PODER JUDICIÁRIO

JUÍZO DA 170ª ZONA ELEITORAL DE MINAS GERAIS

 

 

PROCESSO Nº 0600429-81.2024.6.13.0170

CLASSE: AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527)
ASSUNTO: ABUSO DE PODER ECONÔMICO (11718) /  ABUSO DE PODER POLÍTICO/AUTORIDADE (11719)

INVESTIGANTE: COLIGAÇÃO INOVAÇÃO E EXPERIÊNCIA

ADVOGADO: CONRADO LUIZ PIMENTA AZEVEDO - OAB/MG 169.586
INVESTIGADOS: AMAURY DE SA FERREIRA - JOSE BRAZ DOS SANTOS 

ADVOGADOS: WLADIMIR LEAL RODRIGUES DIAS - OAB/MG nº 69.322 / ALEXANDRE LUCIO DA COSTA - OAB/MG nº 59.821 / YURAN QUINTAO CASTRO - OAB/MG nº 190.153

MUNICÍPIO: SANTO ANTÔNIO DO AVENTUREIRO/MG

 

 

 

 

SENTENÇA

 

 

 

 

Vistos etc.

 

A Coligação Inovação e Experiência, composta pelo Partido Republicano de Santo Antônio do Aventureiro e pelo Partido Social Democrático de Santo Antônio do Aventureiro ajuizou a presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral em desfavor do então candidato ao cargo de Prefeito nas Eleições de 2024, Amaury de Sá Ferreira, e do candidato a Vice-Prefeito, José Braz dos Santos.

 

Sustentaram, em resumo:

 

1) Realização de uma reunião/comício, no sítio da DIDI (empresária do ramo de confecção/facção e apoiadora política dos investigados) no Município de Santo Antônio do Aventureiro, com a presença de um Deputado Federal, com distribuição gratuita de churrasco e bebida alcoólica, ensejando a captação ilegal de sufrágio, com clara intenção de influência na vontade dos eleitores, comprometendo a lisura e a igualdade da disputa eleitoral;

 

2) Distribuição de R$ 300,00 em cerveja para os eleitores que se fizeram presentes numa confraternização do time de futebol Lavourinha, organizada pelo Sr. Lauro no dia 21 de julho de 2024;

 

3) Utilização de um ônibus escolar municipal, destinado ao transporte de alunos da rede pública, para a realização de transporte gratuito de eleitores entre Marinópolis (distrito de Além Paraíba) e Santo Antônio do Aventureiro, em flagrante abuso de poder econômico e político de autoridade.

 

Em antecipação de tutela foi requerida a proibição do transporte gratuito de pessoas e/ou eleitores, exceto os alunos da rede pública municipal de ensino e os cidadãos que necessitem de deslocamento para consultas, exames, cirurgias previamente agendadas e atendimento de urgência, mediante intimação na pessoa do Prefeito Municipal e seus secretários, sob pena de multa diária e responsabilidade pessoal do agente, pleito que foi deferido parcialmente, conforme de ID 127852079.

 

Contestação apresentada (ID 128026083).

 

Impugnação apresentada (ID 128687343).

 

Foi realizada AIJ (ID 132777909).

 

Em alegações finais, a parte autora pugnou pela procedência do pedido, cassação dos diplomas e mandato, além da decretação de inelegibilidade por 8 anos.

 

A defesa, por seu turno, pugnou pela improcedência dos pedidos.

 

O Ministério Público opinou pela procedência dos pedidos.

 

 

É o relatório. Decido.

 

 

Não há nulidades a serem sanadas, pelo que passo ao julgamento do mérito.

 

A inicial descreve, em resumo, três eventos distintos que revelariam, segundo a tese esposada, o abuso de poder econômico e político suficientes para o acolhimento do pedido, com a consequente cassação dos diplomas e declaração de inelegibilidade dos requeridos.

 

Após a análise das provas e dos argumentos apresentados pelas partes, inclusive atento à manifestação do Ministério Público, entendo que os elementos de convicção são frágeis para o acolhimento dos pedidos.

 

Relembremos, por oportuno, que o ônus da prova acerca dos fatos alegados incumbe ao autor.

 

Ato contínuo, impõe-se analisar, com a serenidade e imparcialidade necessárias, os elementos de prova apresentados.

 

Assim, cumpre verificar isoladamente cada uma das três situações apresentadas pelos autores.

 

  1. Do transporte de eleitores de Marinópolis, distrito de Além Paraíba, para o Município de Santo Antônio do Aventureiro.

 

Com se extrai dos vídeos juntados pelos autores, bem como da prova oral produzida em juízo, percebe-se claramente a existência de elementos suficientes que sinalizam para o desvio de finalidade na utilização do transporte escolar.

 

As gravações apresentadas deixam claro o ingresso de algumas pessoas no ônibus de transporte escolar no Distrito de Marinópolis, que integra o Município de Além Paraíba.

 

Referida situação, em tese, revela uma irregularidade que poderá ensejar a responsabilização dos gestores em caso de prova do dolo, contudo, não se afigura adequada a conclusão de que referido fato constitua ilícito eleitoral, muito menos revelador de abuso de poder político/autoridade capaz de desequilibrar a eleição.

 

Como bem observado pelo Ministério Público, a informante Lamim Garcia esclareceu que a referida prática ocorre “há muitos anos”.

 

Destaque-se, ainda, que não há sequer indícios de que os usuários sejam eleitores em Santo Antônio do Aventureiro, até porque, aparentemente, residem no distrito que pertence à outra municipalidade.

 

Para além da irregularidade já mencionada, não houve a comprovação de qualquer outro comportamento que revele a prática de ilícito eleitoral como entrega de material eleitoral, pedido explícito de voto, cartaz dos candidatos, sequer utilização de camisetas ou congêneres de propaganda política.

 

Por consequência, o deferimento da antecipação de tutela, notadamente fundado em juízo de aparência, não deve ser mantido em razão da ausência de competência deste juízo eleitoral para a análise de eventuais ilícitos administrativos.

 

Em suma, a prova produzida é extremamente frágil para o fim a que se destina neste processo.

 

 

  1. Da alegada distribuição de R$ 300,00 em cerveja para eleitores, em 21 de julho de 2024, numa confraternização do time de futebol Lavourinha, organizada pelo Sr. Lauro.

 

Quanto ao segundo fato acima indicado devemos destacar, desde logo, que a descrição da conduta na inicial já é reveladora da fragilidade dos argumentos, senão vejamos:

 

(...)

Importante destacar que o candidato Amaury, ainda em período de pré-campanha, também praticou idêntico ato, consistente em promover a distribuição de R$ 300,00 (trezentos reais) em cerveja, para os eleitores que se fizeram presentes em uma confraternização do time de futebol Lavourinha, organizada pelo Sr. Lauro.

Tais fatos ocorreram no dia 21 de julho de 2024, em um bar/espaço, próximo da casa de Lauro (servidor público municipal) situado no bairro Lavourinhas, em Santo Antônio do Aventureiro, quando o Sr. Lauro integrante do time Lavourinha, anuncia através do microfone que apesar da derrota do time, o prefeito (Amaury) havia deixado R$ 300,0 (trezentos reais) de cerveja para livre distribuição entre os eleitores ali presentes.”

 

 

Percebe-se, à evidência, que não houve descrição pormenorizada do local, horário e indicação, mesmo que por estimativa, do número de pessoas presentes.

 

Para robustecer a conclusão acima, basta observar o vídeo juntado aos autos, oportunidade em que se constata a presença de pouquíssimas pessoas numa espécie de festa, em local que não se pode identificar, bem como a presença de uma pessoa identificada como Lauro afirmando que o evento foi patrocinado pelo então candidato a prefeito.

 

Observe-se, também, que não sobreveio, durante a instrução do processo, nenhum dado concreto que revelasse o liame entre as citadas falas e as alegações iniciais, já que não se verificou a presença dos réus, ou mesmo a ciência acerca da realização do evento.

 

O requerido sustentou em sua defesa, e com razão, a impossibilidade de apresentar a contraposição aos fatos em razão da insuficiência de elementos, embora tenha reconhecido o costume de auxiliar algumas agremiações esportivas.

 

No mesmo sentido, a oitiva do informante Lauro em nada modifica a conclusão acima. Ao revés, apenas evidenciaram a fragilidade das alegações iniciais e a insuficiência de dados concretos acerca do alegado.

 

Enfim, sob o fundamento acima o pedido inicial deve ser rejeitado.

 

 

  1. Da realização do evento festivo de recepção do Deputado Federal Newton Cardoso Jr. em sítio particular.

 

 

Em relação ao terceiro evento indicado na inicial, cumpre estabelecer algumas premissas que inviabilizam o acolhimento do pedido.

 

Com efeito, os dados apresentados na inicial como prova não se prestam ao fim pretendido porque não são revestidos do mínimo de certeza quanto à fonte e veracidade.

 

Já na inicial foi apresentado um convite virtual da referida reunião sem qualquer indicação da fonte, local de veiculação, URL ou outros elementos mínimos capazes de conferir higidez aos dados nele contidos.

 

Assim, não se pode concluir o processo racional e lógico de reconstrução dos fatos com base em dados frágeis e incertos, já que não se sabe, ao certo, se os dados revelados nos prints e vídeos ocorreram na forma alegada na inicial.

 

Com efeito, há um descompasso entre o início de prova e as conclusões apresentadas pela parte autora, dúvidas que não foram dissipadas após a instrução do feito.

 

Pois bem, na mesma peça de ingresso foi sustentada a ocorrência do evento com base apenas em “vídeos que circularam nas redes sociais”, oportunidade em que o cerimonialista anunciou a distribuição gratuita de churrasco e bebida.

 

Nesse particular deve ser destacado que foi oportunizada a apresentação de outros elementos de convicção durante a instrução do processo, o que efetivamente não ocorreu.

 

A oitiva dos informantes em juízo também não foi suficiente para dissipar as dúvidas existentes.

 

Lado outro, embora os requeridos não tenham negado a ocorrência do evento, já que é induvidoso que houve uma reunião na residência da pessoa indicada como “DIDI”, fato confirmado inclusive pelos informantes ouvidos em juízo, os dados obtidos durante a instrução do processo não revelaram a efetiva distribuição de comida e bebida aos presentes.

 

A meu sentir, a manifestação captada no vídeo apresentado pelos autores no sentido de que haveria distribuição de bebida demandaria a comprovação de sua efetiva ocorrência.

 

Diante do quadro acima apresentado, mormente em razão da gravidade das imputações, salta aos olhos que os autores não puderam ou não se deram ao trabalho de obter detalhes do evento, notadamente outros elementos que corroborassem as informações recebidas com a robustez necessária.

 

 

Nesse momento é oportuna a lembrança de que o informante Newton Cardoso Jr., Deputado Federal ouvido por este juízo, afirmou que no referido sítio manteve conversa informal e reservada, e que não se lembrava da existência de palco ou de caixas de som.

 

No mesmo sentido percebe-se a insuficiência de dados concretos apresentados durante a oitiva judicial dos informantes Débora Lamim Garcia e Marcos Charley Pires.

 

Pois bem, não há dúvidas da dificuldade de obtenção de provas para a comprovação de ilícitos eleitorais, contudo, referida conclusão não tem o condão de afastar as regras do ônus da prova incidentes.

 

Por este motivo não é incomum que a parte recorra à Polícia Militar, para constatação e lavratura de boletim de ocorrência, seja providenciado o comparecimento pessoal de integrantes de partidos contrários para a confirmação dos fatos e obtenção de provas, ou mesmo formule requerimento urgente à própria Justiça Eleitoral, providências que não foram adotadas no caso concreto.

 

Por fim, colaciona-se um julgado do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais que analisa questões relacionadas a WhatsApp e insuficiência de provas em ação de investigação judicial eleitoral:

 

 

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE BENS. CONTRATAÇÃO E DISPENSA DE SERVIDORES EM PERÍODO VEDADO. TRANSPORTE IRREGULAR DE ELEITORES. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. FRAGILIDADE DE PROVAS. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.Recuso interposto contra decisão de Primeira Instância que julgou improcedente pedido de cassação de mandatos, em AIJE, pois entendeu ter havido insuficiência de provas, acerca dos fatos imputados aos investigados. Os investigantes alegaram ocorrência de abuso de poder econômico, com base em três supostos ilícitos eleitorais: a) Distribuição de material (cascalho e areia); b) contratação e dispensa de servidores públicos em período vedado; e c) transporte irregular de eleitores. Quanto aos três fatos, assim decidiu a Corte:1º - Distribuição de material (cascalho e areia): Por meio do conjunto probatório apresentado, não é possível afirmar que realmente aconteceu uma doação de bens, nem quem foram as pessoas beneficiadas por esta suposta doação. Diante da ausência de provas, não se configurou o ilícito previsto no art. 73, inciso IV, da Lei 9.504/1997.2º - Contratação e dispensa de servidores em período vedado: Adotou-se o entendimento firmado pela jurisprudência do TSE e Tribunais Regionais, onde considera que o conceito de servidor público, em sentido amplo, abarca os conceitos de servidores estatutários, empregados públicos e servidores temporários, contratados diretamente pela Administração, nos moldes previstos pela norma do art. 37, IX, da Constituição Federal, com soldos pagos pelo erário. Concluiu-se que a relação jurídica estabelecida entre a administração pública e guardas mirins não se enquadra em nenhum dos conceitos informados. Ausência de afronta à norma do art. 73, inciso V, da Lei 9.504/1997. Participantes do programa social, denominado Guarda Mirim de Virgem da Lapa/MG, não podem ser equiparados a servidores públicos, nem em sentido amplo. Programa socioeducativo e sem remuneração. Afastada a análise de supostas irregularidades ocorridas na seleção de participantes em programas sociais. Inovação que, se analisada, ferirá os Princípios do Devido Processo Legal, Contraditório e Ampla Defesa, bem como incorrerá em supressão de instância.3º - Transporte irregular de eleitores: Trata-se de crime previsto no art. 302 do Código Eleitoral, bem como no art. 10 c/c art. 11, inciso III, da Lei nº 6.091/1974, cuja averiguação exige procedimento específico, porém os recorrentes pretenderam comprovar a ocorrência daquele no bojo de AIJE. Ausência de provas capazes de demonstrar a ocorrência do suposto crime eleitoral, bem como a autoria deste.Conjunto probatório, como um todo (vídeos, fotos e prints de conversas), extraído de perfis particulares de simpatizantes, em redes sociais e grupos de WhatsApp. Ausência de prova documental, ou testemunhal, atestando a veracidade das narrativas contidas em petição inicial e recurso. Impossibilidade de atribuir autoria dos supostos ilícitos aos recorridos cujos mandatos pretendem ver cassados. Afirmações feitas pelos recorrentes baseada apenas em presunção de má-fé.Abuso de poder político ou econômico não demonstrados. Mantida a vontade dos eleitores da Virgem da Lapa/MG, expressada por meio de sufrágio reputado válido.Indeferido o pedido de expedição de ofícios a órgãos de controle, feito pelos recorrentes.PROVIMENTO NEGADO.RECURSO ELEITORAL nº060110633, Acórdão, Relator(a) Des. Marcelo Paulo Salgado, Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, 28/04/2022.

 

 

Por tudo, julgo improcedente o pedido.

 

Revogo a decisão de antecipação de tutela de ID 127852079.

 

Após o trânsito em julgado, arquivar com baixa.

 

Intimar e registrar.