JUSTIÇA ELEITORAL
068ª ZONA ELEITORAL DE CAJAZEIRAS PB
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0600583-60.2024.6.15.0068 / 068ª ZONA ELEITORAL DE CAJAZEIRAS PB
INVESTIGANTE: PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB
Advogados do(a) INVESTIGANTE: ANNIBAL PEIXOTO NETO - PB10715, FELIPE GOMES DE MEDEIROS - PB20227, GENESIS JACOME VIEIRA CAVALCANTI - PB21239
INVESTIGADA: MARIA DO SOCORRO DELFINO PEREIRA, ELEICAO 2024 MARIA DO SOCORRO DELFINO PEREIRA PREFEITO, CHRISTIANE GAMBARRA DE ARAUJO DANTAS, ELEICAO 2024 CHRISTIANE GAMBARRA DE ARAUJO DANTAS VICE-PREFEITO
INVESTIGADO: JOSE ALDEMIR MEIRELES DE ALMEIDA
Advogado do(a) INVESTIGADA: EDNELTON HELEJONE BENTO PEREIRA - PB13523-A
Advogados do(a) INVESTIGADA: RENATO MARLIS DE ABREU SOUZA - PB24043, SILVIO SILVA NOGUEIRA - PB8758
Advogados do(a) INVESTIGADO: RODRIGO LIMA MAIA - PB14610, MARIANA DE ALMEIDA PINTO - PB23767
I RELATÓRIO
Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) proposta pelo PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB) – DIRETÓRIO MUNICIPAL DE CAJAZEIRAS/PB em face de JOSÉ ALDEMIR MEIRELES DE ALMEIDA, então Prefeito do Município de Cajazeiras/PB, MARIA DO SOCORRO DELFINO PEREIRA, candidata ao cargo de Prefeita, e CHRISTIANE GAMBARRA DE ARAÚJO DANTAS, candidata ao cargo de Vice-Prefeita, imputando-lhes a prática de abuso de poder político e conduta vedada.
Em sua petição inicial, o partido investigante sustenta que os investigados teriam utilizado a máquina pública em benefício das candidaturas de Maria do Socorro Delfino Pereira e Christiane Gambarra de Araújo Dantas. A conduta ilícita consistiria em um aumento exponencial e injustificado nas despesas com combustíveis pela Prefeitura de Cajazeiras no ano eleitoral de 2024, que, segundo a exordial, teriam saltado de R$ 1.008.379,35 em 2023 para R$ 4.160.119,26 em 2024, representando um aumento superior a 400%. Ao final, pugnou pela decretação da inelegibilidade dos investigados, pela cassação dos registros de candidatura ou diplomas das candidatas e pela aplicação de multa.
Regularmente citados, os investigados apresentaram suas contestações, defendendo a inexistência de provas concretas do alegado abuso e afirmando que o aumento das despesas possui justificativa legítima. A investigada Maria do Socorro Delfino Pereira arguiu, em preliminar, a inépcia da petição inicial por ausência de elementos probatórios mínimos.
Em decisão saneadora, este Juízo rejeitou a preliminar de inépcia da inicial e fixou como pontos controvertidos a existência de justificativa para o aumento das despesas, a ocorrência de desvio de finalidade eleitoral e a configuração de abuso de poder.
Realizada audiência de instrução em 06 de maio de 2025, foram ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes. Ao final da instrução, ante a divergência nos valores, foram deferidas diligências para requisitar relatórios detalhados ao Município de Cajazeiras e ao Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE/PB).
Em resposta, o TCE/PB informou que o valor total pago com combustíveis em 2023 foi de R$ 4.590.719,98 e, em 2024, foi de R$ 6.041.825,30, configurando um aumento percentual de 31,6%.
O Ministério Público Eleitoral, em seu parecer final, opinou pela improcedência dos pedidos, por entender que, embora comprovado o aumento da despesa, "não há nenhuma prova da utilização direta ou indireta de tais recursos públicos como forma de influenciar o eleitor e macular o processo eleitoral".
As partes apresentaram suas alegações finais, reiterando suas teses.
É o relatório. Fundamento e decido.
II FUNDAMENTAÇÃO
II.1 Do Abuso de Poder e da Necessidade de Prova Robusta
A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) é o instrumento processual destinado a coibir práticas que atentem contra a normalidade e a legitimidade das eleições, notadamente o abuso de poder político e econômico. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é pacífica e reiterada no sentido de que a condenação em AIJE, por implicar sanções de extrema gravidade como a cassação de diploma e a declaração de inelegibilidade, exige a produção de prova robusta e inconteste da ocorrência do ilícito. Meras presunções, conjecturas ou ilações não são suficientes para fundamentar um decreto condenatório.
O abuso de poder econômico se configura pelo uso desmedido e exorbitante de recursos patrimoniais, de forma a desequilibrar a disputa. Já o abuso de poder político caracteriza-se quando agentes públicos, valendo-se de sua condição funcional, desviam a finalidade da administração pública para obter vantagens eleitorais. Para a caracterização de ambos, é imprescindível a demonstração da gravidade da conduta, aferida pela sua potencialidade de influenciar o resultado do pleito, comprometendo a lisura do processo democrático.
II.2 Da Análise da Prova Documental
O ponto de partida da acusação foi a alegação de um aumento "exponencial" nas despesas com combustíveis, que "mais que quadruplicou", superando 400%. Contudo, após as diligências determinadas por este Juízo, a prova documental oficial, fornecida pelo Tribunal de Contas do Estado, estabeleceu um cenário fático substancialmente distinto.
O relatório do TCE/PB demonstrou que o aumento efetivo dos gastos pagos entre os exercícios de 2023 e 2024 foi de 31,6%. Essa dissonância entre o alegado na inicial e o comprovado nos autos por órgão técnico e imparcial mina a credibilidade da tese de um descontrole deliberado e "exorbitante" dos gastos. Ademais, a defesa apresentou argumento plausível de que parte dos valores pagos em 2024 referia-se a "restos a pagar" do exercício de 2023, o que, se considerado, reduziria ainda mais o percentual de aumento real atribuível ao ano eleitoral.
Embora um aumento de 31,6% seja significativo, não se pode, por si só e isoladamente, presumir sua ilegalidade, especialmente quando a defesa apresenta justificativas administrativas para tal variação.
II.3 Da Valoração da Prova Testemunhal
A testemunha Waléria Quirino Patrício, após rejeitada a contradita, foi ouvida sob compromisso legal. Afirmou que, durante o período eleitoral de 2024, ao fazer um trajeto diário pela via conhecida como "Estrada do Amor", passou a perceber "uma infinidade de carros" em filas para abastecimento no posto "Cachoeira Quatro". Relatou que os veículos eram particulares, adesivados com a imagem da então candidata, e que as pessoas que os abasteciam eram, em sua maioria, coordenadoras de campanha. Disse que o movimento era diário, concentrado no início da tarde. Declarou, contudo, que seu conhecimento sobre a organização da distribuição se baseava em "comentário na cidade" e que não conseguiria precisar nomes de pessoas beneficiadas, pois apenas passava pelo local sem parar. Não fez registros fotográficos.
A testemunha Aldo José Moreira, também ouvido sob compromisso após a rejeição da contradita, declarou que, motivado por comentários "públicos e notórios" na cidade sobre distribuição de combustível, deslocou-se por curiosidade ao mesmo posto e constatou a existência de filas "totalmente atípicas", com grande número de veículos adesivados com propaganda das candidatas investigadas. Mencionou que o comentário geral era de que um cidadão de nome "Carlos Rafael" estaria por trás da administração do abastecimento, ressalvando tratar-se de informação que ouviu de terceiros e que não pode afirmar. Por curiosidade, acessou o sistema SAGRES e verificou um aumento expressivo nos gastos com combustível do município, de cerca de um milhão em 2023 para mais de quatro milhões no ano do pleito. Confirmou não ter visto nenhum dos investigados no local e não ter realizado qualquer registro fotográfico ou em vídeo.
Ouvido sob compromisso legal, o ex-deputado Jeová Vieira Campos teve a contradita rejeitada. Afirmou ter "absoluta convicção" da distribuição de combustível, pois, ao circular em veículo descaracterizado, passava diariamente pelo posto "Cachoeira". Identificou o Sr. "Elano", pai de um vereador eleito, como a pessoa que ficava no posto coordenando o abastecimento dos "carros da campanha" e de terceiros. Relatou que todos os candidatos a vereador da coligação governista abasteciam no local. Corroborou a informação sobre o aumento das despesas com combustível, extraída do sistema SAGRES, de aproximadamente um milhão em 2023 para mais de quatro milhões em 2024. Declarou ter repassado aos advogados da campanha os registros que fez, não mais os possuindo.
Por fim, a testemunha Gerlane de Moura Gomes, ouvida sob compromisso após rejeição de contradita, narrou que seu falecido esposo lhe relatou que recebia combustível semanalmente em troca de apoio a um candidato a vereador da base governista. Este fato a teria levado a observar o posto na "Estrada do Amor", onde constatou, principalmente após o início da propaganda oficial, "filas de carros, todos adesivados". Identificou seu vizinho, o Sr. "Elano", como a pessoa que "fazia a distribuição do combustível". Também confirmou, por meio de consulta ao SAGRES, o aumento dos gastos públicos com combustíveis de um para quatro milhões de reais entre 2023 e 2024.
Das Testemunhas e Declarantes arrolados pelas partes Investigadas, a Sra. Mychele Dantas de Almeida Noleto, Secretária de Saúde do Município, teve sua contradita acolhida em razão do cargo de confiança e da relação de subordinação com a gestão, sendo ouvida na condição de declarante. Informou que a pasta da saúde possui uma despesa mensal média com combustível superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), valor que se manteve consistente em 2023 e 2024. Justificou a necessidade do gasto pela ampla gama de serviços que dependem de transporte, como SAMU, Tratamento Fora do Domicílio (TFD) e visitas domiciliares. Afirmou que em 2024 a frota da saúde foi ampliada com três ambulâncias e duas vans e que diversos serviços foram expandidos. Negou qualquer interferência política dos investigados na destinação do combustível e confirmou que a liberação e o controle do abastecimento de toda a frota municipal eram centralizados sob a responsabilidade de um setor coordenado pelo Sr. Elano.
A testemunha Tereza Cristina Dias Novo, professora efetiva e coordenadora pedagógica da Secretaria de Educação entre 2020 e 2024, ouvida sob compromisso, declarou que houve um aumento significativo na demanda por transporte escolar em 2024. Atribuiu tal aumento à expansão de atividades em contraturno e de programas como o "Busca Ativa Escolar", que exigiram a ampliação das rotas de transporte para levar e buscar alunos e deslocar equipes técnicas. Afirmou que o controle da frota e do abastecimento era feito por um coordenador específico do setor de transportes. Negou ter recebido qualquer solicitação dos investigados para uso de veículos ou combustível em benefício da campanha.
Por fim, a testemunha Jaymeelson Daniel Ferreira de Souza, motorista efetivo e coordenador de transportes escolares de 2021 a 2024, ouvido sob compromisso, corroborou a ocorrência de expansão dos serviços da educação. Explicou que, no final de 2023, foi implementado um sistema de georreferenciamento (GPS) na frota, o que permitiu otimizar as rotas dos ônibus próprios do município. Com isso, segundo a testemunha, foi possível ampliar a quilometragem percorrida pela frota própria para atender à nova demanda (contraturno, estudos de campo, transporte de universitários) e, ao mesmo tempo, reduzir em quatro o número de rotas que eram terceirizadas, mais onerosas ao erário. Confirmou que o Sr. Helano (Elano) era o responsável geral pelo acompanhamento dos abastecimentos e negou categoricamente o uso de veículos oficiais em atividades político-partidárias.
II.4 Da Ausência de Comprovação do Nexo Causal e da Gravidade da Conduta
Da valoração dos depoimentos, extrai-se que a prova produzida pelo investigante, não atinge o patamar de robustez necessário para uma condenação. As testemunhas de acusação relatam o que viram – filas de carros adesivados em um posto –, mas o nexo entre essa cena e o uso de dinheiro público para fins de captação ilícita de sufrágio se baseia em deduções e informações de terceiros.
O ponto crucial é a ausência de um elo probatório direto. Como bem destacado pelo Ministério Público Eleitoral, nenhuma testemunha conseguiu indicar um único nome de eleitor beneficiado, uma placa de veículo, um recibo de abastecimento ou qualquer outro elemento que comprovasse, de forma inequívoca, a troca de combustível por apoio político. O depoimento da Sra. Gerlane referiu-se a fatos ocorridos com seu esposo, que veio a falecer em 2023, muito antes do período eleitoral e da própria definição das candidaturas, o que esvazia seu potencial probatório para o caso em tela.
Em contrapartida, as testemunhas de defesa apresentaram um cenário administrativo plausível para justificar, ao menos em parte, o aumento dos gastos. A expansão dos serviços de saúde e educação, bem como o aumento da frota, são fatores que, por natureza, elevam o consumo de combustíveis.
Há quadro de indícios de um lado e de justificativas administrativas plausíveis de outro. O ônus de comprovar o ato abusivo era da parte investigante, que não se desincumbiu a contento. A ausência de provas do desvio de finalidade impede a caracterização da conduta vedada e, por consequência, do abuso de poder, cuja gravidade não pode ser aferida sem a demonstração do efetivo impacto da conduta na lisura do pleito.
Nesse sentido, os precedentes do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba:
RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL AIJE. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. REJEIÇÃO. SUPOSTA PRÁTICA DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO. ART. 22 DA LEI DAS INELEGIBILIDADES. CONDUTAVEDADA. ART. 73, § 10, DA LEI DAS ELEIÇÕES. GRAVAÇÃO. SUPOSTA PROMESSA DE AJUDA FINANCEIRA. FRAGILIDADE DA PROVA. MAJORAÇÃO DE GASTOS COM COMBUSTÍVEIS E COM EXAMES MÉDICOS COM A FINALIDADE DE BENEFICIAR AS CANDIDATURAS DOS INVESTIGADOS. EXTRATOS DOS EMPENHOS ORÇAMENTÁRIOS. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA E INCONTESTE. DESPROVIMENTO DO RECURSO, EM HARMONIA COM A MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL.1. O abuso de poder econômico se configura pelo uso desmedido, exorbitante, de recursos de natureza patrimonial. Tal conduta, por sua vultosidade, deve ser grave o suficiente para comprometer a normalidade e legitimidade das eleições,e ser demonstrada, no caso concreto, por prova robusta.2. Para a configuração da prática de conduta vedada há necessidade de prova robusta e inconteste do agir dos investigados, ônus do qual se desincumbiu o recorrente.3. No caso, a prova existente nos autos não se presta a demonstrar de modo cabal a ocorrência dos fatos imputados aos recorridos na petição inicial da alegação de abuso de poder econômico e conduta vedada, razão pela qual a manutenção da sentença é medida que se impõe.4. Recurso desprovido, em harmonia com a manifestação ministerial. RECURSO ELEITORAL nº060043074, Acórdão, Relator(a) Des. BIANOR ARRUDA BEZERRA NETO, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 09/05/2022.
RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO . CONDUTA VEDADA. CANDIDATAS. PREFEITA. VICE–PREFEITA . AUSÊNCIA DE PROVAS ROBUSTAS. ILÍCITOS NÃO COMPROVADOS. IMPROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO . PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEIÇÃO. DESPROVIMENTO. 1 . Do acervo probatório carreado aos autos, não é possível concluir pela configuração das condutas vedadas insculpidas no art. 73, incisos II e IV, §§ 10 e 11, da Lei nº 9.504/1997. 2 . Não havendo provas robustas e inequívocas a demonstrar a prática de abuso de poder político e econômico, o desprovimento do recurso com a manutenção da improcedência da demanda é medida que se impõe. 3. Inexistem elementos suficientes que estabeleçam o nexo de causalidade imprescindível quanto ao suposto abuso de poder político e econômico e os alegados benefícios eleitorais angariados pelas investigadas. 4 . Recurso desprovido. (TRE-PB - RE: 06006135720206150029 MONTEIRO - PB 060061357, Relator.: Francilucy Rejane De Sousa Mota Brandao, Data de Julgamento: 14/07/2022, Data de Publicação: 19/07/2022)
Assim, por absoluta ausência de provas da captação ilícita de sufrágio e da gravidade da conduta para afetar o equilíbrio do pleito, os pedidos de decretação da inelegibilidade dos investigados, pela cassação dos registros de candidatura ou diplomas das candidatas e pela aplicação de multa devem ser julgados improcedentes.
III DISPOSITIVO
Ante o exposto, e em harmonia com o parecer do Ministério Público Eleitoral, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial em face dos investigados MARIA DO SOCORRO DELFINO PEREIRA, CHRISTIANE GAMBARRA DE ARAÚJO DANTAS e JOSÉ ALDEMIR MEIRELES DE ALMEIDA, por ausência de prova robusta e inconteste da prática de abuso de poder político ou de conduta vedada.
Extingo o processo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.
Não incidem custas ou honorários sucumbenciais no presente feito.
Publicada e registrada eletronicamente.
Intimem-se.
Ciência ao Ministério Público.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos.
Cajazeiras/PB, data do protocolo eletrônico.
Hermeson Alves Nogueira
Juiz Eleitoral da 068ª Zona