JUSTIÇA ELEITORAL
187ª ZONA ELEITORAL DE MURIAÉ MG
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0601316-14.2024.6.13.0187 / 187ª ZONA ELEITORAL DE MURIAÉ MG
REQUERENTE: COLIGAÇÃO "JUNTOS POR MIRAÍ"
Representantes do(a) REQUERENTE: PAULO SERGIO PIRES DO AMARAL - MG73970, CASSIO RIGUINI VARGAS - MG184244, MARIA JULIA ZANELA FERREIRA DE OLIVEIRA - MG177156
REU: ADAELSON DE ALMEIDA MAGALHAES ELEIÇÕES 2024, MÁRCIA HELENA MACHADO DE SIQUEIRA ELEIÇÕES 2024
INVESTIGADA: COLIGAÇÃO "O PROGRESSO NÃO PODE PARAR" - 2024
Representantes do(a) REU: EDUARDO PHILLIPE MARANGON E VILLAS - MG207213, RICARDO OLIVEIRA ZANELLA - MG92615
Representantes do(a) INVESTIGADA: EDUARDO PHILLIPE MARANGON E VILLAS - MG207213, RICARDO OLIVEIRA ZANELLA - MG92615
Trata-se de três Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJEs), visando à aplicação das sanções previstas no art. 22, XIV, da LC nº 64/90 e no art. 73 da Lei nº 9.504/97, em razão de suposta prática de abuso de poder político e econômico, captação ilícita de sufrágio e condutas vedadas nas eleições municipais de 2024.
As demandas foram assim distribuídas:
AIJE nº 0601316-14.2024.6.13.0187 – contratações temporárias em período vedado e uso da máquina administrativa para fins eleitorais, em face de Adaelson de Almeida Magalhães e Márcia Helena Machado de Siqueira;
AIJE nº 0601359-48.2024.6.13.0187 – demissões direcionadas e retaliatórias após o pleito, bem como coação a servidores contratados, em face de Adaelson de Almeida Magalhães e Márcia Helena Machado de Siqueira;
AIJE nº 0601356-93.2024.6.13.0187 – compra de votos, com base em depoimentos posteriormente contraditados, em face de Adaelson de Almeida Magalhães, Márcia Helena Machado de Siqueira, Abel de Oliveira e Alexandra Teófilo da Silva Oliveira.
Por conexão fática e probatória, foi determinada a reunião dos processos para julgamento conjunto, nos termos do art. 55 do CPC, aplicado subsidiariamente ao processo eleitoral. Encerrada a instrução, as partes apresentaram alegações finais. É o relatório.
1. Preliminar – Inépcia da inicial (AIJEs nº 0601316 e nº 0601359)
As petições iniciais descrevem, de modo claro e ordenado, os fatos imputados, indicam as normas supostamente violadas e estabelecem nexo entre as condutas narradas e o contexto eleitoral, permitindo aos investigados compreender a acusação e exercer plenamente o contraditório e a ampla defesa.
Nos termos do art. 330, § 1º, do CPC, a inépcia somente se configura quando a petição inicial impossibilita a compreensão da controvérsia ou inviabiliza a apresentação de defesa, hipótese que não se verifica. A ausência de individualização nominal de todos os beneficiários ou prejudicados não afasta a aptidão da inicial, desde que haja elementos mínimos de contextualização e delimitação do objeto probatório — circunstância presente no caso em exame.
Os investigados sustentam que as peças vestibulares não identificaram todos os servidores contratados nem apresentaram elementos concretos que vinculassem as contratações às condutas reputadas ilícitas, o que inviabilizaria o exercício da defesa, atraindo a incidência dos arts. 330 e 485, I, do CPC. Tal alegação, contudo, não procede.
De acordo com a Resolução TSE nº 23.608/2019, a inicial em AIJE deve expor os fatos e fundamentos jurídicos da impugnação, indicando as provas ou indícios que a instruem, ainda que não exaustivamente. Na espécie, as petições narraram, com suficiência, condutas supostamente ilícitas, situaram o contexto temporal e identificaram as Secretarias Municipais envolvidas, instruindo-se com declarações colhidas pela Promotoria de Justiça Eleitoral.
A falta de identificação nominal de todos os servidores não compromete a validade da inicial, pois tal apuração é viável na fase instrutória, mediante requisição de documentos e oitiva de testemunhas, como efetivamente ocorreu, sem prejuízo às garantias processuais das partes.
Diante disso, atendidos os requisitos legais e possibilitado o enfrentamento da controvérsia, rejeito a preliminar de inépcia arguida.
2. Preliminar de nulidade
A defesa de Abel e Alexandra sustenta nulidade processual em razão de suposta ausência de representação por advogado da testemunha Márcia Cristina. O argumento não procede. Testemunhas não necessitam de constituição de advogado para prestar depoimento, razão pela qual eventual irregularidade nos poderes outorgados a advogados não afeta a validade de suas declarações.
A recusa de Márcia Cristina em responder a determinadas perguntas formuladas pela defesa insere-se no âmbito de sua liberdade constitucional, especialmente quando envolvido potencial risco de autoincriminação (CF, art. 5º, LXIII), não configurando, por si só, qualquer vício processual.
No que tange à contradita de testemunhas, como no caso de Maria Clara, as impugnações foram apreciadas no momento oportuno e rejeitadas, por ausência de fundamento legal que justificasse sua exclusão, preservando-se, assim, a regularidade do ato.
3. Preliminar de ilegitimidade passiva de Abel e Alexandra
Os investigados Abel de Oliveira e Alexandra Teófilo da Silva alegam ilegitimidade passiva, sustentando que não participaram dos fatos narrados na inicial. Todavia, a narrativa inaugural lhes atribui, em tese, participação direta na intimidação de testemunha e na execução de obra relacionada ao episódio investigado, bem como atuação conjunta com Adaelson de Almeida Magalhães e Márcia Helena Machado Siqueira na entrega de material de construção à eleitora Márcia Cristina.
Esses elementos, se confirmados, revelam vínculo jurídico-processual suficiente para justificar sua inclusão no polo passivo, configurando pertinência subjetiva à demanda. Trata-se, pois, de alegação que se confunde com o exame do mérito, não havendo que se falar em ilegitimidade passiva nesta fase processual.
4. Preliminar de cerceamento de defesa (Abel e Alexandra)
Os investigados Abel de Oliveira e Alexandra Teófilo da Silva Oliveira alegam cerceamento de defesa em razão do indeferimento, em audiência, do pedido de juntada de áudio envolvendo Alexandra e a informante Ana Maria, cujo conteúdo teria relação com os fatos discutidos nos autos. Sustentam que a apresentação tardia se justificaria pela necessidade de recuperação de arquivos apagados do celular da representada.
A alegação não procede. O áudio não se enquadra no conceito de “prova nova” previsto no art. 435 do CPC, pois já existia ao tempo oportuno e era de conhecimento da parte, não se tratando de fato superveniente ou de impossibilidade comprovada de juntada anterior. A mera afirmação de demora na recuperação de dados, desacompanhada de prova de impossibilidade efetiva de apresentação tempestiva, não justifica a juntada extemporânea.
O indeferimento da prova, proferido em audiência, encontra amparo no art. 370 do CPC, que confere ao magistrado a direção do processo e a prerrogativa de recusar diligências inúteis, protelatórias ou impertinentes, não havendo prejuízo concreto ao contraditório ou à ampla defesa.
No tocante à alegação de quebra da cadeia de custódia, cumpre destacar que, em sede de AIJE, aplica-se subsidiariamente o CPC, e não o CPP, inexistindo disciplina aplicável dos arts. 158-A e seguintes do Código de Processo Penal. O precedente do TRE-MG (Recurso Eleitoral nº 0600802-59.2020.6.13.0136, Rel. Juiz Vaz Bueno) confirma que, em hipóteses dessa natureza, a arguição cabível seria a de falsidade documental, o que não foi formulado pelos investigados.
Ainda segundo a jurisprudência do TRE-MG, para suscitar dúvidas quanto a cortes, montagens ou manipulações em mídias, é necessário apontar precisamente os trechos suspeitos e instaurar incidente de falsidade, o que também não ocorreu. Alegações genéricas não autorizam a exclusão de provas regularmente produzidas.
Por fim, mesmo afastada a preliminar, a credibilidade do conteúdo das mídias permanece sujeita à apreciação no mérito, devendo ser avaliado se, isoladamente ou em conjunto com outros elementos, possui força probatória suficiente para caracterizar ilícito com a gravidade exigida pelo art. 14, § 10, da Constituição Federal.
Diante do exposto, rejeito a preliminar de cerceamento de defesa arguida.
5. Alegações sobre a atuação do Ministério Público Eleitoral
Os investigados Adaelson e Márcia sustentam que teriam sido tratados de forma desigual pela Promotoria Eleitoral, apontando suposta parcialidade e desproporcionalidade no atendimento (ID 134585615). Tal matéria, entretanto, não se insere no objeto desta Ação de Investigação Judicial Eleitoral, pois eventual apuração de conduta funcional de membro do Ministério Público deve ser promovida pelas instâncias próprias, não cabendo a este Juízo examiná-la no presente feito.
Ainda que superado tal óbice, a prova constante dos autos não corrobora a tese defensiva. Conforme esclarecimento prestado pela própria Promotora Eleitoral (ID 134640613, p. 2), o advogado do investigado foi recebido pela equipe da Promotoria, sendo-lhe informado, com urbanidade, que a representante ministerial se encontrava em audiências previamente agendadas, o que inviabilizava o atendimento imediato. Não houve recusa de acesso ou negativa de atendimento, mas mera impossibilidade momentânea decorrente de compromissos institucionais.
A tentativa de conferir ao episódio conotação de irregularidade carece de respaldo probatório e não compromete a higidez do conjunto de provas regularmente produzido. A linha argumentativa, portanto, mostra-se irrelevante para o deslinde da controvérsia e inapta a enfraquecer os elementos de convicção constantes dos autos.
1. Delimitação probatória e contexto
A análise do conjunto probatório, composto por elementos orais e documentais, revela que as AIJEs nº 0601316 e nº 0601359 gravitam em torno de um mesmo núcleo fático: a contratação temporária de servidores em número expressivamente superior à média histórica, sem demonstração de necessidade técnica ou excepcional interesse público, concentrada no período imediatamente anterior ao pleito. Tais vínculos seriam, ainda, instrumentalizados com finalidade política.
No âmbito específico da AIJE nº 0601359, acresce-se a conduta de exoneração seletiva de servidores logo após as eleições, atingindo, de forma preferencial, aqueles que não manifestaram apoio à candidatura à reeleição do então prefeito.
Já a AIJE nº 0601356 apresenta objeto distinto, versando sobre alegadas ameaças, suposta fraude em notas fiscais e atos de coação.
A presente ação versa sobre imputação de captação ilícita de sufrágio, supostamente praticada pelos investigados, mediante a entrega de materiais de construção à eleitora Márcia Cristina, além de alegadas ameaças e fraude em notas fiscais para compra de votos.
A prova oral colhida é marcada por contradições, mudanças de versão e ausência de respaldo documental. O caso da eleitora Maria Cristina de Oliveira Rodrigues é ilustrativo: em momento inicial, admitiu participação em prática ilícita; posteriormente, em audiência, recuou, alegando que o advogado do assistente do Ministério Público Eleitoral também a representava, para logo depois se retratar novamente. Essa oscilação mina a credibilidade de suas declarações e gera cenário de insegurança probatória.
Também foram mencionadas, pelo assistente do MPE, ameaças com arma de fogo supostamente perpetradas por Abel e Alexandra a mando de Adaelson, bem como a existência de “grande esquema” de fraude em notas fiscais, segundo depoimento de Maria Clara Fidelis Ferreira. Contudo:
inexiste prova documental que ampare tais alegações;
a testemunha é apoiadora declarada de partido adversário;
as narrativas apresentaram contradições internas e não se corroboram mutuamente;
parte dos relatos consiste em declarações isoladas, sem elementos materiais de confirmação.
No que se refere especificamente aos representados Abel de Oliveira e Alexandra Teófilo da Silva Oliveira, a prova oral, confrontada com o restante do conjunto probatório, não evidenciou participação efetiva em ato de captação ilícita de sufrágio, abuso de poder econômico ou ameaça. Nenhuma testemunha confirmou presença ou atuação direta de ambos nos fatos narrados, e tampouco foi produzida prova documental idônea que sustente a acusação.
À míngua de prova segura, firme e convergente, prevalecem o princípio da presunção de inocência e a exigência constitucional de prova robusta e inequívoca para cassação de mandato ou aplicação de sanções eleitorais graves, impondo-se a improcedência da ação quanto a esses investigados.
A postura vacilante de Maria Cristina, ora admitindo, ora negando conduta ilícita, associada à confusão sobre sua eventual representação processual, reforça a fragilidade de seu depoimento. Ademais, a suposta fraude em notas fiscais, atribuída a Adaelson e Márcia Helena, não foi corroborada por qualquer elemento objetivo.
Depoimentos de Júlio, Wilson, Cléber, Rafael e Fausto convergem no sentido de que os materiais de construção foram adquiridos pelo gerente da Fazenda Bom Sucesso em estabelecimento privado (“Rui, material de construção”), com pagamento por particular, sem ordem ou participação do prefeito Adaelson, da vice-prefeita Márcia Helena, de Abel ou de Alexandra. O uso de veículo municipal no transporte foi explicado como cortesia, aproveitando deslocamento para coleta de lixo na zona rural, prática habitual em gestões anteriores e fora do período eleitoral.
Algumas testemunhas, como Márcio José Machado, apresentaram versões distintas no Ministério Público Eleitoral e em juízo, alterando pontos centrais da acusação. Outras, como Márcia Cristina, recusaram-se a responder questões potencialmente esclarecedoras (ex.: propriedade da fazenda, autorização para obra, deslocamento a Belo Horizonte para contratar advogado), comprometendo a colaboração com a instrução.
O entendimento consolidado pelo TRE-MG no RE nº 0600450-66.2020.6.13.0180 reafirma que nenhuma condenação pode se apoiar em boatos, indícios frágeis ou prova exclusivamente testemunhal desacompanhada de respaldo robusto. A soberania da vontade popular só pode ser afastada diante de ilícitos eleitorais graves, amplamente comprovados sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
O conjunto probatório, composto por testemunhos contraditórios, declarações isoladas e ausência de lastro documental, é insuficiente para caracterizar a prática de captação ilícita de sufrágio ou abuso de poder econômico por qualquer dos investigados.
Diante disso, deve ser julgada improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral 0601356-93.2024.6.13.0187, preservando-se o resultado das urnas e a estabilidade do processo democrático.
A prova documental extraída do Portal da Transparência (ID 128751813) evidencia expressivo aumento das contratações temporárias no ano eleitoral de 2024:
2022: 33 contratados;
2023: 24 contratados;
2024: 137 contratados.
A disparidade numérica é inequívoca e não encontra respaldo em hipóteses excepcionais previstas no art. 37, IX, da CF/88. Tal incremento abrupto reproduz, com notável similitude, o padrão já analisado por este Juízo no caso do Município de Vieiras/MG (Processo nº 0601265-03.2024.6.13.0187), em que se reconheceu o abuso de poder político e a prática de conduta vedada consistente na contratação maciça e injustificada de servidores temporários em ano eleitoral — decisão confirmada pelo TRE-MG.
Testemunhas como Nilcéia Luzia Pacheco confirmaram que a demanda por pessoal era antiga, mas somente foi atendida às vésperas do pleito, com duplicação de técnicos de enfermagem em postos de saúde. Declarou, ainda, que sua própria contratação estaria relacionada à influência de sua família na política local.
Ana Carollina Almeida Malta Dias relatou reunião em unidade de saúde, conduzida por diretor e coordenadoras, em que servidores foram pressionados a apoiar o candidato à reeleição, com fechamento do posto durante o expediente para tal fim.
Outros depoimentos (IDs 134280461, 134267184, 134267171, 134267167) reforçam o quadro:
utilização de repartições públicas e do horário de expediente para reuniões de cunho político-eleitoral;
pressão de superiores hierárquicos para participação em eventos e adesão à campanha;
monitoramento político por pessoas de confiança do Prefeito;
retaliações e demissões seletivas após o pleito de servidores que não apoiaram a candidatura.
O testemunho de Getúlio José Paulino é particularmente ilustrativo: após ser visto em comício da oposição, foi advertido por seu superior e, posteriormente, demitido sem justificativa formal. Relatos convergentes de Rayane Teixeira Oliveira e Getúlio indicam conduta sistemática de condicionar a permanência no cargo ao apoio eleitoral.
A defesa, por meio da Secretária de Saúde Lisandra, alegou que o incremento das contratações resultou da pandemia e da anulação de concurso anterior. Todavia, a prova oral revelou que o atendimento às demandas ocorreu de forma concentrada no período pré-eleitoral, sem critério técnico que justificasse a magnitude das admissões, extrapolando o interesse administrativo e adentrando a esfera eleitoral.
Embora parte das admissões decorra de obrigações fixadas em acordo judicial homologado na ACP nº 0000834-34.2018.8.13.0422, a execução do ajuste não afasta a análise do contexto e da forma de implementação, especialmente quando há indícios de manipulação do cronograma para fins eleitorais.
O cenário fático se amolda ao precedente do TSE no AgR-AI nº 0000188-05.2012.6.05.0202, que reconhece a possibilidade de caracterização de abuso de poder político na contratação de servidores temporários fora do período vedado do art. 73, V, da Lei nº 9.504/97, quando ausente excepcional interesse público e demonstrada gravidade da conduta pelo critério qualitativo.
A similitude com o caso Vieiras/MG — no qual o aumento abrupto e injustificado de contratações às vésperas do pleito foi considerado apto a comprometer a igualdade de oportunidades — impõe, em nome da segurança jurídica e coerência decisória, a adoção do mesmo entendimento.
O conjunto probatório demonstra que, no primeiro semestre de 2024, a Administração Municipal de Miraí promoveu aumento expressivo e concentrado de contratações temporárias, acompanhado do uso de estruturas públicas para arregimentação de apoio político, intimidação e retaliação de servidores, configurando:
conduta vedada (art. 73, V, da Lei nº 9.504/97); e
abuso de poder político (art. 22 da LC nº 64/90), dada a gravidade qualitativa da prática e sua aptidão para influenciar a vontade do eleitorado.
Diante disso, acolho parcialmente a presente AIJE para reconhecer o abuso e aplicar as sanções cabíveis, nos termos da jurisprudência consolidada do TSE e do TRE-MG integralmente em relação ao investigado Adaelson e parcialmente em relação à investigada Marcia Helena, uma vez que ela, à época do pleito, não tinha ingerência hierárquica perante os servidores públicos.
Nesta ação, além do padrão de contratações temporárias já verificado na AIJE conexa, restou comprovada a utilização da máquina administrativa para coagir servidores a apoiar a candidatura à reeleição do investigado Adaelson, seguida de demissões seletivas e retaliações contra aqueles que resistiram às pressões.
A coação política se materializou em ameaças explícitas de perda do emprego, elaboração de listas de “não comparecimento” a eventos de campanha e monitoramento ostensivo de opositores no ambiente de trabalho. Após a vitória apertada — por apenas nove votos — houve exonerações direcionadas, inclusive com rescisões antes do término contratual, atingindo especialmente os que se mantiveram neutros ou manifestaram apoio à oposição.
O conjunto de depoimentos é coeso e detalha condutas de constrangimento, assédio e retaliação política:
Ana Carolina Almeida – Agredida verbalmente por colega que dizia que ela “tinha que votar no prefeito porque ele lhe deu o serviço”; foi informada de que seu nome constava em lista de exoneração a ser executada após as eleições; presenciou reunião de cunho eleitoral, no horário de expediente, no PSF 02, com fechamento da unidade e participação de chefias.
Adelvane Maria de Oliveira – Ouviu de sua diretora que, caso o prefeito não fosse reeleito, “a gente podia perder o serviço”.
Rayane Teixeira Oliveira – Confirmou a existência de lista de contratados que não participavam de eventos políticos, destinada ao Prefeito para fins de demissão; foi dispensada em 22/10/2024, logo após recusar-se a gravar vídeo de apoio ao investigado.
Getúlio Vargas de Oliveira – Advertido apenas por passar em frente a comício da oposição e demitido no final de outubro.
Marisa Barbosa (servidora efetiva) – Sofreu isolamento e vigilância ostensiva em razão de divergência política.
Esses relatos são consistentes entre si e corroboram a existência de um ambiente institucional voltado à intimidação e ao condicionamento do vínculo funcional ao apoio político.
Embora parte das ações tenha sido executada por subordinados, há elementos que indicam ciência e anuência do Prefeito:
Comentário atribuído ao investigado sobre a exoneração de Rayane, sugerindo motivação política;
Resposta à mãe de Ana Carolina (“colhe o que planta”), interpretada como referência direta à perda do cargo por falta de apoio eleitoral;
Participação de diretores e coordenadores diretamente subordinados ao Prefeito em reuniões e na elaboração de listas de perseguição;
Confissão do próprio investigado de que as demissões foram por ordem sua, desmontando a alegação de que decorreram de relatório do Controle Interno — documento recebido apenas após o pleito.
O abuso de poder político pode se configurar não apenas pela ação direta do agente, mas também pela utilização de sua estrutura hierárquica para fins eleitorais.
No caso concreto, a prova revela prática reiterada e coordenada de perseguição política e condicionamento de vínculo funcional ao apoio eleitoral, com demissões exemplares aptas a produzir efeito inibitório sobre outros servidores.
A justificativa apresentada pelo investigado — suposta necessidade de redução de despesas — não se sustenta. Isso porque, se a real intenção fosse a contenção de gastos, poderia o Prefeito ter exonerado ocupantes de cargos em comissão ou funções de confiança, medida legítima e expressamente autorizada pela legislação (art. 73, V, a, da Lei nº 9.504/97), sem necessidade de atingir seletivamente os contratados temporários identificados como opositores políticos. A opção pela exoneração destes, e não daqueles, evidencia a motivação político-eleitoral das demissões e reforça o caráter abusivo da conduta.
Tais práticas atingiram a paridade de armas no pleito e comprometeram o livre exercício da manifestação política, satisfazendo os requisitos do art. 22 da LC nº 64/90 para a caracterização do abuso de poder político.
A robustez da prova oral, associada à confissão indireta do investigado e à participação de seu núcleo de confiança, demonstra que o uso de cargos temporários como instrumento de coação e retaliação teve impacto relevante na disputa eleitoral.
Configura-se, assim, abuso de poder político e conduta vedada pela utilização da máquina pública para fins eleitorais, impondo-se o acolhimento parcial da presente AIJE e a aplicação das sanções cabíveis integralmente ao investigado Adaelson e parcialmente à investigada Marcia Helena.
Ainda que reconhecida a nulidade das demissões por afronta à legislação eleitoral, encerrado o período eleitoral não cabe à Justiça Eleitoral determinar a reintegração ao cargo, matéria afeta à Justiça Comum, conforme precedente:
“É vedado, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, demitir sem justa causa, ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público (art. 73, V, Lei nº 9.504/97). [...] a garantia de manutenção nos cargos, in casu, é adstrita ao período eleitoral, por força da Lei das Eleicoes.” (TRE-MG, RE nº 172-37.2016.6.13.0057, Rel. Juiz Paulo Abrantes, DJE 13/3/2019).
Considerando a parcial procedência das AIJEs nº 0601316 e nº 0601359, e a improcedência da AIJE nº 0601356, impõe-se:
Cassação dos diplomas de Adaelson de Almeida Magalhães e Márcia Helena Machado de Siqueira, relativamente às eleições de 2024;
Inelegibilidade de Adaelson de Almeida Magalhães pelo prazo de 8 anos subsequentes ao pleito (art. 22, XIV, LC nº 64/90);
Multa a Adaelson de Almeida Magalhães no valor equivalente ao dobro do mínimo legal (art. 73, § 4º, Lei nº 9.504/97), considerando a gravidade da conduta;
Absolvição de Márcia Helena Machado de Siqueira quanto à inelegibilidade e multa;
Absolvição de Abel de Oliveira e Alexandra Teófilo da Silva Oliveira de todas as imputações.
Ante o exposto, REJEITO AS QUESTÕES PRELIMINARES e julgo:
1) PARCIALMENTE PROCEDENTES as AIJEs nº 0601316-14.2024.6.13.0187 e nº 0601359-48.2024.6.13.0187;
2) IMPROCEDENTE a AIJE nº 0601356-93.2024.6.13.0187;
POR CONSEGUINTE:
1) CASSO os diplomas de Adaelson de Almeida Magalhães e Márcia Helena Machado de Siqueira;
2) DECLARO inelegível Adaelson de Almeida Magalhães por 8 anos subsequentes ao pleito;
3) CONDENO Adaelson de Almeida Magalhães ao pagamento de multa no valor equivalente ao dobro do mínimo legal;
4) ABSOLVO Márcia Helena Machado de Siqueira da sanção de inelegibilidade e multa;
5) ABSOLVO Abel de Oliveira e Alexandra Teófilo da Silva Oliveira de todas as imputações.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Muriaé, data e assinatura eletrônicas.
Maurício José Machado Pirozi
Juiz Eleitoral