Brasão da República

JUSTIÇA ELEITORAL
 060ª ZONA ELEITORAL DE BUÍQUE PE
 

 

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0600247-26.2024.6.17.0060 / 060ª ZONA ELEITORAL DE BUÍQUE PE

INVESTIGANTE: LEONARDO CESAR ARCOVERDE DE SOUZA, ELSON FRANCISCO E SILVA, CICERO EDSON DA SILVA

Representante do(a) INVESTIGANTE: LUCAS WESLEY ALMEIDA CAVALCANTI - PE40741
Representante do(a) INVESTIGANTE: LUCAS WESLEY ALMEIDA CAVALCANTI - PE40741
Representante do(a) INVESTIGANTE: LUCAS WESLEY ALMEIDA CAVALCANTI - PE40741

INVESTIGADA: VERA LUCIA PEREIRA FREIRE
INVESTIGADO: ALINE DE ARAUJO BESERRA TAVARES, DJALMA ARAUJO DA SILVA, JOSE DAIDSON AMORIM DE ALBUQUERQUE, JOSE LOPES DE BARROS FILHO, VANILDO ALMEIDA CAVALCANTI, ANA KELLE DA SILVA, EDIL MODESTO DE FRANCA, JORDAO BRIANO DA SILVA, VALMIRA DE SIQUEIRA LEAL DE SOUZA AMORIM, SANDRA PEREIRA DA SILVA, JOSE ANTONIO DA SILVA, ISMAY BENICIO RAMOS DOS SANTOS, CICERO JOSE DE FREITAS SILVA, JOSE ANTONIO BESERRA, JOHNANTHAN EDUARDO CAMPOS DE MELO, ARQUIMEDES GUEDES VALENCA, COMISSAO PROVISORIA PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRATICO BRASILEIRO - PMDB

Representante do(a) INVESTIGADA: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495
Representante do(a) INVESTIGADO: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495
Representantes do(a) INVESTIGADO: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495, RIVALDO LEAL DE MELO - PE17309
Representante do(a) INVESTIGADO: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495
Representante do(a) INVESTIGADO: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495
Representante do(a) INVESTIGADO: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495
Representante do(a) INVESTIGADO: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495
Representante do(a) INVESTIGADO: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495
Representante do(a) INVESTIGADO: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495
Representante do(a) INVESTIGADO: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495
Representante do(a) INVESTIGADO: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495
Representante do(a) INVESTIGADO: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495
Representante do(a) INVESTIGADO: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495
Representante do(a) INVESTIGADO: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495
Representante do(a) INVESTIGADO: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495
Representante do(a) INVESTIGADO: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495
Representante do(a) INVESTIGADO: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495
Representante do(a) INVESTIGADO: RUBERVAL LEITE DA SILVA - PE50495

 

 

 

SENTENÇA

Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) ajuizada por LEONARDO CESAR ARCOVERDE DE SOUZA e OUTROS em face de VERA LUCIA PEREIRA FREIRE e OUTROS, devidamente qualificados na exordial.

Aduzem os demandantes, em síntese, que o Partido MDB participou das eleições municipais de 2024, apresentando lista com 15 candidatos ao cargo de vereador, sendo 10 homens e 5 mulheres, cumprindo formalmente o percentual mínimo de 30% de candidaturas femininas; após a conclusão da campanha eleitoral, verificou-se que a candidata Vera Lucia Pereira Freire (Vera de Gonçalo) não participou efetivamente da eleição 2024; a candidata não realizou atos de campanha, tanto pessoalmente quanto em redes sociais, obtendo votação zerada; em sua prestação de contas, identificada pelo nº 0600154-63.2024.6.17.0060, constatou-se transferência mínima de R$ 500,00, realizada apenas após o pleito; não houve comprovação de gastos com materiais de campanha ou outras despesas eleitorais; durante o período de campanha eleitoral, a candidata, em vez de promover sua própria candidatura em suas redes sociais, divulgava a candidatura de Sandra Pereira da Silva; a situação evidencia que sua candidatura foi fictícia, apresentada apenas para atender à cota de gênero; sem a candidatura de Vera Lucia, o partido teria apenas 4 candidatas, correspondendo a 26,67% do total de candidatos da lista, ficando aquém do mínimo exigido; por conta da expressiva votação obtida pelos homens da coligação, todos os candidatos (ALINE DE ARAÚJO BESERRA TAVARES, DJALMA ARAÚJO DA SILVA, VANILDO ALMEIDA CAVALCANTI, JOSÉ LOPES DE BARROS FILHO e JOSÉ DAIDSON AMORIM DE ALBUQUERQUE) foram proclamados eleitos ou suplentes; a diplomação dos eleitos está marcada para o dia 13 de dezembro de 2024.

Pugna a parte autora, ao final, pelos seguintes provimentos: concessão de tutela antecipada para que não sejam expedidos diplomas aos candidatos representados enquanto tramitar a presente demanda; declaração de inelegibilidade dos Representados para as eleições a se realizarem nos oito anos subsequentes à eleição em que se verificaram os abusos narrados; cassação dos diplomas e mandatos dos eleitos; invalidação de todas as candidaturas elencadas no Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (DRAP) apresentado no RCand nº 0600076-69.2024.6.17.0060; declaração de nulidade dos votos obtidos pelo partido MDB, com recontagem dos quocientes eleitorais e partidários; expedição de ofício ao cartório eleitoral para prestar informações sobre a participação da Sra. Vera Lucia Pereira Freire como eleitora na eleição do dia 06/10/2024; notificação do Ministério Público Eleitoral para manifestação.

Deferida a liminar em ID 124516110, cujos efeitos foram suspensos por força de decisão exarada pelo E. TRE-PE nos autos do Mandado de Segurança n. 0601213-72.2024.6.17.0000 (ID 124648163).

Determinada a citação por edital da demandada VERA LUCIA PEREIRA FREIRE em ID 125164592, com o decurso do prazo.

Citados, os réus apresentaram defesa nos seguintes termos (ID 125218460): alegaram a inexistência de fraude à cota de gênero, sustentando que a candidata Vera Lúcia foi escolhida em convenção partidária e participou ativamente de atos partidários; sustentaram que a candidata desistiu tacitamente de concorrer às eleições municipais de 2024 durante o curso do período eleitoral, sem comunicação ao partido, em razão da falta de apoio financeiro, tendo recebido apenas uma doação estimada em serviços no valor de R$ 500,00 da Direção Nacional do MDB Mulher em 11/09/2024; alegaram que não houve tempo hábil para o partido realizar a substituição da candidata, pois o MDB-BUÍQUE não detinha conhecimento de que Vera Lúcia havia desistido tacitamente de continuar disputando o pleito eleitoral; sustentaram que os investigantes não comprovaram que o partido tinha conhecimento da desistência informal da candidata; afirmaram que a situação justifica a quantidade de votos zerados, comprovando a desistência tácita da candidata; alegaram que a quantidade de votos, por si só, não conduz à conclusão de fraude à cota de gênero, sendo necessários outros elementos probatórios concretos; sustentaram que a prestação de contas da candidata foi julgada aprovada pela Justiça Eleitoral, sem apontamento de irregularidades; alegaram que as provas carreadas à inicial não comprovam qualquer fraude, corroborando apenas que a candidata tinha animus de concorrer ao pleito, participou de convenções e divulgou material publicitário, mas desistiu tacitamente por não reunir condições financeiras requereram a total improcedência da AIJE, o afastamento das cassações dos diplomas e da declaração de inelegibilidades; requereram, eventualmente, a oitiva da investigada Vera Lúcia, dos demais investigados vereadores, do presidente da Comissão Provisória do MDB e das testemunhas arroladas, para garantir o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.

O Ministério Público Eleitoral apresentou parecer opinando pela procedência integral dos pedidos nos seguintes termos (ID 125239577): sustentou que os elementos fáticos apresentados nos autos alinham-se de forma inequívoca aos três critérios objetivos definidos pela Súmula 73 do TSE para configuração da fraude, quais sejam: a candidata obteve zero votos, sua prestação de contas revelou movimentação financeira irrisória e padronizada, e não há evidência de atos efetivos de campanha, mas sim de promoção de candidatura alheia; alegou que, quanto à votação zerada, é fato incontroverso que a candidata obteve zero votos, sendo que a ausência de um único voto, inclusive o da própria candidata que compareceu às urnas segundo certidão do cartório, é fortíssimo indício de que não houve qualquer esforço para angariar sufrágios; quanto à ausência de movimentação financeira relevante, sustentou que a prestação de contas revela única receita no valor de R$ 500,00, de natureza estimável em dinheiro, referente a serviços prestados por terceiros, doada pela Direção Nacional do MDB Mulher em 11/09/2024, sem registro de qualquer gasto com material de campanha ou propaganda, sendo tal movimentação evidentemente padronizada e irrisória, compatível com candidatura meramente formal; afirmou que a aprovação das contas em processo autônomo não afasta a análise da fraude, pois a verificação na AIJE é mais ampla e examina o contexto da candidatura como um todo; quanto à ausência de atos efetivos de campanha e promoção de terceiros, sustentou que a acusação junta provas de que, durante o período eleitoral, Vera Lucia utilizou suas redes sociais para promover a candidatura de Sandra Pereira da Silva, outra candidata do mesmo partido, sendo esta conduta o indício mais contundente da fraude, pois demonstra não apenas inércia em relação à própria campanha, mas ação deliberada em favor de outrem, desvirtuando completamente o propósito de sua candidatura; alegou que a tese defensiva de desistência tácita por falta de recursos perde força diante da campanha ativa para uma concorrente, indicando desvio de finalidade que transcende a mera inércia e se aproxima de arranjo fraudulento; sustentou que a alegação de que o partido desconhecia a desistência da candidata não o exime da responsabilidade de fiscalizar a regularidade de sua chapa; afirmou que a fraude à cota de gênero é ilícito que macula o DRAP, afetando todos os candidatos a ele vinculados, independentemente de participação ou ciência individual, conforme expressamente previsto na parte final da Súmula 73 do TSE; alegou que a sanção é coletiva porque a fraude beneficia toda a chapa, ao permitir que o partido lance número maior de candidatos masculinos, sendo medida coletiva que independe da comprovação de participação ou ciência dos demais candidatos beneficiados pela fraude; opinou pela procedência integral dos pedidos formulados na AIJE.

É o relatório. Decido.

Inicialmente, cumpre esclarecer que a Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE encontra-se prevista no artigo 22 da Lei Complementar nº 64/1990, constituindo-se instrumento adequado para apurar o uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou político que possa comprometer a legitimidade do pleito.

Já a ação afirmativa de participação feminina nas eleições proporcionais, prevista no artigo 10, §3º da Lei nº 9.504/1997, que impõe um mínimo de 30% de candidaturas para cada sexo, visa corrigir a histórica sub-representação das mulheres na política, e sua burla por meio de "candidaturas laranjas" é interpretada como abuso do poder político-partidário ou fraude ao processo eleitoral, podendo ser investigada via Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) ou Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME). A doutrina e a jurisprudência ressaltam que o objetivo da cota é a participação feminina efetiva, não apenas formal.

Portanto, o conceito de fraude à cota de gênero, consistente no lançamento dessas candidaturas fictícias apenas para cumprir os percentuais mínimos exigidos pela legislação eleitoral, foi consolidado pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) como uma espécie de abuso do poder político.

Para delimitar a caracterização de tal fraude, o TSE editou a Súmula nº 73, que estabelece elementos objetivos para sua identificação:

A fraude à cota de gênero, consistente no desrespeito ao percentual mínimo de 30% (trinta por cento) de candidaturas femininas, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, configura-se com a presença de um ou alguns dos seguintes elementos, quando os fatos e as circunstâncias do caso concreto assim permitirem concluir: (1) votação zerada ou inexpressiva; (2) prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante; e (3) ausência de atos efetivos de campanhas, divulgação ou promoção da candidatura de terceiros. O reconhecimento do ilícito acarretará: (a) a cassação do Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários (Drap) da legenda e dos diplomas dos candidatos a ele vinculados, independentemente de prova de participação, ciência ou anuência deles; (b) a inelegibilidade daqueles que praticaram ou anuíram com a conduta, nas hipóteses de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE); (c) a nulidade dos votos obtidos pelo partido, com a recontagem dos quocientes eleitoral e partidário (art. 222 do Código Eleitoral), inclusive para fins de aplicação do art. 224 do Código Eleitoral.

Desse modo, restará configurada a fraude quando presentes pelo menos um dos elementos indicados: (1) votação zerada ou inexpressiva; (2) prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante; e (3) ausência de atos efetivos de campanhas, divulgação ou promoção da candidatura.

A aplicação da súmula, todavia, não é automática, exigindo-se prova robusta e inequívoca da simulação da candidatura, pois necessário avaliar os fatos e circunstâncias do caso concreto. A prova direta do conluio não é necessária, no entanto a fraude deverá ser inferida de um conjunto sólido e convergente de provas, que demonstre a intenção de burlar a norma.

Sobre o tema, assim leciona José Jairo Gomes:

Consiste a fraude em lançar candidatura de mulheres que na realidade não disputarão efetivamente o pleito. São candidaturas fictícias. Os nomes femininos são incluídos na lista do partido tão somente para atender à necessidade de preenchimento do mínimo de 30%, viabilizando-se com isso, a presença do partido e de seus verdadeiros candidatos nas eleições. Trata-se, portanto, de burla à regra legal que instituiu a ação afirmativa direcionada ao incremento da participação feminina na política. Embora esse tipo de fraude se perfaça na fase de registro da candidatura, em geral os indícios de sua ocorrência ficam mais palpáveis depois do pleito, sendo evidenciados por situações como ausência de votos à suposta candidata (ou seja: a candidata não teve o próprio voto), a não realização de campanha própria, dedicação à campanha de outro candidato, prestação de contas sem registro de receita ou despesa (ou seja: a prestação de contas aparece zerada). (…) Note-se, porém, que tais eventos são indiciários e, sozinhos, não podem significar que necessariamente houve fraude ou que a candidatura em questão foi fraudulenta". (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 20 e.d. Atlas, 2024, pág. 323).

Já quanto às sanções aplicáveis ao caso, decorrem da interpretação sistemática do art. 10 §3º da Lei 9.504/97, combinado com as sanções gerais da LC 64/90 (art. 22) e do Código Eleitoral (arts. 222 e 224), a partir da jurisprudência consolidada do TSE e confirmada pelo STF, estando sintetizadas na já referenciada Súmula nº 73.

Anote-se que, especialmente em casos que envolvam sanções de natureza tão grave quanto a cassação de mandatos e a declaração de inelegibilidades, a aplicação das normas pertinentes exige máxima cautela, de modo a não afetar a estabilidade democrática e, sem fundamento robustamente evidenciado, afastar a escolha popular manifestada nas urnas.

A soberania popular, materializada no voto, é um fundamento do Estado Democrático de Direito e, nesse contexto, o princípio do in dubio pro sufragio é de suma importância: na ausência de provas robustas de fraude, a expressão da vontade popular deve ser preservada. Este princípio orienta, finalisticamente, que a desconstituição de um mandato, obtido pela vontade popular, é medida excepcionalíssima.

Repise-se, todavia, que a jurisprudência do TSE dispensa a prova direta de conluio ou dolo específico, inferindo a má-fé objetivamente "quando os fatos e as circunstâncias do caso concreto assim permitirem concluir". Além disso, os elementos presentes na Súmula nº 73 do TSE não são cumulativos, exigindo-se, porém, o lastro probatório firme e o nexo lógico-jurídico, com anuência dos responsáveis.

É dentro dessa ótica que casos como o presente invariavelmente necessitam ser analisados. 

Na hipótese vertente, num primeiro momento, tem-se que o investigante traz elementos que fornecem base indiciária da existência de fraude na candidatura citada: votação zerada; prestação de contas com movimentação financeira irrisória; e utilização das suas redes sociais para promover candidatura diversa.

Entretanto, realizada uma análise verticalizada do acervo probatório, própria do exame definitivo do mérito, reputo que a alegada fraude à cota de gênero não restou cabalmente caracterizada.

A defesa sustenta a ocorrência de desistência informal posterior ao registro da candidatura, não comunicada ao partido.

Emerge como informação relevante o fato de que VERA DE GONÇALO concorreu às eleições de 2020, conforme se infere do seu procedimento de registro de candidatura (Proc. n. 0600091-38.2024.6.17.0060) anexado aos autos pela parte autora em ID 124418675, mais especificamente nas páginas 03 e 13, tendo suscitado, inclusive, divergência no campo "Cor/raça", a qual foi retificada pela candidata no curso do referido processo, culminando com o deferimento do registro de candidatura para o pleito de 2024.

A referida candidata, no pleito de 2020, concorreu pelo PSD - Partido Social Democrático e obteve votação discreta (03 votos), conforme apresentado nos dados disponibilizados no Portal de Dados Abertos do TSE. Por se tratar de pessoa que já havia participado, mesmo que de forma pouco exitosa, de eleição visando a ocupação do cargo de Vereador, atenua-se a hipótese de seu nome ter sido registrado, pelo partido, com o deliberado intuito de apenas preencher o quantitativo mínimo de candidaturas, pois tal circunstância não se coaduna com características próprias das candidaturas fictícias, comumente marcadas pela ausência de vínculos com a política partidária.

Quanto aos atos de campanha, infere-se dos autos que a candidata chegou a iniciar atos de campanha eleitoral, ainda que de forma singela e pouco expressiva, em suas redes sociais, conforme se verifica nas imagens constantes do ID 125218460, páginas 04/06. No que toca à divulgação de candidatura alheia, entendo que este fato atesta desvio da postura, mas não evidencia que o registro inicial da candidatura foi unicamente formal e artificial.

A parte autora apresenta prints de postagens efetuadas nos dias 23 e 25 de setembro (ID 124418509, p. 05), nas quais a candidata publica ações de campanha de candidata diversa. Embora esse elemento de prova seja um sinal externo de inexistência material da candidatura ao tempo das postagens, tal fato apenas se deu em período próximo do pleito eleitoral, inclusive já após o prazo de substituição de candidatos estipulado pela legislação eleitoral no art. 13, § 3º, da Lei 9.504/97. Esse fato, em razão da sua proximidade com o pleito eleitoral, reforça a ideia de impossibilidade de correção tempestiva pela agremiação partidária. Ademais, embora não comprove, também não desmente a tese defensiva, por ser logicamente compatível com a conjecturada desistência informal.

Conforme já decidiu a Corte Superior Eleitoral, "É admissível e até mesmo corriqueira a desistência tácita de disputar o pleito por motivos íntimos e pessoais, não controláveis pelo Poder Judiciário, sendo descabido e exagerado deduzir o ardil sem que se comprove má-fé ou prévio ajuste de vontades no propósito de burlar a ação afirmativa" (AgR-REspe nº 2-64/BA, Rel. Min. Jorge Mussi).

No mesmo sentido, já decidiu o TSE que a falta de votos ou de atos significativos de campanha não é suficiente à caracterização da fraude alegada, especialmente porque é admissível a desistência tácita de participar do pleito (AgR-REspe nº 799-14/SP, rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 21.5.2019, DJe de 27.6.2019).

Na mesma linha, mutatis mutandis, o TSE já decidiu que “a falta de obtenção de votos pelas candidatas investigadas, a ausência de movimentação de receitas e gastos de campanha, a propagando ínfima e as confessadas desistências tácitas no curso de suas respectivas campanhas eleitorais são elementos insuficientes e não bastam para reconhecer a ocorrência de suposto ‘ajuste de conduta’ voltado para a prática da alegada fraude na composição de cota de gênero”. [...] (TSE, REspe nº 060201638, rel. Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 1º/9/2020)

É bem verdade ser prescindível o exame do elemento subjetivo. Ou seja, não se exige prova inconteste da participação ou da anuência das candidatas fictícias ou dos candidatos eleitos, para fins de perda de diploma de todos os candidatos beneficiários.

No entanto, é necessário que o acervo probatório aponte, objetivamente e sem margem para dúvidas, que a candidatura foi fictícia desde o seu registro. No caso dos autos, quando se visualiza a probabilidade de desistência informal, cujos sinais externos somente se manifestaram em momento próximo à data da eleição e por candidata que, em linha de princípio, já tinha alguma atuação político-partidária, entendo que os elementos da fraude não se configuram com a robustez necessária para a imposição da sanção pleiteada.

Segundo entendimento encampado pelo Tribunal Superior Eleitoral, "apesar do importante papel da Justiça Eleitoral na apuração de condutas que objetivam burlar o sistema previsto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, a prova da fraude à cota de gênero deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias do caso a denotar o inequívoco fim de mitigar a isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu garantir" (AgR–REspe nº 799–14/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 27.6.2019).

A ponderação acerca da trajetória política prévia da candidata (que concorreu para o mesmo cargo na eleição anterior e em agremiação diversa), conjugada com as datas em que houve sinalização externa da conjecturada desistência tácita (postagens em favor de candidata diversa, próximas ao dia da votação), confere verossimilhança não desprezível à alegada desistência informal não comunicada e não controlável pela agremiação.

Impende ressaltar que o exame da alegada fraude em sede de Ação de Investigação Judicial Eleitoral deve girar em torno da evidente demonstração de que a candidatura tenha sido motivada com o escopo exclusivo de se preencher, de forma artificial, a reserva de gênero, o que não se verificou nos presentes autos.

Embora a desistência tácita não esteja comprovada estreme de dúvidas, os elementos objetivos presentes nos autos também não atestam, de forma inequívoca, o registro artificial da candidatura.

Desse modo, embora existam indícios da fraude imputada nestes autos, o rígido standard probatório exigido não foi alcançado, de modo a atrair o postulado in dubio pro sufragio, com a preservação dos resultados obtidos nas urnas.

Em conclusão, com fundamento no art. 22 da LC 64/1990 c/c art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE.

Publique-se.

Intimem-se as partes e o Ministério Público Eleitoral.

Após o trânsito em Julgado, arquivem-se os autos.

Buíque, na data da assinatura eletrônica.

Felipe Marinho dos Santos 

Juiz Eleitoral