra representação, também pelo aqui representante e atual Prefeito, em que indeferi medida liminar por entender que, ao contrário do conteúdo aqui analisado, não havia naquele material cunho de ataque pessoal direto ao representante.
Não se trata, aqui, sublinho, de querer ditar o tom da campanha de quem quer que seja, pois tal prerrogativa é exclusiva dos candidatos, candidatas, partidos, coligações e federações, mas de analisar o seu conteúdo à luz da legislação aplicável à propaganda eleitoral. No caso em exame, repito, tenho que a linha - tênue, reconheço - entre a crítica, ainda que ácida, forte e contundente, própria do debate político eleitoral, e a linguagem ofensiva, foi ultrapassada pela coligação representada.
Finalmente, o pedido do representante, de que seja vedada a veiculação de conteúdo "semelhante" ao ora examinado, a par de genérica, não encontra respaldo na norma de regência, pois caracterizaria censura prévia, constitucionalmente vedada, razão pela qual o indefiro.
ISSO POSTO, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a representação de SEBASTIÃO DE ARAÚJO MELO e COLIGAÇÃO “ESTAMOS JUNTOS, PORTO ALEGRE” (MDB, PL, PODEMOS, PP, PRD, PSD E SOLIDARIEDADE) contra MARIA DO ROSÁRIO NUNES, TAMYRES FRANCIS CARVALHO FILGUEIRA e COLIGAÇÃO O POVO DE NOVO DA PREFEITURA, para o fim de confirmar a decisão liminar e manter a vedação de divulgação exclusivamente da peça objeto da representação, bem como aplicar aos representados a multa de R$5.000,00 pelas irregularidades formais da peça, referidas na fundamentação.
Intimem-se.
Com o trânsito em julgado, arquive-se.
José Ricardo de Bem Sanhudo,
Juiz Eleitoral.