JUSTIÇA ELEITORAL
068ª ZONA ELEITORAL DE CAJAZEIRAS PB
REGISTRO DE CANDIDATURA (11532) Nº 0600080-39.2024.6.15.0068 / 068ª ZONA ELEITORAL DE CAJAZEIRAS PB
REQUERENTE: FRANCISCO MENDES CAMPOS, MUDAR PARA CRESCER[REPUBLICANOS / MOBILIZA / PSB / FEDERAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA - FE BRASIL(PT/PC DO B/PV)] - CAJAZEIRAS - PB, PARTIDO DA MOBILIZACAO NACIONAL - PMN, PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB, FEDERACAO BRASIL DA ESPERANCA (FE BRASIL), REPUBLICANOS - CAJAZEIRAS -PB - MUNICIPAL
IMPUGNANTE: PROMOTOR ELEITORAL DO ESTADO DA PARAÍBA, AVANTE DIRETORIO MUNICIPAL DE CAJAZEIRAS/PB, PROGRESSISTAS - DIRETÓRIO MUNICIPAL DE CAJAZEIRAS, PARA A MUDANÇA CONTINUAR[PP / MDB / PL / UNIÃO / PSD / AVANTE / SOLIDARIEDADE / FEDERAÇÃO PSDB CIDADANIA(PSDB/CIDADANIA)] - CAJAZEIRAS - PB, MARIA DO SOCORRO DELFINO PEREIRA
Advogado do(a) IMPUGNANTE: HUMBERTO LUCAS JUREMA FURTADO ALVES - PB33071
Advogado do(a) IMPUGNANTE: EDNELTON HELEJONE BENTO PEREIRA - PB13523-A
IMPUGNADO: FRANCISCO MENDES CAMPOS
Advogado do(a) IMPUGNADO: ARTHUR MONTEIRO LINS FIALHO - PB13264
SENTENÇA
Vistos etc.
1. Relatório
Trata-se de PEDIDO DE REGISTRO DE CANDIDATURA (11532) de FRANCISCO MENDES CAMPOS - CPF: 526.410.584-72 (REQUERENTE) ao cargo de Prefeito do Município de Cajazeiras - PB (ID 122341148).
O PEDIDO veio subscrito por FRANCISCO MENDES CAMPOS, MUDAR PARA CRESCER [REPUBLICANOS / MOBILIZA / PSB / Federação BRASIL DA ESPERANÇA - FE BRASIL(PT/PC do B/PV)], PARTIDO DA MOBILIZACAO NACIONAL - PMN, PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB, FEDERAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA (FE BRASIL) e REPUBLICANOS - CAJAZEIRAS -PB - MUNICIPAL, e acompanhado de documentos (identidade, comprovante de escolaridade, certidões criminais, declaração de bens e proposta de governo).
Edital publicado no Diário de Justiça Eletrônico do TRE-PB, na edição nº 139, de 01 de agosto de 2024 (ID 122345061 - Certidão).
O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL apresentou IMPUGNAÇÃO (ID 122348722). Argumenta, em síntese, que Francisco Mendes Campos foi prefeito do Município de São José de Piranhas por dois mandatos consecutivos, de 01/01/2017 a 31/12/2020 e de 01/01/2021 a 02/04/2022, quando se desincompatibilizou do cargo para concorrer ao cargo de Deputado Estadual. Aponta que ele foi eleito e exerceu o mandato de deputado até a presente data. Afirma que, atualmente, Francisco Mendes Campos pretende candidatar-se a prefeito do Município de Cajazeiras para o período de 2025 a 2029. Considera, no entanto, que a candidatura é considerada inconstitucional, pois configura um terceiro mandato consecutivo, ainda que em município diverso, o que é vedado pelo art. 14, § 5º, da Constituição Federal e pela tese nº 564 do Supremo Tribunal Federal. Destaca ainda que, que em consulta feita pela Deputada Federal Yandra Barreto Ferreira ao Tribunal Superior Eleitoral, este respondeu negativamente à possibilidade de um prefeito que se desincompatibiliza para concorrer a cargo proporcional estadual ou federal e é eleito, poder candidatar-se novamente à chefia do Executivo em outro município. Argumenta que a situação de Francisco Mendes Campos é considerada idêntica à abordada na consulta, caracterizando a hipótese de “prefeito itinerante”, vedada constitucionalmente por violar os princípios democrático e republicano e a necessidade de alternância no poder. Enfim, requer a procedência da impugnação e a consequente rejeição da candidatura de Francisco Mendes Campos à Prefeitura do Município de Cajazeiras. Juntou documentos.
O DIRETÓRIO MUNICIPAL DO PARTIDO AVANTE DE CAJAZEIRAS-PB apresentou IMPUGNAÇÃO (ID 122367356). O impugnante alega que o requerido está inelegível para concorrer ao cargo, visto que já exerceu dois mandatos consecutivos como Prefeito de São José de Piranhas (de 2017 a 2020 e de 2021 a 2022) e atualmente ocupa o cargo de Deputado Estadual após renunciar ao cargo de Prefeito em 2022. A impugnação baseia-se no argumento de que a candidatura ao cargo de Prefeito em Cajazeiras configuraria um terceiro mandato, o que é vedado pela Constituição Federal, mesmo que em um município diferente. Diante disso, requer o indeferimento do registro de candidatura de Francisco Mendes Campos, com o cancelamento de votos e eventual cassação de diploma, caso o candidato seja eleito e diplomado. Juntou documentos.
O PARTIDO PROGRESSISTAS DE CAJAZEIRAS, COLIGAÇÃO “PARA A MUDANÇA CONTINUAR e MARIA DO SOCORRO DELFINO PEREIRA também apresentaram IMPUGNAÇÃO (ID 122367366). Afirmam que Francisco Mendes Campos foi prefeito de São José de Piranhas por dois mandatos consecutivos (2017-2020 e 2021-2022), que ele renunciou ao segundo mandato para disputar e vencer as eleições para deputado estadual em 2022 e que, em 2024, ele pleiteia o cargo de prefeito em Cajazeiras, PB. Argumentam que a candidatura do impugnado em Cajazeiras configura um terceiro mandato consecutivo, mesmo sendo em município diferente, o que é proibido pelo art. 14, § 5º da Constituição Federal, além de ferir os princípios da alternância de poder e da república. Requereram liminar, no sentido de “impedir a utilização, por parte do ora impugnado, do horário de propaganda eleitoral no rádio e na TV, bem como dos recursos públicos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, sob pena de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)”. No mérito, requerem que seja reconhecida a a inelegibilidade do candidato Francisco Mendes Campos, para indeferir o pedido de registro de candidatura do impugnado ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido. Juntaram documentos.
Em DECISÃO de ID 122374841 foi indeferida a liminar requerida na última impugnação, bem como determinada a citação do impugnado e diligências.
O impugnado FRANCISCO MENDES CAMPOS foi citado em 12/08/24 (ID 122448780) e apresentou sua CONTESTAÇÃO no mesmo dia (ID 122434781). Argumenta que as normas de inelegibilidade devem ser interpretadas restritivamente, não podendo ser alargadas por interpretações extensivas que restringem o direito de ser candidato. Afirma que a sua candidatura não se enquadra como continuidade de mandatos no Poder Executivo, pois houve uma ruptura com a renúncia e a subsequente eleição para Deputado Estadual, e que, devido à interrupção do mandato de prefeito e à eleição para um cargo legislativo, não se aplicaria ao caso a vedação constitucional referente ao exercício consecutivo de mandatos no Executivo. Sustenta também que seria insignificante a eventual influência de um cargo executivo exercido num município menor (São José de Piranhas) sobre um maior (Cajazeiras), não configurando abuso de poder ou perpetuação no poder, não havendo continuidade administrativa que justifique a aplicação da inelegibilidade. Por fim, requer a improcedência das impugnações e o deferimento do registro de candidatura, declarando sua elegibilidade para o cargo de Prefeito de Cajazeiras. Juntou documentos.
Certidões de histórico eleitoral (ID 122386629). Informação do TSE (ID 122454624). Certidão de regularidade processual (ID 122454696). Certidão de deferimento do DRAP 0600079-54.2024.6.15.0068, associado aos presentes autos, julgando-se a Coligação "MUDAR PARA CRESCER" apta a participar das Eleições Majoritárias de 2024 neste município de Cajazeiras - PB (ID 122495069).
Os autos vieram conclusos em 13/08/24.
É o que basta relatar. Passo a decidir.
2 - Preliminares e prejudiciais de mérito
Inicialmente, não há que se falar em incompetência do juízo, tendo em vista que a matéria em análise se insere na competência da Justiça Eleitoral (art. 97 do Código Eleitoral). Não há nenhuma razão que justifique o deslocamento da competência. Assim, a presente ação deve ser processada e julgada no foro em que foi ajuizada, uma vez que se trata de matéria eleitoral típica e não há qualquer alegação fundamentada de incompetência por parte dos litigantes.
Verifico também que as impugnações atendem aos requisitos legais exigidos pelo Código de Processo Civil e pelo Código Eleitoral. Os impugnantes apresentaram de forma clara e objetiva a causa de pedir e o pedido, sem qualquer vício que pudesse justificar o seu indeferimento liminar, bem como juntaram os documentos que entenderam necessários. Dessa forma, não se constata qualquer inépcia nas petições, razão pela qual afasto essa hipótese.
Ato contínuo, constato que os impugnantes possuem legitimidade ativa para propor as impugnações e que há interesse processual evidente na busca da tutela jurisdicional (art. 4o, § 5o, da Resolução 23.609/19). A demanda apresenta pertinência com o direito pleiteado, não havendo qualquer carência de ação que justifique a extinção do processo. Portanto, não há que se falar em ilegitimidade ativa ou em falta de interesse processual.
Os pressupostos processuais de constituição e desenvolvimento válido e regular do processo foram devidamente atendidos. As partes estão devidamente representadas, a citação foi realizada corretamente, e não há qualquer irregularidade processual que impeça o prosseguimento da ação. E não há nos autos qualquer indício de que a presente demanda esteja caracterizada por perempção ou litispendência.
O processo seguiu regularmente, com a prática dos atos processuais necessários ao seu prosseguimento. Não houve inércia das partes, mas ao contrário, impulso regular e tempestivo. A parte autora demonstrou interesse no deslinde da ação, não se verificando qualquer inércia que justifique a extinção por abandono. Pelo contrário, verifico que houve movimentação processual dentro dos prazos estabelecidos, e não há elementos que indiquem negligência processual por parte dos litigantes.
Em tempo, constato que o processo segue com as partes regularmente constituídas e interessadas na resolução da lide. Foi seguido estritamente o rito previsto no art. 97 do Código Eleitoral e nos art. 40 a 43 da Resolução 23.609/19, assegurando-se o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. E não existem outras preliminares ou prejudiciais de méritos alegadas pelas partes ou que devam ser conhecidas de ofício, ou ainda outras causas que autorizem a extinção do presente processo sem resolução do mérito.
3 - Julgamento antecipado da lide
Dispõe o Código de Processo Penal o seguinte:
“Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando:
I - não houver necessidade de produção de outras provas;”
Na espécie, como já mencionado acima, todos os impugnantes bem como o candidato impugnado apresentaram os documentos que entenderam necessários ao deslinde da causa. Apenas o Ministério Público requereu a juntada de certidão dos cargos políticos exercidos por Francisco Mendes Campos de 01/01/2017 até a presente data, e ainda o depoimento pessoal do impugnado.
Todos os documentos solicitados já foram acostados aos autos.
No que diz respeito ao depoimento pessoal do impugnado, entendo que não restou demonstrada nenhuma justificativa para tal produção probatória e muito menos sua imprescindibilidade para a resolução do caso. Realmente, consoante as disposições do CPC/15 o depoimento pessoal da parte é um meio de prova no qual a parte é convocada a prestar esclarecimentos sobre os fatos controvertidos no processo, facilitando, assim, a formação do convencimento do magistrado.
É prudente destacar que, como destinatário final da prova, compete ao magistrado apreciar a necessidade ou indispensabilidade de sua produção, não estando vinculado ao pedido das partes. Com efeito, é cediço que o magistrado pode dispensar o depoimento pessoal se entender que ele é desnecessário para o julgamento da causa. Isso pode ocorrer, por exemplo, se os fatos já estiverem suficientemente esclarecidos por outros meios de prova ou se o depoimento não for relevante para a solução do litígio.
E, no caso dos autos, não se vislumbram fatos controvertidos a serem esclarecidos pelas partes, vez que o cerne da controvérsia estabelecida nos autos reside na interpretação dada ao denominado “terceiro mandato” e sua aplicação no presente caso. As petições encontram-se lastreadas em farta documentação, sendo desnecessária a necessidade de realização de audiência ou ainda da produção de outras provas específicas.
Assim, constatando ser desnecessário o depoimento pessoal da parte, conforme solicitado pelo Ministério Público, e verificando que os autos encontram-se lastreados em farta documentação, entendo ser plenamente possível proceder ao julgamento antecipado da lide, razão pela qual passo então à análise do mérito. A propósito, esclareço que minha análise será desenvolvida ao longo de algumas etapas, necessárias para uma avaliação profunda do presente caso concreto.
A título introdutório, buscaremos traçar um pequeno escorço do instituto da reeleição no Brasil e estabelecer uma definição e o alcance do que se entende por “terceiro mandato”, inclusive analisando se se trata de uma condição de elegibilidade ou de uma causa de inelegibilidade. No segundo momento, faremos uma visitação à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, destacando os precedentes mais relevantes e significativos para este caso e performando um apanhado sobre sua ratio decidendi.
No terceiro momento, em atenção aos Tribunais mencionados acima, destacaremos a importância dos mecanismos que garantem a segurança jurídica das decisões judiciais, sobretudo em matéria eleitoral, ressalvando, entretanto, a inexistência do caráter vinculativo de consultas eleitorais e a possibilidade de revisão e aperfeiçoamento dos precedentes judiciais, qualificados ou não, através de técnicas como distinguishing e overriding. Enfim, faremos uma análise das razões pela qual o terceiro mandato é vedado.
4 - Reeleição no Brasil
A história da reeleição no Brasil encontra ressonâncias em diferentes períodos da República. Desde a Constituição de 1891, o Brasil adotou o sistema presidencialista, mas sem prever a possibilidade de reeleição. Ao longo da Primeira República (1889-1930), a "política dos governadores" e o coronelismo dominaram o cenário político, com líderes estaduais exercendo enorme controle sobre os processos eleitorais. Essa realidade fez com que, na prática, houvesse uma continuidade de poder, ainda que a reeleição formal não fosse permitida.
Durante o Estado Novo (1937-1945), sob o regime de Getúlio Vargas, as eleições foram suspensas e a reeleição tornou-se um conceito irrelevante, uma vez que o poder era mantido sem a necessidade de renovação do mandato por meio do voto popular. Outrossim, com a redemocratização em 1945 e a promulgação da Constituição de 1946, o Brasil retomou a prática democrática, mas a reeleição ainda não havia contemplada. Esse período refletiu um compromisso com a alternância de poder, evitando a perpetuação de líderes no Executivo.
A Constituição de 1988, fruto do processo de redemocratização após o regime militar, inicialmente manteve a proibição da reeleição para cargos executivos. Realmente, a redação original do § 5o do art. 14 dispunha o seguinte:
“§ 5º São inelegíveis para os mesmos cargos, no período subseqüente, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído nos seis meses anteriores ao pleito.”
Interessante observar que esse dispositivo originalmente não constava do Projeto aprovado pela Comissão de Sistematização da Constituinte, sendo inserido apenas durante a fase de debates em plenário, iniciada em 24/11/87 (1o Turno de votação), e permanecendo até o final, sendo aprovado apenas com uma pequena modificação (na parte final, onde constava “à eleição”, passou a constar “ao pleito”).
Referido texto, segundo extrai-se das discussões constituintes, buscava fortalecer a recente retomada da democracia brasileira, evitando sobretudo a concentração de poder, claramente visível nos períodos anteriores. No entanto, as dinâmicas políticas da década de 90 acabaram por culminar na aprovação da Emenda Constitucional 16/97, que passou a permitir a reeleição, alterando o texto original e atribuindo-lhe a redação que vigora até hoje, a saber:
“§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.”
Desde a introdução da possibilidade de reeleição, o Brasil tem visto um aumento no número de governadores e prefeitos que buscam e conseguem um segundo mandato consecutivo, além de quase todos os presidentes desde então. E a jurisprudência sobre a reeleição, também desde então, tem evoluído para lidar com questões que surgem em torno do uso da máquina pública e das condições de igualdade nas campanhas eleitorais.
Realmente, ao longo dos últimos anos, a Justiça Eleitoral tem atuado de forma ativa, desenvolvendo novos institutos, restringindo interpretações e atualizando sua jurisprudência, sempre visando coibir abusos, como a utilização indevida de recursos públicos, tangíveis e intangíveis, para fins eleitorais, garantindo que a reeleição ocorra dentro dos princípios da legalidade e da equidade, essenciais ao processo democrático.
E um destes institutos diz respeito ao chamado “terceiro mandato”.
5 - O terceiro mandato
Como visto acima, a Constituição Federal, no art. 14, §5º, permite a reeleição para um único mandato subsequente, ou seja, o exercício de um segundo mandato consecutivo, mas veda a possibilidade de um terceiro mandato consecutivo para o mesmo cargo. O terceiro mandato, neste contexto, refere-se à tentativa de um titular de cargo executivo, Presidente da República, Governador ou Prefeito, de exercer mais de dois mandatos consecutivos no mesmo cargo.
A configuração de um terceiro mandato ocorre, portanto, quando um mandatário, que já foi reeleito, tenta concorrer novamente ao mesmo cargo após dois mandatos consecutivos. Em outras palavras, após exercer dois mandatos consecutivos no mesmo cargo eletivo, de Presidente, Governador ou Prefeito, o indivíduo torna-se inelegível para concorrer novamente ao mesmo posto imediatamente.
Isso significa dizer que enquanto a reeleição é uma hipótese de elegibilidade, o terceiro mandato consecutivo é uma situação que impede a candidatura, ou seja, torna o candidato inelegível para o mesmo cargo após ter exercido dois mandatos consecutivos. Quanto à sua natureza jurídica, portanto, o terceiro mandato consecutivo é considerado como uma causa de inelegibilidade e não uma condição de elegibilidade.
A diferença é sutil, mas significativa.
As condições de elegibilidade são requisitos legais que um cidadão deve cumprir para poder se candidatar a um cargo eletivo. Essas condições são estabelecidas para assegurar que apenas aqueles que atendem a certos critérios mínimos possam concorrer a cargos públicos, tais como nacionalidade brasileira, pleno exercício dos direitos políticos, alistamento e domicílio eleitoral, filiação partidária e idade mínima.
As causas de inelegibilidade, por outro lado, são situações que, se presentes, impedem que um cidadão, ainda que tenha atendido todas as condições de elegibilidade, possa se candidatar. As inelegibilidades existem para proteger a moralidade, a probidade administrativa e a legitimidade das eleições, tais como uma condenação criminal transitada em julgado, a perda do mandato eletivo, o parentesco com o chefe do executivo, e o terceiro mandato.
Em síntese, enquanto as condições de elegibilidade são requisitos que o candidato deve demonstrar para ser elegível, as causas de inelegibilidade são situações ou circunstâncias que impedem a candidatura, mesmo que o candidato atenda a todas as condições de elegibilidade, devendo ser concreta e efetivamente demonstradas, para fins de afastar a possibilidade da candidatura a um determinado cargo eletivo.
A propósito, a Lei Complementar 64/90, que estabelece os casos de inelegibilidade, não dispõe expressamente sobre o ônus da prova, mas este princípio é aplicado conforme a regra geral do direito processual, na qual quem alega um fato que busca modificar a situação jurídica de outrem, é que deve prová-lo. De fato, como a inelegibilidade é uma exceção ao direito fundamental de ser votado (capacidade eleitoral passiva), ela deve ser comprovada por quem a invoca.
Em consequência, cabe a quem alega a existência de uma causa de inelegibilidade demonstrar a sua ocorrência. Isso significa que, geralmente, é responsabilidade do impugnante (por exemplo, outro candidato, partido político, coligação ou o Ministério Público Eleitoral) fornecer as provas que sustentem, de forma inequívoca, a alegação de que o candidato é inelegível.
É cediço também que as causas de inelegibilidade devem ser interpretadas de forma restritiva, em conformidade com a jurisprudência e o princípio da legalidade.
Esse entendimento decorre da necessidade de preservar os direitos políticos dos cidadãos, evitando que restrições sejam aplicadas de forma arbitrária ou excessiva. A inelegibilidade, por limitar o exercício da cidadania, deve ser aplicada somente nos casos expressamente previstos em lei, respeitando o texto legal e as situações especificamente delimitadas. Dessa forma, assegura-se a integridade do processo eleitoral e a igualdade de condições entre os candidatos.
Assim, é forçoso reconhecer que, em caso de dúvida sobre a eventual incidência de uma causa de inelegibilidade, deve-se privilegiar o direito fundamental de se candidatar.
Esse direito é um dos pilares da democracia, assegurando a ampla participação popular nas eleições. Ao adotar uma interpretação favorável à elegibilidade, evita-se a exclusão indevida de candidatos, garantindo que o processo eleitoral reflita a vontade do eleitorado. Portanto, a interpretação das normas deve sempre considerar a importância de viabilizar a candidatura, desde que não haja claro impedimento legal, respeitando o equilíbrio entre a legalidade e a proteção dos direitos políticos.
Outrossim, antes de adentrar propriamente à análise do presente caso concreto, é necessário revisitar o tema em discussão, o denominado “terceiro mandato”, também sob a ótica de nossas Cortes Superiores, senão vejamos.
6 - Interpretação constitucional do STF
Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o dispositivo constitucional acima indicado - art. 14, § 5o, da CF - é mencionado em pelo menos 83 (oitenta e três) julgados do Tribunal Pleno e das suas duas Turmas. Todavia, concernentes ao denominado “terceiro mandato”, temos apenas 7 (sete) casos registrados. E são relativamente poucos os que interessam ao presente caso, dentre os quais posso destacar os precedentes abaixo:
“Vice-governador eleito duas vezes para o cargo de vice-governador. No segundo mandato de vice, sucedeu o titular. Certo que, no seu primeiro mandato de vice, teria substituído o governador. Possibilidade de reeleger-se ao cargo de governador, porque o exercício da titularidade do cargo dá-se mediante eleição ou por sucessão. Somente quando sucedeu o titular é que passou a exercer o seu primeiro mandato como titular do cargo. II. - Inteligência do disposto no § 5º do art. 14 da Constituição Federal. III. - RE conhecidos e improvidos.” (RE 366488, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 04-10-2005)
“O instituto da reeleição tem fundamento não somente no postulado da continuidade administrativa, mas também no princípio republicano, que impede a perpetuação de uma mesma pessoa ou grupo no poder. O princípio republicano condiciona a interpretação e a aplicação do próprio comando da norma constitucional, de modo que a reeleição é permitida por apenas uma única vez. Esse princípio impede a terceira eleição não apenas no mesmo município, mas em relação a qualquer outro município da federação. Entendimento contrário tornaria possível a figura do denominado “prefeito itinerante” ou do “prefeito profissional”, o que claramente é incompatível com esse princípio, que também traduz um postulado de temporariedade/alternância do exercício do poder. Portanto, ambos os princípios – continuidade administrativa e republicanismo – condicionam a interpretação e a aplicação teleológicas do art. 14, § 5º, da Constituição. O cidadão que exerce dois mandatos consecutivos como prefeito de determinado município fica inelegível para o cargo da mesma natureza em qualquer outro município da federação. (....) Reconhecida a repercussão geral das questões constitucionais atinentes à (1) elegibilidade para o cargo de Prefeito de cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos em cargo da mesma natureza em Município diverso (interpretação do art. 14, § 5º, da Constituição) (...) Recurso extraordinário provido para: (...) (2) deixar assentados, sob o regime da repercussão geral, os seguintes entendimentos: (2.1) o art. 14, § 5º, da Constituição, deve ser interpretado no sentido de que a proibição da segunda reeleição é absoluta e torna inelegível para determinado cargo de Chefe do Poder Executivo o cidadão que já exerceu dois mandatos consecutivos (reeleito uma única vez) em cargo da mesma natureza, ainda que em ente da federação diverso; (...)” (RE 637485, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 01-08-2012, REPERCUSSÃO GERAL (TEMA 564).
“O constituinte revelou-se claramente hostil a práticas ilegítimas que denotem o abuso de poder econômico ou que caracterizem o exercício distorcido do poder político-administrativo. Com o objetivo de proteger a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência, sempre censurável, do poder econômico ou o abuso, absolutamente inaceitável, do exercício de função pública é que se definiram situações de inelegibilidade, destinadas a obstar, precisamente, entre as várias hipóteses possíveis, a formação de grupos hegemônicos que, monopolizando o acesso aos mandatos eletivos, virtualmente patrimonializam o poder governamental, convertendo-o, numa inadmissível inversão dos postulados republicanos, em verdadeira “res domestica”. – As formações oligárquicas constituem grave deformação do processo democrático. A busca do poder não pode limitar-se à esfera reservada de grupos privados, notadamente de índole familiar, sob pena de frustrar-se o princípio do acesso universal às instâncias governamentais. – Legitimar-se o controle monopolístico do poder por núcleos de pessoas unidas por vínculos de ordem familiar equivaleria a ensejar, em última análise, o domínio do próprio Estado por grupos privados. Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que a questão do Estado é, por essência, a questão do poder. A patrimonialização do poder constitui situação de inquestionável anomalia a que esta Suprema Corte não pode permanecer indiferente. A consagração de práticas hegemônicas na esfera institucional do poder político conduzirá o processo de governo a verdadeiro retrocesso histórico, o que constituirá, na perspectiva da atualização e modernização do aparelho de Estado, situação de todo inaceitável. Precedentes. (...)” (RE 1128439 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23-10-2018)
É cediço que, no tocante ao tema do terceiro mandato, o Supremo Tribunal Federal (STF) busca reafirmar seu notório papel na defesa do princípio republicano e na necessidade de garantir a alternância no poder, fundamentos essenciais da democracia. Neste contexto, a partir da modificação introduzida pela Emenda Constitucional 16/97, que permitiu um único mandato consecutivo, o STF começou a enfrentar questões sobre a possibilidade de um terceiro mandato consecutivo, refletindo sobre a preservação da alternância democrática.
A título de exemplo, o caso específico do vice-governador que, ao suceder o titular no segundo mandato, teria exercido o cargo de governador, foi abordado no Recurso Extraordinário 366488. O STF decidiu, nesta oportunidade, que, ao suceder o titular, o vice não estaria exercendo um novo mandato eletivo, mas continuaria o mesmo mandato, o que permitiria a sua candidatura ao cargo de governador nas eleições subsequentes. Essa decisão passou a indicar que o exercício do cargo por sucessão não conta como um novo mandato.
Já no Recurso Extraordinário 637485, o STF enfrentou a questão do chamado "prefeito itinerante", onde se questionou a possibilidade de um prefeito, após dois mandatos consecutivos em um município, candidatar-se em outro. O Tribunal, interpretando exatamente o § 5º do art. 14 da Constituição, cerne de nossa discussão, concluiu que essa prática contrariaria os princípios republicanos, pois permitiria a perpetuação de um grupo ou indivíduo no poder, ainda que em diferentes entes da federação.
Enfim, em decisões como o RE 1128439, a Corte reafirmou que o risco concreto do abuso do poder econômico e do abuso de poder político deve ser combatido para proteger a normalidade e a legitimidade do processo eleitoral e que a perpetuação de um grupo o indivíduo no poder, inclusive por meio de laços familiares, distorceria o princípio republicano e poderia levar ao enfraquecimento das instituições democráticas, comprometendo a legitimidade do processo eleitoral e a própria democracia.
7 - Consultas ao TSE e Precedentes do TSE
Já na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o referido dispositivo constitucional - art. 14, § 5o, da CF - é mencionado em pelo menos 120 (cento e vinte) consultas e 152 (cento e cinquenta e dois) recursos eleitorais. Todavia, concernentes ao denominado “terceiro mandato”, temos apenas 17 consultas, dentre os quais posso destacar os precedentes abaixo:
“Consulta. Elegibilidade de prefeito reeleito. Candidato a vice-prefeito. Terceiro mandato. Impossibilidade. Na linha da atual jurisprudência desta Corte, o Chefe do Executivo que se reelegeu para um segundo mandato consecutivo não pode se candidatar para o mesmo cargo nem para o cargo de vice, na mesma circunscrição, independentemente de ter renunciado até seis meses antes da eleição.” (Cta nº 925, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 15.10.2003).
“Consulta. Assunção à chefia do executivo municipal. Candidatura. Reeleição. Possibilidade. Seja qual for a circunstância que conduza à assunção da titularidade do poder executivo, ou por qualquer lapso temporal que ocorra, configura o exercício de mandato. Em havendo eleição subsequente para este cargo será caracterizada como reeleição.” (Consulta nº1538, Resolução, Min. Ricardo Lewandowski, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 21/05/2009).
“Consulta. Terceiro mandato. Prefeito. Matéria já apreciada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Prejudicialidade. Não conhecimento. (...) O TSE já definiu que a assunção da chefia do Poder Executivo, por qualquer fração de tempo ou circunstância, configura exercício de mandato eletivo e o titular só poderá se reeleger por um único período subsequente (Cta nº 1.538/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 21.5.2009). Consulta não conhecida.” (Cta nº 28210, rel. Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, DJe de 17.12.2015).
“Consulta. Deputado Federal. Prefeito municipal. Segundo mandato. Renúncia. Possibilidade de reeleição. Cargo de Prefeito ou Vice-Prefeito em circunscrição eleitoral diversa. Impossibilidade. Configuração de terceiro mandato. Matéria já analisada pela corte. Não conhecimento. (...) Na linha da atual jurisprudência desta Corte, o exercício de dois mandatos subsequentes como Prefeito de determinado Município torna o agente político inelegível para o cargo da mesma natureza. 3. Consoante já decidiu este Tribunal Superior, é vedado ao Prefeito, no exercício do segundo mandato, se candidatar ao cargo de Vice-Prefeito, ainda que haja renunciado anteriormente ao cargo, tendo em vista a possibilidade de assunção da titularidade do cargo nas hipóteses de sucessão ou substituição. 4. Não se conhece da consulta, já enfrentadas as questões por esta Corte Superior. Consulta não conhecida.” (Consulta nº060395151, Acórdão, Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 23/05/2018).
“As razões que embasam a existência dos §§ 5º e 7º do art. 14 da Constituição do Brasil dizem respeito sobretudo ao aspecto do exercício efetivo do cargo, e não ao aspecto meramente formal. Com efeito, o comando dos dispositivos é no sentido de evitar a formação de grupos hegemônicos que, monopolizando o acesso aos mandatos eletivos, potencialmente patrimonializam o poder governamental. Precedente. O § 5º do art. 14 da Constituição objetiva evitar perpetuação de uma mesma pessoa na condução efetiva do Poder Executivo, ou seja, obsta-se o exercício do cargo por mais de duas legislaturas seguidas, de modo que eventual êxito nas urnas, representando apenas um êxito formal, sem o efetivo desempenho do cargo durante todo o quadriênio, não atrai a hipótese constitucional impeditiva, restando legítima a disputa na eleição subsequente para o mesmo cargo.” (Consulta nº060044205, Acórdão, Min. André Ramos Tavares, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 14/06/2024)
Ato contínuo, o referido dispositivo constitucional - art. 14, § 5o, da CF - é mencionado em 152 (cento e cinquenta e dois) recursos eleitorais. Todavia, concernentes ao denominado “terceiro mandato”, temos apenas 55 (cinquenta e cinco) recursos, dentre os quais posso destacar os precedentes abaixo:
“Não se pode, mediante a prática de ato formalmente lícito (mudança de domicílio eleitoral), alcançar finalidades incompatíveis com a Constituição: a perpetuação no poder e o apoderamento de unidades federadas para a formação de clãs políticos ou hegemonias familiares.O princípio republicano está a inspirar a seguinte interpretação basilar dos §§ 5º e 6º do art. 14 da Carta Política: somente é possível eleger-se para o cargo de "prefeito municipal" por duas vezes consecutivas. Após isso, apenas permite-se, respeitado o prazo de desincompatibilização de 6 meses, a candidatura a "outro cargo", ou seja, a mandato legislativo, ou aos cargos de Governador de Estado ou de Presidente da República; não mais de Prefeito Municipal, portanto. Nova orientação jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral, firmada no Respe 32.507.” (Recurso Especial Eleitoral 32539, Acórdão, Min. Ayres Britto, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 17/12/2008).
“A partir do julgamento do Recurso Especial nº 32.507/AL, em 17.12.2008, esta c. Corte deu nova interpretação ao art. 14, § 5º, da Constituição Federal, passando a entender que, no Brasil, qualquer Chefe de Poder Executivo -Presidente da República, Governador de Estado e Prefeito Municipal - somente pode exercer dois mandatos consecutivos nesse cargo. Assim, concluiu que não é possível o exercício de terceiro mandato subsequente para o cargo de prefeito, ainda que em município diverso.3. A faculdade de transferência de domicílio eleitoral não pode ser utilizada para fraudar a vedação contida no art. 14, § 5º, da Constituição Federal, de forma a permitir que prefeitos concorram sucessivamente e ilimitadamente ao mesmo cargo em diferentes municípios, criando a figura do "prefeito profissional".4. A nova interpretação do art. 14, § 5º, da Constituição Federal adotada pelo e. TSE no julgamento dos Recursos Especiais nos 32.507/AL e 32.539/AL em 2008 é a que deve prevalecer, tendo em vista a observância ao princípio republicano, fundado nas ideias de eletividade, temporariedade e responsabilidade dos governantes.5. Agravos regimentais não providos.” (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº4198006, Acórdão, Min. Aldir Passarinho Junior, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 25/06/2010.
“O candidato ora Agravante transferiu seu domicílio eleitoral para concorrer ao cargo de prefeito nas eleições de 2008, amparado pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal, que "julgou inaplicável a alteração da jurisprudênciadoTribunal Superior Eleitoral quanto à interpretação do § 5º do artigo 14 da Constituição Federal nas eleições de 2008" (RE nº 637.485, Informativo-STF nº 673).2. Nas eleições de 2012, o Agravante busca a reeleição no mesmo município em que já exerceu o primeiro mandato, o que encontra guarida na jurisprudência mais recente desta Corte, segundo a qual, "se o candidato é atualmente candidatoà reeleição exatamente por ter sido validamente eleito em 2008, a sua inelegibilidade por força da aplicação da tese de 'prefeito itinerante' importaria em vedada retroação e, ainda, em desrespeito ao princípio da segurança jurídica, princípio, aliás,que o próprio Supremo Tribunal Federal cuidou de resguardar quando não permitiu que a alteração da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral alcançasse situações jurídicas já consolidadas no curso da disputa eleitoral" (voto condutor do REspe nº113-74/PR, Rel. Ministro ARNALDO VERSIANI, publicado na sessão de 16.10.2012).3. Agravo regimental provido para deferir o registro de candidatura do Agravante.” (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº15381, Acórdão, Min. Laurita Vaz, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, 17/12/2012).
“Consoante a hodierna jurisprudência deste Tribunal Superior, o entendimento que melhor se coaduna com os princípios tutelados no art. 14, § 5º, da CRFB/1988 é de que a ocupação do cargo de chefia do Poder Executivo de forma precária, breve e fora dos seis meses anteriores ao pleito não atrai a incidência de inelegibilidade pelo exercício de terceiro mandato consecutivo.2. Na espécie, conforme a moldura fática delineada no acórdão regional, o agravado, segundo colocado no pleito, exerceu o cargo de prefeito de forma precária/provisória e breve, somente nos primeiros meses do primeiro ano do quadriênio, descaracterizando a causa de inelegibilidade prevista no art. 14, § 5º, da CRFB/1988.3. O processamento do recurso especial fica obstado quando o acórdão regional encontra-se em harmonia com a hodierna jurisprudência desta Corte, nos termos da Súmula nº 30/TSE.4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 060006794, Acórdão, Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 26/04/2021).
Como se observa, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem evoluído de forma consistente ao longo dos anos no que diz respeito à inelegibilidade para um terceiro mandato consecutivo, seja como prefeito ou vice-prefeito.
No julgamento da Consulta 925 o TSE firmou o entendimento de que o Chefe do Executivo reeleito para um segundo mandato não pode se candidatar para o mesmo cargo ou para o cargo de vice-prefeito na mesma circunscrição, mesmo que tenha renunciado ao cargo seis meses antes das eleições. Já na Consulta 1538 o TSE reforçou a ideia de que qualquer assunção ao cargo de chefia do Executivo, independentemente do tempo de exercício ou da circunstância, configura um mandato eletivo.
A Consulta 28210 reafirmou que a assunção à chefia do Executivo, mesmo por uma fração de tempo, configura exercício de mandato, o que impede o titular de concorrer a um terceiro mandato consecutivo, seja para o cargo de prefeito ou vice-prefeito. A Ministra, por sinal, destacou que a matéria já havia sido amplamente apreciada pela Corte, levando ao não conhecimento da consulta. Enfim, no julgamento da Consulta 060395151, o TSE consolidou a vedação de candidatura a um terceiro mandato consecutivo, mesmo em uma circunscrição eleitoral diversa.
Entretanto, a apreciação da Consulta 060044205 apresentou uma exceção à vedação do terceiro mandato consecutivo, ao enfatizar que a inelegibilidade prevista no § 5º do art. 14 da Constituição Brasileira se aplica ao exercício efetivo e substancial do cargo, e não apenas ao aspecto formal da ocupação do cargo.
Segundo esse entendimento, a restrição tem como objetivo impedir a perpetuação no poder de uma mesma pessoa na condução efetiva do Executivo, evitando a formação de grupos hegemônicos que poderiam monopolizar o acesso aos mandatos eletivos e patrimonializar o poder governamental. Assim, o simples fato de uma pessoa ter obtido êxito nas urnas para um segundo mandato não necessariamente a torna inelegível para um terceiro mandato, desde que não tenha exercido o cargo de forma substancial durante todo o período.
Dessa forma, este julgado estabelece uma importante distinção entre o exercício formal e o exercício efetivo do cargo. A exceção permite que, se o ocupante do cargo não tiver desempenhado efetivamente as funções do mandato durante todo o quadriênio, ele possa disputar uma nova eleição para o mesmo cargo, pois a hipótese constitucional impeditiva não se configuraria.
Isso indica que, em situações onde o titular do Executivo não tenha exercido plenamente o cargo, como em casos de afastamento prolongado ou interrupção do mandato por razões justificadas, a candidatura subsequente não seria vedada, sendo considerada legítima, conforme os parâmetros constitucionais.
Já no que diz respeito aos casos concretos sob apreciação do TSE acerca do tema, verifica-se que no Recurso Especial Eleitoral 32.539, o TSE firmou uma nova interpretação do artigo 14, § 5º, da Constituição Federal, destacando que a mudança de domicílio eleitoral não pode ser usada para contornar a limitação de dois mandatos consecutivos no mesmo cargo. O Tribunal argumentou que permitir essa prática seria incompatível com o princípio republicano, que preza pela alternância no poder e evita a perpetuação de clãs políticos.
Com a continuidade desse entendimento, o TSE, em decisão no Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral 4198006, reafirmou a impossibilidade de exercer um terceiro mandato consecutivo como prefeito, mesmo em outra circunscrição. A Corte ressaltou que a transferência de domicílio eleitoral não pode ser utilizada para criar uma figura de "prefeito profissional", o que violaria os princípios da eletividade, temporariedade e responsabilidade dos governantes, pilares do regime republicano.
No entanto, em 2012, uma nova nuance foi introduzida no julgamento do Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral 15381. Neste caso, o TSE decidiu que a mudança de jurisprudência não poderia retroagir para prejudicar situações jurídicas já consolidadas em eleições anteriores. O Tribunal reconheceu a reeleição de um candidato que havia transferido seu domicílio eleitoral e sido validamente eleito em 2008, antes da mudança jurisprudencial, com base no princípio da segurança jurídica. Essa decisão evidenciou o cuidado da Corte em analisar cada caso específico de forma concreta e perfunctória, respeitando direitos adquiridos e a estabilidade das regras eleitorais durante um eventual processo de transição jurisprudencial.
Enfim, em 2021, o Tribunal Superior Eleitoral, ao julgar o Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral 060006794, fez uma nova ressalva, entendendo que o exercício interino ou a interrupção do exercício do primeiro mandato, seguido de um segundo mandato, não impede a futura candidatura do seu ocupante, vez que não resta configurado o exercício de dois mandatos consecutivos. Trata-se de interessante precedente ao presente caso, vez que o impugnado exerceu o primeiro mandato, mas interrompeu o segundo em menos de dois anos, tendo se desincompatibilizado para disputar uma vaga no legislativo estadual.
Não há dúvida que referidos precedentes, tanto do Supremo Tribunal Federal como do Tribunal Superior Eleitoral, constituem-se em uma importante indicativo no que diz respeito à evolução da jurisprudência em matéria eleitoral.
Além disso, os precedentes em matéria eleitoral desempenham um papel fundamental na uniformização e estabilização da jurisprudência, assegurando a previsibilidade das decisões judiciais. No âmbito eleitoral, onde a celeridade e a clareza das regras são cruciais para garantir a legitimidade do processo democrático, os precedentes oferecem uma base sólida para a resolução de controvérsias, evitando decisões contraditórias e proporcionando segurança jurídica aos candidatos, partidos e eleitores. Essa consistência contribui para a integridade do processo eleitoral, minimizando a possibilidade de litígios e promovendo a confiança no sistema.
Os precedentes também servem como guias interpretativos para os tribunais eleitorais e demais operadores do direito, sendo essenciais na aplicação de normas que, muitas vezes, podem ser interpretadas de diversas formas. Em um cenário onde as regras eleitorais estão em constante evolução, os precedentes proporcionam uma continuidade interpretativa que facilita a aplicação do direito de maneira uniforme e equânime. Dessa forma, garantem que princípios fundamentais, como a igualdade e a justiça, sejam observados em todas as fases do processo eleitoral, fortalecendo a democracia.
E, para assegurar a segurança jurídica das decisões judiciais, sobretudo em matéria eleitoral, diversos mecanismos são empregados. Vejamos alguns deles.
8 - Segurança jurídica nas decisões judiciais
A segurança jurídica no sistema processual brasileiro é garantida por diversos mecanismos processuais que visam assegurar a previsibilidade, estabilidade e coerência nas decisões judiciais. Entre os principais instrumentos, destaca-se o princípio da legalidade, que exige que todas as decisões sejam fundamentadas em normas previamente estabelecidas, garantindo que os julgamentos sejam previsíveis e baseados em critérios objetivos. A observância estrita da legalidade impede arbitrariedades e promove um ambiente jurídico confiável para os cidadãos.
O princípio do contraditório e da ampla defesa é outro pilar da segurança jurídica no processo judicial brasileiro. Garantindo que todas as partes tenham a oportunidade de apresentar seus argumentos e provas, esse princípio assegura que as decisões judiciais sejam tomadas com base em um exame justo e equilibrado das alegações das partes. Além disso, a ampla defesa impede que decisões sejam proferidas sem que a parte interessada tenha tido a chance de se manifestar, o que fortalece a legitimidade das decisões judiciais.
A motivação das decisões judiciais, exigida pelo artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, é um mecanismo fundamental para a segurança jurídica. A necessidade de que o juiz exponha claramente as razões de seu convencimento permite o controle da racionalidade e legalidade das decisões, facilitando a interposição de recursos e a fiscalização por instâncias superiores. A fundamentação das decisões também contribui para a transparência do processo judicial, garantindo que as partes compreendam os critérios utilizados para a formação do juízo, o que reforça a confiança na justiça.
No âmbito jurisdicional, o recurso especial e o recurso extraordinário são mecanismos processuais que permitem o controle da segurança jurídica no âmbito dos tribunais superiores. O recurso especial tem por objetivo uniformizar a interpretação da legislação federal, inclusive a de matiz eleitoral, enquanto o recurso extraordinário visa garantir a supremacia da Constituição. Ambos os recursos asseguram que as decisões judiciais estejam em conformidade com a legislação e a Constituição, corrigindo possíveis erros e divergências jurisprudenciais.
Além disso, a Repercussão Geral é um mecanismo que permite ao STF selecionar recursos extraordinários que tratam de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos das partes envolvidas no caso. Assim, quando o STF decide sobre uma questão com repercussão geral, a decisão vincula todos os órgãos do Poder Judiciário, que devem seguir o entendimento em casos semelhantes.
No âmbito da Justiça Eleitoral, também é possível a existência de Recursos Especiais Repetitivos. Contudo, há restrições quanto às matérias que podem ser tratadas nesse tipo de recurso. De acordo com a Resolução TSE 23.478/2016, a sistemática dos recursos repetitivos prevista nos artigos 1.036 a 1.042 do CPC não se aplica aos feitos que versem ou possam ter reflexo sobre inelegibilidade e registro de candidatura, o que é o caso, além de outros.
Ora, é certo que tais mecanismos processuais, apesar de estabelecer um equilíbrio entre estabilidade e flexibilidade no direito, não impedem a evolução da jurisprudência. Esses instrumentos visam garantir a coerência e a previsibilidade das decisões judiciais, oferecendo segurança jurídica aos cidadãos. Contudo, não são rígidos a ponto de congelar a interpretação das leis. O ordenamento jurídico brasileiro permite que os tribunais revisem seus próprios precedentes quando há mudanças significativas no contexto social, político ou legal, possibilitando a adaptação da jurisprudência às novas realidades.
Além disso, a evolução da jurisprudência é fomentada por mecanismos processuais como a possibilidade de modulação dos efeitos das decisões e o papel das instâncias superiores, que podem rever entendimentos consolidados em razão de novas interpretações constitucionais ou legais. De fato, o sistema jurídico brasileiro reconhece que o direito deve acompanhar as transformações da sociedade, permitindo que precedentes sejam superados ou alterados quando necessário, desde que com fundamentação adequada.
Dessa forma, esses mecanismos não apenas preservam a estabilidade, mas também permitem a evolução contínua e necessária da jurisprudência. Com efeito, a vida é contínua, e todos os dias surgem novas situações que impõe a reavaliação dos paradigmas fixados anteriormente, sobretudo com a finalidade de distinguir situações que aparentavam ser iguais ou ainda aperfeiçoar o entendimento sobre o tema.
Mas antes de abordar o tema acima, vejamos qual a natureza jurídica das consultas eleitorais invocadas pelos impugnantes.
9 - Ausência de caráter vinculante das consultas eleitorais
Dispõe o Código Eleitoral - Lei 4737/65, o seguinte:
“Art. 23. Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior:
XII - responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas em tese por autoridade com jurisdição federal ou órgão nacional de partido político.
(...)
Art. 30. Compete, ainda, privativamente, aos Tribunais Regionais:
VIII - responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas, em tese, por autoridade pública ou partido político;”
Como cediço, as respostas da Justiça Eleitoral às consultas - formuladas “em tese” - possuem caráter meramente administrativo, interpretativo e orientador, tendo em vista que são emitidas por um órgão da administração pública no exercício de sua função reguladora e consultiva. No entanto, essas respostas não possuem caráter vinculante para outras instâncias ou órgãos da Justiça Eleitoral, nem para os jurisdicionados, servindo apenas como orientação e esclarecimento sobre a interpretação das normas eleitorais.
Realmente, referidas respostas do TSE e dos TREs às consultas formuladas têm efeito meramente opinativo, o que significa que elas não criam obrigações e não podem ser impugnadas judicialmente. Elas são importantes para uniformizar o entendimento e orientar a aplicação da legislação eleitoral, mas não têm força normativa ou coercitiva para obrigar as partes envolvidas ou para serem usadas como precedente vinculativo em decisões judiciais futuras, sobretudo desconsiderando as peculiaridades dos casos concretos.
Como exemplo, pode-se citar os entendimentos sobre as inelegibilidades de candidatos, onde, apesar de haver várias consultas sobre o tema, as decisões concretas em casos específicos devem ser baseadas na análise do mérito e dos fatos apresentados em cada processo individual. Portanto, as conclusões das consultas formuladas não são vinculantes, sendo as respostas emitidas apenas como um auxílio interpretativo para melhor compreensão e aplicação das normas eleitorais.
Reafirme-se, em tempo, que mesmo os precedentes dos Tribunais podem ser afastados, notadamente quando há modulação de efeitos em uma nova decisão judicial, onde o tribunal decide aplicar o novo entendimento apenas a partir de um determinado marco temporal, considerando razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social. Esse mecanismo permite a evolução da jurisprudência sem comprometer a estabilidade jurídica já estabelecida.
Para além disso, a aplicação de um precedente pode ser afastada em determinadas situações específicas, senão vejamos.
10 - Distinguishing e overriding
No sistema processual brasileiro, o conceito de distinguishing refere-se à técnica utilizada pelos tribunais para diferenciar um caso específico de precedentes anteriormente estabelecidos.
Quando o tribunal identifica que as particularidades de um caso concreto são suficientemente diferentes dos casos anteriores, ele pode decidir que o precedente não se aplica à nova situação, mesmo que aparentemente similar. Esse método permite ao juiz ou tribunal respeitar a jurisprudência sem comprometer a justiça individual, ao reconhecer as diferenças factuais ou jurídicas que justifiquem uma solução diversa.
Assim, o distinguishing é uma forma de manter a coerência jurisprudencial, sem aplicar precedentes de maneira automática ou inflexível.
Por outro lado, o overruling representa a técnica pela qual um tribunal de instância superior decide, de forma explícita, alterar ou revogar um precedente anteriormente estabelecido por ele ou por um tribunal inferior. E o overriding é uma técnica similar ao overruling, mas com uma diferença essencial: enquanto o overruling revoga completamente um precedente, o overriding o modifica ou ajusta parcialmente.
Em outras palavras, o tribunal pode decidir que uma parte de um precedente anterior continua válida, mas que outra parte deve ser reinterpretada ou adaptada às novas circunstâncias. Essa técnica permite uma evolução mais gradual da jurisprudência, reconhecendo a validade de partes do precedente anterior, ao mesmo tempo em que ajusta aspectos que não se aplicam mais, mantendo um equilíbrio entre estabilidade e adaptação.
Embora as três técnicas — distinguishing, overruling e overriding — envolvam a interpretação e aplicação de precedentes, elas diferem em sua abordagem e impacto. No que nos interessa, enquanto o distinguishing tem uma função mais preservadora, mantendo a aplicação do precedente em casos futuros, desde que esses sejam factualmente congruentes, o overruling envolve uma revisão ativa de precedentes estabelecidos, também mantendo a aplicação do precedente, mas buscando adaptá-lo a novas realidades mais específicas.
Juntas, essas técnicas proporcionam um equilíbrio entre a estabilidade e a flexibilidade da jurisprudência, garantindo que o Direito continue a servir a sociedade de forma eficaz e justa. Vejamos então se elas podem e devem ser aplicadas no presente caso. Para tanto, devemos fazer uma comparação entre os casos anteriores, extraindo a ratio decidendi, e este caso específico.
11 - Por que o terceiro mandado é vedado no Brasil?
Conforme vimos nos precedentes acima, o STF, ao vedar a possibilidade de um terceiro mandato, mesmo que em outro município ou estado, baseou-se na necessidade de proteger o processo democrático da formação de "oligarquias eleitorais". A prática de migrar para outros municípios após dois mandatos consecutivos foi vista como uma tentativa de contornar a proibição constitucional da reeleição, permitindo a continuidade no poder por meios indiretos, o que seria incompatível com o princípio da alternância.
Além disso, a Corte ressaltou que a reeleição deve ser entendida como uma exceção à regra da alternância, justificando-se apenas pela necessidade de continuidade administrativa. Permitir mais de uma reeleição criaria um risco de patrimonialização do poder, transformando mandatos públicos em "bens privados", o que contraria os princípios republicanos e democráticos. O entendimento da Suprema Corte também foi influenciado pelo receio de que a perpetuação de um mesmo grupo ou indivíduo no poder poderia facilitar o abuso do poder político e econômico.
A interpretação do STF sobre esse tema mostra um compromisso contínuo com os princípios republicanos e democráticos, assegurando que a governança pública permaneça acessível a novos líderes e ideias, sem ser monopolizada por um ou por poucos grupos. Concluiu, portanto, a Suprema Corte, que a limitação a dois mandatos consecutivos preservaria o equilíbrio entre continuidade administrativa e renovação política, essencial para a vitalidade das instituições democráticas.
Ato contínuo, conforme os precedentes extraídos da jurisprudência do TSE, pudemos verificar que referido Tribunal veda a prática do terceiro mandato, por entender que violaria o princípio republicano, que é fundamental para a alternância de poder e a prevenção da perpetuação de clãs políticos. O princípio republicano inspira a limitação a dois mandatos consecutivos, garantindo que o poder seja exercido de forma temporária e que diferentes grupos políticos tenham a oportunidade de governar, evitando a concentração de poder em uma única pessoa ou grupo.
Além disso, o TSE argumenta que a mera mudança de domicílio eleitoral não pode ser utilizada como uma forma de burlar a proibição de um terceiro mandato consecutivo. Permitir que um prefeito reeleito em um município se candidate novamente em outra circunscrição criaria a figura do "prefeito profissional", o que contraria os ideais de responsabilidade e temporariedade que regem os mandatos executivos. A Corte já entendeu que tal prática seria uma fraude à Constituição, que busca evitar a continuidade indefinida de um mesmo grupo político no poder.
Por fim, o TSE reforça que a inelegibilidade para um terceiro mandato consecutivo no mesmo cargo é uma medida necessária para preservar a integridade do processo democrático. Ao permitir apenas dois mandatos consecutivos, o TSE assegura que o processo eleitoral seja utilizado para promover a renovação política e a diversidade de ideias, elementos essenciais para a saúde da democracia. A limitação impede que indivíduos ou grupos se perpetuem no poder por meio da transferência de domicílio eleitoral, garantindo que o poder seja exercido de forma justa e equilibrada.
Entretanto, como salientado acima, na Consulta 060044205 o TSE evoluiu seu entendimento, para assinalar que a inelegibilidade prevista no § 5º do art. 14 da Constituição se aplica ao exercício efetivo e substancial do cargo, não apenas ao aspecto formal.
Segundo esse entendimento, se o titular do Executivo não exerceu plenamente o cargo durante todo o mandato, por afastamento prolongado ou interrupção justificada, a hipótese constitucional impeditiva não se configura, permitindo sua candidatura para um terceiro mandato, desde que não tenha havido a condução efetiva e contínua do poder durante todo o período.
O mesmo entendimento parece ter guiado o Julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral 060006794, em 2021, vez que o TSE, como dito acima, considerou que o exercício interino ou a interrupção do exercício do primeiro mandato, seguido de um segundo mandato, não impede a futura candidatura do seu ocupante, vez que ele não teria exercido efetivamente, e de forma substancial, o primeiro cargo, não restando configurado, portanto, o exercício de dois mandatos consecutivos.
Estabelecidos os parâmetros acima, passemos então à análise deste caso específico.
12 - Análise do caso concreto
Segundo consta dos autos, Francisco Mendes Campos exerceu o cargo de prefeito no Município de São José de Piranhas em dois mandatos consecutivos, de 01/01/2017 a 31/12/2020 e de 01/01/2021 a 02/04/2022, quando se desincompatibilizou para disputar o cargo de Deputado Estadual, cargo que exerce até a presente data. Atualmente, pretende candidatar-se ao cargo de prefeito do Município de Cajazeiras para o período de 2025 a 2029.
Em razão disso, três impugnações foram apresentadas ao Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB) alegando que a candidatura configura um terceiro mandato consecutivo, o que seria vedado pela Constituição Federal.
O Ministério Público Eleitoral argumenta que a candidatura é inconstitucional por configurar um terceiro mandato consecutivo, ainda que em município diverso. Fundamenta seu pedido na interpretação do art. 14, § 5º da CF e na Tese nº 564 do STF. O Partido Avante de Cajazeiras reforça a tese do MPE, alegando que a candidatura em Cajazeiras configura uma continuidade no exercício de cargos executivos, o que é proibido pela Constituição. E, por fim, o Partido Progressistas de Cajazeiras e a Coligação “Para a Mudança Continuar” afirmam que a candidatura de Francisco Mendes Campos fere os princípios republicano e democrático, além de configurar abuso de poder.
O impugnado Francisco Mendes Campos alega, em sua defesa, que, no seu caso, houve uma interrupção entre os mandatos executivos devido à sua eleição para Deputado Estadual, o que descaracterizaria a continuidade e, portanto, a vedação constitucional. Destaca que as normas de inelegibilidade devem ser interpretadas restritivamente e que a vedação constitucional não se aplica ao seu caso, uma vez que houve uma ruptura no exercício de cargos executivos devido à sua eleição como Deputado Estadual. Argumenta ainda que a candidatura a prefeito em um município maior não configura continuidade administrativa ou influência indevida. Enfim, requer a manutenção de sua candidatura.
Como se observa, o problema jurídico central é saber inicialmente se a candidatura de Francisco Mendes Campos ao cargo de prefeito no Município de Cajazeiras configura, nos termos propostos nos precedentes mencionados acima, um terceiro mandato consecutivo em violação ao art. 14, § 5º da Constituição Federal, considerando que ele exerceu dois mandatos consecutivos como prefeito em outro município e posteriormente foi eleito deputado estadual.
Podemos assim, fixar três pontos controvertidos principais, a saber: A vedação jurisprudencial à candidatura em município diferente do qual o impugnado exerceu seus dois mandatos anteriores é juridicamente válida em todos os casos ou admitem-se exceções? A interrupção do mandato executivo por uma renúncia seguida de eleição para um cargo legislativo descaracteriza a continuidade dos mandatos no Poder Executivo? A candidatura de Francisco Mendes Campos em Cajazeiras poderia ser considerada como uma tentativa de perpetuação no poder, violando os princípios republicano e democrático?
Vejamos.
13 - Distinguishing em relação aos precedentes
Cumpre desde logo consignar que não é aplicável a todos os casos a vedação jurisprudencial trazida no Julgamento do RE 637485 (Tema 564) pelo STF à candidatura em município diferente do qual o impugnado exerceu seus dois mandatos anteriores, admitindo-se a utilização de técnicas como distinguishing e overriding, quando presentes os seus elementos autorizadores.
De fato, como já demonstrando ao norte, a aplicação do distinguishing ocorre quando as particularidades de um caso concreto diferem significativamente dos precedentes, justificando uma solução diversa. Já o overriding é utilizado quando um tribunal decide ajustar parcialmente um precedente anterior, mantendo parte de sua validade, mas adaptando-o às novas circunstâncias.
Ora, a questão da reeleição no contexto político brasileiro é permeada por nuances jurídicas e constitucionais que buscam equilibrar o princípio democrático com a necessidade de evitar abusos de poder. O § 5° do art. 14 da Constituição Federal estabelece limites claros para a reeleição de chefes do Executivo, impondo restrições para evitar a perpetuação no poder de indivíduos que, uma vez eleitos, buscam permanecer indefinidamente no cargo.
Contudo, casos específicos, como o de um ex-prefeito que se desincompatibiliza para concorrer a outro cargo, notadamente em outra esfera de poder, o legislativo estadual, e posteriormente deseja retornar ao cenário político local, em outro município do que era prefeito originalmente, levantam questões que exigem uma interpretação mais cuidadosa da norma constitucional.
Por que o presente caso se distingue do precedente do STF?
Primeiro, porque, enquanto o julgamento do Tema 564 pelo STF vedou o terceiro mandato consecutivo de prefeitos em municípios diferentes, o contexto específico de Francisco Mendes envolve uma interrupção significativa entre os mandatos executivos, com a assunção de um cargo legislativo. Essa transição do Executivo para o Legislativo rompe a continuidade dos mandatos no Executivo, algo não contemplado no precedente do STF, o que torna o caso distinto e merecedor de uma análise diferenciada.
Segundo, porque o RE 637485 tratou de impedir a figura do "prefeito itinerante", que perpetua o poder executivo por meio de sucessivas candidaturas em diferentes municípios. Entretanto, no presente caso, a natureza da interrupção, ao deixar o cargo de prefeito para assumir um mandato legislativo, cria uma ruptura clara com o exercício contínuo de mandatos executivos. A jurisprudência estabelecida pelo STF no Tema 564 não abordou a situação em que um político transita entre diferentes esferas de poder, especialmente quando há uma mudança substancial nas funções e responsabilidades, como ocorre ao passar do Executivo para o Legislativo.
Terceiro, a assunção do impugnado ao cargo de Deputado Estadual não apenas marca uma interrupção temporal, mas também funcional em relação aos mandatos executivos anteriores.
Enquanto o cargo de prefeito envolve a administração direta de um município, local, com contato mais direto e efetivo com uma comunidade, o cargo legislativo implica em funções distintas, como legislar e fiscalizar o Executivo, sem o exercício direto da Administração local. Essa distinção de funções políticas e administrativas reforça o argumento de que a interrupção de Francisco Mendes na sequência de mandatos executivos é substancial e significativa, justificando uma análise diferenciada em relação à vedação prevista no Tema 564.
Acrescento ainda que a aplicação do distinguishing no caso de Francisco Mendes é fortalecida pela necessidade de reconhecer que a jurisprudência não deve ser aplicada de forma rígida, especialmente quando os fatos e contextos diferem substancialmente, como parece ser o caso.
Quarto, porque a interrupção em questão e a mudança de função não se enquadram no espírito da vedação imposta pelo STF no julgamento do Tema 564, que visava impedir a continuidade ininterrupta de mandatos executivos por meio da "itinerância" entre municípios. Nesse sentido, a singularidade do caso permite o afastamento da regra geral estabelecida pelo precedente, em favor de uma interpretação que respeite os princípios constitucionais de alternância e renovação política.
Por fim, entendo que o overriding também pode ser aplicado ao presente caso, pois a evolução das circunstâncias e a natureza específica da interrupção dos mandatos exercidos pelo impugnado sugerem que a jurisprudência do Tema 564 pode não ser a mais adequada para este caso.
Quinto, porque a interrupção legítima, a mudança de funções e a desconexão clara com os mandatos anteriores no Executivo justificam uma revisão da aplicabilidade indistinta da norma constitucional de inelegibilidade, o que autorizaria, em tese, a participação legítima do impugnado na concorrência ao cargo de prefeito de Cajazeiras. Esse entendimento não apenas respeita, mas também fortalece os princípios republicanos e democráticos, assegurando que o processo eleitoral reflita verdadeiramente a vontade dos eleitores e a alternância de poder.
Feito o distinguishing e proposto o overriding, passo então à análise dos demais pontos da controvérsia.
Como cediço, a questão da elegibilidade para cargos públicos em contextos eleitorais é um tema de alta relevância no direito constitucional brasileiro, especialmente quando envolve o princípio da alternância no poder. E inicio considerando desde logo que, em alguns casos, a interrupção de um mandato executivo por renúncia seguida de eleição para um cargo legislativo pode afastar a continuidade dos mandatos no Poder Executivo.
Essa conclusão se baseia, como já ventilado acima, na distinção clara entre as funções exercidas nos cargos legislativos e executivos. Ao assumir um mandato legislativo, o político passa a desempenhar funções totalmente distintas das exercidas no Executivo, rompendo a sequência e a continuidade de mandatos na esfera administrativa, o que pode justificar a elegibilidade para futuros cargos executivos.
No caso de Francisco Mendes Campos, a renúncia ao cargo de prefeito e a subsequente eleição como Deputado Estadual representam uma quebra significativa na continuidade dos mandatos executivos, inaugurando um novo ciclo político e administrativo, desvinculado dos mandatos anteriores. Como já mencionado, o cargo legislativo não envolve o exercício direto do poder executivo local, mas sim atividades de criação de leis, fiscalização e representação política. Essa mudança de função marca uma interrupção substancial na sequência de mandatos no Executivo, distinguindo seu caso de uma simples troca de municípios para contornar a vedação constitucional.
Além disso, a jurisprudência estabelecida pelo STF no Tema 564 foi desenvolvida para evitar a perpetuação do poder executivo por meio de manobras como a "itinerância" entre municípios. Entretanto, essa jurisprudência não aborda diretamente situações em que há uma transição legítima e substancial para o Legislativo, como ocorreu no caso de Francisco Mendes. Essa diferença contextual reforça a ideia de que a interrupção dos mandatos no Executivo, quando seguida de um mandato legislativo, não pode ser considerada uma continuidade automática dos mandatos executivos anteriores.
O princípio da alternância de poder, que fundamenta a vedação a mandatos consecutivos no Executivo, também apoia a interpretação de que a interrupção por um mandato legislativo rompe essa continuidade. A mudança de funções e a desconexão temporal e funcional com os mandatos anteriores no Executivo demonstram um compromisso com a alternância, em vez de uma tentativa de perpetuação no poder.
É certo que a alternância de poder, é essencial para garantir a renovação política e evitar a concentração de poder, objetivos que também são plenamente respeitados, na minha ótica, quando um político transita para o Legislativo antes de buscar um novo cargo executivo. Realmente, a candidatura do impugnado não pode ser considerada como uma tentativa de perpetuação no poder, pois há uma interrupção significativa entre seus mandatos executivos e sua candidatura atual.
O impugnado renunciou ao cargo de prefeito para assumir um mandato legislativo como Deputado Estadual, o que constitui uma mudança substancial na natureza de suas funções. Essa transição do Executivo para o Legislativo, como já dito anteriormente, rompe a continuidade dos mandatos no poder executivo, afastando qualquer alegação de perpetuação indevida no poder e impedindo, portanto, a incidência indiscriminada do precedente do STF.
Ademais, a sua incidência descuidada, sem levar em consideração as especificidades do caso concreto, poderia levar a resultados que desrespeitam a lógica constitucional e democrática, inaugurando uma disfunção normativa indesejada. A título de exemplo, é notório que, especificamente ao âmbito municipal, a sucessão de um prefeito por algum secretário seu, especialmente nas áreas estratégicas como educação, saúde ou obras, frequentemente representa uma manutenção ou até centralização do poder nas mãos de um grupo oligárquico.
Neste contexto, a transição direta de poder entre um prefeito e seu secretário mantém a mesma rede de influências e compromissos políticos, minando a possibilidade de mudança substancial nas políticas e na administração local. Isso ocorre porque, geralmente, esses secretários estão intimamente ligados à administração anterior, compartilhando não apenas os objetivos políticos, mas também as mesmas práticas administrativas e interesses, quando não existem até mesmo laços mais estreitos de amizade e afetividade, aferíveis claramente pelo eventual apoio político durante as eleições.
A continuidade desse ciclo, no meu entender, pode perpetuar as políticas e influências do antigo administrador, sem oferecer uma verdadeira oportunidade para renovação ou mudança no governo municipal, o que seria, isso sim, uma violação aos princípios republicanos e democráticos, ao permitir a manutenção ou centralização do poder sob a gerência dos membros do mesmo grupo político, seja familiar ou não.
Com efeito, ao suceder o prefeito, o secretário, muitas vezes, mantém a mesma equipe administrativa e as mesmas alianças políticas, fortalecendo ainda mais o controle de um grupo específico sobre a gestão municipal, diga-se, sobre a eleição das prioridades a serem atendidas na administração seguinte. Essa prática pode restringir a diversidade de ideias e a participação de outros grupos políticos, criando um ambiente onde a alternância de poder é meramente formal, sem efetivas mudanças nas políticas públicas ou na forma de governar.
Não é preciso dizer que, na realidade nordestina, essa perpetuação do poder dentro de um círculo restrito é característica de dinâmicas oligárquicas, onde o poder é transmitido de forma quase hereditária, favorecendo sempre os mesmos interesses e, não raro, o mesmo grupo de pessoas. Assim, comparado ao caso do impugnado, onde houve uma interrupção real na continuidade do poder executivo, a sucessão por um secretário do próprio governo seria muito mais indicativa de centralização e manutenção do poder.
Entretanto, como este tema ainda não chegou a ser analisado diretamente por nossas cortes superiores, tal ilação não irá ultrapassar os limites destas rápidas considerações, sendo desnecessário e inoportuno qualquer aprofundamento sobre o tema, que não é o objeto da discussão jurídica nos presentes autos.
Acerca do presente caso, também é crucial entender que os princípios republicano e democrático exigem uma interpretação cuidadosa das normas de inelegibilidade, de modo a promover a alternância de poder sem restringir indevidamente a participação política.
Realmente, o princípio republicano, embora essencial para impedir a perpetuação no poder, também deve ser interpretado em harmonia com a proteção da liberdade de escolha dos eleitores. Impedir a candidatura de alguém que, após servir como prefeito, se elegeu deputado e pretende concorrer a outra prefeitura, pode ser visto como uma restrição excessiva à vontade popular, especialmente quando não há continuidade direta no poder executivo, como na espécie.
Dito de outra forma, a interpretação das normas de inelegibilidade deve ser feita de forma a respeitar os princípios democráticos e republicanos, sem impor limitações que não sejam claramente justificadas pelo contexto. Isso significa que, como já visto ao norte, as causas de inelegibilidades só podem ser aplicadas quando os seus requisitos legais estão claramente demonstrados, o que não é o caso dos autos.
Considero também que a eleição para o Legislativo por parte do impugnado não pode ser considerada uma fraude à regra constitucional, mas sim um exercício legítimo da cidadania e da vontade popular. A desincompatibilização do cargo de Prefeito ocorreu em conformidade com as exigências legais, e a sua eleição para o cargo de Deputado respeitou as regras do processo democrático, sem indícios de má-fé ou manipulação eleitoral.
Ao analisar este cenário, é fundamental considerar o princípio da boa-fé, que é um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro. A boa-fé objetiva impõe que as ações dos agentes políticos sejam pautadas pela transparência e lealdade, e não por intenções espúrias. Considerar essa interrupção como um subterfúgio para burlar a vedação à reeleição seria desconsiderar o mandato legislativo como uma expressão válida e legítima da democracia.
Neste sentido, não vejo como considerar que o exercício de mandato eletivo de Prefeito em município vizinho, há mais de dois anos atrás, vez que saiu para candidatar-se ao cargo de Deputado, sagrando-se vencedor, autorize qualquer conclusão acerca de alegada perpetuação no poder, obtendo vantagem e desigualando a sadia disputa segundo os ideais democráticos e republicanos.
Além disso, a interpretação extensiva dessa vedação poderia ser vista como uma interferência indevida do Judiciário no processo eleitoral, limitando as opções do eleitorado e, potencialmente, enfraquecendo a legitimidade democrática.
No caso do impugnado Francisco Mendes Campos, entendo que não resta configurada a inelegibilidade prevista no artigo 14, § 5º, da Constituição Federal, vez que não demonstrados de forma clara os seus elementos caracterizadores, notadamente o prolongamento excessivo do exercício do poder local em uma pessoa ou grupo político específico. De fato, a ausência de uma continuidade direta nos mandatos executivos por parte do impugnado impede a aplicação automática dessa restrição.
O princípio da legalidade impõe que as inelegibilidades sejam aplicadas apenas quando o texto legal assim o determina, sem margem para interpretações expansivas que possam restringir indevidamente a participação política. Realmente, o próprio entendimento jurisprudencial coletado acima reflete também a importância de preservar os direitos políticos dos cidadãos, assegurando que as inelegibilidades sejam aplicadas somente quando todos os requisitos legais são preenchidos de maneira inequívoca.
Como dito acima, a inelegibilidade prevista no artigo 14, § 5º, da CF e a consequente vedação do terceiro mandato, visa preservar a alternância do poder, um dos pilares da democracia, evitar a concentração de Poder e a eventual manipulação das instituições democráticas, garantir a renovação e inovação políticas, através da escolha consciente e esclarecida dos eleitores, e prevenir o uso da máquina pública pelo grupo político perpetuado na gestão administrativa. E, na espécie, não vislumbro estar presente qualquer risco ou ameaça a tais objetivos.
Além disso, é crucial reconhecer que, em casos de dúvida sobre a incidência de uma causa de inelegibilidade, deve-se privilegiar o direito fundamental de se candidatar. A democracia se sustenta na ampla participação popular, e qualquer restrição a esse direito deve ser justificada com clareza. Ademais, os princípios republicano e democrático exigem que as normas de inelegibilidade sejam aplicadas de forma que promovam a alternância de poder, mas sem restringir injustamente a participação política.
No caso sob análise, não há demonstração clara de que a candidatura do impugnado violaria esses princípios, especialmente porque a interrupção dos mandatos executivos e sua atuação legislativa distinguem seu caso dos precedentes que tratam da perpetuação no poder. Ademais, como dito acima, o impugnado rompeu sua sequência de mandatos no Executivo ao assumir um cargo legislativo, o que constitui uma mudança substancial, significativa e relevante na natureza de suas funções.
Assim, a aplicação da inelegibilidade pretendida, que deve ser sempre interpretada de forma restritiva, deve ser descartada, assegurando o respeito ao processo democrático.
Em conclusão, o indeferimento das impugnações à candidatura de Francisco Mendes é necessário para respeitar os princípios constitucionais e assegurar a plena participação política, essencial para a saúde democrática. Sem uma demonstração clara e inequívoca da incidência da inelegibilidade prevista no artigo 14, § 5º da Constituição Federal, deve ser preservado o direito do candidato impugnado de concorrer nas eleições, garantindo que o processo eleitoral reflita a vontade do eleitorado a quem compete, verdadeiramente, decidir quem aparenta ser a melhor escolha para a Administração local.
14 - Do indeferimento do pedido liminar
Como mencionado rapidamente na decisão anterior, a impugnação ao registro de candidatura, conforme disciplinada pela Lei Complementar nº 64/1990, é essencialmente uma ação judicial destinada a questionar a elegibilidade de um candidato, sendo, portanto, uma ferramenta fundamental para assegurar a legitimidade do processo eleitoral.
Tal impugnação tem como objetivo verificar se o candidato preenche todos os requisitos legais necessários para disputar um cargo eletivo, incluindo a análise de possíveis causas de inelegibilidade. Dessa forma, a impugnação ao registro permite que o Judiciário examine a conformidade do candidato com as normas eleitorais, garantindo a lisura do pleito. O rito processual da impugnação ao registro de candidatura é bem delineado pela legislação, exigindo que o candidato impugnado seja notificado para apresentar sua defesa. O caráter contraditório do processo visa proteger os direitos do candidato e garantir que qualquer alegação de inelegibilidade seja devidamente comprovada antes de uma decisão definitiva.
Um aspecto crucial é que a simples apresentação de uma impugnação não tem efeito suspensivo automático sobre a campanha do candidato. Ou seja, enquanto não houver decisão judicial definitiva acerca da elegibilidade, o candidato pode continuar participando normalmente da campanha eleitoral. Essa interpretação é amplamente sustentada pela jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que tem reiterado a ausência de efeito suspensivo na impugnação ao registro de candidatura. Por conseguinte, o candidato impugnado mantém todos os direitos inerentes à sua candidatura, incluindo o acesso aos recursos destinados à campanha e o uso dos meios de propaganda eleitoral.
Qualquer medida restritiva antes do julgamento definitivo violaria os princípios da ampla defesa e do contraditório, além de subverter a lógica do devido processo legal. Esse entendimento é reforçado pela jurisprudência que, em diversas ocasiões, afastou pedidos de liminar que visavam suspender a candidatura de impugnados antes de um julgamento definitivo. Ademais, a jurisprudência eleitoral tem se mostrado cuidadosa em garantir que a aplicação da lei seja equitativa, evitando que impugnações sejam usadas como instrumentos políticos para prejudicar adversários.
O TSE tem reiterado a necessidade de uma análise criteriosa e técnica dos pedidos de impugnação, a fim de preservar a integridade do processo eleitoral. E na espécie, não havendo razões para sua modificação, deve ser mantida a decisão concedida anteriormente, denegando o pedido liminar outrora requerido pelo terceiro impugnante e mantendo hígidos os direitos políticos do candidato impugnado até o julgamento definitivo da presente causa.
15 - Dispositivo
Com estas considerações, JULGO IMPROCEDENTES as IMPUGNAÇÕES apresentadas por MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL (ID 122348722), PARTIDO AVANTE DE CAJAZEIRAS (ID 122367356) e PARTIDO PROGRESSISTAS DE CAJAZEIRAS E OUTROS (ID 122367366) e DEFIRO o pedido de REGISTRO DE CANDIDATURA de FRANCISCO MENDES CAMPOS - CPF: 526.410.584-72 ao cargo de Prefeito do Município de Cajazeiras - PB (ID 122341148), sob o número 40, com a seguinte opção de nome: CHICO MENDES.
Ação sem custas judiciais ou sucumbência.
Sentença publicada e registrada eletronicamente.
Anote-se no sistema de candidaturas.
Publique-se a presente sentença também em Mural eletrônico e comunique-se ao Representante Ministerial, através de expediente no PJE (art. 58, § 1º, da Res. TSE 23609/2019).
Proceda-se a eventuais intimações necessárias, via expediente eletrônico (art. 96, § 7º, da Lei 9504/97).
Sem manifestação, certifique-se o trânsito em julgado.
Interposto recurso, desde que tempestivo, atualize-se a situação no sistema de candidaturas, intime-se o recorrido para apresentar contrarrazões no prazo de 3 (três) dias (art. 96, § 8o da Lei 9504/97; art. 59 da Resolução TSE 23609/2019).
Apresentadas as contrarrazões ou decorrido o prazo, encaminhem-se os autos ao Tribunal Regional Eleitoral (art. 59, parágrafo único, da Res. TSE 23609/2019).
CUMPRA-SE todos os atos com as cautelas legais e com prioridade, observando os prazos estabelecidos na Resolução TSE n° 23.609/2019 e CALENDÁRIO ELEITORAL das Eleições de 2024.
Cajazeiras, datado e assinado eletronicamente.
MACÁRIO OLIVEIRA JÚNIOR
Juiz da 68ª Zona Eleitoral