JUSTIÇA ELEITORAL
172ª ZONA ELEITORAL DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS RJ
REGISTRO DE CANDIDATURA (11532) Nº 0600030-78.2024.6.19.0172 / 172ª ZONA ELEITORAL DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS RJ
REQUERENTE: RAFAEL AGUIAR PEREIRA DE SOUZA, PARTIDO LIBERAL, PARTIDO RENOVACAO DEMOCARATICA - ARMACAO DOS BUZIOS- RJ
IMPUGNANTE: REPUBLICANOS, COLIGAÇÃO AGORA É BÚZIOS, LEANDRO ALEX DE SOUZA DA SILVA, 172ª PROMOTORIA ELEITORAL DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
Advogados do(a) REQUERENTE: PAULO EDUARDO SIMAO FROES - RJ221884, TIAGO SANTOS SILVA - RJ155213, JESSICA GUIMARAES DE LIMA SANTOS - RJ223706
Advogado do(a) IMPUGNANTE: PEDRO CORREA CANELLAS - RJ168484-A
Advogados do(a) IMPUGNANTE: LAURO VINICIUS RAMOS RABHA - RJ169856-A, EMANNUEL GIOVANINI PEREIRA - RJ236519, JULIA VIEIRA BROTERO LEFEVRE - RJ246384, JOSE OLIMPIO DOS SANTOS SIQUEIRA - RJ98510-A
Advogados do(a) IMPUGNANTE: LAURO VINICIUS RAMOS RABHA - RJ169856-A, EMANNUEL GIOVANINI PEREIRA - RJ236519, JULIA VIEIRA BROTERO LEFEVRE - RJ246384, JOSE OLIMPIO DOS SANTOS SIQUEIRA - RJ98510-A
Processo nº: 0600030-78.2024.6.19.0172 - REGISTRO DE CANDIDATURA
Requerente: RAFAEL AGUIAR PEREIRA DE SOUZA
Partido/Coligação: CORAGEM PARA RENOVAR
Trata-se de pedido de registro de candidatura coletivo, de RAFAEL AGUIAR PEREIRA DE SOUZA, para concorrer ao cargo de Prefeito, sob o número 22, pelo(a) CORAGEM PARA RENOVAR(PL, PRD) (PL, PRD), no Município de(o) ARMAÇÃO DOS BÚZIOS.
Publicado o edital, decorreu o prazo legal com a apresentação de 03 (três) impugnações formuladas pelo PARTIDO REPUBLICANOS DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS, COLIGAÇÃO AGORA É BÚZIOS em conjunto com o CANDIDATO LEANDRO ALEX DE SOUZA SILVA mais a impugnação apresentada pelo ilustre Membro do Ministério Público Eleitoral.
Intimado, o candidato deixou de apresentar os documentos exigidos pela legislação em vigor, em especial, a comprovação de filiação a partir de 31 de outubro de 2024 para concorrer ao pleito suplementar.
O Partido Republicano, A Coligação Agora é Búzios, o candidato Leandro Alex de Souza Silva e o Ministério Público Eleitoral alegam, em síntese, que o requerente, ora impugnado, RAFAEL AGUIAR, não possui as condições de elegibilidade previstas nos art. 14,§3º, V da CRFB, art. 9º da Lei n. 9504/97, o art. 10 da Resolução TSE n. 23.609/2019, e, em especial, o art. 8º da Resolução TRE-RJ n. 1313/2024 para concorrer nas Eleições Suplementares do dia 28.04.2024, muito menos que a situação do impugnado se enquadre em situação excepcional, tendo em vista que a alteração da filiação ocorreu após a designação da Eleição Suplementar, bem próxima à data da convenção partidária.
Petição Id n. 122265951, em que o impugnante, PARTIDO REPUBLICANO, requereu o indeferimento do pedido de registro do candidato RAFAEL AGUIAR, de plano, pelo fato de o candidato, devidamente intimado pelo Cartório Eleitoral para se manifestar sobre as pendências encontradas no RRC, quedou-se inerte em relação à questão da ausência da filiação partidária.
Na petição Id n. 122271012, o impugnado requer o chamamento do feito à ordem para esclarecer qual o prazo de contestação a ser observado, tendo em vista que uma citação foi publicada no mural eletrônico antes mesmo do final do prazo de impugnação enquanto outra citação foi publicada após o prazo de publicação do edital.
A fim dirimir eventuais dúvidas relacionadas ao prazo de defesa do impugnado este juízo, através do Id n. 122271988, estabeleceu como termo a quo o dia 28 de março de 2024 e o termo ad quem em 04/04/2024. Tornando sem efeito a citação promovida pelo cartório eleitoral através do Id n. 122269659. Em relação ao petitório Id n. 122265951 consignou o juízo que serão analisadas no momento oportuno.
O impugnado, através do Id n. 122278806, aduz preliminarmente a ilegitimidade passiva dos impugnantes e inépcia da inicial. No mérito, argumenta que as teses discutidas nos autos referem-se à aplicação de literalidade da lei ou a jurisprudência dos tribunais superiores, pois a tese dos impugnantes estão pautadas na legalidade em sentido estrito, sem levar em consideração as demais forma de interpretação do direito, mas, precisamente, àquelas que regem o direito eleitoral, onde as decisões emanadas geram efeitos no próprio certame eleitoral, uma vez que estão intrinsecamente conectadas a disputa democrática.
Diante disso, afirma que as normas eleitorais devem ser interpretadas sob o prisma de promover a máxima efetividade dos direitos políticos, garantindo a igualdade de oportunidades entre os candidatos e a liberdade do eleitorado.
Argumenta que as eleições suplementares são convocadas em situações excepcionais para preencher cargos vagos e essa circunstância extraordinária demanda uma aplicação flexível da lei eleitoral, assegurando, a continuidade administrativa e o pleno exercício da democracia.
Especificamente em relação à eleição suplementar de Armação dos Búzios, aduz que a situação é excepcional, uma vez que haverá a realização de duas eleições no mesmo ano onde os calendários eleitorais se misturam de forma conflitante, já que o prazo de janela partidária para filiação em outro partido termina no dia 05.04.2024 para a disputa da eleição ordinária em outubro.
Expressa que a situação de excepcionalidade da condição jurídica do candidato RAFAEL AGUIAR se deu por força de terceiros, diante da negativa da agremiação partidária REPUBLICANOS em lançar o seu nome para candidatura da eleição suplementar e, quiçá, para a eleição ordinária de outubro, seja para o cargo de prefeito ou até mesmo para o cargo de vereador.
Expõe que a jurisprudência do TSE caminha no sentido de que, em situações excepcionais, as normas que regulam o processo eleitoral, incluindo os prazos de filiação partidária podem ser mitigados, de maneira a adaptá-los à realidade das eleições suplementares, fundamentada na necessidade de garantir a legitimidade e a efetividade do processo eleitoral, bem como o direito fundamental à elegibilidade. Argumenta que a fixação do prazo de filiação partidária a que se refere à regra geral (art. 9º da lei nº 9.504/1997), vincula-se a situações de normalidade política, tendo em conta o processo eleitoral ordinário, em que as eleições são realizadas em datas predeterminadas legalmente.
Consigna, estar diante de caso excepcional, a merecer trato jurídico distinto, pois, tratando-se de eleição suplementar, as jurisprudências do TSE e do STF entendem plenamente possível a mitigação do prazo de filiação partidária em razão de tratar de situação excepcional, marcada especialmente pela urgência e imprevisibilidade. Esclarece também não querer menosprezar as diferentes interpretações jurídicas e a posição daqueles que defendem que os prazos eleitorais devem permanecer inflexíveis mesmo em situações de eleições suplementares, em contraposição à jurisprudência atual do TSE, mas, tal mitigação, reflete uma abordagem mais pragmática e alinhada com os princípios democráticos, reconhecendo a necessidade de adaptar o direito eleitoral às circunstâncias excepcionais sem comprometer a integridade do processo eleitoral.
Aduz que o Recurso Eleitoral nº 0600026-19.2020.6.19.0063 referente ao pleito suplementar ocorrido em Silva Jardim é diametralmente oposto ao caso em tela. Pugna pelo acolhimento das preliminares de falta de interesse de agir, ilegitimidade passiva dos impugnados por se tratar de matéria interna corporis e, ante a ausência de legitimidade dos impugnantes para proporem as presentes ações, evidencia-se, a inadequação da via eleita para o processamento da presente demanda, conforme dispõe o art. 330, I do CPC.
Requer o depoimento pessoal do Presidente do Partido Republicanos, Alexandre Martins, por se tratar de uma prova imprescindível para corroborar os argumentos expostos na inicial, nos termo do art. 5º da LC n. 64/90, bem como seja determinado ao Presidente do Republicanos a apresentação nos autos da Ata da Convenção Partidária do Republicanos, nos termos do art. 5º, §4º da LC n. 64/90. Por fim, requer o reconhecimento da improcedência das impugnações.
O Ministério Público Eleitoral manifestou-se, em parecer final pelo indeferimento do pedido de registro.
Através da petição Id n. 122291483, o impugnado RAFAEL AGUIAR apresentou memoriais de forma espontânea suscitando os mesmos fundamentos da peça de defesa e requerendo ao final o deferimento do pedido de registro de candidatura.
É o relatório.
Decido.
Primeiramente, devem ser afastadas a preliminares arguidas pelo impugnado em sua peça de bloqueio.
Não há que se falar em ilegitimidade passiva ou falta de interesse de agir em relação aos impugnantes, tendo em vista que a ação apresentada não versa sobre matéria interna corporis dos partidos. Não se discute na presente impugnação qualquer tipo de irregularidade na convenção partidária ou descumprimento de regra estatutária. Discute-se o não cumprimento do prazo mínimo necessário para que o candidato ao cargo de prefeito, RAFAEL AGUIAR, participe das Eleições Suplementares, conforme art. 8º da Resolução TSE n. 1313/2024.
Por revestir-se de característica de matéria de ordem pública, pois suscita tema relativo ao preenchimento, ou não, das condições de elegibilidade previstas, inclusive, no art. 14, §3º, V da CRFB, regulamentada pela Lei das Eleições em seu art. 9º e expressamente prevista na regulamentação desta Eleição Suplementar, através do art. 8º da Resolução TRE- RJ n. 1313/2024, atrai o interesse de agir dos legitimados previstos no art. 3º da Lei Complementar n. 64/90.
Mesma solução deve ser dada a arguição da preliminar de inépcia da inicial. A petição inicial descreve de forma pormenorizada os fatos, e o pedido decorre como sua conclusão lógica.
No que se refere a inadequação da via eleita, esta se mostra adequada já que prevista em lei e versa sobre ausência da condição de elegibilidade de candidato e não da regularidade dos atos partidários.
Ultrapassada as questões preliminares adentro ao mérito.
A matéria aqui discutida é de fato e direito, contudo, os documentos acostados aos autos são suficientes para a análise do mérito, não havendo a necessidade de maior dilação probatória para a prolação da sentença.
Diante disso, devem ser indeferidas as provas requeridas pelo impugnado referentes à oitiva do Presidente do Republicano e até mesmo o requerimento de apresentação da ata do referido partido, pois tais matérias são interna corporis dos partidos, eis que as eventuais decisões da mencionada agremiação devem ser respeitadas pela Justiça Eleitoral, sob pena de ferir a autonomia partidária consagrada na Constituição Federal. Inclusive, ressalte-se, são impertinentes à análise do mérito.
Ressalte-se que o impugnando integrava o partido Republicanos há longo período de tempo, sendo certo que tinha amplo conhecimento de não ser a única personalidade política com representatividade popular na agremiação, de modo que sua escolha como opção ao pleito que se aproxima poderia ser até uma expectativa legítima, mas jamais um direito subjetivo cuja negativa autorize a interferência do Poder Judiciário na questão.
Alega o impugnado em sua peça de boqueio que diante da condição excepcional inerente a realização de Eleição Suplementar, devem ser flexibilizadas as condições de elegibilidade previstas nos art. 9º da Lei da Eleição e art. 8º da Resolução TRE-RJ n. 1313/2024 a fim de promover a máxima efetividade dos direitos políticos, garantindo a igualdade de oportunidades entre os candidatos e a liberdade do eleitorado.
Enquanto que, para os impugnantes, a situação jurídica do candidato RAFAEL AGUIAR não se enquadra na situação excepcional revelada pela jurisprudência colacionada pelo impugnado como paradigma de seus argumentos, pelo contrário, tendo em vista que efetuou a troca de partido no dia 12.03.2024, quando já tinha ciência da realização da Eleição Suplementar, no dia 28.04.2024, além de conhecimento da necessidade de estar filiado a partido político desde o dia 31 de outubro de 2023, conforme o art. 8º da Resolução TRE — RJ n. 1313/2024, o qual transcrevo:
Art. 8º Poderão concorrer no pleito suplementar no Município de Armação dos Búzios os eleitores filiados a partidos políticos e com domicílio eleitoral no município até o dia 31 de outubro de 2023, ressalvado prazo maior de filiação partidária estabelecido no estatuto da agremiação, e observadas as demais condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade. (Lei nº 9.504/97, art. 9º, caput c/c Lei nº 9.096/95, art. 20)
Esclarece o impugnante que, por desavenças político-partidárias com o então presidente do Partido Republicano, Alexandre Martins, prefeito afastado do cargo, através de decisão monocrática proferida pela ilustre Ministra do TSE Isabel Galloti nos autos do Recurso Eleitoral Especial n. 0600752-54.2020.6.19.0072, em 1º de fevereiro de 2024, receoso de não ter o seu nome aprovado em eventual convenção partidária do Republicanos, migrou para o Partido Liberal, presidido por seu genitor, Miguel Pereira, vice-prefeito, também afastado, a fim de não ser alijado do exercício da capacidade eleitoral passiva, por ser supostamente considerado pelo antigo prefeito, atual presidente do Republicano, como “traidor” e arquiteto de um “Golpe Municipal”.
Inclusive, ressalta em sua peça de defesa que a mistura dos calendários eleitorais da eleição suplementar e da eleição ordinária poderiam inclusive impedi-lo de concorrer a qualquer cargo eletivo diante da proximidade de janela partidária encerrada no dia 06.04.2024.
Em que pese os argumentos do candidato em trazer aos autos a necessidade de ser observada a máxima efetividade dos direitos políticos, a garantia a igualdade de condições entre os candidatos e a liberdade do eleitorado, a melhor solução para o caso é a aplicação ipsis litteris da lei, em especial, o disposto no art. 8º da Resolução TRE — RJ n. 1313/2024 que regulamentou a data de filiação em 31 de outubro de 20203 para participar da Eleição Suplementar do dia 28.04.2024.
Mitigar o prazo de filiação para o candidato RAFAEL AGUIAR diante das circunstâncias fáticas trazidas, seria retornar todo o processo de registro ao estado inicial onde a todos fossem garantidas as mesmas condições excepcionais de efetuar a migração de partidos e pudessem participar da eleição, diante da excepcionalidade da realização de uma Eleição Suplementar. Caso contrário estar-se-ia alterando as regras do pleito durante jogo.
Veja-se, o caso de Gladys Nunes, que inconformada com a derrota na convenção partidária do Partido Solidariedade impugnou o DRAP da Coligação Agora é Búzios, sob o argumento de desrespeito às normas internas do partido cujo pedido foi rejeitado por este juízo. Caso a regra da excepcionalidade fosse aplicada estar-se-ia sendo deveras injusto com os candidatos que buscaram dentro das regras legais o lançamento de candidaturas cumprindo o regramento prévio.
Ressalte-se que o ato de migração partidária decorreu de livre e espontânea vontade do impugnado que migrou para o Partido Liberal, presidido por seu genitor, com a certeza solar de que o seu nome naquela agremiação partidária seria aprovado. Tal ato se afigura como uma manobra ou burla, ou seja, sem a boa-fé necessária que justifique a mitigação do regulamento, da lei e da Constituição Federal.
Tal atitude deve ser veementemente rechaçada pela Justiça Eleitoral, primeiro que se baseia falsamente em uma ideia de excepcionalidade em que o requerente, ciente de todo o certame, mas receoso de uma eventual derrota, efetua a troca de partido para garantir-se CANDIDATO.
Segundo, porque detinha a condição de elegibilidade necessária para pleitear junto ao seu partido originário o lançamento do seu nome para o cargo, mas não o fez, repita-se, por livre e espontânea vontade.
Também é falsa a ideia de que a mistura ou confusão entre os calendários eleitorais referente à janela partidária impediria eventual candidatura ao pleito ordinário em outubro, eis que, caso derrotado em convenção partidária a ser realizada no período de 13 a 17 de março de 2024, conforme art. 7º da Resolução TRE-RJ n. 1313/2024, ainda assim haveria tempo hábil para efetuar troca de partido dentro ditames legais para participar do pleito que ocorrerá em outubro.
Entendo que a mitigação pleiteada não se amolda aos julgados trazidos aos autos, pois a troca de partido foi realizada no dia 12.03.2024, muito tempo depois da regulamentação da realização da eleição complementar que ocorreu no dia 20 de fevereiro de 2024, conforme decisão plenária que aprovou a Resolução TRE-RJ n. 1313/2024, não havendo o chamado “fator surpresa”.
Também não está em voga a aplicação do princípio in dubio pro sufrágio, eis que não houve nenhum fato novo capaz de trazer dúvida em relação ao prazo de filiação partidária prevista no art. 8º da Resolução TRE — RJ n. 1313/2024.
É necessário esclarecer que a escolha realizada pelo impugnado foi um ato volitivo e voluntário, ao qual a lei atribui efeitos jurídicos das mais diversas ordens, sendo esse o sumo do conceito basilar de ato jurídico.
Diferentemente dos negócios jurídicos, em que as partes elegem o resultado de seus atos, desde que preenchidas as condições legais de existência e validade, os atos jurídicos restringem o poder e escolha do agente atuante, simplesmente atribuindo efeitos à ação que, salvo na presença inequívoca de exceções legais, eleitas pelo próprio legislador, deverão incidir integralmente sobre o fato.
É exatamente o que acontece no caso dos autos. Ao deliberar mudar de partido, seja por que razão for, o impugnado sofre as consequências jurídicas imediatas de seu ato, como deixar de ser sujeito de direito e deveres inerentes à condição de partidário, não mais se sujeitar à orientações políticas do partido, estar livre para manifestar suas opiniões e posições jurídicas em oposição àquelas propugnadas pela agremiação e, no caso concreto, se lançar candidato a cargos eletivos que ocorram em período de tempo inferior àqueles ocasionalmente exigidos pela lei.
Não há nada de excepcional em sua situação jurídica, repita-se, absolutamente nada.
A norma do artigo 14, § 3º, inciso V, da Constituição da República, caracteriza-se por ser aquilo que o homenageado professor José Afonso da Silva nominou, em sua clássica classificação doutrinária, de norma de eficácia limitada, de aplicabilidade mediata e indireta, dada a necessidade de complementação legislativa, constitucional ou infraconstitucional, para atingimento da integralidade de sua eficácia.
Assim, visando dar concretude à regra constitucional, o legislador previu, tanto no artigo 23, inciso IV, do Código Eleitoral, quanto no artigo 105, Lei das Eleições, a legitimidade do Tribunal Superior Eleitoral para, no exercício de atividade atípica daquela Corte, editar atos com força normativa que regulamentem as eleições.
De forma complementar e também delegada, tal função é atribuída aos Tribunais Regionais Eleitorais, na exata medida de suas competências materiais e territoriais.
Dentre essas normas, tecidas em profusão nos períodos pré-eleitorais, estão aquelas previstas especificamente pelos artigos 10 da Resolução TSE nº 23.609/2019, 9º da Lei da Eleição, e art. 8º da Resolução TRE-RJ n. 1313/2024.
Todas essas regras, de forma clara, preveem a necessidade de filiação partidária pelo período mínimo de seis meses, para que qualquer pretenso candidato participe de um pleito político.
Ao elaborarem as respectivas regras, é de se presumir que o legislador e Tribunais o fizeram levando em consideração todas as circunstâncias de cunho legal, moral, políticas, tudo mais que é cabível e possível no debate e elaboração de normas jurídicas reguladoras das situações de fato a que se destinam.
A conclusão extraída dessa atividade se expressa em um enunciado linguístico, donde se extrai, por interpretação, a consequente norma.
Normas se dividem, taxinomicamente, em princípios e regras, segundo a amplamente aceita lição de Robert Alexy. De forma lacônica, princípios seriam mandamentos de otimização que, por conta de seu conteúdo aberto e da natureza polissêmica de sua formação linguística, demandam do interprete densificação hermenêutica e estão sujeitos, tanto na sua aplicação quanto na solução de eventual colisão com outros princípios, ao técnica da ponderação.
Ponderar é atribuir valor, definir o sentido dos termos e, no extremo, realizar uma escolha de cunho quase valorativo, no momento da aplicação dessas normas. Há, aqui, ainda que dentro de intrincados limites hermenêuticos que são objeto de amplo debate na doutrina mundial, espaço para que o julgador produza a norma, a partir das condições fáticas e jurídicas colocadas à sua frente.
O mesmo não se pode dizer das regras que, segundo o mesmo autor, didaticamente utilizado nesta sentença, justamente por ser amplamente invocado como argumento de autoridade nas decisões dos Tribunais, são normas que contém em si disposições não sujeitas à ponderação, ao debate, que somente podem ser cumpridas, ou não. Caso presentes as condições fáticas de sua previsão ou proscrição, deve ser feito aquilo que ela determina, nem mais, nem menos.
Nas precisas lições de Pedro Sanchez, Professor de Direito Constitucional da Universidade de Lisboa, as regras não estão aí para serem debatidas para além dos conceitos possivelmente extraídos do conteúdo linguístico, que é seu programa normativo (nas palavras Friderich Müller).
No processo de interpretação das regras, são os clássicos métodos hermenêuticos de Savgny, previstos na Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, que devem preponderar.
Pois bem, as normas previsoras de prazo mínimo de filiação de seis meses para concorrer aos pleitos eleitorais se revestem, em um primeiro momento, de certo grau de generalidade, em relação a todas as eleições, mas de grande grau de especificidade, em relação ao disposto no 8º da Resolução TRE — RJ n. 1313/2024, que analisando a conveniência e a oportunidade de sua repetição nas presentes eleições suplementares, assim o deliberou expressamente, sem prever qualquer hipótese de exceção.
Se o intuito manifesto do presente debate é a preservação do princípio democrático, indaga-se se há algo mais democrático do que o respeito às normas democraticamente constituídas por aqueles Poderes da República dotados de competência política para tal.
Não cabe ao Poder Judiciário, em exercício judicante, criar normas, sobretudo de exceção, dado o famoso “topo” argumentativo de que normas restritivas se interpretam restritivamente.
No caso dos autos, especificamente, as regras combatidas pela muito erudita e laboriosa defesa do impugnado, são claras e não comportam interpretação outra, que não a de que alguém que não tenha ao menos seis meses de filiação não possa concorrer a cargo eletivo, especificamente às eleições suplementares de armação dos Búzios.
Todo o mais arguido, sobretudo o fato de que a nova filiação do impugnado atenderia também à sua pretensão de concorrer às eleições ordinárias, também não integram o âmbito normativo da regra em debate, são fatores externos ao contexto hermenêutico, à extração do sentido da norma, pois o acolhimento da tese do impugnado implicaria, em verdade, em correção da norma, não sua aplicação, em uma escolha, não interpretação, em ato de vontade subjetivo, solipsista, nas palavras do professor Lênio Streck.
Cito, por oportuno, o sempre sapiente Eros Roberto Grau, ex- Ministro do Supremo Tribunal Federal:
“A importância do direito moderno – vale dizer, da ética da legalidade – está em que a legalidade é o último instrumento de defesa das classes subalternas, dos oprimidos. Estou a escrever este texto para fazer a sua defesa, a defesa da legalidade e do direito positivo.
Apenas na afirmação da legalidade e do direito positivo a sociedade encontrará segurança, e os humildades, a proteção e a garantia de seus direitos no modo de produção social dominante. Repito-o: vamos à Faculdade de Direito aprender direito justiça é com a religião, a filosofia, a história.
A essa altura é conveniente rememorarmos uma afirmação de Kelsen para quem a justiça absoluta é um ideal irracional. A justiça absoluta – diz ele – “só pode emanar de uma autoridade transcendente, só pode emanar de Deus (...) temos de nos contentar, na Terra, com alguma justiça simplesmente relativa, que pode ser vislumbrada em cada ordem jurídica positiva e na situação de paz e segurança por esta mais ou menos assegurada”
A moral não corrige o Direito, ela está no Direito. Argumentos retóricos, consequencialistas, por mais bem elaborados que sejam, não podem derribar as leis, sobretudo em casos como o presente, em que a jurisprudência dos Tribunais Superiores já se debruçou sobre idênticas hipóteses e reafirmou, categoricamente, que o prazo de alistamento prévio de seis meses é aplicável também às eleições suplementares, como consta de todas as impugnações apresentadas pelos opositores do impugnado e às quais faço referencia per relationem.
A ratio destas decisões reside justamente no princípio democrático, mas também na indispensável confiança que deve existir entre um candidato e seu eleitor que, ainda que não o conheça em profundidade, saberá de suas inclinações políticas à partir do partido a que pertence.
Diante disso, mantendo a linha de decisões deste juízo em aplicar, via de regra, a literalidade da lei, no que se refere aos pedidos de registros de candidatura e considero que o candidato RAFAEL não está habilitado a participar da Eleição Suplementar que se realizarão no dia 28.04.2024 por ausência de filiação partidária a contar do dia 31 de outubro de 2023.
Isto posto, INDEFIRO o pedido de registro de candidatura de RAFAEL AGUIAR PEREIRA DE SOUZA, para concorrer ao cargo de Prefeito.
ARMAÇÃO DOS BÚZIOS, na data da assinatura eletrônica.
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Danilo Marques Borges
Juiz da 172ª Zona Eleitoral