JUSTIÇA ELEITORAL
096ª ZONA ELEITORAL DE CAMPO MAIOR PI
REGISTRO DE CANDIDATURA (11532) Nº 0600158-62.2024.6.18.0096 / 096ª ZONA ELEITORAL DE CAMPO MAIOR PI
IMPUGNANTE: #-96ª PE - CAMPO MAIOR - MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
IMPUGNADO: JOSE DE RIBAMAR CARVALHO
INTERESSADO: DIRETORIO MUNICIPAL DO PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO DE CAMPO MAIOR
Advogados do(a) IMPUGNADO: GABRIEL OLIVEIRA ANDRADE - PI23796, FELIPE PONTES LAURENTINO - PI7755
Trata-se do pedido de registro de candidatura apresentado por JOSE DE RIBAMAR CARVALHO, já qualificado, ao cargo de vereador, nas eleições do Município de Campo Maior, pelo partido Movimento Democrático Brasileiro - MDB.
O Ministério Público Eleitoral apresentou impugnação ao registro de candidatura, alegando a existência de 04 (quatro) decisões proferidas pelo Tribunal de Contas da União a título de reprovação de contas atribuída ao pretenso candidato e preenchedoras dos requisitos da inelegibilidade definida no art. 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90, justificando, assim, o pedido de indeferimento do registro de candidatura.
Intimado, o requerente, por meio de seu representante legal, apresentou contestação.
O Chefe do Cartório Eleitoral, em vista de suas atribuições, apresentou as informações retro.
É o relatório. Decido.
Inicialmente, cumpre analisar a questão prejudicial pendente, relativa à ausência do comprovante de quitação eleitoral, documento indispensável para o processamento escorreito do presente pedido.
Sobre a referida questão, verifica-se que o requerente logrou emendar o RRC de modo tempestivo, ou seja, antes da data do julgamento, acostando certidão positiva com efeitos negativos, em vista do parcelamento levado a efeito concernente a uma multa eleitoral outrora aplicada.
Assim, resta superada a falha inicial, estando o RRC devidamente instruído com a documentação indispensável.
Por não haver outras questões de índole formal ou material que prejudiquem o enfrentamento do mérito do presente pedido, passa-se à sua análise.
A controvérsia veiculada na impugnação depende apenas da análise da prova documental já coligida aos autos para a sua respectiva superação, de modo a atrair a norma do art. 355, I, do CPC, e do art.5°, caput, da Lei Complementar n°64/90, em face da ausência de pedido de produção de prova testemunhal, demandando, pois, o julgamento antecipado do mérito da lide.
Na forma disciplinada pelo art.1°, I, g, da LC n°64/90, são inelegíveis para qualquer cargo ‘os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição’, configurando essa inelegibilidade a causa de pedir da impugnação ora enfrentada.
Assim, tal norma exige, para a sua configuração, a presença dos seguintes requisitos: (I) exercício de cargo ou função pública; (II) rejeição das contas pelo órgão competente; (III) insanabilidade da irregularidade verificada; (IV) ato doloso de improbidade administrativa; (V) irrecorribilidade do pronunciamento de desaprovação das contas; e (VI) inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto de rejeição das contas.
Em sua impugnação, o Ministério Público Estadual indicou a existência de quatro decisões finais em procedimentos distintos que redundaram na rejeição de contas sob a responsabilidade do requerente/impugnado, tendo dado especial enfoque ao acórdão proferido na TC nº 007.296/2023-3.
O referido acórdão tratou da tomada de contas especial em virtude da aplicação de verba oriunda do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, relativas ao período de 1/1/2017 a 31/12/2020, quando esteve o requerente/impugnado à frente da gestão do município de Campo Maior.
A irregularidade apurada dizia respeito à omissão no dever de prestar contas relativas ao objeto pactuado (Termo de Compromisso 7585/2013), a saber, a execução de todas as atividades inerentes à construção de uma unidade escolar de educação infantil.
Do julgado, extraiu-se que, apesar da completa ausência da prestação de contas, o setor do TCU com atribuição imprimiu investigação em busca de elucidar a forma pela qual ocorreu a aplicação dos recursos federais repassados, merecendo destaque a seguinte conclusão:
7.Ao não apresentar defesa, os responsáveis deixaram de produzir prova da regular aplicação dos recursos sob sua responsabilidade, em afronta às normas que impõem aos gestores públicos a obrigação legal de, sempre que demandados pelos órgãos de controle, apresentar os documentos que demonstrem a correta utilização das verbas públicas, a exemplo do contido no art. 93 do Decreto-Lei 200/1967: “Quem quer que utilize dinheiros públicos terá de justificar seu bom e regular emprego na conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes”.
8. Mesmo as alegações de defesa não sendo apresentadas, considerando o princípio da verdade real que rege esta Corte, a AudTCE buscou, em manifestações dos responsáveis na fase interna desta tomada de contas especial, se havia algum argumento que pudesse ser aproveitado a seu favor.
9. No entanto, os responsáveis não se manifestaram na fase interna, não havendo, assim, nenhum argumento que possa vir a ser analisado e posteriormente servir para afastar as irregularidades apontadas.
10. Em consulta ao sistema SIMEC realizada na data de 26/4/2022, a unidade técnica verificou que a obra objeto desta tomada de contas especial consta como “cancelada” com percentual de execução igual a “0,00%”.
11. Em se tratando de processo no qual a parte interessada não se manifestou acerca das irregularidades imputadas, inexistem elementos para que se possa efetivamente aferir e reconhecer a ocorrência de boa-fé na conduta dos responsáveis, podendo este Tribunal, desde logo, proferir o julgamento de mérito pela irregularidade das contas, conforme os termos dos §§ 2º e 6º do art. 202 do Regimento Interno do TCU. (Acórdãos 2.064/2011-TCU-1ª Câmara (Relator Ubiratan Aguiar), 6.182/2011-TCU-1ª Câmara (Relator Weber de Oliveira), 4.072/2010-TCU-1ª Câmara (Relator Valmir Campelo), 1.189/2009-TCU-1ª Câmara (Relator Marcos Bemquerer), 731/2008-TCU-Plenário (Relator Aroldo Cedraz).
Nesse contexto, tem-se que o requerente/impugnado não só deixou de prestar contas, como também negligenciara a promoção de sua defesa nos autos do aludido procedimento, ignorando solenemente o seu dever em todas as respectivas etapas.
Além da injustificável omissão de prestar contas, o órgão técnico detectou “a impossibilidade de se atestar o nexo causal entre as possíveis despesas efetuadas e os recursos recebidos”, não tendo identificado “excludente de ilicitude, de culpabilidade e de punibilidade, sendo razoável supor que o responsável tinha consciência da ilicitude de sua conduta; que era exigível conduta diversa da praticada, qual seja, desincumbir-se do seu dever por meio da prestação de contas no prazo e formas devidos”, o que constitui clara conduta ofensiva ao interesse público.
E não é só. Constitui também ato de improbidade administrativa, enquadrando-se a omissão em que incorreu de forma reiterada o requerente/impugnado no inciso VI, do art. 11, da Lei n. 8.429/1992, conforme se vê abaixo, verbis:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:
IV - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades;
§ 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.
§ 2º Omissis;
§ 3º O enquadramento de conduta funcional na categoria de que trata este artigo pressupõe a demonstração objetiva da prática de ilegalidade no exercício da função pública, com a indicação das normas constitucionais, legais ou infralegais violadas.
§ 4º Os atos de improbidade de que trata este artigo exigem lesividade relevante ao bem jurídico tutelado para serem passíveis de sancionamento e independem do reconhecimento da produção de danos ao erário e de enriquecimento ilícito dos agentes públicos.
§ 5º Omissis;
Importa desde logo registrar que essa sucessão de omissões por parte do gestor enseja a presunção de que agiu dolosamente, com o fim deliberado de violar claro, cogente e expresso mandamento legal.
O dever de prestar contas é básico, inerente a qualquer função estatal, notadamente por quem exerce cargo com tamanha liberdade e autonomia, figurando os tribunais de contas como o único órgão que exerce algum controle efetivo sobre esses gastos. Sob esse cenário, a omissão em face desse dever constitui falta gravíssima, cujos efeitos não podem ser simplesmente ignorados.
Aqui, importa destacar que a referida omissão na prestação de contas dos recursos recebidos pelo gestor, e vinculados a finalidade específica, configura, de forma manifesta, ATO ILÍCITO, a violar normas matrizes e elementares do arcabouço jurídico nacional. Citem-se, desde o art. 37, caput, c/c art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal, passando pelo art. 93, do Decreto-lei 200/1967, Decreto 93.872/1986; até o art. 5º, inciso III, alínea ‘q’, da Resolução/CD/FNDE nº 25/2013 e item XVII, do Termo de Compromisso PAC2 nº 07585/2013.
Além do mais, é importante destacar relevante informação contida no referido acórdão, atinente à constatação de que, sob a gestão do requerente, embora tenha havido o efetivo repasse da verba federal, constatou-se a mais completa e vergonhosa inação, uma vez ter-se apurado a execução de 0,00% do objeto.
Portanto, da inspeção técnica realizada sob a tomada de contas especial em comento, ficou evidenciado que o recurso saiu dos cofres federais e ingressou nos municipais. Contudo, ao tempo em que não foi aplicado um centavo sequer, nada restou na conta bancária em que o valor foi depositado.
Diante desse dado, revela-se mais do que sensato supor que o valor foi despudoradamente desviado em benefício do próprio requerente/impugnado, a configurar, em tese, o crime de peculato desvio, com previsão no art. 312, caput, parte final, do CP, cuja pena máxima é de doze anos
Ou seja, em vez de responder efetivamente em face de sua conduta, inclusive sob o ponto de vista criminal, situação plausível em qualquer país minimante decente, vem impudentemente postular registro de candidatura para ter acesso ás mesmas fontes cujos recursos aparentemente desviara.
Não se pode perder de vista, ademais, o objeto do repasse: a construção de uma unidade de educação infantil. Essa especial circunstância demonstra que, da conduta atribuída ao requerente/impugnado, decorreu severa lesão social a bem jurídico relevantíssimo e estratégico ao interesse nacional, cujas nocivas consequências é impossível dimensionar.
Sob todas essas circunstâncias, não há de remanescer qualquer dúvida razoável a respeito do elemento subjetivo que animara a conduta ora enfocada, afigurando-se manifestamente dolosa.
A propósito, cite-se o entendimento prevalente no TSE é no sentido de que "para a configuração da inelegibilidade da alínea g, não se exige dolo específico, mas apenas genérico, que se caracteriza quando o administrador assume os riscos de não atender aos comandos constitucionais e legais que pautam os gastos públicos" (AgR–RO–El 0600726–25, rel. Min. Benedito Gonçalves, PSESS em 3.11.2022).
De toda forma, o fato gerador de inelegibilidade apontado pelo Ministério Público Eleitoral alcança as mais profundas camadas do elemento subjetivo do tipo, pois ultrapassa a mera vontade de agir em desconformidade com a lei. Com efeito, ultrapassa a mera inobservância de um modo de agir ordinário (prestação de contas), adentrando à seara da existência de uma finalidade especial do agente, qual seja, desviar dinheiro público, haja vista a comprovação, de um lado, da absoluta inexecução da obra e, de outro, da ausência do dinheiro na conta em que depositado.
Sem sombra de dúvidas, o caso contempla uma improbidade administrativa manifesta, agravada pelo dolo específico de surrupiar o patrimônio público, perpetrado por indivíduo cuja má-fé salta ao olhos, motivo pelo qual, além da multa pela omissão, houve a imputação do débito, relativo à obrigação de restituir o erário.
Por fim e não menos relevante, após se analisar o teor das outras rejeições indicadas pelo impugnante, quais sejam: TC 033.570/2020-5, TC 033.568/2020-0 e TC 000.304/2021-2, todos os respectivos contextos denotam a mesma conduta ilícita, isto é, recebimento de recursos públicos, omissão do dever de prestar contas e condenação a restituir, ante a não comprovação da execução do objeto dos contratos, além da imposição de multa.
A conduta reiterada exterioriza a ausência de compromisso público, vindo a satisfazer todos os inúmeros requisitos atualmente exigidos para a configuração da inelegibilidade definida no art.1°, I, g, da LC n°64/90.
Desse modo, forçoso reconhecer que a situação do requerente/impugnado se adequa perfeitamente à hipótese legal inicialmente transcrita, a importar, por conseguinte, o reconhecimento da causa de inelegibilidade em questão.
Ante o exposto, ao tempo em que julgo procedente a impugnação apresentada, INDEFIRO o pedido de registro de candidatura de JOSE DE RIBAMAR CARVALHO.
Registre-se. Publique-se. Intimem-se.
Cumpra-se.
Campo Maior, datado e assinado eletronicamente.
Sérgio Roberto Marinho Fortes do Rego
Juiz da 96ª Zona Eleitoral