Brasão da República

JUSTIÇA ELEITORAL
 033ª ZONA ELEITORAL DE CANINDÉ CE
 

 

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0600524-32.2024.6.06.0033 / 033ª ZONA ELEITORAL DE CANINDÉ CE

AUTOR: PROMOTOR ELEITORAL DO ESTADO DO CEARÁ

 

INVESTIGADA: LORENA OLIVEIRA SILVEIRA

Advogados do(a) INVESTIGADA: MARCOS ANTONIO SAMPAIO DE MACEDO - CE15096, JOAO SERGIO GONDIM FEITOZA FILHO - CE41850, ALFREDO ANTONIO ALENCAR GOMES FILHO - CE52112

 

 

 

 

1. RELATÓRIO

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL ajuizou esta Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) contra LORENA OLIVEIRA SILVEIRA, então pré-candidata ao cargo de vereadora do Município de Canindé/CE nas eleições de 2024, imputando-lhe a prática de abuso de poder político/econômico e captação ilícita de sufrágio.

 

1.1 Dos Fatos Narrados na Inicial

O Ministério Público relata que, em 26 de setembro de 2024, a Polícia Civil recebeu denúncia sobre transações financeiras ilegais em favor da campanha da candidata “Professora Lorena”, incluindo a distribuição de R$ 30.000,00 para compra de votos. 

Segundo consta, as investigações apontaram intensa movimentação de pessoas no local da candidata (diligências realizadas nos dias 26 e 27 de setembro de 2024), "muitas saindo com sacolas cheias, sugerindo distribuição de materiais ou dinheiro".

Ademais, segundo o Ministério Público, verificou-se que a investigada publicou em suas redes sociais arte visual de evento realizado em 10 de agosto de 2024, apresentando-se como "patrocinadora" e oferecendo prêmios no valor de R$ 1.000,00 com entrada liberada.

Assim, após a devida autorização judicial, foi realizada medida de busca e apreensão (autos 0600491-42.2024.6.06.0033), que resultou nas seguintes apreensões:

 

1.         Dinheiro em espécie: R$ 56.626,00 (cinquenta e seis mil, seiscentos e vinte e seis reais);

2.          Material de campanha: 10.000 (dez mil) santinhos;

3.     Medicamentos e kits de higiene: 32 unidades de kits de higiene pessoal e medicamentos variados em quantidades significativas;

4.           Caderno de anotações: contendo nomes de eleitores, valores associados, seções de votação e locais de moradia, além de expressões como "pessoas para vir de Fortaleza" e "passagem irmã Fortim";

5.       Cópia de documentos pessoais: de diversos eleitores, incluindo CPF, RG, comprovantes de endereço e títulos eleitorais;

6.             Comprovantes de abastecimento: de combustíveis.

 

Destarte, o Ministério Público Eleitoral afirma ter ocorrido “flagrante abuso de poder econômico associado à prática assistencialista como instrumento de captação ilícita de votos, ferindo os princípios fundamentais que regem a igualdade de oportunidades no processo eleitoral e comprometendo a lisura do pleito”. 

Ao final, postulou o Ministério Público a CASSAÇÃO do DIPLOMA da demandada LORENA OLIVEIRA SILVEIRA, candidata eleita ao cargo de vereadora, por ter praticado abuso de poder econômico, nos termos do artigo 22, caput e inciso XIV, da LC nº 64/90, c/c o art. 14, § 9º, da Constituição Federal de 1988; e A DECRETAÇÃO da INELEGIBILIDADE da demandada LORENA OLIVEIRA SILVEIRA, candidata eleita ao cargo de vereadora, pela prática de abuso de poder econômico e político, nos termos do art. 22, "caput", XIV, da LC nº 64/90, c/c o art. 14, § 9º, da Constituição Federal de 1988

 

1.2 Da Defesa Apresentada

 

Devidamente notificada, a requerida apresentou defesa (ID. 124581027) arguindo, preliminarmente, a nulidade da busca e apreensão por divergência do endereço que consta do mandado e o endereço em que a diligência efetivamente se realizou.

Nessa seara, aduz que “o endereço autorizado para a busca e apreensão em questão: Rua Francisco Laurismundo Gonçalves Marreiro, não foi o local em que a operação se realizou. As apreensões foram feitas na residência da vereadora Lorena, situada na Rua Presidente Dutra, nº 262, Altos, bairro Alto Guaramiranga, Canindé – CE, CEP 62700-000, logo, em local DIVERSO ao mandado de busca e apreensão”.

No mérito, sustentou em suma que:

 

•   O evento de 10 de agosto já havia sido analisado em Representação Eleitoral anterior (0600269-74.2024.6.06.0033), sem configuração de propaganda antecipada;

•   O dinheiro apreendido pertencia à empresa do esposo (Caio Construções e Serviços LTDA),e deve ser analisada levando em consideração a natureza das atividades empresariais desenvolvidas, que segundo afirma, exige o manejo de quantias consideráveis de dinheiro, especialmente em razão dos contratos firmados com diversos órgãos públicos. 

•   Os “santinhos” representavam prática legítima de campanha, especialmente em cidades do interior, sem comprovação de qualquer finalidade ilícita;

•   Os medicamentos e kits de higiene pessoal encontrados destinavam-se à Associação Missionária Casa de Deus (AMCAD), a título de doações periódicas que realiza, sem conotação  eleitoral;

•   O caderno de anotações pertencia à secretária do lar e foi encontrado nas dependências do quarto da empregada;

•   Os documentos de eleitores não foram encontrados em sua residência, sendo resultado de mandado cumprido em endereço diverso.

•   Os comprovantes fiscais de abastecimento de veículos referem-se exclusivamente à frota de veículos pertencentes à empresa Caio Construções e Serviços LTDA, do esposo da requerida

 

 1.3 Réplica, Instrução Processual e Memoriais das partes

 

O Ministério Público apresentou réplica (ID. 124621712) rebatendo a preliminar de nulidade da diligência, uma vez que os endereços referem-se ao mesmo local físico, e reiterando os pedidos da inicial.

Foi realizada audiência de instrução (ID. 124857034 e anexos), na qual foram ouvidas testemunhas, destacando-se os depoimentos dos agentes policiais que participaram das diligências e da secretária da investigada, a quem é imputada a propriedade do caderno de anotações.

O Ministério Público apresentou alegações finais no ID 124888960, requerendo a procedência da demanda pelas provas colhidas. Ainda, o Ministério Público reforça sua tese citando ainda a medida cautelar nº 0600493-12.2024.6.06.0033, realizada no distrito de Targinos, do município de Canindé/CE, que envolveu FRANCISCA NAIANE CAVALCANTE OLIVEIRA, apontada como integrante da facção criminosa GDE (Guardiões do Estado) e operadora política da investigada Lorena Oliveira Silveira, que resultou na apreensão de material indicativo de ilícito eleitoral e de material de campanha da própria investigada.

A defesa apresentou alegações finais no ID. 124905037, reiterando a preliminar de nulidade da busca e apreensão realizada, bem como as teses de defesa já apresentadas em contestação. Em acréscimo, cita os depoimentos de Kenia Midori Utima de Assis (auxiliar de escritório da empresa Caio Construções) , Silvio Carlos Sarmento de Oliveira (presidente da AMCAD) e Francisca Luciana Pereira de Castro (secretária do lar), que, segundo a versão defensiva, corrobora a justificativa quanto aos bens apreendidos.

Os autos vieram conclusos para sentença.

Relatados no essencial, passo a fundamentar e decidir.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 Da Preliminar de Nulidade da Busca e Apreensão

 

A defesa arguiu nulidade da busca e apreensão, alegando que a medida foi realizada em endereço diverso do constante no mandado judicial e autorizado da ação cautelar correspondente (autos nº 0600491-42.2024.6.06.0033). 

Sem razão.

De fato, observa-se que o Ministério Público Eleitoral requereu e foi deferida medida de busca e apreensão no “imóvel situado à Rua Francisco Laurismundo Gonçalves Marreiro, nº 262 e nº 266, bem como no imóvel vizinho, sem número, inclusive o térreo e o primeiro andar do referido prédio”.

Por outro lado, a ré alega que sua residência está situada na “- Rua Presidente Dutra, nº 262, Casa Altos, Alto Guaramiranga, Canindé-CE”

Ocorre que, conforme exposto em réplica ministerial, a pesquisa dos logradouros no Google Maps revela que os endereços divergentes correspondem ao mesmo local físico.

Trata-se de possível duplicidade na nomenclatura da mesma via pública, fenômeno comum quando há atualizações na denominação oficial das ruas.

Tal questão, meramente formal, não altera o fato de que o imóvel alvo da diligência é exatamente o mesmo que foi originalmente indicado na medida cautelar.

 Tanto assim o é que a investigada e seus familiares estavam presentes no local, que corresponde à residência familiar, durante a busca, conforme, inclusive, ostensivamente confirmado pela oral colhida.

Nesse sentido, a testemunha FRANCISCO OSMACI LUCENA PEREIRA, policial que participou do cumprimento do mandado:

 

 

que o mandado que o depoente e sua equipe cumpriram era na casa de Lorena; que o endereço do mandato era o endereço da residência dela; que quando chegaram no local, estava ela, o esposo e os filhos; que estavam lá na residência”

REJEITO, portanto, a preliminar de nulidade.

 

2.2 Do Mérito: Abuso de Poder Econômico e Captação Ilícita de Sufrágio

 

O ordenamento jurídico brasileiro, visando preservar a lisura do processo eleitoral, estabelece vedações claras ao abuso de poder econômico e à captação ilícita de sufrágio.

O art. 237 do Código Eleitoral dispõe:

"Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos."

A Lei Complementar nº 64/90, em seu art. 22, estabelece o procedimento para apuração desses ilícitos:

"Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito.  […]

XIV –julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar."

O art. 41-A da Lei nº 9.504/97 dispõe sobre a captação ilícita de sufrágio:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. 

Sobre o tema, o Tribunal Superior Eleitoral assim define o abuso de poder político:

(...) 10. Consoante jurisprudência deste Tribunal Superior, o abuso do poder político ou de autoridade insculpido no art. 22, caput, da LC no 64/90, caracteriza-se quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade e a legitimidade da disputa eleitoral em benefício de candidatura própria ou de terceiros (RO no 172365/DF, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 27.2.2018; RO no 466997/PR, Rel. Gilmar Mendes, DJe de 3.10.2016; REspe no 33230/ RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 31.3.2016). [...] (TSE – REspe no 40898/SC – DJe, t. 150, 6-8-2019, p. 71-72). Grifo nosso.

 

Em linhas gerais, as condutas que caracterizam abuso de poder político não se confundem com as que caracterizam o abuso de poder econômico. Em tese, tais ilícitos são independentes entre si, de sorte que um pode ocorrer sem que o outro se apresente.Entretanto, em diversos casos as duas figuras andam juntas. Esse fenômeno bem pode ser designado como abuso de poder “político-econômico”. 

O Tribunal Superior Eleitoral tem abordado essa espécie de abuso, in verbis:

(...) 3. O abuso de poder econômico entrelaçado com o abuso de poder político pode ser objeto de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), porquanto abusa do poder econômico o candidato que despende recursos patrimoniais, públicos ou privados, dos quais detém o controle ou a gestão em contexto revelador de desbordamento ou excesso no emprego desses recursos em seu favorecimento eleitoral. Precedentes: REspe n 28.581/MG, de minha relatoria, DJe de 23-9-2008; REspe n 28.040/ BA, Rel. Min. Ayres Britto, DJ de 1 -7-2008 (...) (TSE – AAI n 11.708/ MG – DJe 15-4-2010, p. 18-19).(Grifo nosso).

 

Assim, o abuso de poder econômico  se caracteriza pela utilização excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos materiais ou humanos que representem valor econômico, buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando assim a normalidade e a legitimidade das eleições.

O abuso de poder econômico, conforme delineado na doutrina jurídica eleitoral brasileira, emerge como uma afronta à isonomia e à legitimidade do processo eleitoral. Sua essência reside no emprego desmedido de recursos financeiros ou patrimoniais, públicos ou privados, com o fito de desequilibrar a disputa e angariar vantagens indevidas para determinadas candidaturas.

A configuração desse ilícito transcende a mera utilização de recursos, adentrando o terreno da finalidade e da gravidade. A doutrina exige que o emprego desses recursos seja capaz de macular a liberdade do voto e a igualdade de oportunidades entre os concorrentes, comprometendo a normalidade do pleito. A mera influência econômica, por si só, não configura abuso, sendo necessário que o uso dos recursos extrapole os limites da razoabilidade e da proporcionalidade.

Importante destacar que, nos termos do art. 7º da Resolução 23.735/2024 do TSE, não será considerada a potencialidade de alteração do resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que caracterizam o ato abusivo.

No caso dos autos, reputo que o conjunto probatório revela um esquema organizado de captação ilícita de votos mediante abuso de poder econômico, sendo a conduta extremamente reprovável e de grande repercussão quanto ao contexto específico da eleição no Município de Canindé.

No ponto, destaca-se o resultado da diligência realizada quando do cumprimento do mandado de busca e apreensão expedido no bojo da medida cautelar nº 0600491-42.2024.6.06.0033 (Procedimento Preparatório Eleitoral Nº 06.2024.00002573-7), procedimento, frisa-se, deflagrado justamente após indícios de “compra de votos” em imóvel vinculado à investigada.

Os materiais apreendidos, quando analisados em conjunto com a prova oral colhida e com as demais provas dos autos não deixam dúvidas quanto à caracterização do ato abusivo.

Transcrevo, para tanto, alguns trechos dos depoimentos de Cleidsom Pereira Fernandes e Francisco Osmaci Lucena Pereira, agentes da Polícia Civil que participaram das diligências na medida cautelar, e que mencionam a colheita das evidências (transcrição não-literal):

CLEIDSOM PEREIRA FERNANDES: Que no endereço da Lorena foi apreendido um caderno com anotações, vários medicamentos, trinta e poucos kits de higiene pessoal além de uma quantia em dinheiro que passava de cinquenta mil; que do esposo dela foi apreendido arma e munições; que eram munições de armas que ele não tinha a posse legal, tanto é que ele foi autuação na posse ilegal de munição; que ele tinha algumas armas que eram registradas e tinha munição de outro calibre; que o caderno de anotações foi apreendido na residência da Lorena; que foi localizado na cozinha da residência da Lorena e inclusive foi o depoente quem localizou esse caderno; que nesse caderno tinha nome completo de pessoas e a seção eleitoral, seguido de valores e observação de ok; que essa medicação que foi encontrada era em grande quantidade; que ela não tinha as receitas desses medicamentos; que ela falou que eram para uso dos familiares, mas acharam meio desproporcional pela quantidade que tinha; que tinham muito medicamentos; que ela não apresentou receita; que quanto ao caderno de anotação que o depoente apreendeu, ao questioná-la sobre, Lorena falou que seria da empregada e que ela desconhecia as referidas anotações; que nesse mesmo dia foram cumpridos outros mandados de busca e apreensão na localidade de Targinos e mais alguns em Canindé; que no cumprimento dos outros mandados em Targinos, a equipe encontrou cópias de títulos de eleitor, cópias de identidades e material de campanha da Lorena; que nesse local específico era uma pessoa que trabalhava para Lorena e inclusive parece que tinha uma locação de motos e fazia campanha para ela nessa localidade; que foram encontrados kits de higiene bucal; que Lorena falou que os kits seriam para uma instituição de caridade; que eram mais de trinta kits; que Lorena atribuiu que o dinheiro encontrado na casa seria do esposo e que ela não tinha conhecimento; que o dinheiro foi encontrado em um móvel de fundo falso no quarto do casal.

FRANCISCO OSMACI LUCENA PEREIRA: Que no dia nós recebemos a decisão judicial para o cumprimento; que foram até o alvo que ficava na casa da então candidata à vereadora; que lá encontraram dinheiro, alguns santinhos pertencentes a ela mesma, pois ela era candidata; que encontraram também armamento; que o armamento foi devolvido no mesmo dia porque estava regularizado, exceto algumas munições que o esposo dela não conseguiu comprovar; que encontraram também caderno de anotações, com nomes de pessoas e que ela não soube explicar bem; que tinha lá um caderno de anotações; que não se recorda se tinha a sessão, mas o depoente lembra que tinha o nome completo e valores; que alguns nomes tinham valores; que eram vários nomes; que não se recorda se tinha algo relacionado a combustível; que neste dia específico houve outro cumprimento de mandado de busca em Targinos; que foi outra equipe da polícia civil que foi até os Targinos e chegando lá eles também conseguiram materiais de campanha; que não se recorda especificamente o que era, mas teve sim uma outra busca em um outro endereço; que inclusive o alvo, salvo engano, não estava no imóvel; que o depoente não participou dessa diligência do Targinos e não sabe dizer se tinha santinho da candidata Lorena neste local; que não sabe dizer se tinham cópias de títulos de eleitores ou identidades; que o valor em espécie que foi encontrado na casa da candidata Lorena, na época, foi em torno de 50 e poucos mil reais; que quando do cumprimento da diligência tinham foto do imóvel; que a diligência ocorreu na casa do alvo; que foi no imóvel da candidata Lorena; que o imóvel era um duplex; que a equipe tomou conhecimento da intensa movimentação no imóvel por meio de denúncia de que estaria havendo compra de votos no local; que não foi a sua equipe que se dirigiu ao local para apurar; que deve ter sido outra equipe; que não sabe de alguém específico que teria sido alvo da compra de votos; que o mandado que o depoente e sua equipe cumpriram era na casa de Lorena; que o endereço do mandato era o endereço da residência dela; que quando chegaram no local, estava ela, o esposo e os filhos; que estavam lá na residência; que a equipe do depoente foi só pra casa dela, mas que teve outro alvo em relação a outra pessoa.

 

Depreende-se dos relatos acima transcritos que houve o cumprimento de mandado judicial na casa da então candidata Lorena, que se encontrava no imóvel junto a seu esposo e filhos. A residência na qual se deu o cumprimento do mandado judicial era efetivamente o domicílio de Lorena, consoante já analisado em tópico anterior. Outrossim, as testemunhas relatam a apreensão de diversos itens, reforçando o teor da inicial ministerial.

Vejamos alguns elementos.

A) Do Dinheiro em Espécie (R$ 56.626,00)

A apreensão de valor superior a cinquenta mil reais em espécie na residência da candidata, em contexto de véspera de eleições municipais (setembro de 2024), sem origem documentalmente justificada, constitui forte indício de recursos destinados à compra de votos.

O depoimento do agente policial CLEIDSOM PEREIRA FERNANDES sobre as circunstâncias da apreensão é esclarecedor:

"que o dinheiro foi encontrado em um móvel de fundo falso no quarto do casal; que Lorena atribuiu que o dinheiro encontrado na casa seria do esposo e que ela não tinha conhecimento."

Assim, observa-se que a alegação genérica de que o dinheiro pertencia à empresa do esposo da investigada não encontra respaldo contábil nos autos, não sendo crível que uma empresa idônea manteria quantias dessa magnitude em espécie, guardada em compartimentos ocultos da residência.

No ponto, reputo inverossímil o testemunho de Kenia Midori Utima de Assis, apresentada como auxiliar de escritório da empresa Caio Construções e Serviços Ltda, no sentido de que a quantia apreendida “era mantida em espécie para atender às demandas operacionais da empresa Caio Construções, como o pagamento de fornecedores e o abastecimento da frota de veículos”.

Isso porque é consabido que o dinheiro em espécie está, inclusive, em desuso, não sendo comum para pagamentos cotidianos de grande monta. 

Não foi apresentada, por exemplo, prova documental de  simples produção, consistente em extrato bancário em conta de titularidade da pessoa jurídica, comprovando eventual saque do valor semelhante, em data próxima, a conferir credibilidade à alegação de que o dinheiro seria da “empresa”.

Ademais, veja-se que a própria defesa se  contradiz quando diz que a empresa do marido da investigada “exige o manejo de quantias consideráveis de dinheiro especialmente em razão dos contratos firmados com diversos órgãos públicos”, sendo que, por regra, os contratos com órgãos públicos não envolvem dinheiro em espécie, justamente porque dificulta o rastreamento e a prestação de contas.

A tese defensiva, portanto, não merece a pretendida credibilidade.

B) DO CADERNO DE ANOTAÇÕES CONTENDO NOME DE ELEITORES E VALORES

O caderno apreendido contém elementos que evidenciam um sistema organizado de controle eleitoral e compra de votos. Segundo o depoimento de CLEIDSOM PEREIRA FERNANDES:

"que nesse caderno tinha nome completo de pessoas e a seção eleitoral, seguido de valores e observação de ok; que o caderno de anotações foi apreendido na residência da Lorena; que foi localizado na cozinha da residência da Lorena."

A tentativa de atribuir a responsabilidade pelo caderno exclusivamente à secretária não merece prosperar.

O depoimento de FRANCISCA LUCIANA PEREIRA DE CASTRO revela contradições significativas. Vejamos em transcrição não literal:

FRANCISCA LUCIANA PEREIRA DECASTRO: Que trabalhava para a vereadora Lorena; que organizava e agendava os compromissos dela e acompanhava ela nas reuniões; que estava presente no dia da busca e apreensão na casa da vereadora; que a depoente estava dormindo e eles chegaram batendo na porta; que pediram para a depoente sair do quarto para eles revistarem; que foi tranquilo. Afirmou-se que foi encontrado um caderno de anotação e a defesa pergunta se ela tinha conhecimento da existência desse caderno, ao que responde: sim, que no início a depoente fez umas anotações nesse caderno; que não sabia que não podia fazer isso das pessoas pedirem as coisas e você anotar; que chegava muita gente pedindo as coisas para a depoente e anotou; que depois a professora viu e chamou a atenção da depoente de que não podiam fazer e nem dar essas coisas; que desde então a depoente guardou o caderno; que o caderno era da depoente; que os policiais encontraram esse caderno no quarto da depoente; que no começo anotava demandas da população nesse caderno para levar para a professora Lorena; que não sabia que não podia; que ela chamou a atenção da depoente; que não jogou esse caderno fora porque não sabia que ia dar problema; que o caderno é da depoente e foi achado em seu quarto.

Foram apresentadas para a depoente algumas imagens do caderno de anotações (IDs. 124498773 a 124498776), ao que responde: que a letra mostrada no documento com ID final 73 não é da depoente; que as anotações do ID 74 também não são da depoente; que é sua letra na anotação de baixo; que essa anotação estava constando no caderno que foi encontrado em seu quarto; sobre a anotação mostrada no ID 75, que a de cima é da depoente; que também estava no caderno que foi encontrado em seu quarto; que a anotação mostrada no ID 76 não é da depoente.

Ao final afirma que: que no início, as pessoas procuravam a depoente e faziam pedidos diversos; que a depoente fazia as anotações; que quando a professora Lorena tomou conhecimento, mandou que a depoente parasse com essas anotações; que acompanhou a vereadora Lorena durante todo o período da campanha eleitoral; que durante esse período, nunca recebeu e nem tomou conhecimento de nenhuma pessoa receberam orientação da candidata Lorena para comprar votos; que nunca viu algo desse tipo; que não presenciou, tomou conhecimento e nem recebeu instrução para distribuir dinheiro, brinde, remédios, favor ou o que quer que seja em troca de votos para a vereadora Lorena; que não sabe dizer se era comum a vereadora guardar dinheiro em casa.

Passada a palavra para o Ministério Público a depoente responde: que não reconheceu a letra da maioria das anotações; que não sabe de quem são as outras anotações; que esse caderno de anotação era uma agenda pessoal da depoente; que não lembra como era a capa dessa agenda pessoal; que era uma capa bem aleatória; que não lembra se era de natureza; que foi alguém lhe deu; que tinha esse caderno de anotação há pouco tempo; que acha que a cor da capa era azul; que a agenda foi encontrada no quarto da depoente; que se lembra do nome dessa Joana Darc que falou com a depoente logo nos primeiros dias e anotou; que pelo que a depoente saiba, Joana Darc tinha só o voto dela; que lembra de ter colocado o nome da Joana Darc; que não lembra de ter colocado três votos; que não lembra de mais pessoas que tenha feito anotação; que essas pessoas não eram próximas da depoente; que não conhecia ninguém, era aleatório; que acha que foi em visitas; que não conhecia esse pessoal pois eram de Canindé e a depoente é do interior; que não morava na casa da vereadora Lorena; que estava lá só no momento que estava trabalhando; que estava lá por enquanto nos dias em que estava trabalhando; que trabalhava na organização da agenda dela e acompanhando ela nas reuniões; que era a agenda do que ela ia fazer durante o dia e com quem ela ia se encontrar; que Sandra chegou falando que queria passagem; que anotou ali achando que não tinha problema, mas quando passou para a vereadora, ela chamou a atenção da depoente de que não era para anotar essas coisas e que ela não trabalhava dessa forma; que não reconhece essas outras anotações; que essa letra não é sua; que dá para perceber a diferença da sua letra que é bem menor; que essas anotações são coisas pessoais suas; que era só a depoente que trabalhava com a Lorena na organização da agenda; que não faz ideia a quem possa ser atribuída as anotações que a depoente não reconhece; que isso não foi encontrado na casa dela; que só quem anotava era a depoente; que as anotações que foram encontradas com o nome da depoente eram suas; que a outra a depoente não faz deia de quem seja; que a depoente saía com a vereadora; que atendia essas pessoas quando estava com ela; que só acompanhava ela; que ela conversava com as pessoas; que nessa agenda, a depoente anotou quando chegou em casa; que anotava em seu celular; que só fez isso no primeiro dia porque não sabia que não podia.”

 

Em suma, a depoente se apresenta como funcionária da candidata Lorena, exercendo atividades de organização da agenda e acompanhamento de reuniões, alegando que o caderno encontrado era uma espécie de “agenda pessoal” e que teria sido utilizada por ela apenas no início da campanha, para anotar pedidos de eleitores.

Contudo, há afirmações da mesma depoente no sentido de que desconhece a boa parte das anotações contidas no caderno, que não reconhece parte da letra, que não sabe a quem poderia ser imputada as outras anotações, que não lembra como era a capa do caderno, que não conhecia as pessoas cujos nomes foram anotados.

Veja-se, portanto, que saltam aos olhos diversas contradições pois, a depoente alega que o caderno era de propriedade exclusiva sua mas i) não reconhece parte das anotações; ii) não reconhece a letra da maioria das anotações; iii) não sabe a quem pode ser atribuída as outras anotações; iv) não conseguiu dizer com exatidão detalhes simples como a cor e a forma da capa do caderno.

Portanto, a este juízo resta claro que há uma tentativa de atribuir a responsabilidade integral pelo caderno de anotações apreendido, onde constam registros com nomes de eleitores, seções de votação, valores e logística, unicamente para a secretária da investigada, fato que não condiz com todo o acervo probatório constante dos autos. 

Ademais, independentemente da “propriedade” do caderno, não há como negar que a investigada conhecia as anotações. Isso porque, conforme afirmou a própria secretaria, os registros foram levados ao conhecimento da investigada, que, portanto, tinha ciência do conteúdo do caderno, que, em realidade, evidencia uma estratégia de campanha de Lorena.

C) Dos Medicamentos e Kits de Higiene

A apreensão de medicamentos em grande quantidade e de mais de 30 kits de higiene pessoal, no contexto de véspera eleitoral, somada às outras evidências dos autos, configura, sem sombra de dúvidas,  prática assistencialista ilícita, com finalidade eleitoral.

A alegação de que os kits de higiene se destinavam à instituição beneficente, qual seja, Associação Missionária Casa de Deus (AMCAD) não afasta o caráter ilícito, pois mesmo doações a causas legítimas, a depender do contexto em que realizadas, podem assumir conotação abusiva.

Quanto aos medicamentos, não encontra guarida, pela quantidade, a afirmação  de que o material seria para uso rotineiro da família e/ou de empregados da empresa.

O depoimento policial confirma a desproporcionalidade:

"que essa medicação que foi encontrada era em grande quantidade; que ela não tinha as receitas desses medicamentos; que ela falou que eram para uso dos familiares, mas acharam meio desproporcional pela quantidade que tinha."

Soma-se a isso o fato de que não foram apresentados receitas médicas ou notas fiscais dos medicamentos apreendidos, sugerindo, pois mais uma razão, sua finalidade ilícita.

Acrescenta-se que não se pode olvidar que as diligências iniciais da Polícia Civil relatou pontaram intensa movimentação de pessoas no local da candidata (diligências realizadas nos dias 26 e 27 de setembro de 2024), "muitas saindo com sacolas cheias, sugerindo distribuição de materiais ou dinheiro".

D) Da Operação em Targinos

Por fim, e pelo nexo fático que possui com esta apuração, deixo registrado que há nos autos informação de que no mesmo dia em que cumprida a medida cautelar de busca e apreensão na residência da investigada, foi cumprido outro mandado de busca e apreensão nos autos da medida cautelar nº 0600493-12.2024.6.06.0033, especificamente na comunidade rural de Targinos, distrito do município de Canindé/CE, para apurar a conduta da Sra Francisca Naiane Cavalcante Oliveira, apontada como operadora política do distrito.

 

Nessa seara, de acordo com o Relatório Circunstanciado, Naiane atuava diretamente em prol da candidatura de LORENA OLIVEIRA SILVEIRA, tendo sido identificada como responsável pela administração de um ponto de apoio eleitoral vinculado à investigada, gerenciando a locação de motocicletas para sua campanha.

 

Na diligência teriam sido apreendidos cupons fiscais de compras de combustíveis; 01 (um) caderno com anotações contendo dados de eleitores; 03 (três) folhas avulsas com anotações de nomes de eleitores e respectivos valores associados; 51 (cinquenta e uma) cópias de documentos pessoais de eleitores, incluindo títulos de eleitor e documentos de identidade, bem como material de campanha da própria candidata Lorena.

 

2.3 Da Caracterização do Ilícito

O conjunto probatório evidencia a prática de abuso de poder econômico caracterizada pela utilização de recursos financeiros expressivos para implementar esquema de captação ilícita de sufrágio mediante:

1.         Distribuição de dinheiro: evidenciada pela quantia em espécie apreendida e pelas anotações de valores associados a eleitores;

2.         Práticas assistencialistas: mediante distribuição de medicamentos e kits de higiene com finalidade eleitoral;

3.         Organização sistemática: através do caderno de controle de eleitores e da rede de operadores políticos;
 

A gravidade das circunstâncias é evidenciada pela:

•   Sistematicidade: as práticas não foram pontuais, mas organizadas e reiteradas;

•   Expressividade dos recursos: mais de R$ 56.000,00 em espécie, além dos materiais distribuídos;

•   Organização: caderno de controle, rede de operadores, logística de transporte;

•   Abrangência: atingindo não apenas a sede do município, mas também distritos rurais.

Tais condutas, praticadas em período eleitoral por candidata, com finalidade evidente de captação ilícita de sufrágio, configuram flagrante violação aos princípios da isonomia e da legitimidade do processo eleitoral.

 

3. DISPOSITIVO

Ante o exposto, com fundamento no art. 22, XIV, da Lei Complementar nº 64/90 c/c art. 14, § 9º, da Constituição Federal JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados para: a) CASSAR o diploma eleitoral de LORENA OLIVEIRA SILVEIRA, eleita ao cargo de vereadora de Canindé/CE nas eleições de 2024; b) DECLARAR a inelegibilidade de LORENA OLIVEIRA SILVEIRA pelo prazo de 8 (oito) anos, subsequentes às eleições municipais de 2024.

 

Decorrido o prazo legal, não havendo interposição de recurso, certifique-se o trânsito em julgado e arquive-se.

 

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

 

Expedientes necessários de ordem.

 

 

Rhaila Carvalho Said

Juíza Eleitoral da 33ª ZE/CE