TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO RIO GRANDE DO NORTE

 006ª ZONA ELEITORAL DE CEARÁ-MIRIM RN

REGISTRO DE CANDIDATURA (11532) n.º 0600199-51.2024.6.20.0006 - PROCEDÊNCIA: CEARÁ-MIRIM/RN

IMPUGNANTE: PROMOTOR ELEITORAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

IMPUGNADO: RONALDO MARQUES RODRIGUES
INTERESSADO: FEDERAÇÃO PSDB CIDADANIA (PSDB/CIDADANIA) - CEARÁ-MIRIM - RN, FEDERAÇÃO PSDB CIDADANIA (PSDB/CIDADANIA)
Advogados do(a) IMPUGNADO: DONNIE ALLISON DOS SANTOS MORAIS - RN7215-A, FLAVIO DE FREITAS CRUZ JUNIOR - RN17602

SENTENÇA

 

ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURAS. ELEIÇÃO MAJORITÁRIA. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA – AIRC. CAUSA DE INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, “G”, DA LC 64/90. CONTAS DESAPROVADAS PELA CORTE DE CONTAS ESTADUAL. DESPESAS COM COMBUSTÍVEL SEM COMPROVAÇÃO DE DESTINAÇÃO PÚBLICA. RECONHECIMENTO DE ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDEFERIMENTO DO REGISTRO DE CANDIDATURA DO CANDIDATO A VEREADOR. 

Vistos, etc.

I – Relatório.

Trata-se de Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) de RONALDO MARQUES RODRIGUES - FEDERAÇÃO PSDB CIDADANIA (PSDB/CIDADANIA) - CEARÁ-MIRIM - RN, FEDERAÇÃO PSDB CIDADANIA (PSDB/CIDADANIA), para concorrer ao cargo de Vereador, no Município de Ceará-Mirim/RN.

Nos autos principais do pedido de registro coletivo de candidatura do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) foi(ram) juntada(s) a(s) Ata(s) de Convenção Partidária, pela integração entre os Sistemas de Candidaturas (CAND) e Processo Judicial Eletrônico (PJe), nos termos do inciso II, § 4º, do art. 6º, da Resolução TSE nº 23.609/2019, atestando a regular escolha da Candidata ou Candidato.

O Chefe do Cartório Eleitoral certificou regularmente nos autos as determinações contidas no inciso II, art. 35, da Resolução TSE nº 23.609/2019.

O Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) da agremiação partidária ou federação de partidos foi julgado como Deferido.

Publicado o edital, o Ministério Público Eleitoral apresentou, tempestivamente, impugnação ao registro, conforme documentos de IDs 122477543 e 122482798, transcorrendoin albis” o prazo legal sem impugnação, em relação aos demais legitimados, nos termos do § 3º, art. 34, da Resolução TSE nº 23.609/2019 (Lei Complementar nº 64/1990, art. 3º, e Súmula TSE nº 49).

Aduz o MPE em sua impugnação que o ora requerente, "exercendo a função de Presidente da Câmara, e na qualidade de ordenador de despesas, teve as contas da Câmara Municipal de Ceará-Mirim, relativas ao exercício de 2005, julgadas irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado".

Regularmente citado, o requerente apresentou a contestação de ID. 122555045, alegando, em síntese: a) Que em relação ao Acórdão prolatado no processo nº 12.855/2007-TC, exercício 2005, o TCE-RN entendeu por haver irregularidade formal, apontando a ausência de CRLV, via de consequência, aplicação de multa, sem restituição ao erário; b) Que o próprio Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte não considera o fato acima como adstrito à norma citada da Lei da Ficha Limpa, de modo que não citou o seu processo e/ou seu nome da Lista dos Inelegíveis (ou das Contas Reprovadas); c) Que o dolo específico, necessário para configuração do ato de improbidade administrativa, não está presente na situação em comento; d) Que a despeito dos fatos serem de 2005, até o presente momento o Ministério Público do Estado do RN não ingressou com qualquer Ação Judicial sobre esse fato. 

Expedido Ofício ao Tribunal de Contas do Estado, conforme documento de ID. 122577973, este apresentou os documentos requisitados por e-mail, conforme IDs de 122590293 a 122590299.

Intimada para se manifestar sobre o pedido de juntada de prova emprestada dos autos da Ação n.º 0851877-82.2019.8.20.5001, contido na contestação do impugnado (Id. nº 122555045), a representante do Ministério Público Eleitoral manifestou-se favoravelmente, conforme Petição de ID. 122580585.

O Impugnado apresentou Petição de Juntada de Sentença extraída dos autos nº 0600007- 94.2019.6.20.0006, que trata do seu Registro de Candidatura nas Eleições Suplementares de 2019, apontando que “O advento da Lei n. 14.230/2021 alterou o panorama de incidência da inelegibilidade por desaprovação de contas públicas, passando a ser exigido o dolo específico, em superação ao dolo genérico (RO n. 0601046-26/PE, redator para o acórdão o Ministro Ricardo Lewandowski, PSESS em 10.11.2022)”. 

Instado a se manifestar, o Ministério Público Eleitoral apresentou parecer de ID. 122618207, pugnando pelo indeferimento do registro em razão de: a) Presença de causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, alínea “g”, da LC nº 64/90; b) Existência de decisão irrecorrível do TCE-RN, anterior ao interstício máximo de 8 anos; c) Conduta dolosa do impugnado no uso de verba pública de grande vulto, sem a comprovação de finalidade pública específica; d) Ausência de quitação eleitoral, conforme documento de ID. 122597057. 

É o relatório. Decido.

II – Fundamentação.

O Candidato Requerente foi regularmente escolhido em convenção partidária, dentro do prazo legal, previsto no art. 6º, da Resolução TSE nº 23.609/2019.

Foi comprovada a regularidade da situação jurídica do partido político ou federação de partidos na qual é filiado o Candidato na circunscrição, estando vigente(s), conforme certidões de Composição Partidária extraídas pelo Sistema de Gerenciamento de Informações Partidárias (SGIP), acostadas nos autos principais, em conformidade com o disposto nos incisos I e II, do caput, e no § 1º-A, do art. 2º, e alínea “a”, I, art. 35, todos da Resolução TSE nº 23.609/2019 (Redação dada pela Resolução nº 23.675/2021).

Foi transmitido tempestivamente o Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) do Requerente, pelo Módulo Externo do Sistema de Candidaturas (CANDex), sendo o mesmo regularmente autuado automaticamente, pela integração entre os Sistemas de Candidaturas (CAND) e Processo Judicial Eletrônico (PJe), nos termos do art. 32, da Resolução TSE nº 23.609/2019.

Debruçando-se sobre os presentes autos verifica-se que, foram realizadas consultas, conferências, diligências quando necessárias (art. 36, da Resolução TSE nº 23.609/2019), análise pormenorizada, e alterações quando aplicáveis, diretamente no Sistema de Candidaturas (CAND) e Sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe), com a devida certificação nos autos.

Foram observados os percentuais dispostos no art. 17, da Resolução TSE nº 23.609/2019 (Lei nº 9.504/1997, art. 10, caput), tanto no tocante a quantidade de registros lançados, quanto no tocante aos percentuais mínimos e máximo por gênero, conforme o relatório “Percentual de Registros”, extraído do Sistema de Candidaturas (CAND).

A determinação legal esculpida no inciso II, art. 35, da Resolução TSE nº 23.609/2019, foi realizada pelo Cartório Eleitoral, com a importação dos Relatórios “Requisitos para o Registro – Analítico” e “Informação de Candidato”, extraídos do Sistema de Candidaturas (CAND), mediante a integração com o Sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe), certificando-se, inclusive:

a) A regularidade do preenchimento do pedido, após análise pormenorizada do Formulário denominado Requerimento de Registro de Candidatura (RRC), nos termos do art. 24, e alínea “a”, II, art. 35, da Resolução TSE nº 23.609/2019;

b) A presença das condições de elegibilidade, na forma da lei (Constituição Federal, art. 14, § 3º, I a VI, a, b e c), do Candidato, nos termos do art. 9º, e alínea “b”, II, art. 35, da Resolução TSE nº 23.609/2019;

c) Estão presentes todos os requisitos para o registro da candidatura, com a regular apresentação da documentação descrita no art. 27, e alínea “c”, II, art. 35, da Resolução TSE nº 23.609/2019;

d) A regularidade do nome e do número com o qual concorre, do cargo, do partido político e do gênero, de acordo com a alínea “d”, II, art. 35, da Resolução TSE nº 23.609/2019 (Redação dada pela Resolução nº 23.729/2024.

e) A existência de Impugnação ao registro apresentada pelo Ministério Público Eleitoral.

Frisa-se que, a qualidade técnica da fotografia está de acordo com o que dispõe o inciso II, art. 27, e alínea “e”, II, art. 35, da Resolução TSE nº 23.609/2019 (Incluído pela Resolução nº 23.729/2024), cuja validação pelo Sistema “Bem na Foto”, será realizada após o julgamento da Candidata ou do Candidato, conforme determina o art. 35-A, da Resolução TSE nº 23.609/2019 (Incluído pela Resolução nº 23.729/2024).

A elegibilidade é direito fundamental previsto na Constituição Federal, sendo que qualquer restrição imposta deve ser interpretada de forma estrita e aplicada com cautela. Assim, ainda que haja a possibilidade de se restringir a elegibilidade pela ausência das condições constitucionalmente previstas, pela incidência das inelegibilidades ou, ainda, pelo não atendimento das condições de registrabilidade, todas essas limitações devem ser aplicadas em observância ao princípio da legalidade.

No registro de candidatura em análise, o Ministério Público Eleitoral apresentou impugnação ao registro, em razão do ora requerente, quando ocupante da função de Presidente da Câmara, e na qualidade de ordenador de despesas, teve as contas da Câmara Municipal de Ceará-Mirim, relativas ao exercício de 2005, julgadas irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado.  

As causas de inelegibilidade, ao contrário das condições de elegibilidade, são requisitos negativos, não podendo o candidato nelas incidir, sob pena de indeferimento do registro de candidatura, ante o impedimento ao exercício da cidadania passiva.

A norma constitucional, a par das causas de inelegibilidade nelas previstas, delega à Lei Complementar dispor sobre outras hipóteses de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, na forma prescrita no § 9º do art. 14:

Art. 14.

(...)

§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (grifei)

 

Ao disciplinar no âmbito infraconstitucional o art. 14, § 9º, da Constituição Federal, a LC n.º 64/1990 prevê a restrição ao ius honorum de todos aqueles que tiverem suas contas rejeitadas, referentes ao exercício de cargo ou função pública, na forma do art. 1º, I, “g”, da LC n.º 64/90, verbis:

Art. 1º São inelegíveis:

I - para qualquer cargo:

(...)

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição

(...)

§ 4º-A. A inelegibilidade prevista na alínea “g” do inciso I do caput deste artigo não se aplica aos responsáveis que tenham tido suas contas julgadas irregulares sem imputação de débito e sancionados exclusivamente com o pagamento de multa. (Incluído pela Lei Complementar n.º 184/2021) (grifei)

 

Para a incidência da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º,I, "g", da LC n.º 64/90, é necessária a presença cumulativa dos seguintes requisitos: a) prestação de contas relativa ao exercício de cargos ou funções públicas; b) julgamento e rejeição das contas por decisão irrecorrível do órgão competente; c) existência de irregularidade insanável; d) irregularidade que configure, em tese, ato doloso de improbidade administrativa (haja vista a incompetência desta Justiça Especializada para apreciação da improbidade administrativa em concreto); e) inexistência de suspensão ou anulação da decisão pelo Poder Judiciário; e f) não ultrapassado o prazo de oito anos entre a publicação da decisão e a data das eleições. 

Ademais, em consonância com o novel § 4º-A, incluído pela Lei Complementar n.º 184/2021, não incide a inelegibilidade em questão nas hipóteses de contas julgadas irregulares sem imputação de débito e sancionados exclusivamente com o pagamento de multa.

A qualificação jurídica da decisão de rejeição de contas como ato doloso de improbidade administrativa, para fins de incidência da inelegibilidade inserta no art. 1º, I, “g”, da LC n.º 64/1990, consiste em matéria de competência exclusiva desta Justiça Especializada, e não do órgão julgador de contas, cabendo ao juiz eleitoral competente para o registro de candidatura valorar as irregularidades apuradas na decisão que rejeita as contas, no intuito de concluir pela configuração ou não do impedimento à cidadania passiva do postulante a cargo eletivo.

Não está, portanto, a Justiça Eleitoral vinculada ao enquadramento legal do fato dado pelo órgão julgador de contas, sendo irrelevante, para fins de restrição à cidadania passiva com base no art. 1º, I, “g”, da LC n.º 64/1990, que da decisão de contas conste ou não referência à caracterização de ato doloso de improbidade administrativa.

Por sua vez, reza a Súmula 41 do TSE que: “Não cabe à Justiça Eleitoral decidir sobre o acerto ou desacerto das decisões proferidas por outros Órgãos do Judiciário ou dos Tribunais de Contas que configurem causa de inelegibilidade”. 

Assim, incabível à Justiça Eleitoral, no âmbito do processo de registro de candidatura, efetuar juízo de valor acerca do mérito da decisão proferida pelo Tribunal de Contas que implique a inelegibilidade do candidato com fundamento no art. 1º, I, “g”, da LC n.º 64/1990, cabendo-lhe tão somente a apreciação dos requisitos necessários à configuração da restrição ao ius honorum.

Acerca do dolo necessário à configuração do hipotético “ato doloso de improbidade administrativa” a jurisprudência havia se firmado no sentido de que seria suficiente o chamado dolo genérico ou eventual, consistente na conduta do agente público que assume os riscos decorrentes da inobservância dos preceitos legais e constitucionais que vinculam a Administração Pública (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 15828, rel. Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, DJE 23/06/2020; TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 482, rel. Min. Jorge Mussi, DJE 26/11/2019; Recurso Especial Eleitoral nº 36474, rel. Min. Edson Fachin, DJE - 15/08/2019). 

No entanto, cumpre consignar que a Lei n.º 14.230/2021 promoveu profundas alterações na Lei de Improbidade Administrativa (Lei n.º 8.429/1992), estabelecendo em relação ao dolo a exigência expressa, em diversas de suas passagens, de dolo específico para a caracterização do ato ímprobo, como se extrai dos seguintes dispositivos:

Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.     

(...)

§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.      

§ 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.      

§ 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa.

(...)

§ 8º Não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário. 

(...)

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: 

(...)

§ 2º A mera perda patrimonial decorrente da atividade econômica não acarretará improbidade administrativa, salvo se comprovado ato doloso praticado com essa finalidade.    

(...)

 

Referida alteração legislativa exigirá um outro olhar da Justiça Eleitoral quando tiver que decidir, em registro de candidatura, pela declaração ou não da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “g”, da LC n.º 64/90, já que, para a subsunção dos fatos que ensejaram a rejeição de contas em ato doloso de improbidade administrativa, não mais se reclamará a simples existência de dolo genérico ou eventual, consistente na vontade livre e consciente de praticar o ato administrativo e de assumir os riscos dele inerentes, passando-se a demandar, por conta da atual diretriz emanada da Lei de Improbidade Administrativa, a presença do denominado dolo específico, consistente na vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito, ou seja, de dolo com finalidade ilícita por parte do agente (especial fim de agir).

Deveras, a novel estrutura normativa da Lei n.º 8.429/1992, significativamente alterada pela Lei n.º 14.230/2021, em uma verdadeira reação legislativa à jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça acerca da temática, descaracterizou a redação originária da Lei de Improbidade, dando ensejo verdadeiramente a uma nova lei, embora mantida a mesma numeração, o que refletirá na análise sobre a incidência ou não da cauda inelegibilidade contida no art. 1º, I, “g”, da LC n.º 64/90.

In casu, extrai-se do caderno processual que os seguintes pressupostos para a incidência da hipótese de inelegibilidade prevista no art. 1º,I, "g", da LC n.º 64/90 restam claramente atendidos, a saber:

a) Rejeição de contas relativas ao exercício de cargo ou função pública por irregularidade insanável, em decisão prolatada por órgão competente;

b) a irrecorribilidade da decisão proferida pelo TCE-RN no bojo do processo relativo à prestação de contas do exercício de função pública do impugnado, conforme certidão de trânsito em julgado constante no documento de ID nº 122590299;

c) a inexistência de provimento suspensivo ou anulatório emanado do Poder Judiciário, tendo em vista a realização de consulta processual, no momento da prolação desta decisão, através do PJe e e-SAJ, ter revelado inexistir decisões da Justiça Comum, suspendendo ou anulando a condenação do impugnado. A esse respeito, cumpre recordar que o Processo Pje nº 0851877- 82.2019.8.20.5001, que visava a anulação da decisão administrativa, foi julgada improcedente, conforme ID. 122477550, págs. 2 a 15, e ID. 122477552, págs. 2 a 12;

d) Requisito Temporal: Não transcorreu o prazo de até 8 anos, contados da data da decisão.

 

Quanto ao requisito indispensável da “rejeição de contas, relativas ao exercício de cargo ou função pública, por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa” – tem-se as seguintes ementas dos acórdãos do TCE-RN nº 590/2012-TC e 217/2018-TC, que desaprovaram as contas do Impugnado:

SESSÃO ORDINÁRIA 00018', DE 10 DE MAIO DE 2012- V CÂMARA.

Processo N°012855 / 2007- TC (012855/2007-CMCMIRIM)

Interessado: CAM.MUN.CEARA-MIREM/RN

Assunto: DOCUMENTAÇÃO COMPROBATORIA DE DESPESAS

RESP.: RONALDO MARQUES RODRIGUES

Relator(a): CARLOS THOMPSON COSTA FERNANDES
 

ACÓRDÃO No. 590/2012 - TC

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA DE DESPESA IRREGULARIDADES FORMAL E MATERIAL CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO E AQUISIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS SEM COMPROVAÇÃO DA DESTINAÇÃO PÚBLICA ESPECÍFICA DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS RESSARCIMENTO APLICAÇÃO DE MULTA DEVER DE REPRESENTAÇÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, na esteira do que proposto pela informação do Corpo instrutivo e, divergindo do parecer do Ministério Público junto a esta Corte, ACORDAM os Conselheiros, nos termos do voto proferido pelo Conselheiro Relator, julgar pela NÃO APROVAÇÃO da matéria, em conformidade com o art. 78, inciso lI e IV, da Lei Complementar Estadual n° 121/94, impondo ao Ex-Presidente da Câmara Municipal de Ceará-Mirim, Sr. Ronaldo Marques Rodrigues: a) o dever de ressarcimento da quantia relativa aos gastos injustificados com combustíveis, totalizando o valor de R$53.666,65, acrescidos de juros e correção monetária, com fundamento no art. 78, §.3°, alínea 'a', da Lei Complementar n° 121/94, somando-se ainda a imposição da multa no percentual de 30% do débito imputado, com base no art. 102, inciso I. do mesmo diploma legal supracitado; b) a multa no valor total de R$2.000,00 relativa às duas irregularidades formais identificadas nos presentes autos, quais sejam, as contratações de serviços contábeis e jurídicos sem concurso público, com base no art. 102, inciso II, do mesmo diploma legal supracitado. ACORDAM, outrossim, pela remessa de cópias autenticadas do presente processo ao Ministério Público Estadual para investigação acerca do possível enquadramento da conduta do responsável pelas contas em improbidade administrativa e/ou infrações penais, nos termos do que disposto na alínea 'b', do §2°, do art. 78, da Lei Complementar n° 121/94.

Sala das Sessões. 10 de Maio de 2012.

ATA da Sessão Ordinária n°00018/2012 de 10/05/2012

Presentes os Conselheiros: Maria Adélia Sales, Carlos Thompson Costa Fernandes e Marco Antônio de Moraes Régo Montenegro (conselheiro Convocado Por Vacância)

Decisão tomada: Por unanimidade.

Representante do MP presente: Othon Moreno de Medeiros Alves.
 

CARLOS THOMPSON COSTA FERNANDES

Conselheiro Relator

(grifos acrescidos)


 

 

Com efeito, os autos do Processo n.º 012855/2007-TC informam que o Impugnado, então Presidente da Câmara de Vereadores de Ceará-Mirim/RN, realizou contratação de assessoria contábil e jurídica sem concurso público, bem como realizou despesa pública consistente na aquisição de combustível, em favor do Posto Nova Vida, desembolsando a quantia total de R$ 53.666,65 (cinquenta e três mil, seiscentos e sessenta e seis reais e sessenta e cinco centavos), ao longo do exercício financeiro de 2005, sem comprovar, através da apresentação de documentos, a destinação pública dos referidos recursos, ao exemplo da ausência de apresentação da documentação do(s) carro(s) ao(s) qual (is) o combustível fora destinado.

De plano, com base no teor do Acórdão nº 590/2012 - TC acima transcrito, especialmente no trecho grifado, fica afastada a incidência do §4º-A, do art. 1º, da Lei Complementar nº 64/90, haja vista que o impugnado não foi sancionado exclusivamente com o pagamento de multa, havendo condenação de ressarcimento ao erário.

§ 4º-A. A inelegibilidade prevista na alínea “g” do inciso I do caput deste artigo não se aplica aos responsáveis que tenham tido suas contas julgadas irregulares sem imputação de débito e sancionados exclusivamente com o pagamento de multa.   (Incluído pela Lei Complementar nº 184, de 2021)

Acerca do pressuposto da “existência de irregularidade insanável”, igualmente reconhecida como condição sine quae non para fins de caracterização da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “g” da LC 64/90, é pacífico na jurisprudência dos Tribunais a compreensão de que “despesas contraídas com combustível, sem demonstração da respectiva finalidade pública, como a discutida nos autos, configura vício de natureza insanável e ato doloso de improbidade administrativa”. Veja-se:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. IMPUGNAÇÃO. INELEGIBILIDADE. CONTAS PÚBLICAS DESAPROVADAS. ART. 1º, I, G, DA LC 64/90. DESPESAS COM COMBUSTÍVEL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE FINALIDADE PÚBLICA. VÍCIOS INSANÁVEIS. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

(…).

4. Extrai-se da moldura fática do acórdão do TRE/PE, por sua vez composta por trechos do decisum em que se rejeitaram as contas, que "não restou satisfatoriamente comprovada a finalidade pública das despesas com aquisição de combustível no montante de R$ 24.264,69" e que há "indícios de que a documentação foi produzida unicamente para justificar os gastos, sem a correspondente materialidade da despesa" (fl. 194).

5. Consta, ainda, que as notas fiscais das supostas despesas fazem "referência a quantidades mensais de gasolina bem superiores ao razoável" (fl. 195).

6. Nesse contexto, reitere-se que despesas contraídas pelo candidato com combustível, enquanto vereador, sem demonstração do respectivo fim público, configuram vício de natureza insanável e ato doloso de improbidade administrativa. Precedentes, com destaque para o AgRREspe 166-94/RJ, rel. Min. Herman Benjamin, sessão de 3.11.2016, e o REspe 104-79/PE, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 17.5.2013.

7. Os supostos vícios apontados denotam propósito do embargante de rediscutir matéria já decidida, providência inviável na via aclaratória. Precedentes. CONCLUSÃO. VÍCIOS INEXISTENTES. EMBARGOS REJEITADOS. 

8. Embargos de declaração rejeitados. 

( RESPE - Embargos de Declaração em Recurso Especial Eleitoral nº 7012 - SIRINHAÉM – PE, Acórdão de 10/04/2018, Relator(a) Min. Jorge Mussi, DJE de 15/05/2018).

Grifos Acrescentados.

 

RECURSO ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. RRC. ELEIÇÃO PROPORCIONAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA. REJEIÇÃO DE CONTAS PELO TCE. PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL. REALIZAÇÃO DE GASTOS SEM PRÉVIO EMPENHO. AQUISIÇÃO DE COMBUSTÍVEL SEM COMPROVAÇÃO DE FINALIDADE E SEM ESPECIFICAÇÃO DE SUA DESTINAÇÃO. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS QUE CONFIGURAM, EM TESE, ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, ALÍNEA G DA LC N 64/90. 

Contas prestadas na qualidade de Presidente da Câmara Municipal, julgadas irregulares por decisão irrecorrível do TCE, órgão competente para apreciá-las e julgá-las. 

A realização de gastos sem prévio empenho e a aquisição de combustível sem comprovação de finalidade e sem especificação de sua destinação configuram vícios de natureza insanável que caracterizam, em tese, atos dolosos de improbidade administrativa, para fins de inelegibilidade. Desprovimento do recurso.

(RECURSO ELEITORAL nº 4862, Acórdão de 22/09/2016, Rel. Des. Ibanez Monteiro da Silva, publicado em sessão) (grifei)

 

ELEIÇÕES 2020. CANDIDATO AO CARGO DE VEREADOR. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO AO REGISTRO DE CANDIDATURA. REJEIÇÃO DE CONTAS RELATIVAS AO EXERCÍCIO DE CARGO PÚBLICO. CAUSA DE INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 1º, I, "G", DA LC N.º 64/1990. GASTOS COM COMBUSTÍVEL SEM A PROVA DA DESTINAÇÃO PÚBLICA. JURISPRUDÊNCIA DO TSE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE INDEFERIMENTO DO REGISTRO. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

1. De acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, "g", da LC nº 64/90 exige para sua configuração a presença dos seguintes requisitos: rejeição das contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas, decisão do órgão competente que seja irrecorrível no âmbito administrativo, desaprovação decorrente de (a) irregularidade insanável que configure (b) ato de improbidade administrativa, (c) praticado na modalidade dolosa, não exaurimento do prazo de oito anos contados da publicação da decisão, e decisão não suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário.

2. No caso concreto, na linha da orientação estabelecida no TSE, despesas contraídas pelo candidato com combustível, enquanto vereador, sem demonstração do respectivo fim público, configura vício de natureza insanável e ato doloso de improbidade administrativa. Precedentes.

3. Manutenção da sentença que julgou procedente a impugnação e indeferiu o registro de candidatura do recorrente.4. Desprovimento do recurso.

RECURSO ELEITORAL nº 060013116, Acórdão, Des. GERALDO ANTONIO DA MOTA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 10/11/2020. 

 

A partir das premissas acima analisadas, cumpre examinar a argumentação da defesa e as provas contidas nos autos, para ao final decidir se a conduta praticada pelo impugnado incidiu em ato doloso de improbidade administrativa, com dolo específico do agente, enquanto ordenador de despesas da Câmara Municipal de Ceará-Mirim.

Buscando afastar a causa de inelegibilidade apontada pelo impugnante, a defesa do ora impugnado apoia-se nos seguintes argumentos: 

i) Que o  corpo instrutivo do TCE-RN, ao analisar a prestação de contas, entendeu por haver apenas irregularidade formal, apontando a ausência de CRLV, via de consequência, pugnando pela Irregularidade das contas com ressalvas, com aplicação de multa, sem restituição ao erário; 

ii) As testemunhas ouvidas em juízo, Carlos Alberto de Carvalho Pereira e Paulo Roberto Gomes de França, afirmaram, de forma e maneira unânime, que o processo de pagamento da verba de gabinete acontecia em virtude da legislação municipal, o qual tinha o permissivo; obedecendo, pois, o devido processo legal administrativo; 

iii) Que o autor nunca se beneficiou de nenhum desses valores, até mesmo porque o cheque era nominal, saindo da conta bancária da Câmara diretamente para a conta do Vereador, após a devida comprovação dos gastos;

iv) Que o próprio Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte não considera o fato acima como adstrito à norma citada da Lei da Ficha Limpa, de modo que não citou o seu processo e/ou seu nome da Lista dos Inelegíveis (ou das Contas Reprovadas);

v) Que a despeito dos fatos serem de 2005, até o presente momento o Ministério Público do Estado do RN não ingressou com qualquer Ação Judicial sobre esse fato. Ou seja, é crível que o próprio MPRN entende pela inexistência de ato de improbidade administrativa, a luz da legislação de regência; razão pela qual deixou de ingressar com a ação sobre a matéria;

vi) embora haja a reprovação de contas pelo Tribunal de Contas local, os demais requisitos necessários para a configuração da inelegibilidade não restam configurados, tal como a presença do ato doloso de improbidade.

 

Os argumentos trazidos à baila pela defesa, destoam completamente da realidade apresentada nos autos. A defesa procura apoiar-se basicamente em trechos da informação nº 174/2009- DIVISÃO "DCD", prestada pelo coprpo instrutivo do TCE-RN, que concluiu: "Este corpo instrutivo ainda sugere que o gestor atente para o item 2 irregularidade material, sem restituição ao erário, pela não realização de concurso público e item 3, irregularidade formal, ocasionando a sanção prevista no art.102, inciso II, alínea "a" e "b", da lei complementar n° 121/94 e que as contas referentes ao período outrora exposto sejam consideradas IRREGULARES, com fulcro no art.78 da LC 121/94".

Em que pese a alegação da defesa de que ocorreu apenas irregularidade formal, apontando a ausência de CRLV, via de consequência, sem aplicação de multa e sem restituição ao erário, ao analisar as demais peças essenciais do processo, especialmente o parecer do Ministério Público de Contas junto ao TCE-RN e a instrução dos acórdãos do TCE-RN nº 590/2012-TC e 217/2018-TC, chega-se facilmente a conclusão diversa.

Insta esclarecer que esses mesmos fatos foram objeto de  Ação de Impugnação de Registro de Candidatura do mesmo candidato, ora impugnado, quando de sua candidatura ao cargo de Prefeito nas eleições suplementares de 2019, ocasião em que este juízo concluiu pelo indeferimento do registro de candidatura em sentença proferida no RCAND nº 0600007-94.2019.6.20.0006, colacionado aos autos pela defesa, conforme ID. 122589118.

O que ficou sobejamente comprovado, naquele e neste processo, foi a condenação do impugnado ao ressarcimento dos danos causados ao erário, com aplicação de multa e a ausência de comprovação da destinação específica da verba, que deveria ter sido apresentada pelo então Presidente da Câmara Municipal, sobre quem recaia a responsabilidade de prestar as contas do referido órgão legislativo.

A prova emprestada dos autos Ação n.º 0851877-82.2019.8.20.5001, que tramitou na 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Natal, no qual foram ouvidas as testemunhasCarlos Alberto de Carvalho Pereira, vereador da casa legislativa à época e em outras 3 (três) legislaturas; e Paulo Roberto Gomes de França, procurador efetivo da Câmara Municipal de Ceará-Mirim/RN e Tesoureiro da casa legislativa à época, não se mostrou apta para refutar a tese da Impugnante.

Os depoimentos das referidas testemunhas apenas explicitam o modo como os vereadores prestavam contas das notas fiscais de abastecimento junto à Câmara, servindo apenas para reforçar a ausência de controle do gestor sobre a finalidade específica da verba e a total falta de transparência, o que impossibilitou o próprio gestor de comprovar junto ao TCE-RN a regularidade das despesas com combustíveis.

O art. 10 da Lei nº 8.429/92, que trata dos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário, assim estabelece:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:         (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)

(…) 

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

(grifei)

 

Diante da redação literal desse dispositivo, tem-se que a omissão do Impugnado de não comprovar a destinação específica dos recursos públicos utilizados para aquisição de combustível, acarretou, sem sombra de dúvida, em dano ao erário, haja vista que consta no Acórdão nº. 590/2012 - TC, condenação do pessoal do impugnado para ressarcir a quantia relativa aos gastos injustificados com combustíveis, totalizando o valor de R$53.666,65, acrescidos de juros e correção monetária. 

Frise-se que o impugnado, após esgotadas todas as oportunidades de defesa para afastar a condenação, inclusive tendo recorrido ao Judiciário, conforme sentença proferida no Processo nº: 0851877-82.2019.8.20.5001 (ID. 122477550, págs. 2-15) e Acórdão de ID. 122477552, págs. 2-12), não logrou êxito em comprovar a regularidade das despesas com combustível objeto da citada prestação de contas.

Cumpre observar, ainda, que a Lei Complementar Estadual nº 121/19, que instituiu a Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado, assim estabelece:

Art. 78. São havidas como irregulares as contas em que comprovada qualquer das seguintes ocorrências: 

(...)

II - prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo ou antieconômico, ou de infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial; 

(...)

IV - dano ao erário, em alguns dos casos dos incisos anteriores ou de responsabilidade por perda, extravio ou outra irregularidade. 

 

Nesse contexto, conforme Acórdão nº 590/2012 - TC (ID. 122477548), verifica-se, de maneira inequívoca, que o então Presidente da Câmara Municipal de Ceará-Mirim, ora impugnado, recaiu em condenação pelo TCE-RN justamente pelas irregularidades previstas na norma acima citada.

Feitas tais considerações, importante fazer a distinção entre conduta ilegal e conduta ímproba. A improbidade é uma ilegalidade qualificada pelo intuito nocivo do agente. Logo, para configuração do ato de improbidade previsto no art. 11 da Lei 8.429/92, não basta que o ato seja enquadrado como ilegal, mas que sobretudo haja o intuito de agir com desonestidade, malícia ou dolo. (STJ, REsp 1.193.248-MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE: 18/08/2014).

Para o deslinde da questão nestes autos, cabe destacar os seguintes trechos da instrução do Acórdão nº 217/2018 - TC (ID. Num. 122477548 - Pág. 12), que negou provimento ao pedido de reconsideração interposto pelo Impugnado ao Acórdão nº 590/2012-TC, e confirmou a irregularidade das contas, importantes para caracterização do dolo específico na conduta do impugnado.

“Analisando o pleito recursal, é imperioso destacar inicialmente que o Acórdão n. 590/2012-TC julgou pela irregularidade da matéria, com condenação do gestor ao ressarcimento dos valores gastos com a aquisição injustificada de combustível, bem como aplicação de multa em razão de irregularidades formais detectadas, tendo o Sr. Ronaldo Marques Rodrigues interposto recurso pleiteando a reforma do julgado 

Em que pese as pretensões do recorrente, não lhe assiste razão. Subsistem as irregularidades apuradas ao longo da instrução processual, não logrando êxito o responsável em afastá-las. Ademais, as informações arguidas em nada acrescentaram ao contexto fático delineado nos autos, uma vez que não trouxe documentação da prestação de contas

In casu, o recorrente é o responsável imediato e direta pelo órgão fiscalizado, o que inclui as obrigações principais e acessórias previstas no ordenamento jurídico, entre as quais inclui a correta adoção das práticas contábeis, uma vez que atuam como agentes políticos que direcionam as atividades da Unidade em conformidade com o piano de governo o qual é subordinado, nos termos do art. 2503 do Regimento Interno desta Corte. 

Pontua-se que descumprido o dever do gestor público de apresentar os documentos solicitados pelo TCE, resta obstada a ação fiscalizatória quanto a regularidade das contas, logo, pressupondo iuris tantum do emprego irregular dos recursos públicos. 

Os gastos injustificados com combustíveis permanece passível de devolução porquanto não foram apresentados os documentos dos veículos abastecidos, tendo sido fornecidas notas em nome da Câmara com rubrica de verba indenizatória, logo, subsistindo a citada irregularidade, conforme pactuou o corpo técnico desta Corte.

(Grifei)

 

A instrução do supracitado Acórdão demonstra que o Impugnado, responsável imediato e direto pelo órgão fiscalizado, deixou, deliberadamente, de apresentar os documentos solicitados pelo TCE, relativos à documentação dos veículos abastecidos, o que obstou a devida fiscalização pelo órgão fiscalizador, culminando com o julgamento pela rejeição das contas. 

Agindo assim, o impugnado, mesmo cientificado da irregularidade pelo órgão fiscalizador, não foi capaz de comprovar, em nenhuma das instâncias, a finalidade específica da verba pública de alta monta liberada para os vereadores a título de abastecimento. E nem poderia, uma vez que é perceptível que a liberação da verba era feita sem nenhum tipo de controle sobre o uso do combustível, apenas a apresentação de notas fiscais, sem revelar a destinação específica do uso do combustível.

Assim, nunca se soube ao menos em quais veículos foi utilizado o combustível, nem quem foram os seus condutores, nem os destinos percorridos pelos mesmos, menos ainda a finalidade desses deslocamentos. Esse controle poderia ter sido facilmente realizado através do preenchimento de planilhas/boletins de uso dos veículos, com a identificação do condutor, veículo, quilometragem e locais de origem e destino e finalidade, como comumente é feito em diversos órgãos públicos. 

Quanto a esse ponto, cabe registrar, ainda, os seguintes trechos do Parecer apresentado pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado no referido processo (ID. 122555057, págs. 42-44) :

(...)

Portanto, em muitos casos, a simples alusão à motivação não é suficiente, eis que a demonstração da satisfação do fim público perseguido com a despesa realizada deve ser feita cabalmente, configurando-se, pois, o desvio e o abuso. O que ocorreu na situação analisada, por não haver ficado explícita a consecução do interesse público: O abuso por desvio de finalidade atinge o mérito, porque atinge os fins que, subtraídos ao juízo de conveniência e oportunidade do agente, são distintos dos fins efetivamente atingidos por seu ato.

Perceptível a ausência de destinação específica para o combustível adquirido.

As notas de empenho e as ordens de serviço não apontam para o fim legalmente previsto, isto é, aquisição de combustível como verba indenizatória para atender às despesas de locomoção dos vereadores, o que é vago e impreciso. Pergunta-se, compra de combustível para quê?

Os elementos comprobatórios colacionados, portanto, não são aptos a informar qual a destinação do combustível adquirido, o que vai de encontro ao conteúdo da Súmula 22 desta Colenda Corte, que diz:

“AQUISIÇÃO DE MATERIAIS PELO ENTE PÚBLICO. NÃO COMPROVAÇÃO DE SUA DESTINAÇÃO. IRREGULARIDADE QUE IMPORTA DÉBITO.

A aquisição de material sem comprovação de sua destinação por meio documental caracteriza dano ou prejuízo ao erário, e gera, dentre outros efeitos, a obrigação de restituir o valor despendido”.

Resta claro que tal entendimento tem lastro em princípios de envergadura constitucional, como o da moralidade, da transparência administrativa e da supremacia do interesse público sobre o particular. Despesas realizadas desprovidas da respectiva destinação ferem, de morte todos os valores acima citados.

(...)

 

Como se vê, nessa linha de intelecção, não há como se chegar a conclusão diversa daquela assentada pelo TCE-RN, seguindo o parecer do MP junto ao TCE, de que houve burla aos princípios da transparência, legalidade e moralidade em relação à realização de despesa sem comprovação de destinação pública (gasto com combustíveis sem comprovação de destinação), conduta que viola diversos princípios constitucionais e administrativos, configurando, pois, verdadeiro ato de improbidade administrativa, na forma do art. 10, XI, da Lei n.º 8429/92. 

A conduta perpetrada se amolda ao conceito de ato doloso de improbidade administrativa para fins de incidência de causa de inelegibilidade, posto que tais irregularidades resultaram na configuração de dano ao Erário, com a imputação de débito e de multa, tratando-se, portanto, de falhas graves e insanáveis, caracterizadoras de ato doloso específico de improbidade administrativa, haja vista que o impugnado não cumpriu com o dever de fiscalização na execução da verba destinada ao abastecimento dos veículos. 

Portanto, torna-se evidente que o Impugnado, ao ter permitido despesas com combustíveis, enquanto ocupante do cargo de Presidente da Câmara Municipal de Ceará-Mirim/RN, sem, contudo, comprovar as circunstâncias fáticas relacionadas à finalidade pública que autorizassem a referida despesa, incidiu na irregularidade insanável, reconhecida pela Corte de Contas. Aliás, tal conduta, de autorizar gastos sem justificativa, no mínimo, causou dano ao erário, motivo pelo qual o órgão de contas determinou o ressarcimento da quantia de R$ 53.666,65 (cinquenta e três mil seiscentos e sessenta e seis reais e sessenta e cinco centavos), além de multa.

A jurisprudência do TSE é no sentido de que a omissão do chefe do Poder Legislativo Municipal do seu dever de fiscalizar execução de verba, ensejando dano ao Erário, configura irregularidade insanável, caracterizadora, em tese, de ato de improbidade administrativa mediante dolo específico.

“Eleições 2022 [...] Registro de candidatura. Deputado federal. Indeferimento. Inelegibilidade do art. 1º, i, g , da LC nº 64/90. Caracterização. Rejeição de contas públicas. Presidente da câmara municipal. Omissão no dever de fiscalização. Ato doloso de improbidade administrativa. Fato superveniente. Não configuração. [...] 2. A incidência da causa de inelegibilidade disposta no art. 1º, I, g , da LC nº 64/90 reclama a presença concomitante dos seguintes requisitos: (i) rejeição de contas, com imputação de débito e não sancionada exclusivamente com multa; (ii) exercício de cargo ou funções públicas; (iii) irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa; (iv) irrecorribilidade da decisão; e (v) inexistência de provimento judicial que suspenda ou anule a decisão proferida pelo órgão competente. 3. O advento da Lei nº 14.230/2021 alterou o panorama de incidência da inelegibilidade por desaprovação de contas públicas, passando a ser exigido o dolo específico, em superação ao dolo genérico (RO nº 0601046–26/PE, redator para o acórdão o Ministro Ricardo Lewandowski, PSESS em 10.11.2022). 4. A omissão do chefe do Poder Legislativo Municipal do seu dever de fiscalizar execução de contrato em desconformidade com os termos ajustados, ainda que firmado em gestão anterior, ensejando dano ao Erário, configura irregularidade insanável, caracterizadora, em tese, de ato de improbidade administrativa mediante dolo específico [...]”.

(Ac. de 15.12.2022 no RO-El nº 060205129, rel.  Min. Carlos Horbach.)

 

Na espécie, repito, resta indubitável que a conduta do Impugnado configura irregularidade insanável, além de caracterizar ato doloso de improbidade administrativa, mediante dolo específico de não cumprir o dever de fiscalizar a execução da verba destinada ao uso de combustivel pelos vereadores quanto à sua finalidade específica, resultando perfeita subsunção da hipótese dos autos à previsão contida no art. 1º, I, alínea "g", da Lei Complementar nº 64/90.

Desse modo, uma vez que a decisão de contas prolatada pelo TCE-RN preenche os elementos necessários à incidência da inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “g”, da LC n.º 64/90, é de rigor o acolhimento da pretensão impugnatória deduzida pelo Ministério Público Eleitoral.

De mais a mais, no que diz respeito à falta de quitação eleitoral, a impugnação não deve prosperar, haja vista a existência de Certidão Circunstanciada de Quitação Eleitoral juntada pelo impugnado, conforme documento de ID. 122438410, que foi juntada ao processo com nome diverso, o que pode ter passado despercerbido na análise do MPE.

Por fim, quanto à existência do Processo TCE n. 004966/2007, do qual o Ministério Público noticiou a existência de suposta irregularidade, após a juntada das cópias dos documentos requisitados por este Juízo, restou claro que o julgamento do referido processo foi no sentido de mera irregularidade, com aplicação somente de multa, conforme Acórdão de ID 122590294.

Desse modo, conclui-se que o Candidato, apesar de ter demonstrado com as certidões apresentadas reunir todas as condições de elegibilidade, incindiu na causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, “g”, da LC n.º 64/90, formando-se o convencimento deste Juízo pelo Indeferimento do presente Requerimento de Registro de Candidatura (RRC).

III – Dispositivo.

Isto Posto, INDEFIRO o pedido de Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) de RONALDO MARQUES RODRIGUES - FEDERAÇÃO PSDB CIDADANIA (PSDB/CIDADANIA) - CEARÁ-MIRIM - RN, FEDERAÇÃO PSDB CIDADANIA (PSDB/CIDADANIA), julgando-o INAPTO para concorrer nas Eleições Municipais de 2024, no pleito proporcional, para o cargo de Vereador, no Município de Ceará-Mirim/RN, nos termos dos arts. 46 e 58, ambos da Resolução TSE nº 23.609/2019 (Lei Complementar nº 64/1990, art. 8º, caput).

Registre-se. Publique-se a presente Sentença no Mural Eletrônico do Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte (TRE-RN).

Intimem-se, com prazo de 03 (três) dias, servindo a presente Sentença como MANDADO DE INTIMAÇÃO, para todos os fins legais, cujo cumprimento efetiva-se mediante a sua publicação no Mural Eletrônico, nos termos do § 1º, art. 58, da Resolução TSE nº 23.609/2019.

Ciência ao Representante do Ministério Público Eleitoral, mediante expediente próprio, via expediente no Processo Judicial Eletrônico (PJe), nos termos do § 1º, art. 58, da Resolução TSE nº 23.609/2019.

Registre-se o presente julgamento no Sistema de Candidaturas (CAND), nos termos do art. 53, da Resolução TSE nº 23.609/2019, devendo a serventia eleitoral acompanhar a situação até o trânsito em julgado, para atualização do Sistema de Candidaturas (CAND).

Da decisão deste Juízo Eleitoral, cabe recurso para o Tribunal Regional Eleitoral, no prazo de 03 (três) dias, contados da sua publicação no Mural Eletrônico de acordo com o previsto no art. 38 da Resolução TSE nº 23.609/2019, nos termos do § 2º, art. 58, da Resolução em comento, com observância do tríduo legal (§ 3º, art. 58, da Resolução TSE nº 23.609/2019).

Se houver interposição de recurso, dentro do prazo legal, intime-se a parte Recorrida para apresentação de contrarrazões, no prazo de 03 (três) dias, nos termos do art. 59, da Resolução TSE nº 23.609/2019.

Apresentadas as contrarrazões ou transcorrido o respectivo prazo, os autos serão imediatamente remetidos ao Tribunal Regional Eleitoral, nos termos do parágrafo único, art. 59, da Resolução TSE nº 23.609/2019 (Lei Complementar nº 64/1990, art. 8º, § 2º).

O Ministério Público Eleitoral poderá recorrer desta decisão ainda que não tenha oferecido impugnação ao pedido de registro, nos termos do art. 56, da Resolução TSE nº 23.609/2019.

O partido, a federação, a coligação, a candidata ou o candidato que não tenha oferecido impugnação ao pedido de registro não tem legitimidade para recorrer da decisão que o deferiu, salvo na hipótese de matéria constitucional (Súmula nº 11/TSE), nos termos do art. 57, da Resolução TSE nº 23.609/2019 (Redação dada pela Resolução nº 23.675/2021).

O trânsito em julgado nos presentes autos somente ocorrerá com o efetivo trânsito em julgado no DRAP ao qual pertence o Requerente, nos termos do § 5º, art. 58, da Resolução TSE nº 23.609/2019.

Diligências necessárias, após arquive-se com as cautelas de praxe.

Cumpridas todas as diligências necessárias, arquive-se com as cautelas de praxe.

 

 CEARÁ-MIRIM/RN, datada eletronicamente.

 

(Documento assinado digitalmente nos termos da Lei nº 11.419/2006)

PETERSON FERNANDES BRAGA 

Juiz da 6ª Zona Eleitoral