TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MATO GROSSO DO SUL
JUÍZO DA 008ª ZONA ELEITORAL
PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS n.º 0600304-44.2024.6.12.0008
REQUERENTE: ELEICAO 2024 GIANCARLO JOSETTI SANDIM VEREADOR, GIANCARLO JOSETTI SANDIM
Advogado do REQUERENTE: ANDRE LUIZ TANAHARA PEREIRA – OAB/MS 11.253
SENTENÇA
Vistos etc.
Trata-se de Prestação de Contas Eleitorais (PCE) relativa à arrecadação e à aplicação de recursos na campanha eleitoral de GIANCARLO JOSETTI SANDIM, ora requerente, candidato ao cargo de Vereador pelo Município de Campo Grande/MS, nas Eleições Municipais de 2024, em cumprimento às disposições do art. 45, da Resolução TSE n. 23.607/2019 e do art. 28, da Lei n. 9.504/1997.
Constam dos autos todas as peças obrigatórias, que devem integrar a prestação de contas, nos termos do art. 53, da Resolução TSE n. 23.607/2019, ainda que insuficientes para atestar a regularidade de despesas que serão tratadas adiante.
Nos termos do art. 56, da mencionada Resolução, foi publicado Edital TRE/ZE022 (ID 123446637) no Diário da Justiça Eletrônico (DJE-MS) n. 14/2025, e, no átrio do Cartório Eleitoral, dando publicidade às informações prestadas pelo requerente, não tendo havido qualquer impugnação por parte de terceiros interessados, consoante certidão lavrada nos autos (ID 123466383).
A prestação de contas FINAL foi entregue, tempestivamente, em estrita observância ao prazo insculpido na legislação eleitoral vigente, sendo apresentada segundo as disposições legais, inclusive quanto ao uso obrigatório dos sistemas informatizados da Justiça Eleitoral.
Realizada a análise técnica preliminar sobre a regularidade das contas (ID 123593521) quanto à formalização documental, foram apuradas as inconsistências seguintes: a) ausência de contratos de "Despesas com Pessoal"; b) ausência de detalhamento de contratação de "Despesas com Pessoal"; e c) ausência de documento de comprovação de despesas com honorários advocatícios.
Determinada a expedição de diligências (ID 123593545), cujo ato de intimação deu-se mediante publicação em Diário da Justiça Eletrônico (DJE-MS), edição em 14.05.2025.
Em sede de cumprimento de diligências quanto à formalização documental e quanto ao exame de regularidade das contas, o requerente promoveu os devidos lançamentos no Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE), apresentando a prestação de contas FINAL RETIFICADORA, gerando o número de controle 455451390514MS1421224, bem como enviou os arquivos à Justiça Eleitoral, via Sistema de Entrega de Mídia Eletrônica (SIEME), para validação da documentação produzida, conforme disciplina o art. 71, da Resolução TSE n. 23.607/2019.
Realizada a análise técnica sobre a regularidade das contas (ID 123607194) quanto à formalização documental e a documentação apresentada na RETIFICADORA, foi apurada a ausência de detalhamento de contratação de "Despesas com Pessoal". Sendo tal diligência suscitada pela 2ª vez, na forma de diligência complementar.
Determinada a expedição de diligências (ID 123607210), cujo ato de intimação deu-se mediante publicação em Diário da Justiça Eletrônico (DJE-MS), edição em 28.05.2025.
Dessa vez, o requerente juntou petição com esclarecimento quanto à localização da área de atuação de determinada colaboradora com a campanha eleitoral (ID 123623846). Não gerou prestação de contas FINAL – RETIFICADORA. O requerente se manteve inerte ao dever de cumprir a diligência complementar.
Após o não cumprimento da diligência complementar, houve o pronunciamento técnico, mediante juntada de Relatório de Análise Técnica com Parecer Conclusivo (ID 123626772), contendo recomendação pela rejeição das contas, em face de falhas graves que comprometem a regularidade da prestação de contas, e pela devolução de valores ao Tesouro Nacional.
Instado a exarar parecer, o Ministério Público Eleitoral pugnou pela desaprovação das contas eleitorais (Petição - ID 123628265).
Relatado. Decido.
Verifico o cumprimento do disposto no art. 1º, da Resolução TRE-MS n. 509/2014 e no art. 53, II, “f”, da Resolução TSE n. 23.607/2019 (representação processual), por meio de constituição de advogado legalmente habilitado, atentando-se ao caráter jurisdicional das prestações de contas eleitorais, consoante instrumento de mandato acostado nos autos (ID 122729805 e 123601233).
Enalteço que a prestação de contas eleitorais tem por propósito demonstrar de forma fidedigna a arrecadação dos recursos que financiaram a campanha eleitoral e a correspondente licitude dos gastos, de modo a identificar eventuais inconsistências e aplicar as medidas corretivas cabíveis, bem como subsidiar eventuais investigações ou medidas judiciais. Sendo, imprescindível que o prestador ou prestadora demonstre de forma transparente a lisura desse procedimento contábil, sem perder de vista que essa postura se traduz num dever jurídico e não menos importante, social.
Saliento que o requerente apresentou as contas eleitorais FINAL - RETIFICADORA pelo meio correto, ou seja, pelo SPCE, conforme disciplina o art. 71, da Resolução TSE n. 23.607/2019, fomentando a transparência, via Sistema Oficial de Prestação de Contas Eleitorais instituído pelo Tribunal Superior Eleitoral, para escorreita análise técnica da legalidade e da regularidade das contas apresentadas.
A unidade técnica examinou as contas em conformidade com os artigos 62 a 65, da Resolução TSE n. 23.607/2019, sendo constatadas as seguintes irregularidades no Parecer Conclusivo (ID 123626772):
1. Ausência de detalhamento de despesas com pessoal, para fins de comprovação do gasto efetivamente pago à fornecedora de campanha, ANALIA SILVA DE OLIVEIRA, na função “Liderança do Zé Pereira/Panamá”, dada a inobservância do regramento imposto (art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/2019), na importância de R$5.000,00 e que foram pagos com recursos oriundos do FEFC, “Tratando-se, portanto, de aplicação irregular de recursos públicos, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n.º 23.607/2019”;
2. Duplicidade de pagamento na importância de R$3.000,00 (três mil reais) em nome de ADRIANA LOPES FRANCO por serviços de “Liderança Grande São Francisco”, ou seja, nos termos analisados “foi paga a importância de R$6.000,00 (seis mil reais), conforme registrado no extrato bancário acostado nos autos (ID 123189796), contrariando disposição expressa no contrato de prestação de serviços (ID 123601265), sem que houvesse o estorno financeiro por pagamento indevido (R$3.000,00) ou nota explicativa para a ocorrência da irregularidade”, caracterizando hipótese de gasto eleitoral não comprovado (art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019); e
3. Ausência de detalhamento de despesas com pessoal para cada função exercida pelos 37 (trinta e sete) colaboradores mencionados no Relatório Preliminar de Diligências (ID 123593521), para fins de comprovação dos gastos efetivamente pagos, dada a inobservância do regramento imposto (art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/2019), na importância de R$177.400,00 e que foram pagos com recursos oriundos do FEFC, “Tratando-se, portanto, de aplicação irregular de recursos públicos, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n.º 23.607/2019”.
Consentâneo mencionar que o requerente não omitiu gastos eleitorais. Mas ao declarar gastos eleitorais de natureza financeira com uso de verbas do FEFC em desacordo com a legislação vigente, foi intimado para apresentar as justificativas e/ou esclarecimentos necessários, bem como apresentar documentação com força probatória da regularidade das despesas declaradas, em tese, consideradas inconsistentes, tendo por finalidade afastar a caracterização de irregularidades de gastos eleitorais. Das diligências cumpridas, o requerente logrou êxito parcialmente.
Vejamos o que diz a legislação aplicável a cada situação apontada como irregular pela unidade técnica.
Da comprovação de regularidade de gasto eleitoral mediante contrato com despesas de pessoal, nos termos do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/2019, in verbis:
Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei n. 9.504/1997, art. 26):
§ 1º. [ ... ]
§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado. (Grifo nosso).
Da configuração de aplicação irregular de recursos públicos, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019, in verbis:
Art. 79. A aprovação com ressalvas da prestação de contas não obsta que seja determinada a devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou a sua transferência para a conta única do Tesouro Nacional, assim como dos recursos de origem não identificada, na forma prevista nos arts. 31 e 32 desta Resolução.
§ 1º Ausente a comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário (FP) e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou comprovada a utilização indevida, a execução da decisão que julgar as contas, após o seu trânsito em julgado, determinará a devolução do valor correspondente na forma estabelecida pela Res.-TSE nº 23.709/2022. (Grifo nosso).
Do detido exame dos autos, constata-se claramente que o requerente não observou fielmente as disposições cogentes da Resolução TSE n. 23.607/2019 (supratranscritas), editada com fundamento na Lei n. 9.504/1997 (Lei das Eleições), nas situações seguintes:
1. Do exame de regularidade de despesas realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (art. 53, II, c), constata-se a ocorrência de pagamento duplicado em favor de ADRIANA LOPES FRANCO, fornecedora de campanha para atividades de “Liderança Grande São Francisco”, que perfazem a importância de R$6.000,00 (seis mil reais), mediante análise objetiva da documentação apresentada pelo requerente (extrato bancário), na qual facilmente se nota 2 (dois) pagamentos de R$3.000,00 em desacordo com o teor da cláusula contratual remuneratória que estipula valor de R$3.000,00 para a prestação do serviços em questão, sem que houvesse o estorno financeiro por pagamento indevido (R$3.000,00) ou nota explicativa para a ocorrência da irregularidade, configurando hipótese de aplicação irregular de recursos públicos (art. 79, § 1º); e
2. Do exame de regularidade de despesas realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (art. 53, II, c), constata-se a irregularidade de gastos eleitorais com contratação de "Despesas com Pessoal” relativos a quantidade de 37 (trinta e sete) colaboradores com a campanha eleitoral, pormenorizados no Relatório Preliminar de Diligências (ID 123593521), que perfazem a importância de R$177.400,00 (cento e setenta e sete mil e quatrocentos reais), e, ainda, da contratação de ANALIA SILVA DE OLIVEIRA, fornecedora de campanha para atividades de “Liderança do Zé Pereira/Panamá”, na importância de R$5.000,00 (cinco mil reais), por motivo de ausência de detalhamento dessas contratações (art. 35, § 12), configurando hipótese de aplicação irregular de recursos públicos (art. 79, § 1º).
É oportuno ratificar algumas considerações acerca do exame de regularidade de despesas realizadas com recursos do FEFC trazidas pela análise técnica mediante juntada de Parecer Conclusivo (ID 123626772), a saber:
1. No atendimento das diligências suscitadas no Relatório Preliminar de Diligências, o prestador de contas juntou petição (ID 123601263) argumentando sobre dificuldades encontradas para selecionar colaboradores capacitados para exercer as funções de coordenadores e de lideranças de determinada região e sobre as condições suportadas pelos colaboradores para a realização da prestação de serviços para a campanha eleitoral, como justificativa para o pagamento de valores considerados “cada vez mais altos”;
2. A documentação produzida e apresentada na prestação de contas FINAL – RETIFICADORA, em sede de cumprimento de diligências, “contém teor idêntico ao apresentado por ocasião da prestação de contas FINAL, ou seja, o prestador não apresentou o detalhamento de cada função exercida pelos colaboradores”, cujas despesas foram consideradas inconsistentes;
3. Frise-se que “O detalhamento suscitado e omitido pelo prestador é essencial para justificar e/ou esclarecer os motivos de pagamentos de valores tão desiguais para as situações idênticas” (mesma atribuição, mesma carga horária e mesma vigência contratual), seja para as atividades de “lideranças de bairro”, tendo como única diferença a remuneração paga que, em alguns casos, varia entre R$8.500,00 e R$1.000,00, seja para as atividades de “cabos eleitorais”, tendo como única diferença a remuneração paga que, em alguns casos, varia entre R$1.600,00 e R$200,00;
4. Noutro caso relatado e carente de detalhamento, determinado colaborador recebeu pagamento de R$9.000,00 para a realização de atividades de “coordenador de região” ao passo que outra colaboradora recebeu pagamento de R$500,00 para a realização de atividades de “cabo eleitoral”, tal colaboradora recebeu remuneração inferior em 18 (dezoito) vezes, mesmo laborando quase o dobro de dias daquele colaborador e, ainda, “Apurou-se na análise da documentação apresentada que os valores pagos pela prestação de serviços de atividades de cabo eleitoral foram declarados no SPCE entre R$200,00 (duzentos reais) a R$300,00 (trezentos reais)”;
5. Destaque-se a transcrição da Cláusula 1ª – OBJETO – contida nos contratos de despesas com pessoal que contém as atribuições das funções de “cabo eleitoral”, de “liderança de bairro” e de “coordenador de campanha/região”, na qual “Percebe-se claramente que o diferencial entre os objetos contratuais supra são os substantivos ‘coordenação’, ‘liderança’ e ‘fiscalização’ para justificar o pagamento de valor elevado aos colaboradores que desempenharam funções de coordenação e de liderança, num período curto de 14 (quatorze) dias, com jornada de 4 (quatro) horas diárias”; e
6. Por fim, o requerente não atendeu a diligência inerente à justificativa do preço contratado que fugiu do senso comum aplicado nas demais prestações de contas eleitorais apresentadas no pleito eleitoral em tela, considerando que a jornada de trabalho foi reduzida, que a vigência contratual não abrangeu todo o período de campanha eleitoral e que a função de “liderança de bairro” não ofereceu clareza necessária para a compreensão das atividades desenvolvidas por tais colaboradores.
Não obstante as alegações do requerente (Petição - ID 123601263), não se discute que a apresentação de contratos com cláusulas uniformizadas e generalizadas são nocivas à escorreita análise técnica sobre regularidade das despesas efetivamente pagas com uso de dinheiro público (FEFC), exigindo do prestador de contas maior cuidado, rigor e transparência na aplicação dos recursos públicos, bem como na comprovação dos gastos de forma a não deixar dúvidas quanto ao conteúdo do objeto contratado, em respeito ao dever de publicidade ativa na campanha eleitoral.
Tendo por finalidade demonstrar que o entendimento deste Juízo Eleitoral sobre as irregularidades supramencionadas é pertinente, é oportuno trazer à baila alguns entendimentos jurisprudenciais tanto da Egrégia Corte Regional quanto do Tribunal Superior Eleitoral, a saber:
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul. Recurso Eleitoral 060036649/MS, Relator(a) Des. Luiz Tadeu Barbosa Silva, Acórdão de 27/01/2025, Publicado no(a) Diário da Justiça Eleitoral 18, data 30/01/2025, pag. 11/14.
Ementa: ELEIÇÕES 2024. RECURSO ELEITORAL. CONTRATAÇÃO DE MOTORISTA. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS DO FEFC. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. [ ... ]
2. O pagamento de R$ 5.000,00 ao motorista, sem comprovação de compatibilidade com os padrões de mercado, configura aplicação irregular de recursos do FEFC, violando os princípios de transparência e fidedignidade previstos na legislação eleitoral.
3. A jurisprudência do TSE exige rigor na comprovação da destinação de recursos públicos, conforme decidido no REsp Eleitoral nº 0602465–93/SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 25/11/202.
4. [ ... ].
5. Mantida a desaprovação das contas, com determinação de devolução ao Tesouro Nacional do valor irregular, conforme art. 79, § 1.º, da Resolução TSE nº 23.607/2019.
6. Recurso desprovido. (RE nº 060036649 Acórdão PONTA PORÃ – MS. Relator(a): Des. Luiz Tadeu Barbosa Silva. Julgamento: 27/01/2025 Publicação: 30/01/2025). (Grifo nosso).
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul. Prestação De Contas 060128738/MS, Relator(a) Des. RICARDO DAMASCENO DE ALMEIDA, Acórdão de 06/11/2023, Publicado no(a) Diário da Justiça Eleitoral 198, data 09/11/2023, pag. 44/52
Ementa: PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATA. DEPUTADA FEDERAL. DESPESAS COM A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE MARKETING DIGITAL REALIZADAS COM RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 53, INCISO I, ALÍNEA G; ART. 60, § 1º; art. 69, TODOS DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.607/2019. FALTA DE OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE, EFICIÊNCIA, ECONOMICIDADE E MODICIDADE. INCONSISTÊNCIA CONSTATADA. DEVOLUÇÃO DOS RECURSOS PÚBLICOS UTILIZADOS DE MANEIRA IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. ART. 79, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.607/2019. IRREGULARIDADES QUE REPRESENTAM MAIS DE 10% DO TOTAL DE RECURSOS ARRECADADOS PARA CAMPANHA DO CANDIDATO. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. ART. 74, INCISO III, DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.607/2019.
Apesar de a legislação eleitoral não ter estipulado um piso ou um teto para o pagamento de despesas relacionadas à prestação de serviços em uma campanha eleitoral, é certo que quando se trata da realização de gastos com recursos públicos, tais valores não podem se circunscrever à mera esfera da liberalidade e da conveniência entre o tomador e o prestador do serviço, devendo sua aplicação ser demonstrada de forma clara, correta e objetiva, em observância aos princípios da moralidade e eficiência, explícitos no art. 37 da CF, bem como da economicidade e da modicidade.
Diante de vício que compromete significativamente as contas apresentadas e não configurando valor de pequena monta são inaplicáveis os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade impondo-se sua desaprovação com a devolução dos recursos ao Tesouro Nacional.
Contas desaprovadas, nos termos do art. 74, inciso III, da Resolução TSE nº 23.607/2019, com a devolução de recursos ao Tesouro Nacional, conforme previsto no § 1º do art. 79 da mesma resolução. (PC nº 060128738 Acórdão CAMPO GRANDE – MS. Relator(a): Des. RICARDO DAMASCENO DE ALMEIDA. Julgamento: 06/11/2023 Publicação: 09/11/2023).
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Embargos De Declaração No Recurso Especial Eleitoral 060152195/RN, Relator(a) Min. Floriano De Azevedo Marques, Acórdão de 10/10/2024, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 187, data 18/10/2024
Ementa: ELEIÇÕES 2022. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. CANDIDATA. DEPUTADA FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. NOTAS FISCAIS. DESCRIÇÃO GENÉRICA. DOCUMENTAÇÃO COMPLR. DOCUMENTOS APRESENTADOS INTEMPESTIVAMENTE. PRECLUSÃO. ALUGUEL DE IMÓVEL. EXTENSÃO APÓS O PLEITO. IRREGULARIDADE. SERVIÇOS DE CONTABILIDADE. CONTRATO. VIGÊNCIA APÓS A ELEIÇÃO. TERMO FINAL QUE NÃO ULTRAPASSA O PRAZO PARA ENTREGA DAS CONTAS FINAIS. POSSIBILIDADE. GASTO ELEITORAL. SEGURANÇA PARTICULAR. ADMISSIBILIDADE. PROTEÇÃO À CANDIDATA. JUSTIFICATIVA. COMPROVAÇÃO. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). INCIDÊNCIA DO VERBETE SUMULAR 30 DO TSE. NÃO PROVIMENTO.
Despesas com serviços de militância, transporte e pessoal. Descrição genérica. Documentação complementar. Exigibilidade. Determinação de recolhimento ao erário. Não caracterização de violação legal. Incidência da Súmula 24 do TSE
6. Deve ser rejeitada a tese de violação aos arts. 60, caput, e 79, § 1º, da Res.–TSE 23.607, pois a alegação de que não seria necessária a juntada de documentação complementar para comprovação das despesas questionadas esbarra no óbice ao reexame fático–probatório em recurso especial (Súmula 24 do TSE). Ademais, o reconhecimento de irregularidades nos gastos com serviços de militância (divergência no valor do pagamento dos subcontratados), transporte (descrição genérica dos serviços) e pessoal (ausência de informações sobre local de trabalho e carga horária), assim como a determinação de restituição de recursos ao Erário estão em consonância com a jurisprudência deste Tribunal, no sentido de que:
i) a apresentação de contrato de prestação de serviços, nota fiscal, comprovante de pagamento e recibo não afasta a possibilidade de se exigir documentação complementar, diante da ausência de descrição detalhada dos serviços na documentação juntada, conforme estabelece o art. 60 da Res.–TSE 23.607 (AgR–AREspE 0601239–09, rel. Min. Raul Araújo Filho, DJE de 22.3.2024);
ii) as despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado, nos termos do art. 35, § 12, da Res.–TSE 23.607 (AgR–REspEl 0601507–14, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 5.6.2023); e
iii) é incabível o afastamento da determinação de recolhimento de valores ao Erário, pois a ausência de comprovação da utilização de recursos públicos na campanha, ou a sua aplicação irregular, enseja a devolução aos cofres públicos, ainda que as contas sejam aprovadas com ressalvas (AgR–AREspE 0606936–91, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, DJE de 27.5.2024). (REspEl nº 060152195 Acórdão NATAL – RN. Relator(a): Min. Floriano De Azevedo Marques. Julgamento: 15/08/2024 Publicação: 27/08/2024). (Grifo nosso).
Da prestação de contas é preciso que haja coerência, retidão, transparência, ou seja, as peculiaridades precisam ser escritas em contrato, diferenciado um dos outros, bem como em documento fiscal com todas as especificações contidas na prestação de serviços para a campanha eleitoral, de forma a permitir que o cidadão comum consiga entender a despesa eleitoral com clareza quando publicada na Internet (Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais), afastando quaisquer questionamentos quanto à legitimidade, à legalidade e à regularidade do gasto eleitoral.
In casu, o requerente não cumpriu as diligências que lhe foram determinadas com a finalidade de justificar e/ou esclarecer os gastos eleitorais pagos, criando empecilhos para esta Justiça Eleitoral em sua função fiscalizadora das contas eleitorais. Ademais, durante a tramitação processual, foram conferidas 2 (duas) oportunidades distintas e não aproveitadas pelo requerente para sanar as inconsistências apuradas no exame técnico de regularidade, seja preliminar seja complementar (ID 123593545 e 123607210).
Inarredáveis Precedentes da Superior Corte Eleitoral atestam que a aplicação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do Fundo Partidário, por ostentarem caráter público, devem ter sua utilização balizada nos princípios da moralidade, da impessoalidade, da transparência, da razoabilidade e da economicidade, já que “A observância do princípio da economicidade na aplicação de recursos públicos pode ser objeto de controle em processo de prestação de contas" e de "considerar irregular a despesa que tenha caráter antieconômico." (REsp nº 0601163–94.2018.6.12.0000, de 27/10/2020, Rel. Ministro Sérgio Banhos).
Quanto à doutrina majoritária aplicável à temática, não se conhece expoente que relativize a exigência de rigor no exame de comprovação dos gastos eleitorais pagos com recursos públicos recebidos pelo candidato e/ou partido político e de transparência na correta aplicação, com a apresentação de documentos idôneos à comprovação de todas as despesas realizadas e pagas, de forma que não cause embaraços nem dúvidas aos órgãos de fiscalização e controle (Justiça Eleitoral) e aos cidadãos quanto à conclusão pela regularidade das contas eleitorais. Por fim, exige-se do candidato uma transparência ativa, privilegiando a garantia do interesse coletivo no processo eleitoral.
Deixo de aplicar o disposto no art. 76, da Resolução TSE n. 23.607/2019, vez que as despesas consideradas irregulares representam 62,85% em relação ao total das despesas realizadas e pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), percentual que não abre espaço para a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade no caso em questão, haja vista o alto valor absoluto e a natureza da irregularidade apurada.
Ante o exposto, considerado o que dos autos consta, o pronunciamento técnico conclusivo e o parecer do Ministério Público Eleitoral, JULGO, para todos os efeitos, COMO PRESTADAS E DESAPROVADAS as contas apresentadas por GIANCARLO JOSETTI SANDIM, candidato ao cargo de Vereador pelo Município de Campo Grande/MS, pelo PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), nas Eleições Municipais de 2024, com fundamento no art. 30, III, da Lei n. 9.504/1997 e no art. 74, III, da Resolução TSE n. 23.607/2019 e DETERMINO o recolhimento ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), do montante de R$185.400,00 (cento e oitenta e cinco mil e quatrocentos reais), cujos gastos eleitorais não restaram devidamente comprovados pelo prestador de contas, configurando aplicação irregular de recursos públicos oriundos do FEFC (art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019).
Nos termos do artigo 31, § 10, da Resolução TSE n. 23.607/2019, o candidato poderá apresentar o comprovante de recolhimento do valor em qualquer fase da prestação de contas ou após o trânsito em julgado da sentença, devendo observar os procedimentos fixados na Resolução TSE n.º 23.709/2022.
Para a devolução dos valores supramencionados basta acessar a página do Tesouro Nacional pelo link: https://pagtesouro.tesouro.gov.br/portal-gru/#/pagamento-gru, observando-se os seguintes códigos para preenchimento: órgão arrecadador: 14000 – JUSTIÇA ELEITORAL - Unidade Gestora Arrecadadora: 070016 – TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MATO GROSSO DO SUL - Serviço: 019351 – FEFC – DEVOLUÇÃO ESPONTÂNEA OU RECOLHIMENTO.
Ressalto que o presente julgamento não afasta a possibilidade de apuração por outros órgãos quanto à prática de eventuais ilícitos antecedentes e/ou vinculados, verificados no curso de investigações em andamento ou futuras, inteligência extraída do art. 75, Resolução TSE n. 23.607/2019.
Dê-se ciência ao Ministério Público Eleitoral.
Após o trânsito em julgado, observadas as formalidades legais, com as anotações pertinentes nos sistemas informatizados desta Justiça Especializada, arquivem-se definitivamente.
P.R.I.
Campo Grande/MS, na data da assinatura digital.
Waldir Peixoto Barbosa
Juiz da 8ª Zona Eleitoral/MS
Assinado digitalmente