TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MATO GROSSO DO SUL
CARTÓRIO DA 052ª ZONA ELEITORAL DE PONTA PORÃ MS
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL nº 0600299-84.2024.6.12.0052
AUTOR: ANTONIO JOÃO NO CORAÇÃO DA GENTE [PDT/PRD/AVANTE/UNIÃO] - ANTÔNIO JOÃO - MS
ADVOGADO: HIGOR CARVALHO FLORENCIO - OAB/MS29841
ADVOGADO: GUILHERME CHADID GOMES - OAB/MS29397
ADVOGADO: DANILO DE LIMA ALVES - OAB/MS27208
ADVOGADO: LUIZ CLAUDIO NETO PALERMO - OAB/MS17139
REU: AGNALDO MARCELO DA SILVA OLIVEIRA
ADVOGADO: MARIA NILDA FIRMINO DE SOUZA - OAB/MS30132
ADVOGADO: RODRIGO ELDER LOPES BUENO - OAB/MS22815
REU: ELISEU FERNANDES BENITES
ADVOGADO: MARIA NILDA FIRMINO DE SOUZA - OAB/MS30132
ADVOGADO: RODRIGO ELDER LOPES BUENO - OAB/MS22815
SENTENÇA CONJUNTA
(Autos n. 0600299-84.2024.6.12.0052 e 0600504-16.2024.6.12.0052)
Vistos etc.
Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral movida por Coligação “Antônio João no Coração da Gente” em face de Coligação “Unidos por Antônio João”, Agnaldo Marcelo da Silva Oliveira (Prefeito do município de Antônio João/MS) e Eliseu Fernandes Benites (Vice-prefeito do município de Antônio João/MS), em que noticia o uso da máquina administrativa para distribuição gratuita de alimentos e contratação de empresa para locação de brinquedos para posterior realização de evento de Páscoa no município de Antônio João no ano de 2024, desequilibrando o pleito eleitoral. Arrolou testemunhas.
Informa que em evento de páscoa realizado na Praça Municipal Carolina Wider Penzo, na data de 31 de março de 2024, o Prefeito e Vice-Prefeito do Município de Antônio João realizaram a distribuição gratuita de alimentos, custeado com recursos públicos em afronta à vedação prevista no artigo 73, § 10º da Lei n. 9.504/97.
Noticia que além da distribuição de alimentos no evento foi contratada empresa para locação de brinquedos, conforme publicação no Diário Oficial da ASSOMASUL de 25/03/2024.
Pediu a procedência da ação, com reconhecimento da prática de conduta vedada, abuso de poder político e econômico, aplicação de multa aos investigados e consequente cassação do registro de candidatura ou diploma, bem como a decretação de inelegibilidade dos investigados pelo prazo de 8 (oito) anos.
Citados, os investigados apresentaram contestação (ID 122470516) e alegaram, que a autora utiliza o Poder Judiciário como manobra para pretensões políticas ao veicular narrativas em sua campanha na tentativa de iludir o eleitorado sobre processos em curso contra os investigados; arguiu a ilegitimidade passiva da Coligação para figurar no polo passivo da ação; pediu a extinção da ação uma vez que os fatos investigados na demanda já são objeto de um procedimento administrativo em trâmite perante a 1ª Promotoria da Comarca de Ponta Porã/MS (Número do MP: 01.2024.00002968-8) e outro perante o Ministério Público Eleitoral que atua na 52ª Zona Eleitoral de Ponta Porã/MS (Número do MP: 01.2024.00002724-6); alegou que evento em comemoração à Páscoa é realizado todos anos com previsão legal em orçamento, cujo projeto é idealizado pelas Secretarias de Educação e de Assistência Social, que não houve gasto de dinheiro público posto que realizado com doações da iniciativa privada; que os fatos ocorreram mais de 7 (sete) meses antes da eleição, fora do período eleitoral, antes da realização das convenções eleitorais e que o evento não teve “fins eleitoreiros”, uma vez que sequer se sabia quem seriam os candidatos à eleição majoritária; que o evento realizado em 31/03/2024 estava previsto no calendário de eventos da Prefeitura de Antônio João e não caracterizou um ato isolado com fim eleitoral; que não há provas de abuso do poder político ou econômico para captação ilícita de sufrágio; impugnou os documentos juntados pela autora; pediu a extinção do feito sem resolução de mérito ou alternativamente, a improcedência do pedido. Arrolou uma testemunha.
Proferida sentença de extinção do feito ante a ilegitimidade da parte ré Coligação “Unidos por Antônio João” para figurar no polo passivo da ação (ID 122632372).
Realizada audiência de instrução (ID 122774265) foram ouvidas a testemunha do autor Maria Luiza Guerreiro Morales, a testemunha dos investigados Lúcia Regina da Cruz Butkevicius e a testemunha do Ministério Público Eleitoral Edilene Rodrigues Muller Fernandes. Deferido o pedido da autora de juntada de documentos relativos ao procedimento licitatório com a empresa Piazito Recreações Ltda no valor de R$ 46.140,00 (quarenta e seis mil cento e quarenta reais) e a execução orçamentária do projeto.
A Prefeitura de Antônio João encaminhou os documentos requisitados pelo Juízo em audiência (ID 122798587 e anexos / ID 122799314 e anexo).
A autora apresentou alegações finais (ID 122805591) e reiterou os pedidos indicados na petição inicial, asseverou que a testemunha Lúcia confirmou sua participação no evento realizado pela Prefeitura, que soube do evento por um panfleto recebido por sua filha que frequenta escola do município e que em anos anteriores não houve festividade como ocorrida no ano eleitoral, que a testemunha Maria Luiza confirmou que o prefeito esteve no evento, que a testemunha Edilene, secretária de governo da Prefeitura, narrou que um doador de nome “Michel” apareceu neste ano para fornecer os brinquedos para as crianças no dia da Páscoa, o que motivou a realização do evento na praça para que houvesse concentração do evento em um só local, que foi disponibilizado transporte para moradores de outras localidades, que as guloseimas foram doações de particulares e que a Prefeitura disponibilizou apenas as máquinas de pipoca e algodão doce, que o convite para o evento foi realizado por meio das redes sociais e pelos professores da rede municipal de ensino. Alegou que restou evidente o caráter eleitoreiro da festividade, uma vez concentrado o evento em praça pública com distribuição de brinquedos e guloseimas para os habitantes do município, que o evento beneficiou os investigados e causou disparidade na eleição municipal de 2024; que restou comprovado o abuso de poder econômico em razão do alto valor despendido para a realização do evento e o abuso de poder político porque a festa foi custeada com recursos oriundos de doações, com abuso da força empresarial para o custeio do evento; que a eleição do município de Antônio João foi decidida nos anos de 2016 e 2020 com diferença de menos de 500 (quinhentos votos) e que a conduta descrita na inicial desequilibrou a disputa. Ao final, reiterou o pedido de aplicação de multa em seu valor máximo e cassação do registro ou diploma dos investigados, além da decretação de inelegibilidade dos investigados.
Por seu turno, a defesa apresentou alegações finais, reiterou os argumentos apresentados em sede de contestação, afirmou que as alegações da autora não condizem com a verdade dos fatos; que a ação deve ser extinta por já existirem procedimentos em trâmite perante o Ministério Público Estadual e Ministério Público Eleitoral para apuração dos mesmos fatos; que o evento trata de continuidade da administração pública e sua programação habitual com previsão legal em orçamento, que o projeto foi idealizado pelas Secretarias de Educação e de Assistência Social, que não houve gasto de dinheiro público porque o evento foi realizado com recursos da iniciativa privada; que os fatos apurados aconteceram antes do período eleitoral, 7 (sete) meses antes da eleição; que o evento realizado consta no calendário de eventos da prefeitura; que inobstante tenha havido publicação de licitação para locação de brinquedos para recreação, não houve nenhum gasto junto à empresa Piazito Recreações Ltda no ano de 2024; que o evento foi realizado em anos anteriores pela prefeitura e que neste ano foi realizado em só local para melhor aproveitamento das doações de particulares; que não houve pronunciamento ou fala dos investigados no evento que não teve conotação política e nem tinha como alvo o eleitorado da municipalidade, uma vez o público alvo eram as crianças; que não ficou comprovado o abuso de poder político ou econômico, tampouco foi afetada da normalidade ou a legitimidade do corrente pleito eleitoral, conforme se constata do resultado das Eleições 2024, considerada a proporção de votos recebidos; pediu a improcedência do pedido e, subsidiariamente apenas a aplicação de multa em seu valor mínimo.
Determinada a reunião com a Representação Especial n. 0600504-16.2024.6.12.0052 em virtude da ocorrência de conexão, nos termos do artigo 55, § 1º, do Código de Processo Civil, motivo pelo qual o julgamento das ações será conjunto.
Trasladada a decisão ID 122800678 proferida nos autos da Representação Especial n. 0600504-16.2024.6.12.0052 que determinou a conexão com os presentes autos (ID 123478214):
“Considerando que o presente processo é conexo com a Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 0600299-84.2024.6.12.0052 em trâmite perante este juízo, deverão ser reunidos para decisão conjunta por ocasião da prolação de sentença, nos termos do artigo 55, § 1º, do Código de Processo Civil.”
Na Representação Especial n. 0600504-16.2024.6.12.0052 movida pelo Ministério Público Eleitoral em face de Agnaldo Marcelo da Silva Oliveira, que versa sobre os mesmos fatos apurados na AIJE, o representante requereu a procedência do pedido para que seja reconhecida a prática de conduta vedada e aplicação da sanção prevista no § 4º do artigo 73 da Lei n. 9.504/97 (multa), sem prejuízo das sanções requeridas na AIJE n. 0600299-84.2024.6.12.0052.
Deferido o compartilhamento das provas produzidas na AIJE n. 0600299-84.2024.6.12.0052.
Citado, o representado Agnaldo apresentou defesa (ID 122855843) e invocou os mesmos argumentos explicitados em sua defesa apresentada na AIJE n. 0600299-84.2024.6.12.0052. Pugnou pela improcedência da representação.
Dispensadas as alegações finais na Representação Especial n. 0600504-16.2024.6.12.0052 (ID 122857725).
Instado, na AIJE n. 0600299-84.2024.6.12.0052 o Ministério Público Eleitoral manifestou-se pela procedência da ação em face de Agnaldo Marcelo da Silva Oliveira e pela improcedência da ação em relação ao investigado Eliseu Fernandes Benites (ID 122899208).
É o relatório.
Decido.
Inicialmente, registro que a Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 0600299-84.2024.6.12.0052 e a Representação Especial n. 0600504-16.2024.6.12.0052 são conexas, conforme decisão ID 122800678 proferida nos últimos autos, e que embora contenham pedidos diversos, serão julgadas conjuntamente, nos termos do artigo 4º, § 6º, da Resolução TSE n. 23.735/2024:
“Art. 4º As ações eleitorais relativas às condutas ilícitas mencionadas no art. 1º desta Resolução, quando versarem sobre o mesmo fato e forem propostas por partes diversas ou com capitulação jurídica distinta, poderão ser reunidas sob a mesma relatoria ou no mesmo juízo para julgamento conjunto (Lei nº 9.504/1997, art. 96-B).
§ 6º É válida a decisão fundamentada em provas que, mesmo não produzidas na primeira ação, instruam outra ação e permitam chegar a conclusão jurídica distinta sobre a matéria fática (Lei nº 9.504/1997, art. 96-B, § 3º).”
As regras estabelecidas pela legislação vigente, bem como os atos normativos que regulamentam a vedação de distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública no ano em que se realizar a eleição tem o escopo de evitar que a máquina administrativa seja utilizada para realização de atos de campanha eleitoral pelo gestor público em exercício de cargo eletivo em detrimento daqueles que não ocupam função pública, visando preservar a lisura do processo eleitoral e a igualdade entre os candidatos.
Acerca das condutas vedadas aos agentes públicos em campanhas eleitorais, dispõe a Lei 9.504/97:
Das Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanhas Eleitorais
"Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
(...)
§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. " (G.N.)
No mesmo sentido, a previsão do artigo 15, IX, da Resolução TSE n. 23.735/2024:
CAPÍTULO V
DAS CONDUTAS VEDADAS ÀS(AOS) AGENTES PÚBLICAS(OS)
Art. 15. São proibidas às agentes e aos agentes públicas(os), servidoras e servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre pessoas candidatas nos pleitos eleitorais (Lei nº 9.504/1997, art. 73, incisos I a VIII):
IX - no ano em que se realizar eleição, distribuir gratuitamente bens, valores ou benefícios da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, estado de emergência ou programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa (Lei nº 9.504/1997, art. 73, § 10).”
As questões em discussão são: (i) se houve a distribuição de bens, valores ou benefícios no evento de Páscoa promovido pela Prefeitura de Antônio João no ano eleitoral de 2024 que caracterize conduta vedada aos agentes públicos e (ii) se houve abuso de poder político e/ou econômico capaz de influenciar o pleito.
Inicialmente, não merece prosperar a tese da defesa de não cabimento de Ação de Investigação Judicial Eleitoral sobre fatos apurados na esfera administrativa pelo Ministério Público Estadual e pelo Ministério Público Eleitoral.
Com efeito, a jurisprudência do TSE já consagrou que o eixo da atuação desta Justiça especializada nos feitos cíveis–eleitorais, natureza jurídico–processual da AIJE, "é a garantia da regularidade do processo democrático, e não o reconhecimento e a sanção dos agentes de eventuais ilícitos administrativos e/ou criminais" (AIJE nº 194358/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 12.9.2018).
Nesse contexto, dada a independência entre as instâncias cível–eleitoral, administrativa e penal, verificados o interesse e a viabilidade na investigação dos fatos que instruem a causa de pedir da AIJE, esta pode perfeitamente se desenvolver em seara punitiva própria, motivo pelo qual afasto a tese defensiva preliminar.
No mérito, entendo que há procedência parcial do pedido, conforme a fundamentação subsequente.
O legislador delimitou expressamente a conduta vedada ao agente público consistente em distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública no ano em que se realizar a eleição, exceto nos casos de calamidade pública, estado de emergência ou programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.
Inclusive, a regulamentação da matéria pela Resolução TSE n. 23.735/2024, ou seja, norma editada no ano eleitoral de 2024, manteve a vedação distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios da Administração Pública, nos termos do artigo 15, IX, do ato normativo.
Do acervo probatório produzido nos autos, restou comprovada a ocorrência do evento em comemoração à Páscoa no ano de 2024 (31/03/2024), denominado Páscoa da Alegria, realizado na praça pública Carolina Wider Penzo, em Antônio João/MS, que contou com a presença do prefeito, ora investigado, Agnaldo Marcelo da Silva Oliveira, no qual houve a disponibilização de brinquedos para usufruto das crianças presentes bem como a distribuição gratuita de alimentos como cachorro-quente, chocolates e pipoca, conforme se constata dos documentos acostados sob os ID´s 122420783, 122420784, 122420786, 122420788 e 122420785 (autos n. 0600299-84.2024.6.12.0052) e ID´s 122798449, 122798450, 122798451, 122798452, 122798453, 122798454, 122798455, 122798456, 122798516, 122798517, 122798532, 122798534 e 122798535 (autos n. 0600504-16.2024.6.12.0052).
Apenas a título exemplificativo, colaciono algumas das imagens que instruíram a presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral e a Representação Especial conexa, divulgadas nas redes sociais do ora investigado Agnaldo Marcelo da Silva Oliveira, bem como nas redes sociais da Prefeitura de Antônio João, acostados pelos autores em suas petições iniciais:
ID 122798449 (autos n. 0600504-16.2024.6.12.0052):
ID 122798450 (autos n. 0600504-16.2024.6.12.0052):
ID 122420784 página 5 (autos n. 0600299-84.2024.6.12.0052):
ID 122420786 página 10 (autos n. 0600299-84.2024.6.12.0052):
ID 122798453 página 5 (autos n. 0600504-16.2024.6.12.0052):
Verifica-se, pois, o desrespeito à proibição prevista na legislação eleitoral.
Não se sustenta a tese defensiva de que a conduta não seria ilícita sob o argumento de que o evento ocorre há muitos anos e que a disponibilização dos brinquedos e da alimentação oferecida no evento, teriam sido doadas por particulares, uma vez que há precedentes do E. Tribunal Superior Eleitoral de que comemorações de datas festivas não configuram exceção à regra proibitiva, independentemente de financiamento com dinheiro público ou de particulares. Senão vejamos:
“Eleições 2016. [...] Art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/1997. Evento do dia das mães. Distribuição de benesses. [...] 3. A distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios pela administração pública é vedada no ano da eleição, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior. Art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/1997. 4. No caso, assentou a Corte Regional que a distribuição gratuita de bens no Dia das Mães não estava prevista em lei específica ou lei orçamentária. Ainda que se abstraia a necessidade de lei específica exigida no acórdão regional, não há como afastar a constatação de que a norma local apresentada – Lei Municipal n. 298/2010 – não contemplava datas comemorativas realizadas no período eleitoral. [...] 5. Esta Corte Superior já entendeu que a distribuição gratuita de bens a eleitores como comemoração do Dia das Mães em ano eleitoral, se não demonstrada a existência de uma das exceções legais, configura conduta vedada. [...].” (Ac. de 14/11/2024 no AgR-AREspE n. 35435, rel. Min. André Mendonça.) (grifei)
Ademais, no caso em tela, o denominado Projeto Cultural Intersetorial Celebrando a Páscoa, foi assinado em 08/03/2024 (ID 122470523), ou seja, dias antes de sua realização, inobstante o evento de comemoração da Páscoa esteja no Calendário anual de eventos da Prefeitura, conforme se verifica no ID 122470526, página 7.
Entendo, portanto, que não restam dúvidas quanto à caracterização da conduta vedada prevista no artigo 73, § 10, da Lei n. 9.504/97.
A Lei das Eleições veda expressa e objetivamente a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios pela Administração Pública em ano eleitoral, utilizando-se da máquina pública para angariar votos.
Neste sentido, a disposição do artigo 20, § 1º, da Resolução TSE n. 23.735/2024:
Art. 20. A configuração da conduta vedada prevista neste capítulo acarreta, sem prejuízo de outras sanções de caráter constitucional, cível, penal, administrativo ou disciplinar fixadas pela legislação vigente:
I - a suspensão do ato e de seus efeitos ou a confirmação da decisão liminar que tiver antecipado essa medida;
I - a aplicação de multa no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) a R$ 106.410,00 (cento e seis mil, quatrocentos e dez reais) à(ao) agente pública(o) responsável e à candidata, ao candidato, ao partido político, à federação ou à coligação beneficiária(o) da conduta (Lei nº 9.504/1997, art. 73, §§ 4º e 8º);
III - a cassação do registro ou diploma da candidata ou do candidato beneficiária(o) (Lei nº 9.504/1997, art. 73, § 5º); e
IV - a determinação de outras providências próprias à espécie, inclusive para a recomposição do erário se houver desvio de finalidade dos recursos públicos.
§1º As condutas de que trata o art. 15 desta Resolução são de configuração objetiva e consumam-se pela prática dos atos descritos, que, por presunção legal, tendem a afetar a isonomia entre as(os) candidatas(os), sendo desnecessário comprovar sua potencialidade lesiva.
Configurado, pois, o ilícito, resta o apenamento consistente na aplicação de multa aos investigados Agnaldo Marcelo da Silva Oliveira e Eliseu Fernandes Benites, diante da natureza objetiva da norma e da desnecessidade de comprovação da potencialidade lesiva do ato.
Contrariando o parecer ministerial, quanto ao investigado Eliseu Fernandes Benites, entendo que assim como o investigado Agnaldo Marcelo da Silva Oliveira, deve ser responsabilizado pela prática de conduta vedada, uma vez que ambos eram ocupantes dos cargos do executivo municipal na data dos fatos e posteriormente foram candidatos à reeleição no município de Antônio João.
De outro vértice, inobstante a comprovação nos autos da prática da conduta vedada prevista no artigo 73, § 10, da Lei das Eleições pelos investigados Agnaldo Marcelo da Silva Oliveira e Eliseu Fernandes Benites, não restou configurada a irreplicável gravidade das circunstâncias do ato ilícito para o comprometimento da normalidade e da legitimidade das eleições com fixação da multa no valor máximo ou aplicação da penalidade de cassação do registro ou diploma dos investigados, bem como a declaração de inelegibilidade pelo período de 8 (oito) anos.
Neste sentido, prevê o artigo 20, § 5º, da Resolução TSE n. 23.735/2024 que a cassação do registro ou diploma depende da comprovação de conduta dotada de gravidade qualitativa e quantitativa, o que não ocorreu no caso em tela.
Neste sentido, colaciono a jurisprudência sobre o tema: Para se caracterizar o abuso de poder, impõe-se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não mais se constitui fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, sendo agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento. À luz do princípio da reserva legal proporcional, nem todo ato ilícito reconhecido por esta Justiça Especializada será necessariamente abusivo e, por conseguinte, apenado com inelegibilidade e cassação do registro do mandato ou do diploma, sendo cabível impor sanções outras, a exemplo de suspensão imediata da conduta e de multa (Agravo Regimental No Recurso Especial Eleitoral 060053166/PI, Relator(a) Min. Benedito Gonçalves, Acórdão de 09/03/2023, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 49, data 24/03/2023). (grifei)
Assim, observado o juízo de proporcionalidade, entendo ser suficiente para proteger o bem jurídico tutelado pela norma a aplicação de multa aos autores da conduta vedada, in casu, os investigados Agnaldo Marcelo da Silva Oliveira e Eliseu Fernandes Benites, nos moldes dos §§ 4º e 8º do artigo 73 da Lei n. 9.504/97 e deixo de aplicar a sanção de cassação do registro ou diploma prevista no § 5º do artigo 73 da Lei n. 9.504/97, bem como a declaração de inelegibilidade por 8 (oito) anos.
Conforme precedentes do E. Tribunal Superior Eleitoral, a penalidade de multa prevista no artigo 73, § 4º da Lei nº 9.504/97, deve ser pautada pelo princípio da razoabilidade e da proporcionalidade.
Considerando a prova de distribuição gratuita de bens (brinquedos e alimentos), especialmente às crianças, no evento comemorativo da Páscoa no município de Antônio João no ano eleitoral de 2024, e, portanto, sua influência sobre o eleitorado, razoável que a multa seja estipulada em R$ 10.000,00 (dez mil reais) a cada um dos investigados (artigo 241 do Código Eleitoral c.c artigo 73, § 8º da Lei n. 9.504/97), eis que a sanção admite flutuação entre R$ 5.320,50 (cinco mil e trezentos e vinte reais e cinquenta centavos) e R$ 106.410,00 (cento e seis mil e quatrocentos e dez reais), nos termos do artigo 20, II e § 2º, da Resolução TSE n. 23.735/2024.
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido formulado na inicial da AIJE n. 0600299-84.2024.6.12.0052 e julgo procedente o pedido inicial da Representação Especial n. 0600504-16.2024.6.12.0052, extingo os processos, com julgamento de mérito, com fulcro no artigo 487, I, do Código de Processo Civil e condeno os investigados Agnaldo Marcelo da Silva Oliveira e Eliseu Fernandes Benites ao pagamento de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), cada um, por prática de conduta vedada, nos termos do artigo 73, § 10 da Lei n° 9.504/97 c/c artigo 20, II e § 2º da Resolução TSE n. 23.735/2024.
P.R.I.C.
Ciência ao Ministério Público Eleitoral.
Com o trânsito em julgado, arquivem-se com as cautelas de praxe.
Ponta Porã/MS, na data da assinatura eletrônica.
SABRINA ROCHA MARGARIDO JOÃO
Juíza Eleitoral – 52ª ZE Ponta Porã/MS
(datado e assinado eletronicamente)