JUSTIÇA ELEITORAL
001ª ZONA ELEITORAL DE GUAJARÁ-MIRIM RO
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0600001-38.2025.6.22.0001 / 001ª ZONA ELEITORAL DE GUAJARÁ-MIRIM RO
INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA
INTERESSADO: MARCELIO RODRIGUES UCHOA, SERGIO BERMOND VAROTTI
Representantes do(a) INTERESSADO: ALEXANDRE CAMARGO - RO704, ZOIL BATISTA DE MAGALHAES NETO - RO1619, NELSON CANEDO MOTTA - RO2721-A, ALEXANDRE CAMARGO FILHO - RO9805, CRISTIANE SILVA PAVIN - RO8221-A, NAYARA GOMES NOGUEIRA - RO14203
Representantes do(a) INTERESSADO: NELSON CANEDO MOTTA - RO2721-A, ALEXANDRE CAMARGO - RO704, ZOIL BATISTA DE MAGALHAES NETO - RO1619, ALEXANDRE CAMARGO FILHO - RO9805, CRISTIANE SILVA PAVIN - RO8221-A, NAYARA GOMES NOGUEIRA - RO14203
I. RELATÓRIO
Trata-se de representação para apuração de captação ilícita de recursos para fins eleitorais, envolvendo as partes identificadas no cabeçalho.
Suma da inicial: O Ministério Público Eleitoral fundamenta a propositura da ação na apreensão de R$30.000,00 (trinta mil reais) em espécie na posse do requerido Marcélio, então candidato à reeleição ao cargo de Prefeito da cidade de Nova Mamoré/RO, o que teria ocorrido durante uma abordagem policial, em 03/10/2024, às vésperas da eleição municipal. O MPE alega que esses recursos apreendidos com Marcélio não transitaram pela conta bancária de campanha obrigatória, configurando a prática de "caixa dois". A representação teve origem em um Procedimento Preparatório Eleitoral instaurado para apurar a arrecadação de fundos não declarados à Justiça Eleitoral.
O MPE sustenta que a conduta viola o artigo 30-A da Lei nº 9.504/97, pois compromete a transparência e a lisura do pleito eleitoral. A acusação se baseia nas versões contraditórias do próprio candidato Marcélio: aos policiais, afirmou que o dinheiro era para pagar "formiguinhas" e combustível; já em interrogatório formal, declarou que o valor era proveniente da venda de um terreno e seria destinado a candidatos a vereador de sua coligação.
Para o MPE, a utilização de dinheiro em espécie para fins eleitorais, à margem da contabilidade oficial, constitui uma ilegalidade grave, independentemente de os recursos terem sido efetivamente utilizados, uma vez que a captação ilícita já havia se consumado. Diante dos fatos, o autor da ação pede a cassação do diploma de ambos os representados (Prefeito e Vice).
Suma da contestação: Os requeridos, em suas defesas, alegaram, preliminarmente, ilegitimidade passiva (o art. 30-A da Lei nº 9.504/97, pune apenas o candidato beneficiado pela arrecadação ou gasto ilícito de recursos, e não o doador), nulidade da prova a partir da abordagem policial ilegal (a apreensão do dinheiro é uma prova ilícita, pois a abordagem policial foi "aleatória" e "rotineira", realizada sem a "fundada suspeita"). Nó mérito, a defesa sustenta a total licitude da origem e da destinação pretendida para os R$30.000,00 apreendidos com o requerido Marcélio.
Os requeridos dizem que o valor é parte do pagamento da venda de um terreno urbano pertencente a Marcélio, e que seria doado a candidatos a vereador da sua base, mediante depósito na conta dos donatários. Afirma que não fez o depósito no dia anterior à apreensão porque recebeu o numerário após o expediente bancário, então, teria optado por se dirigir ao distrito de Jacinópolis no dia 03/10/2024 cedo e lá chegando, segundo afirma, depositaria o numerário em sua conta para, posteriormente, realizar a doações oficiais aos candidatos a vereador do PP, via transferência bancária, isso considerando que o PP não teria sido beneficiado com recursos do fundo partidário.
Assim sendo, argumentam que não houve má-fé nem violação à lei, pedindo a improcedência da ação.
Outras ocorrências:
Sobre a contestação, o MPE manifestou-se no ID 122993646, onde rebateu as preliminares e pediu a inauguração da fase probatória.
Em juízo, entre testemunhas e informantes, foram ouvidas oito pessoas. Foi deferido, na ocasião, o compartilhamento de provas para a juntada, nestes autos, do IPL n. 0600688-49.2024.6.22.0001, instaurado a partir da prisão em flagrante do requerido Marcélio (Ata de audiência no ID 123092215).
O MPE apresentou alegações finais aduzindo, em suma, que as provas colhidas durante a instrução processual são suficientes para comprovar a irregularidade, que consistiu na posse de R$30.000,00 em espécie, com finalidade eleitoral, sem o devido trânsito pela conta de campanha obrigatória (ID 123140762).
A defesa, por sua vez, afirma serem intempestivas as alegações finais do MP; reitera as preliminares da contestação. No mérito, a defesa foca em demonstrar a legalidade da origem e da destinação para o dinheiro apreendido com o demandado Marcélio; subsidiariamente, sustenta que a conduta atribuída carece de gravidade necessária para justificar a cassação do mandato, e conclui pedindo o acolhimento das preliminares ou, caso superadas, o julgamento pela total improcedência da ação (ID 123144535).
Processo distribuído em 07/01/2025; última conclusão em 05/08/2025.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Das preliminares de mérito (contidas na contestação):
1.1. Da preliminar de ilegitimidade passiva:
A defesa sustenta a ilegitimidade passiva do requerido Marcélio sob o argumento de que ele agiu na condição de doador de recursos para campanhas de terceiros (candidatos a vereador do PP), e não como beneficiário de sua própria campanha, sendo o art. 30-A da Lei das Eleições aplicável, em sua interpretação, apenas ao candidato beneficiado.
Pois bem. Sabe-se que o artigo 30-A da Lei nº 9.504/97 visa a assegurar não só a moralidade e a lisura do pleito eleitoral, como também a igualdade entre os candidatos, de modo que, aquele que concorrer/contribuir para sua violação, é parte legítima para figurar no polo passivo. Não por outra razão, o n. XIV, do art. 22, da LC 64/1990 tem previsão expressa no sentido de que os efeitos da sentença que julgar procedente a representação alcançaram “quantos hajam contribuído para a prática do ato (...)."
No caso concreto, a presente ação busca justamente apurar a origem e destino dos recursos que, incontroversamente, foram apreendidos em poder de Marcélio na véspera das eleições de 2024, de forma que, então, revela-se parte legítima para estar no polo passivo, de modo que rejeito a preliminar.
1.2. Preliminar de nulidade da apreensão em razão abordagem policial:
A defesa diz ser ilegal, por falta de "justa causa" ou "fundada suspeita", a abordagem policial de 03/10/2024, que resultou na apreensão dos valores em espécie (R$30.000,00).
Pois bem. O acesso ao distrito de Jacinópolis, para onde se dirigia o requerido Marcélio no dia dos fatos, se faz por uma estrada conhecida como “estrada parque”. Tal estrada, constantemente, é alvo de operações policiais, seja por crimes ambientais no Parque Estadual de Guajará-Mirim, seja porque é rota para transporte de ilícitos, pois é via alternativa à BR 364.
Na época dos fatos, em razão das queimadas, frequentemente havia presença de força policial no local, com o objetivo de prevenir ilícitos de toda natureza. Justamente por essa razão estavam ocorrendo abordagens e revistas aos que por ali transitavam. Dessa forma, além de o veículo do requerido não ter as mesmas garantias constitucionais deferidas à casa do indivíduo (asilo inviolável), sob a minha ótica, havia justa razão para as abordagens que estavam ocorrendo de modo geral.
Ademais, o informante Caio César, Secretário do Meio Ambiente de Nova Mamoré, confirmou que a prefeitura, à qual o Marcélio é alcaide, apoiava a operação policial de combate às queimadas, e que, por isso, o Prefeito Marcélio "sabia da fiscalização e revistas veiculares" que estavam ocorrendo na localidade (gravação anexa).
Desse modo, por entender que a revista veicular era realizada no interesse público da época, isto é, com o objetivo de prevenir crimes, sobretudo ambientais, concluo que a atuação policial que levou à apreensão do numerário em poder de Marcélio foi legítima e, portanto, rejeito a preliminar, não sendo o caso de aplicação da teoria do “fruto da árvore envenenada.”
De outro norte, no tocante à alegação defensiva sobre o “valor probante da palavra policial”, as provas serão valoradas em conjunto, nos termos do art. 371, do CPC, c/c parágrafo único, do art. 7º, da LC n. 64/1990. Desse modo, a alegação não se trata, propriamente, de uma preliminar, data vênia.
De igual forma, aproveito a oportunidade inicial para anotar que, ao contrário do que alegou a defesa em sua manifestação derradeira, a certidão de ID 123141101 confirma que as alegações finais do MPE são tempestivamente. Porém, ainda que assim não fosse, o prazo não é peremptório, e, no caso, a juntada ocorreu antes das alegações dos requeridos, não trazendo nenhum prejuízo ao devido processo legal ou à ampla defesa.
Passo ao exame do mérito.
2. Mérito:
Como visto, o MPE atribui aos requeridos a prática de conduta que, em tese, teria violado o disposto no art. 30-A, da Lei 9.504/97, cuja redação oficial é:
“Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral, no prazo de 15 (quinze) dias da diplomação, relatando fatos e indicando provas, e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009) (Vide Emenda Constitucional nº 107, de 2020)”
Na interpretação do TSE, segundo se infere do REspEL n. 0000463-38.2016.6.26.0166, Rel. Min. Nunes Marques, o art. 30-A acima citado “exige que a arrecadação e os gastos eleitorais observem os parâmetros legais, com a finalidade de proteger a lisura e a transparência das campanhas e preservar a igualdade de oportunidades entre os candidatos.” Assim, o Tribunal entende que o “ilícito abrange tanto a ilegalidade da receita em si quanto a do modo de obtenção dos recursos financeiros.”
Desse modo, para a Corte Superior Eleitoral a “prática de ‘caixa dois’ se subsome (sic) à hipótese descrita no art. 30-A da Lei n. 9.504/1997 e caracteriza-se pelo fluxo de numerário que, a despeito de financiar os atos de campanha, corre à margem do sistema legal de controle - seja porque deixou de ser contabilizado, seja porque foi falsamente escriturado.” (grifei).
Pois bem. É fato incontroverso nos autos que o requerido Marcélio, candidato à reeleição ao cargo de Prefeito do municípIo de Nova Mamoré/RO, em 03/10/2024, foi preso em flagrante delito quando se deslocava pela “estrada parque”, sentido ao distrito de Jacinópolis, transportando a quantia, em espécie, de R$30.000,00.
O MPE, então, devido às versões contraditórias de Marcélio quanto ao destino do dinheiro apreendido, representou pela instauração da presente investigação judicial eleitoral aduzindo, em síntese, que o agente descumpriu as regras da Lei n. 9.504/97 e da Resolução TSE n. 23.607/2019 em razão de que:
Já os requeridos, em síntese, quanto aos fatos, alegam que os R$30.000,00, apreendidos com Marcélio, possuem origem lícita, isto é, provém da venda de um terreno, pelo valor total de R$40.000,00, de propriedade do requerido. Aduzem que os trinta mil reais de entrada foram pagos pelo comprador, em espécie, após o expediente bancário do dia 02/10/2024 (dia anterior à apreensão), e que tal valor teria como destino a doação aos candidatos a vereadores do PP do distrito de Jacinópolis.
Alegam, também, pelo que pude compreender, que, como Marcélio saiu cedo da sede do município rumo a Jacinópolis, optou por realizar o depósito dos trinta mil na sua conta bancária quando chegasse ao destino, e, a partir disso, faria as transferências bancárias para os candidatos aos cargos de vereadores do PP, via conta de campanha, já que, segundo alegou, tal partido não foi contemplado com recursos do fundo partidário.
Por fim, a defesa aduziu que a conduta de Marcélio, tal qual, na sua visão, foi exposta na petição inicial, lhe coloca na condição de “simples” doador para a campanha de terceiros (vereadores), de modo que, nesse caso, Marcélio não poderia ser sancionado, já que caberia ao donatário elaborar a prestação de contas.
Pois bem.
Particularmente, a versão altruísta do requerido Marcélio - vendeu imóvel particular para doar 75% do dinheiro a candidatos a vereador que não foram agraciados com verba do fundo partidário -, se apresenta pouco plausível, embora não seja impossível, data vênia.
Não obstante isso, como disse o Min. Eros Grau, os “juízes não podem decidir subjetivamente, de acordo com o seu senso de justiça.” (Por que tenho medo dos juízes, a interpretação/aplicação do direito e os princípios, 6º ed., 2014, ED. Malheiros, p. 22). Então, o julgamento se faz contextualizando as versões apresentadas pelas partes com o conjunto probatório produzido, para que, ao final, se possa concluir se, de fato, ocorreu ou não o ilícito eleitoral imputado.
No caso concreto, a partir das provas produzidas em contraditório - o contraditório se faz em juízo, sob pena de tornar supérfluo o devido processo legal -, é possível concluir que os trinta mil reais apreendidos podem ser provenientes da venda de um imóvel pertencente ao requerido Marcélio, como consta da sua defesa.
Os documentos anexados aos autos, como por exemplo, imposto de renda pessoa física (IRPF/2023) e a declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral (IDs 122987923 e 122987925), aliados aos depoimento da testemunha Natalino Álvaro Mauro Júnior (comprador do imóvel referido) e do informante Magno Alves Sales (quem recebeu o dinheiro), revelam a existência de dúvida razoável a respeito da tese defendida na inicial, qual seja, de que a origem do recurso seria ilícita. A dúvida, nesse caso, deve ser resolvida a favor dos requeridos.
Por outro lado, as provas testemunhais e as transferências bancárias para contas oficiais, mesmo que após o dia 03/10/2024(IDs 122987931 e 123092215), indicam, ao menos em tese, que Marcélio seria doador de recursos pessoais para a campanha de candidatos a vereador do PP, esses que, segundo se apurou em audiência, de fato, não teriam recebido recursos do fundo especial de financiamento de campanha.
Aqui, mais uma vez, a dúvida deve ser resolvida a favor dos requeridos. Pois, uma vez que os recursos aparentam ter origem lícita, não era impossível que, ao chegar em Jacinópolis o requerido Marcélio pudesse, realmente, depositar o numerário em sua conta bancária para, a partir daí, realizar as transferências com identificação da origem, na forma do art. 21, da Resolução TSE n. 23.607/2019.
Como visto acima, o “caixa 2” caracteriza-se pelo fluxo de numerário à margem do sistema de controle, que, no caso concreto, se configuraria apenas se as provas apontassem no sentido de que os trinta mil reais apreendidos não seriam contabilizados pelos donatários.
Porém, no dia 03/10/2024 (data da apreensão) haveria tempo hábil para a contabilização, pois o doador, ora requerido Marcélio, ainda podia depositar o dinheiro em Jacinópolis, e, então, observar a regra do art. 21, I, da Resolução TSE n. 23.607/2019, e, a partir da efetivação da doação, os beneficiários poderiam fazer a devida prestação de contas.
Dessa forma, é possível observar que a versão dos requeridos, como dito inicialmente, revela-se possível processualmente falando, isto é, contextualizando com o que consta dos autos.
Desse modo, a dúvida deve favorecer a vontade popular. A propósito, do total de 14.934 votos válidos para o cargo de Prefeito e Vice, os requeridos obtiveram 9.480 (63,48% dos votos apurados).
Destarte, ante a carência de elementos probatórios para além da dúvida razoável, entendo, com a devida vênia, que a pretensão contida na inicial não pode ser acolhida.
III. DISPOSITIVO
Isso posto, nos autos do processo de n. 0600001-38.2025.6.22.0001, com base no art. 487, I, do CPC, c/c art. 1º, da Resolução TSE n. 23.478/2016, e art. 44, da Resolução TSE n. 23.608/2019, rejeito os pedidos formulados na inicial.
Procedam-se as anotações de praxe e, transitada em julgado e nada sendo requerido em até 5 (cinco) dias, arquivem-se os autos.
Int.
Guajará-Mirim/RO, data da assinatura.
Juiz assinante