TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE MATO GROSSO DO SUL
CARTÓRIO DA 038ª ZONA ELEITORAL DE COSTA RICA MS

 

PETIÇÃO CÍVEL n.º 0600011-81.2024.6.12.0038

REQUERENTE: PARTIDO PROGRESSISTA - COMISSAO PROVISORIA MUNICIPAL

Advogado do(a) REQUERENTE: KLEBER ROGERIO FURTADO COELHO - MS17471

REQUERIDO: WALDELI DOS SANTOS ROSA, MATHEUS DA SILVA VAZ

Advogado do(a) REQUERIDO: MARCIO RICARDO GARDIANO RODRIGUES - MS7527
Advogado do(a) REQUERIDO: NATHIELLY DA SILVA COSTA - MS24834

 

SENTENÇA

 

Vistos.

A Comissão Provisória do Partido Progressista (PP) de Costa Rica/MS, representada por Jesus Queiroz Baird, ajuizou representação por propaganda eleitoral antecipada (Deep Fake) em face de Waldeli dos Santos Rosa e Matheus da Silva Vaz, ambos qualificados nos autos. Historiou que o primeiro requerido é sócio proprietário do Grupo Paraná, formado por diversas empresas, sendo público e notório que se apresenta como pré-candidato ao cargo de Prefeito nas eleições deste ano, inclusive sendo condenado por este juízo por propaganda antecipada, ao passo que o segundo requerido é colaborador dele, ocupando a função de gerente do Supermercado Paraná. Ressaltou que o segundo requerido, valendo-se de inteligência artificial (IA), mediante Deep Fake, manipulou um vídeo em que mostra o atual Prefeito Cleverson Alves dos Santos, filiado ao PP, e também pré-candidato, cuja fala compara a população de Costa Rica a cachorros, conteúdo falso, com o propósito de atingir a imagem do rival e, consequentemente, favorecer o primeiro requerido. Disse que o vídeo manipulado foi compartilhado em grupo de Whatsapp denominado Bar e Mercearia do Okaida”, do qual o primeiro requerido é participante, utilizando-se de seu colaborador como longa manus para o malfeito. Sustentou que a conduta é ilícita e merece a censura legal, conforme art. 9º-C da Res. TSE 23.732/24. Postulou, liminarmente, em tutela provisória de urgência, ordem para imediata cessação de veiculação do vídeo, e ao final, sejam os requeridos condenados à retratação pública e ao pagamento de multa. Instruiu a inicial com documentos.

O requerido Waldeli dos Santos Rosa, devidamente citado, apresentou contestação (ID 122177616) alegando, não ter sido o agente responsável pela propagação do áudio. Ademais, a presunção de inocência militaria em seu favor, por não haver provas de seu envolvimento com os fatos. Por fim, defendeu que o vídeo em questão não se enquadraria como deepfake.

O requerido Matheus da Silva Vaz foi devidamente citada e apresentou contestação (ID 122177353), argumentou sobre a ausência de provas da autoria, tendo em vista que não haveria provas concretas de que o remetente da mensagem de whatsapp seria realmente o requerido. Ademais, aduziu que não haveria propaganda eleitoral antecipada, notadamente porque o áudio sobreposto ao vídeo seria verdadeiro, trazendo palavras realimente proferidas pelo atual prefeito Cleverson.

O Ministério Público apresentou parecer (ID 122183729), manifestando-se pela procedência da representação, e aplicação das sanções previstas nos art. 36, §3º, da Lei Federal 9.50/97 e do art. 28, §5º, da Resolução n. 23.610/2019 do TSE para ambos os representados. 

É o relatório. Fundamento e decido. 

As resoluções do TSE, que já proibiam e cominavam sanções para divulgação de conteúdos inverídicos ou inidôneos (fakes), recentemente, passaram a contemplar também a vedação ao uso de inteligência artificial (AI) para criar e propagar conteúdos falsos com repercussão nas eleições. Embora as regras sejam voltadas ao período de propaganda eleitoral (que se inicia a partir de 16 de agosto), é certo que também se aplicam para situações de propaganda antecipada.

Nessa toada, os arts. 9º-B e 9º-C da Res. TSE n. 23610/19, introduzidos pela Res. TSE n. 23.732/24, dão a tônica sobre o tratamento do assunto em relação a utilização da inteligência artificial e à manipulação de conteúdo multimídia:

Art. 9º-B. A utilização na propaganda eleitoral, em qualquer modalidade, de conteúdo sintético multimídia gerado por meio de inteligência artificial para criar, substituir, omitir, mesclar ou alterar a velocidade ou sobrepor imagens ou sons impõe ao responsável pela propaganda o dever de informar, de modo explícito, destacado e acessível que o conteúdo foi fabricado ou manipulado e a tecnologia utilizada.

§ 1º. As informações mencionadas no caput deste artigo devem ser feitas em formato compatível com o tipo de veiculação e serem apresentadas:

I – no início das peças ou da comunicação feitas por áudio;

II – por rótulo (marca d’água) e na audiodescrição, nas peças que consistam em imagens estáticas;

III – na forma dos incisos I e II desse parágrafo, nas peças ou comunicações feitas por vídeo ou áudio e vídeo;

IV – em cada página ou face de material impresso em que utilizado o conteúdo produzido por inteligência artificial.

§ 2º. O disposto no caput e no §1º deste artigo não se aplica:

I - aos ajustes destinados a melhorar a qualidade de imagem ou de som;

II - à produção de elementos gráficos de identidade visual, vinhetas e logomarcas;

III - a recursos de marketing de uso costumeiro em campanhas, como a montagem de imagens em que pessoas candidatas e apoiadoras aparentam figurar em registro fotográfico único utilizado na confecção de material impresso e digital de propaganda.

§ 3º. O uso de chatbots, avatares e conteúdos sintéticos como artifício para intermediar a comunicação de campanha com pessoas naturais submete-se ao disposto no caput deste artigo, vedada qualquer simulação de interlocução com a pessoa candidata ou outra pessoa real.

§ 4º. O descumprimento das regras previstas no caput e no § 3º deste artigo impõe a imediata remoção do conteúdo ou indisponibilidade do serviço de comunicação, por iniciativa do provedor de aplicação ou determinação judicial, sem prejuízo de apuração nos termos do § 2º do art. 9º-C desta Resolução.

Art. 9º-C. É vedada a utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral.

§ 1º. É proibido o usopara prejudicar ou para favorecer candidatura, de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deep fake).

§ 2º. O descumprimento do previsto no caput e no § 1º deste artigo configura abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, acarretando a cassação do registro ou do mandato, e impõe apuração das responsabilidades nos termos do § 1º do art. 323 do Código Eleitoral, sem prejuízo de aplicação de outras medidas cabíveis quanto à irregularidade da propaganda e à ilicitude do conteúdo”. (grifei)

Observa-se que no caso em análise o vídeo (mov. 122175474) compartilhado pelo segundo requerido (Matheus da Silva Vaz) no grupo de Whatsapp denominado “Bar e Mercearia do Okaida”, contempla conteúdo sintético em formato audiovisual, manipulado digitalmente, com substituição da voz e da mensagem emitida pelo atual Prefeito Cleverson Alves dos Santos, pré-candidato à reeleição – fato este notório e amplamente divulgado pela imprensa local –, nitidamente com o propósito de confundir e induzir em erro a população de Costa Rica, causando severo prejuízo à imagem do atingido. A mensagem de texto que acompanha o arquivo audiovisual, por sua vez, reforça o conteúdo falso.

 É caso típico de malversação da tecnologia mediante Deep Fake, ou seja, sobreposição de voz em vídeo, ainda que sem a fineza da plena sincronia labial (se cuidadosamente observado o vídeo), mas com potencial claro de confundir e induzir em errro. Nota-se, aliás, que a voz sobreposta é do próprio atingido (ou se assemelha muito), o que denota o uso da inteligência artificial (IA) para manipulação.

Embora estejamos longe das eleições, a utilização de conteúdos desta estirpe atinge um número significativo de pessoas, e como tal, podem deturpar a regularidade do futuro processo eleitoral, contaminando a percepção dos eleitores.

Soma-se a isso que o compartilhamento ocorreu por intermédio de colaborador do primeiro requerido (Waldeli dos Santos Rosa), sendo que este participa do grupo de Whatsapp onde circulou o arquivo audiovisual (f. 03), permitindo concluir que a conduta ocorreu em benefício do pré-candidato (porquanto destinado a atingir a imagem e a honradez do rival) e que este possuía conhecimento prévio do conteúdo.

Por fim, quanto à autoria, está ela igualmente demonstrada com relação a ambos os requeridos.

Conforme bem apontado pelo Ministério Público, o número de whatsapp apontado como autor da mensagem está cadastrado em nome do requerido Matheus, sendo que foi ele citado por este meio para responder à presente representação.

O requerido Waldeli, por sua vez, além de ser o empregador do primeiro requerido, não impugnou especificamente o fato de que teve contato com o vídeo por meio do grupo, não demonstrando providências concretas para a cessação da conduta do primeiro requerido ou mesmo para se evitar a propagação do conteúdo, que inevitavelmente ocorreria por simples compartilhamentos, ao se deparar com material que nitidamente o beneficiaria. Ou seja, houve prova do efetivo conhecimento da propaganda eleitoral pelo pré-candidato beneficiado, sendo que ele nada fez para que a conduta cessasse.

Com isso, em harmonia com o parecer ministerial, é caso de acolhimento de parte da representação.

Quanto à dosimetria da multa, deve ser levado em consideração que seria a terceira representação julgada procedente em desfavor do requerido Waldeli, acarretando, com isso, a majoração da multa, dada a reiteração da conduta.  

Posto isso, julgo parcialmente procedente a Representação formulada pela Comissão Provisória do Partido Progressista de Costa Rica, confirmando a tutela de urgência deferida nestes autos e condenando os requeridos Waldeli dos Santos Rosa ao pagamento da multa no valor de R$ 10.000,00 e o requerido Matheus da Silva Vaz ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) cada um. 

Sem custas e honorários (Ac. de 17.2.2011 no AgR-RMS nº 696).

Vista ao Ministério Público. 

P. R. Intimem-se. 


COSTA RICA-MS, na data da assinatura eletrônica.

 

LAISA DE OLIVEIRA FERNEDA MARCOLINI

Juíza Eleitoral