JUSTIÇA ELEITORAL
050ª ZONA ELEITORAL DE CORUMBÁ MS
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0600454-93.2024.6.12.0050 / 050ª ZONA ELEITORAL DE CORUMBÁ MS
AUTOR: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
INVESTIGADA: GRACIELE ZORIO FRANCO, IRANIL DE LIMA SOARES
Advogado do(a) INVESTIGADA: LUCAS ZAIDAN ARAUJO - MS14562
Advogado do(a) INVESTIGADA: JOSEMAR PEREIRA TRAJANO DE SOUZA - MS17441
Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral que o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL ajuizou contra GRACIELE ZÓRIO FRANCO e IRANIL DE LIMA SOARES alegando, em síntese, que eles aproveitaram da influência política que detêm para desequilibrar a disputa eleitoral em prol da candidatura ao prefeito que apoiavam e da também representada, que concorreu ao cargo de vereadora. Sustentou que tal desequilíbrio ocorreu em razão de graves atos de assédio moral e represália a servidores públicos por meio de condutas vedadas pela Lei das Eleições em seu artigo 73.
Relatou que os representados Graciele e Iranil utilizaram-se de servidores públicos providos em cargos comissionados e em funções gratificadas para a execução de atos de campanha eleitoral em benefício próprio e de terceiro, com a retaliação a funcionários públicos opositores, o que configura abuso do poder político.
Afirmou que, conforme apurado nas investigações levadas a efeito no Inquérito Civil n. 06.2024.00000959-2 perante a Promotoria de Justiça do Patrimônio Público, durante o ano de 2024 os requeridos Graciele Zório Franco e Iranil de Lima Soares, no exercício dos cargos de Secretária Municipal de Assistência Social de Ladário e Prefeito Municipal de Ladário, respectivamente, compeliram servidores públicos providos em cargos comissionados e em funções gratificadas lotados na Assistência Social a realizar atos de campanha em prol dos candidatos Graciele Zório Franco (candidata a vereadora) e Luciano Cavalcante Jara (candidato a Prefeito).
Alegou que mesmo Graciele desvinculando-se do cargo público para concorrer ao cargo de vereadora no pleito eleitoral de 2024, ainda exercia total controle na Secretaria Municipal de Assistência Social mediante terceiros e exercia a influência sobre Iranil de Lima Soares, Prefeito Municipal, que chancelava a conduta nociva de Graciele.
Informou que aqueles que não atendiam aos comandos e metas de campanha fixadas por Graciele Zório Franco ou se opunham a prestar apoio político aos candidatos do Prefeito de Ladário sofriam retaliações, eram exonerados ou dispensados, além de tolhidos de adicionais/gratificações como, por exemplo, horas-extras. Narrou que prova disso foi a situação vivenciada por Rafaella Fernanda Sabetti Lengruber exposta perante o Ministério Público Estadual, a qual sofreu retaliação por não apoiar a candidata Graciele, sendo transferida de setor/lotação repetidas vezes, sem a atribuição de qualquer tarefa ou atividade (ócio), com corte de gratificações, tudo como punição.
Descreveu situações envolvendo Rafaela e Graciele em evidente perseguição política bem como que GRACIELE ZÓRIO FRANCO e IRANIL DE LIMA SOARES obrigaram os servidores públicos comissionados da Secretaria de Assistência Social a apoiar os candidatos da situação, no caso, Luciano Jará para prefeito e Graciele para vereadora, além de obrigar a trabalharem nos atos de campanha. Ressaltou que os representados tinham o entendimento de que era desnecessário o pagamento de pessoas para a atuação de cabos eleitorais porque os servidores públicos comissionados e em função gratificada tinham esse compromisso.
Discorreu sobre o direito incidente e, ao final pugnou pela procedência da representação para o fim de que os representados sejam apenados com a sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos oito anos subsequentes à eleição em que se verificaram os abusos acima narrados, bem como à representada a pena de cassação de seu registro (diploma ou mandato), nos termos do art. 22, inciso XIV, da Lei Complementar n. 64/90. Juntou documentos.
Despacho inicial determinou a citação dos representados.
Citado, IRANIL DE LIMA SOARES apresentou defesa e não arguiu preliminares. No mérito, alegou, em suma, que sempre garantiu plena liberdade aos servidores sob sua gestão, assegurando que cada voto fosse uma expressão livre e consciente de cada cidadão bem como que jamais instrumentalizou servidores para fins eleitorais, respeitando, em todas as circunstâncias, as normas eleitorais vigentes. Defendeu a ausência de abuso de poder político, a inexistência de assédio moral e o direito à liberdade de voto dos servidores. Sustentou ausência de prova quanto a utilização de servidores para fins eleitorais e a legalidade das condutas administrativas. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos iniciais. Juntou procuração e documentos.
Após citação, GRACIELE ZÓRIO FRANCO apresentou contestação e não suscitou questões preliminares. No mérito, disse que sempre respeitou rigorosamente os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, que regem a administração pública e jamais implementou qualquer política que visasse coagir ou constranger servidores públicos no exercício de suas funções ou em suas escolhas políticas pessoais. Defendeu que jamais instrumentalizou servidores para fins eleitorais, respeitando as normas eleitorais vigentes. Informou inexistir violação ao disposto na Lei Complementar n. 64/90 e alegou ausência de abuso de poder político, inexistência de assédio moral e ausência de provas quanto a utilização de servidores para fins eleitorais. Por fim, requereu a improcedência dos pedidos. Juntou procuração e documentos.
Decisão deferiu as provas e designou audiência de instrução, oportunidade em que foram colhidos os depoimentos dos investigados e das testemunhas oportunamente arroladas. Ao final, a parte autora apresentou suas alegações finais orais, pela procedência da ação.
Sobrevieram aos autos as alegações finais de IRANIL DE LIMA SOARES e por GRACIELE ZÓRIO FRANCO.
É o relatório. Decido.
A Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) tem como finalidade garantir a lisura e legitimidade do processo eleitoral, prevenindo e reprimindo abusos e irregularidades que possam comprometer a normalidade e a igualdade da disputa. Essa ação é regulamentada pelo artigo 22 da Lei Complementar nº 64/1990, in verbis:
Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (Vide Lei nº 9.504, de 1997)
I - o Corregedor, que terá as mesmas atribuições do Relator em processos judiciais, ao despachar a inicial, adotará as seguintes providências:
a) ordenará que se notifique o representado do conteúdo da petição, entregando-se-lhe a segunda via apresentada pelo representante com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 5 (cinco) dias, ofereça ampla defesa, juntada de documentos e rol de testemunhas, se cabível;
b) determinará que se suspenda o ato que deu motivo à representação, quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficiência da medida, caso seja julgada procedente;
c) indeferirá desde logo a inicial, quando não for caso de representação ou lhe faltar algum requisito desta lei complementar;
II - no caso do Corregedor indeferir a reclamação ou representação, ou retardar-lhe a solução, poderá o interessado renová-la perante o Tribunal, que resolverá dentro de 24 (vinte e quatro) horas;
III - o interessado, quando for atendido ou ocorrer demora, poderá levar o fato ao conhecimento do Tribunal Superior Eleitoral, a fim de que sejam tomadas as providências necessárias;
IV - feita a notificação, a Secretaria do Tribunal juntará aos autos cópia autêntica do ofício endereçado ao representado, bem como a prova da entrega ou da sua recusa em aceitá-la ou dar recibo;
V - findo o prazo da notificação, com ou sem defesa, abrir-se-á prazo de 5 (cinco) dias para inquirição, em uma só assentada, de testemunhas arroladas pelo representante e pelo representado, até o máximo de 6 (seis) para cada um, as quais comparecerão independentemente de intimação;
VI - nos 3 (três) dias subseqüentes, o Corregedor procederá a todas as diligências que determinar, ex officio ou a requerimento das partes;
VII - no prazo da alínea anterior, o Corregedor poderá ouvir terceiros, referidos pelas partes, ou testemunhas, como conhecedores dos fatos e circunstâncias que possam influir na decisão do feito;
VIII - quando qualquer documento necessário à formação da prova se achar em poder de terceiro, inclusive estabelecimento de crédito, oficial ou privado, o Corregedor poderá, ainda, no mesmo prazo, ordenar o respectivo depósito ou requisitar cópias;
IX - se o terceiro, sem justa causa, não exibir o documento, ou não comparecer a juízo, o Juiz poderá expedir contra ele mandado de prisão e instaurar processo s por crime de desobediência;
X - encerrado o prazo da dilação probatória, as partes, inclusive o Ministério Público, poderão apresentar alegações no prazo comum de 2 (dois) dias;
XI - terminado o prazo para alegações, os autos serão conclusos ao Corregedor, no dia imediato, para apresentação de relatório conclusivo sobre o que houver sido apurado;
XII - o relatório do Corregedor, que será assentado em 3 (três) dias, e os autos da representação serão encaminhados ao Tribunal competente, no dia imediato, com pedido de inclusão incontinenti do feito em pauta, para julgamento na primeira sessão subseqüente;
XIII - no Tribunal, o Procurador-Geral ou Regional Eleitoral terá vista dos autos por 48 (quarenta e oito) horas, para se pronunciar sobre as imputações e conclusões do Relatório;
XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
(Revogado pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
Parágrafo único. O recurso contra a diplomação, interposto pelo representante, não impede a atuação do Ministério Público no mesmo sentido.
Consoante a firme jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, a procedência de uma AIJE exige prova robusta, inequívoca e convincente, não apenas da ocorrência do fato, mas da sua gravidade qualificada, apta a comprometer a legitimidade e a normalidade do pleito eleitoral. Nesse sentido, destaca-se:
"Para fins de julgamento da AIJE, é imprescindível a prática de abusos com gravidade suficiente para malferir os bens jurídicos tutelados pelas normas eleitorais que a regulamentam, em especial a legitimidade e normalidade das eleições. Além disso, para a configuração do abuso dos poderes político e econômico, a firme jurisprudência desta Corte Superior entende que há a necessidade da existência de prova contundente, inviabilizada qualquer pretensão com respaldo em conjecturas e presunções." (TSE, AgR-RO-El n. 060165936, rel. Min. André Mendonça, julgado em 19.09.2024).
Sobre o abuso de poder político, especificamente, o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é no sentido de que "para se caracterizar o abuso de poder, impõe-se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo)" (AIJE n. 060182324/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe n. 187, Data 26/09/2019). No mesmo sentido, colhem-se os seguintes julgados:
[...] o abuso do poder político se caracteriza quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade e a legitimidade da disputa eleitoral em benefício de sua candidatura ou de terceiros. Esse ilícito também decorre da utilização da estrutura da administração pública para beneficiar determinada candidatura ou, ainda, como forma de prejudicar eventuais adversários” (REspEl n. 40898/SC, Rel. Min. Edson Fachin, DJe n. 150, de 06/08/2019, p. 71/72; RO n. 763425/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Rel. Designado Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe n. 92, de 17/05/2019, p. 16-17).
[...] o abuso de poder político configura-se quando a normalidade e a legitimidade do pleito são comprometidas por atos de agentes públicos que, valendo-se de sua condição funcional, beneficiam candidaturas em manifesto desvio de finalidade"(TSE, RO-El 0603975-98.2018.6.16.0000/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 10/12/2021)
O abuso do poder político se caracteriza, assim, quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade e a legitimidade da disputa eleitoral em benefício de sua candidatura ou de terceiros. Outrossim, o fim maior de se vedar o abuso do poder político é proteger a legitimidade do pleito e a normalidade das eleições, a tentativa de burlar esse processo eleitoral legítimo, valendo-se de função que ocupa, por si só, já é suficiente para caracterizar o abuso, não sendo necessário aferir sua repercussão diante da dimensão numérica do colégio eleitoral. Tal abuso se mostra como conceito jurídico indeterminado, e, assim, para que reste caracterizado, prescinde-se do fenômeno da taxatividade ou da subsunção.
No presente caso, o abuso restou caracterizado notadamente diante dos relatos colhidos em audiência, os quais corroboram as provas indiciárias colhidas pelo Ministério Público Eleitoral, conforme se abordará de forma mais detalhada adiante.
Já no que atine ao apontado assédio moral, cediço que é considerado como "uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras". A prática do assédio moral é aquela "caracterizada pela repetição de gestos, palavras e comportamentos que pode até ensejar uma indenização por danos morais, mas não se confunde com a prática do assédio moral".
Da mesma forma, conforme palavras de Sônia Mascaro Nascimento, os atos do empregador como "mudança de função, avaliações de desempenho, imposição de metas, cobranças e críticas ao trabalho, se realizadas de modo objetivo e respeitoso, são legítimas manifestações do poder diretivo do empregador e, por isso, não configurariam assédio moral".
No caso, a parte a autora afirma que os representados praticavam assédio moral contra os servidores, obrigando-os “a apoiar os candidatos da situação, no caso, Luciano Jara para prefeito e Graciele para vereadora, bem como a trabalharem nos atos de campanha”.
As testemunhas ouvidas em audiência confirmaram que havia perseguição dos servidores que não aderiram ao apoio em campanha e sofriam retaliações, como mudança de lotação sem justificativa, corte no pagamento de gratificações e até mesmo exoneração dos cargos em comissão durante período de afastamentos e licença médica.
Destaca-se o relato da testemunha Rafaela Lengruber:
Eu estava na época como coordenadora do Cras. Antes eu estava no acolhimento, depois fui para coordenação do Cras. Eu fiquei pouco mais de 6 meses, salvo engano, na coordenação do Cras. Logo após fui remanejada para a assistência social para ajudar a FL que na época era superintendente, com o intuito de que trabalhasse até uma hora para posterior a isso, ajudar na campanha da Graciele. Quando cheguei na assistência, quem estava como secretária de assistência social, quem tinha acabado de entrar era a Luciane. E a partir de então eu comecei uma proximidade com a Luciane, porque eu já a tinha trabalhado com ela no Cras em 2019, quando eu também fui coordenadora do Cras e ela era assistente social. Houve alguns desentendimentos meu com a Graciele por ela não aceitar essa proximidade minha com a com a Lu com a Luciane. Eles começaram a pressionar muito a gente a questão da campanha, que teríamos que sair do expediente, que muitas das vezes nós não saíamos uma hora porque a demanda da assistência é muito grande. Então, por diversas vezes, nós ficávamos à tarde também na assistência, então teria que sair da assistência para ir direto para fazer a campanha. E eu não aceitei porque eu tenho uma família, tenho um filho e eu não conseguia sair do meu serviço para poder ir para a rua e não atender minha família. E aí também eles começaram a desconfiar porque eu não postava nada do até então candidato a prefeito Luciano Jara, eles começaram a desconfiar que eu, entre aspas, seria da oposição. E aí, eles, o senhor Iranil, na época prefeito, chamou a Luciane. Isso ela me repassou e pediu para que eu retornasse para o Cras. E na época ela o questionou, ela disse para mim, só que ele falou assim que não, que eu iria voltar pro Cras e que a coordenação do Cras deveria verificar o que eu faria. Isso era uma sexta-feira. No sábado teve um adesivaço do Luciano Jara na 14 de março e lá estava presente o até então o prefeito Iranil. E ele chamou a Luciane novamente e disse que não, que não era para me mandar pro Cras, era para me mandar pro Creias. Eu fui para o Creias na segunda-feira. Na segunda-feira eu fui para o Creias, como todos já estavam com seus cargos ocupados, não tinha nem nada para eu fazer, nem mesmo limpar um chão, porque já tinha quem limpava chão, sendo que nem é meu cargo. Mas enfim. E eu fiquei sentada, acho que foram oito dias numa cadeira na recepção, de frente para o administrativo, porque já tinha administrativo na época. Eu fiquei oito dias na parte da manhã e na parte da tarde. Passou esse período de oito dias, se eu não me engano, a atual secretária, que não era mais a Luciene, que já tinha sido mandado embora, que era no que na época era Alessandra, chegou com um remanejamento para mim para o Conselho Tutelar. Na época eu nem questionei, apenas fui. Chegando lá, eu era para ficar no administrativo também, não tinha computador, não tinha cadeira. Eu me sentava numa cadeira de plástico branca, quebrada normal, não tinha nenhum ventilador, que o ventilador estava quebrado e eu tinha que ficar ali de manhã e à tarde. Foi quando eu fui para uma consulta médica e aí fui encaminhada para o psiquiatra porque eu já estava tendo, eu já tive problema de ansiedade, estava retornando meus problemas. Foi me dado um atestado de 30 dias. Eu passei pela perícia, o médico perito atestou, tirei o atestado, 30 dias, quando retornei do atestado e tinha passado as eleições, foi aberto um PAD contra mim, contestando meu atestado.
[...] se eu apoiasse o Luciano e postasse as publicações da campanha não seria mexido no meu salário.
[...] assistência para me perguntando assim: 'Por que que o meu carro está adesivado com o com o adesivo do candidato de Corumbá?' Eu falei que o carro era do meu marido e ele estava trabalhando para esse candidato e ele adesivava o carro. conforme ele quisesse, porque o carro não era meu. E aí ele perguntou: 'Mas esse candidato, ele te ajudou mais do que eu te ajudo? eu respondi a ele, o senhor não me ajuda em nada. Eu trabalho, né? Eu faço juízo ao que eu recebo e trabalho muito por sinal.
[...] quando fui encaminhada para o Conselho Tutelar, fiquei lá na parte da recepção. Não tinha computador, eu não tinha uma cadeira decente para sentar, era uma cadeira branca de plástico quebrada, não tinha ventilador nem ar condicionado. O ventilador estava quebrado, não funcionava, não tinha nem as hélices. Era um ventilador de teto, assim que eu me recordo. E eu lembro que essa época estava bem quente. E os conselheiros tutelares, quando não estavam em atendimento, me permitiam que eu ficasse na sala deles, porque eles ficavam com pena de eu ficar lá no calor e enquanto não tivesse atendimento, eles me deixavam ficar na sala deles. Aí quando chegava algum atendimento eu me retirava.
O relato de Rafaela evidencia graves condutas perpetradas pelos representados que caracterizam o abuso de poder político. Embora o assédio moral seja um câncer em qualquer organização, pública ou privada, no presente caso ele foi exercido com finalidade específica, de cunho eleitoral, pois o objetivo dos representados era angariar apoiadores políticos e se utilizavam da máquina pública para tanto. Rafala se desentendeu com os representados e, por isso, passou a sofrer retaliações, para as quais os representados igualmente se valiam da estrutura pública do município de Ladário e da função que ocupavam.
No mesmo sentido, de sofrer retaliações por parte dos representados foi o depoimento da testemunha Raquel Maciel Tinoco, que, ao ser questionada sobre eventual retaliação política, assim relatou:
Eu acredito porque até mesmo no grupo de whatsapp lá no grupo da campanha da candidata, houve alguns questionamentos sobre as minhas participações, porque que eu não estava indo em passeata, em carreata, em reuniões. Logo após a eleição, retiraram a gratificação, sendo que eu estava de licença à maternidade. Acredito eu, pelo pouco, né, que eu entendo da parte de direito, de forma equivocada, porque se eu entrei de licença à maternidade recebendo x valor, eu deveria continuar recebendo até o final, né, da minha licença. Foi retirado, não foi comunicado, né? existe uma retirada de gratificações das pessoas, fim de gestão. Mas não era o caso. Todas as outras pessoas continuaram recebendo a mesma coisa, só o meu que foi retirado, né, da minha equipe porque todo mundo estava trabalhando lá na campanha e eu não.
[...] consta também que houve algumas exonerações, né, na semana após as eleições, inclusive Flávia, que foi exonerada de férias, ela inclusive estava de férias. É isso, Foi no domingo a eleição, acho que na quarta-feira já saiu uma lista de exoneração e foram exatamente as pessoas que não trabalharam para eles na campanha. Frank, Flávia, que não foram fazer campanha, por exemplo, estavam nessa lista.
[...] a gratificação de dedicação exclusiva, quando ela é retirada, ela tem que ser informada, até porque se você não vai precisar se dedicar exclusivamente à ela função ou aquela empresa. Eles têm que te informar para que você possa fazer outras coisas, exercer outras funções ou trabalhar para outras empresas. Então, eu até questionei isso na época, porque foi retirado e não me foi informado. Eu só soube quando caiu meu pagamento mesmo.
No mesmo sentido, de represálias caso não participassem da campanha política em favor dos representados, é o depoimento das demais testemunhas.
A testemunha Pedro dos Santos relatou que é servidor efetivo e que, quando mencionou que apoiava o candidato Munir, “eles já me tesouraram em tudo. Já, foi retaliação.” Disse ainda que Graciele falava que “ou você me apoia ou senão tiro você, corte sua gratificação, quem não é efetivo e eu mando embora”.
A testemunha Kamila Regina informou que “por ser comissionado e ganhar dedicação exclusiva era uma obrigação trabalhar na campanha, então, como pelo fato de estar dando a gratificação tínhamos a obrigação de trabalhar na campanha após o horário do expediente, e quem não fosse ou não participava, ficava, ficava receoso de algum tipo de retaliação ou perseguição. Tiveram várias exonerações, a minha inclusive”.
As testemunhas Frankinei Velasquez e Flavia de Paula deram depoimentos semelhantes aos já mencionados, no sentido que eram forçados a trabalhar na campanha em prol dos candidatos e que, diante de negativas, sofriam retaliações, tendo vários colegas que não participaram sido exonerados dos cargos comissionados que ocupavam ou tiveram suas gratificações cortadas.
Iranil e Graciele, quando das suas oitivas, apenas negaram os fatos e reafirmaram a tese de que não houve troca de favores ou retaliação de servidores e que os cortes nas gratificações foram para os servidores de toda a Secretaria, de maneira indistinta e que era o que ocorria quando havia troca de gestores.
Denota-se, no presente caso, que houve conduta abusiva por parte dos representados no sentido de expor a servidora Rafaela e ao servidor Pedro a situações humilhantes. No caso de Rafaela, sucessivas transferências de setores bem como deixá-la sem atribuições, sentada em uma cadeira plástica comum o dia todo, sem nada a fazer ou varrendo a calçada, como relatado pela testemunha Frankinei. Também foi o caso do servidor Pedro que teve suas gratificações cortadas por expor sua posição política de apoiar candidato diverso.
Outrossim, as demais testemunhas confirmaram que eram coagidas a trabalhar na campanha do candidato a prefeito Luciano Jara e da representada Graciele, de forma não espontânea, evidenciando o uso da máquina pública em prol da eleição dos candidatos, com ameaça de corte de gratificações e mudança de lotação, em evidente abuso de poder.
Cediço que o abuso de poder não pode ser presumido, fazendo-se necessário um acervo probatório robusto que demonstre de forma segura e inconteste, a correlação entre os fatos com o intuito de angariar apoio político e cooptar votos, o que se extrai dos autos. Nesse sentido, colhem-se os seguintes julgados:
RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. PRELIMINARES DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA E DE JULGAMENTO EXTRA PETITA REJEITADAS. CONDUTA VEDADA ART. 73, V, DA LEI 9.504/97. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI Nº 9.504/97. COMINAÇÃO DE MULTA. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. ART. 22, XIV, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90. DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. NEGADO PROVIMENTO. 1. O prazo para alegações finais, previsto no art. 22, X, da Lei Complementar n. 64/90, é comum às partes, não subsistindo, portanto, a alegada violação ao contraditório e a ampla defesa em razão da ausência de vista das alegações finais do Ministério Público. Preliminar de nulidade da sentença por cerceamento de defesa rejeitada. 2. A readequação da capitulação legal pelo julgador, com a extração das consequências correlatas advindas desse procedimento, além de decorrer dos princípios do iura novit curia e do mihi factum dabo tibi ius, encontra fundamento no enunciado da Súmula TSE n. 62, não subsistindo, pois, o alegado julgamento extra petita. 3. Conforme dispõe o art. 219 do Código Eleitoral, na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo-se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo. Ou seja, no sistema de nulidade vigora o princípio pas de nuliité sans grief, segundo o qual somente se proclama a nulidade de um ato processual quando houver efetivo prejuízo à parte devidamente demonstrado o que no caso, não ocorreu. 4. Em recente viragem jurisprudencial o Tribunal Superior Eleitoral concluiu inexistir cumulatividade entre as sanções derivadas da representação por captação ilícita de sufrágio, de modo que a extinção dos mandatos não obsta que o representante persiga a penalidade de aplicação de multa, remanescendo o objeto da ação e, por conseguinte, o interesse processual da representação para fins de aplicação de multa por infração ao art. 41-A da lei nº 9.504/97, ainda que inviável a cassação de registro ou diploma. (REspEl nº 133324, Ac. de 16 .12.2021, rel. Min. Mauro Campbell Marques) 5. O art. 9, II, da Lei nº 8.745/93 dispõe que o pessoal contratado por tempo determinado não poderá ser nomeado ou designado, ainda que a título precário ou em substituição, para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança, assim como no art. 21, § 1º, da Lei Complementar Estadual nº 87/2000 que veda a designação de professor convocado para o exercício de função gratificada, não se enquadrando, portanto, a exoneração dos servidores temporários praticada pelos Recorrentes na exceção do art. 73, V, a, da Lei nº 9.504/97. 6. Não obstante a necessidade de se observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na aplicação das sanções decorrentes da prática de condutas vedadas (art. 73, §§ 4º e 5º, da Lei 9.504/97), verifico que a aplicação da multa foi suficientemente fundamentada com a exposição dos motivos que levaram a sua fixação no patamar arbitrado, tendo em vista a gravidade e as circunstâncias das condutas praticadas pelos Recorrentes em prejuízo de diversos servidores temporários, situação que caracteriza a alta vulnerabilidade desses servidores, por serem demissíveis ad nutum, mostrando-se proporcional e razoável à reprovação das condutas, a fixação da multa no quantum arbitrado pelo Juízo de primeira instância, a qual deve ser mantida 7. No caso em exame, restou plenamente demonstrado que o vereador Recorrente, com consciência e vontade, procedeu, ainda que por interpostas pessoas, a oferta de benesses com o fim de obter-lhes os votos, praticando, assim, captação ilícita de sufrágio, incorrendo na sanção de multa prevista no art. 41-A, da Lei n . 9.504/97. 8. Não houve recurso quanto a imputação de abuso de abuso de poder político entrelaçado com abuso de poder econômico, com a cominação de sanção de inelegibilidade, com arrimo no art. 22, inciso XIV, da LC n. 64/1990, sendo a matéria atingida pela preclusão (art. 507 do Código de Processo Civil) 9. Manutenção da sentença. 10. Recurso não provido. (TRE-MS - RE: 000051669 Anastácio/MS 000051669, Relator.: DANIEL CASTRO GOMES DA COSTA, Data de Julgamento: 08/09/2022, Data de Publicação: DJE - Diário da Justiça Eleitoral, Tomo 187). Eleições 2016 (TRE-SP - RE: 0000002-82.2017.6.26 .0214 ZACARIAS - SP 282, Relator.: Nelton Agnaldo Moraes dos Santos, Data de Julgamento: 05/04/2019, Data de Publicação: DJESP - 72 Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, data 24/04/2019, pag. 54/55)
Tem-se, assim, que os elementos probatórios dos autos comprovam que havia uma reiterada conduta abusiva dos representados com a finalidade de troca de favores, e tinha o intuito de apoiar os candidatos Luciano Jara e Graciele, com aplicação de retaliação e constrangimentos públicos voltada, individualmente, aos servidores que não cumpriam as ordens emanadas ou daqueles servidores que declaradamente apoiavam outros candidatos, na época das eleições Municipais de Ladário/MS em 2024, a ponto de configurar o assédio moral e abuso de poder político para fins eleitorais.
Deve-se regitrar, por fim, a coragem dos servidores ao tornarem pública tal ilegalidade, de modo a viabilizar a atuação da justiça eleitoral. A lisura do processo eleitoral e das instituições públicas depende da atuação ética e colaborativa de todos os envolvidos no processo.
Ante o exposto, com fundamento no artigo 22 da Lei Complementar n. 64/90, JULGO PROCEDENTE a presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral e CONDENO os representados IRANIL DE LIMA SOARES e GRACIELE ZÓRIO FRANCO com a aplicação da sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos oito anos subsequentes à eleição em que verificaram os abusos narrados – Eleições do Município de Ladário/MS 2024 – bem como CONDENO a representada GRACIELE ZÓRIO FRANCO à cassação do registro de candidatura, nos termos do artigo 22, §14, da Lei Complementar n. 64/90.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Ladário, data da assinatura eletrônica.
Luiza Vieira Sá de Figueiredo
Juíza Eleitoral