JUSTIÇA ELEITORAL
028ª ZONA ELEITORAL DE JUAZEIRO DO NORTE CE
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0600201-42.2024.6.06.0028 / 028ª ZONA ELEITORAL DE JUAZEIRO DO NORTE CE
AUTOR: FÉ, UNIÃO E TRABALHO[FEDERAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA - FE BRASIL(PT/PC DO B/PV) / REPUBLICANOS / MDB / PRD / PRTB / PSB / PSD / AVANTE / AGIR / MOBILIZA / SOLIDARIEDADE] - JUAZEIRO DO NORTE - CE
Advogados do(a) AUTOR: LUCIANO ALVES DANIEL - CE14941, CICERO IGOR LIMA ALVES - CE39507, FILIPE MACEDO CRUZ TAVARES - CE48039, RENATO RONNEY LANDIM DE MACEDO - CE31759, WELLINGTON RIBEIRO ARARUNA - CE45842, PEDRO YAN ARAUJO SILVA - CE54778
REU: GLEDSON LIMA BEZERRA, JOSE TARSO MAGNO TEIXEIRA DA SILVA
Advogados do(a) REU: DAMIAO SOARES TENORIO - CE26614-B, PEDRO HENRIQUE MARTINS ARAUJO MENEZES - CE49575, LUANNA PEREIRA DE FREITAS - CE44124, ANTONIO JOSE DOS SANTOS MAIA - CE15059, VITOR SILVESTRE GRANJA - CE47345, PEDRO AUGUSTO SOUZA BASTOS DE ALMEIDA - AL14398, ESTEVAO MOTA SOUSA - CE46400
Advogados do(a) REU: DAMIAO SOARES TENORIO - CE26614-B, PEDRO HENRIQUE MARTINS ARAUJO MENEZES - CE49575, LUANNA PEREIRA DE FREITAS - CE44124, ANTONIO JOSE DOS SANTOS MAIA - CE15059, VITOR SILVESTRE GRANJA - CE47345, PEDRO AUGUSTO SOUZA BASTOS DE ALMEIDA - AL14398, ESTEVAO MOTA SOUSA - CE46400
SENTENÇA
1. Relatório.
Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) proposta pela Coligação FÉ, UNIÃO E TRABALHO contra GLÊDSON LIMA BEZERRA, prefeito eleito, e JOSÉ TARSO MAGNO TEIXEIRA DA SILVA, vice-prefeito eleito, ambos do município de Juazeiro do Norte/CE.
A inicial descreve a prática de arrecadação e gastos ilícitos de campanha, bem como abuso de poder político e econômico. Sustenta-se que o primeiro promovido utilizou aeronave de propriedade de pessoa jurídica para deslocamentos em campanha eleitoral sem o devido registro das despesas na prestação de contas. Além disso, como Prefeito Municipal, teria promovido um vultoso incremento de gastos em programas sociais (óculos, lentes, aparelhos auditivos e cestas básicas) em período vedado pela lei eleitoral, sem justificativa legal ou proporcional ao crescimento de situações emergenciais.
O pedido de tutela de urgência foi indeferido. O autor emendou a inicial, solicitando a inclusão de rol testemunhal, juntada de documentos e reconsideração da decisão liminar, sendo o pedido de emenda e juntada de documentos deferido, mas a reconsideração negada.
Os promovidos apresentaram contestação, alegando que o uso da aeronave ocorreu devido a atraso em voo comercial e que o custo foi pago pelo partido, devendo constar na prestação de contas anual do partido e não como gasto de campanha. Afirmaram que a conduta não violou a isonomia nem gerou desequilíbrio na disputa eleitoral, visto que o adversário também participou do debate. Argumentaram que o gasto da pré-campanha foi modesto em comparação ao total da campanha. Em relação aos programas sociais, justificaram a aquisição de órteses e próteses como prestação de serviços públicos essenciais , o aumento na distribuição de óculos e lentes devido a uma demanda reprimida e um mutirão de consultas oftalmológicas, além de cumprimento de lei municipal e busca de ampliação da série histórica para correção de repasses federais. Sobre as próteses dentárias, alegaram que o número nos meses de campanha foi inferior aos demais. Quanto aos aparelhos auditivos, afirmaram que não houve incremento e que notas fiscais pagas no período eleitoral se referiam a empenhos anteriores.
Em decisão de saneamento, foram fixados os pontos controvertidos da ação e determinada a comprovação de inexistência de litispendência com a AIJE nº 0600200-57.2024.6.06.0028, referente à distribuição de cestas básicas. O autor manifestou-se pela inexistência de litispendência.
Foi designada e realizada audiência de instrução em 11 de abril de 2025, na qual foram tomadas declarações e depoimentos de JONATAS RIBEIRO MACÊDO, JOSINEIDE PEREIRA DE SOUSA LIMA, VICENTE DE PAULO CLEMENTE, YAGO MATHEUS NUNES ARAÚJO, RENATA KELLY MOURA DE ARAÚJO LOPES, ANA LÉSCIA MAGALHAES BORGES, VERÔNICA LEITE MACHADO e ROBERTO LUÍS BORGES VERA CRUZ JÚNIOR.
Após a audiência, as partes e o Ministério Público Eleitoral solicitaram a juntada de documentos adicionais. Foram acostados relatórios de concessão de cestas básicas (SEDEST) e distribuição de aparelhos auditivos, óculos de grau e próteses dentárias (SESAU). As partes apresentaram suas alegações finais por memoriais escritos.
O Ministério Público Eleitoral manifestou-se pela procedência parcial dos pedidos, defendendo a cassação dos diplomas dos investigados Glêdson Lima Bezerra e José Tarso Magno Teixeira da Silva, pela utilização indevida da máquina administrativa para distribuição de bens e serviços públicos em patamares desproporcionais nos meses anteriores às eleições.
É o relatório. Decido.
2. Fundamentação.
2.1. Aspectos processuais.
Partes legítimas e bem representadas. Regularidade na formação dos pólos ativo e passivo. Causa de pedir e pedidos não defesos em lei. Devido processo legal observado.
No tocante à continência eventualmente existente entre a presente ação de investigação judicial eleitoral e a AIJE 0600200-57.2024.6.06.0028, tendo em vista que ambas questionam o auxílio alimentação prestado pelo município de Juazeiro do Norte através da distribuição de cestas básicas à população de baixa renda, com repercussão eleitoral, deixei para enfrentar o ponto após analisar as provas apresentadas, para verificar se elas se refeririam ou não aos mesmos fatos.
Com efeito, para que se caracterize a conexão entre ações, elas devem possuir em comum o pedido ou a causa de pedir, nos termos do art. 55 do CPC que assim dispõe:
Art. 55. Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.
Então, após analisar a prova apresentada nesta AIJE e antes de adentrar no mérito da lide, constato a inexistência de conexão entre as duas ações em comento.
De fato, o objeto desta AIJE é a suposta prática de abuso de poder político, consubstanciado no aumento irregular dos gastos e das respectivas entregas de bens (aparelhos auditivos, próteses dentárias e outros) em 2024, relativamente a programas sociais mantidos pela Prefeitura de Juazeiro do Norte, incluindo-se cestas básicas, com finalidade eleitoreira. Em outra mão, na AIJE 0600200-57.2024.6.06.0028 discute-se a pretensa captação ilícita de sufrágio por meio de doações específicas de cestas básicas, a determinados eleitores, em troca de votos a favor dos promovidos.
Portanto, diante de os fatos narrados nas referidas iniciais serem distintos e ocorridos em contextos diversos, não há falar em litispendência ou continência, razões pelas quais não as reconheço.
Fixadas tais premissas, passo à apreciação do mérito.
2.2. Mérito.
2.2.1. Intróito.
Sobre a Ação de Investigação Judicial Eleitoral, o art. 22, da Lei Complementar nº 64/1990, dispõe:
"Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito. [...]"
Na lição de José Jairo Gomes (José Jairo Gomes. Direito Eleitoral – 20ª ed., rev., atual. e reform.- Barueri [SP]: Atlas, 2024. p. 1702), o abuso de poder político é “uma forma de abuso de poder de autoridade, pois ocorre na esfera público-estatal sendo praticado por autoridade pública. Consubstancia-se no desvirtuamento de ações ou atividades desenvolvidas por agentes públicos no exercício de suas funções. A função pública ou a atividade da Administração estatal é desviada de seu fim jurídico-constitucional com vistas a condicionar o sentido do voto e influenciar o comportamento eleitoral de cidadãos.
Sobre o tema, o Tribunal Superior Eleitoral definiu o abuso de poder político nos seguintes termos:
(...) 10. Consoante jurisprudência deste Tribunal Superior,o abuso do poder político ou de autoridade insculpido no art. 22, caput, da LC no 64/90, caracteriza se quando o agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade e a legitimidade da disputa eleitoral em benefício de candidatura própria ou de terceiros
(RO no 172365/DF, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 27.2.2018; RO no 466997/PR, Rel. Gilmar Mendes, DJe de 3.10.2016; REspe no 33230/ RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 31.3.2016). [...] (TSE – REspe no 40898/SC – DJe, t. 150, 6-8-2019, p. 71-72 - Grifei).
No acórdão proferido no AgR-AREspE nº 060072049, o TSE refere o posicionamento cristalizado pela Corte acerca da caracterização do abuso de poder político:
“Nos termos da jurisprudência desta Corte, o abuso de poder político configura–se quando a legitimidade das eleições é comprometida por condutas de agentes públicos que, valendo–se de sua condição funcional, beneficiam candidaturas mediante desvio de finalidade. Requer–se, ainda, nos termos do art. 22, XVI, da LC 64/90, a "gravidade das circunstâncias que o caracterizam", a ser aferida a partir de aspectos qualitativos e quantitativos do caso concreto.”
(Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Regimental No Agravo Em Recurso Especial Eleitoral 060072049/RJ, Relator(a) Min. Isabel Gallotti, Acórdão de 17/10/2024, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 191, data 24/10/2024).
No REspEl nº 060056430, a Corte TSE assentara:
“Consoante jurisprudência deste Tribunal, o abuso de poder político se caracteriza como o ato de agente público (vinculado à administração ou detentor de mandato eletivo) praticado com desvio de finalidade eleitoreira, que atinge bens e serviços públicos ou prerrogativas do cargo ocupado, em prejuízo à isonomia entre candidaturas” (AIJE 0600814–85, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 2.8.2023).
(Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral 060056430/SC, Relator(a) Min. Floriano De Azevedo Marques, Acórdão de 15/08/2024, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 144, data 23/08/2024).
As situações caracterizadoras dessa espécie de abuso de poder são as mais variadas possíveis, dada a fluidez do conceito. O citado doutrinador José Jairo Gomes (José Jairo Gomes, op. cit., p. 1705) esclarece “o conceito de abuso de poder político pode ser preenchido por fatos ou situações tão variados quanto os seguintes: uso, doação ou disponibilização de bens e serviços públicos, desvirtuamento de propaganda institucional, manipulação de programas sociais, contratação ilícita de pessoal ou serviços, ameaça de demissão ou transferência de servidor público, convênios urdidos entre entes federativos estipulando a transferência de recursos às vésperas do pleito, concessão de perdão e anistia a infratores.” Como sói ocorrer, o abuso de poder político pode ser praticado por meio de ações do ente público ou condutas do agente púbico que aparentem, inicialmente, maquiada legalidade, mas que se revelam abusivas, no caso concreto, por se afastarem de sua finalidade pública.
Nessa linha, entende o TSE que “ainda que determinado programa social possua lei e execução orçamentária prévias, as nuances do caso concreto podem revelar desvirtuamento e prática abusiva, conforme voto do e. Ministro Gilmar Mendes no REspe 15-14/PE, DJE de 16.5.2016.” (AgR-RO no 0001307- 91.2014.6.18.0000-PI, Acórdão de 25/4/2017, Rel. Min. Herman Benjamin, DJE de 22/6/2018).
Neste sentido: “...a fraude à lei (fraus legis) caracteriza-se pela prática de conduta que, à primeira vista, consiste em regular exercício de direito amparado pelo ordenamento jurídico, mas que, na verdade, configura burla com o objetivo de atingir finalidade proibida pela norma jurídica. Em outras palavras, é ato com aparência de legalidade, porém dissimulado, cuja ilicitude emerge a partir da conjugação das circunstâncias específicas no exame de um caso concreto. (TSE - RO-El: 06014077020226160000 CURITIBA - PR 060140770, Relator.: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento: 16/05/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 112).
Ainda sobre a nuance destacada, é pertinente a citação de trecho do voto proferido pelo e. Ministro Edson Fachin no bojo do REspe 193-921P1:
"No Brasil, ao contrário do que ocorre com institutos assemelhados, como a simulação, o abuso de forma e o abuso de direito, e também como ocorre em alguns países. como a Itália e a Espanha, não há uma definição legal expressa para a fraude à lei, o que não significa que o ordenamento pátrio seja, a ela indiferente.
O ato de fraude à lei já havia sido referido no Digesto (D. 1, 3, 29), em contraste com a sua sirnples violação, no sentido de que "age contra a lei aquele que faz o que a lei proibe; age em fraude à lei aquele que, respeitando as palavras da lei, elude o seu sentido".
Essa conceituação, de alguma maneira, guarda atualidade, pois a doutrina configura a fraude à lei quando alguém realiza um ato, invocando o amparo de determinada norma (lei de cobertura), com a intenção de atingir fins vedados por outra norma legal (norma defraudada).
(...)
Como decorrência dessa nova realidade, o Direito tem procurado impedir que as normas jurídicas sejam utilizadas para lograr finalidades não acolhidas pelos princípios que o estruturam. Exige-se, na atual quadra, uma integridade sistêmica que se revela, também, pela coerência dentre regras e princípios.
Assim, existirá fraude à lei quando for utilizada uma norma jurídica, com o propósito de eludir a aplicação de outra. Ou seja, a fraude à lei decorrerá sempre de um ato jurídico formalmente legítimo, impedindo a obtenção do resultado ou fim prático que a norma se propõe. Estão envolvidas, portanto, duas normas: a chamada "norma de cobertura" (consistente numa regra) que é observada e a "norma defraudada" (consistente num princípio) que é aquela violada e é definidora de fins. Trata-se, enfim, por via indireta e pela prática de um ou vários atos lícitos, de obter um resultado que o Direito proíbe." (REspe 193-921P1, de minha relatoria, com julgamento concluído em 17/9/2019 – Grifei).
Desta sorte, o fenômeno da fraude à lei se consubstancia pela prática de ato jurídico que, conquanto legítimo sob o aspecto estritamente formal, tem por real finalidade a obtenção de resultado outro que não aquele colimado pela norma.
O abuso de poder político pode, ainda, encontrar-se entrelaçado com o mau uso do poder econômico, caracterizando o abuso de poder econômico, na forma do § 1º, do art. 6º, da Res. TSE nº 23.735/2024 que assim estabelece:
“O abuso de poder político evidenciado em ato que possua expressão econômica pode ser examinado também como abuso de poder econômico”
Assim, o abuso de poder econômico se configura pela utilização indevida de recursos financeiros ou patrimoniais em favor de partido, coligação ou candidato, desequilibrando a disputa eleitoral, afetando a legitimidade e a normalidade do correspondente certame, nos termos da jurisprudência do TSE:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CONTRATAÇÃO DE PARCELA SIGNIFICATIVA DO ELEITORADO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CARACTERIZAÃO. NEXO CAUSAL. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES.
1. A utilização de recursos patrimoniais em excesso, públicos ou privados, sob poder ou gestão do candidato em seu benefício eleitoral configura o abuso de poder econômico. (Grifei).
(...) 4. Recurso Especial conhecido e provido.
(TSE - Recurso Especial Eleitoral nº 191868, Acórdão de 04/08/2011, Relator (a) Min. GILSON LANGARO DIPP, Publicação: DJE – Diário da Justiça Eletrônico, Data 22/08/2011, Página 14).
No caso vertente, segundo a coligação autora, o promovido GLÊDSON LIMA BEZERRA teria praticado o abuso de poder político e econômico por meio da utilização de aeronave pertencente à pessoa jurídica, para deslocamento em sua campanha eleitoral, sem o devido registro da despesa na respectiva prestação de contas, assim como pelo aumento injustificado de gastos e doações em programas sociais em período defeso, com finalidade eleitoreira.
Após detida análise dos autos, constatei uma complexidade de atos administrativos estrategicamente embricados, praticados em série pela máquina pública municipal, que traçou movimentos concomitantes para a obtenção de resultados eleitoreiros, há semanas das eleições, com secundárias repercussões econômicas. No de disputa eleitoral, são indissociáveis o abuso do poder político e o abuso do poder econômico. A prática de um conjunto de ações administrativas conectadas, com finalidade dissimulada, teve, como decorrência desejada, a distribuição recorde de bens a munícipes de baixa renda.
Tais realizações administrativas, agitadas com o objetivo de enebriar a vontade do eleitor e conquistar os sentimentos do cidadão carente, constituem claro artifício do qual eram desamparados os demais candidatos no pleito, violando a isonomia resguardada em lei.
Ora, seguindo a ordem cronológica dos eventos, o abuso do poder político, praticado com o desencadeamento de atos administrativos cuidadosamente esquadrinhados, antecedeu aos resultados econômicos obtidos no segundo semestre de 2024. Então, revela-se correto o entendimento, para o fim de identificação da conduta dos investigados neste decisum, pela prática do abuso do poder político.
2.2.3. Das práticas apontadas como abuso do poder político.
A - Uso de aeronave de propriedade de pessoa jurídica para deslocamentos em campanha eleitoral sem o devido registro das despesas na prestação de contas.
Volvendo às provas dos autos, é incontroversa a utilização de aeronave de propriedade de pessoa jurídica para deslocamento do promovido em contexto de campanha eleitoral.
Igualmente, não é ponto controvertido pelas partes o aumento de gastos, pelo Município de Juazeiro do Norte/CE, em “programas sociais”, vedado durante o período eleitoral,.
A controvérsia reside em estabelecer, no caso do uso da aeronave, se o fato ostentou gravidade suficiente para macular a normalidade e a legitimidade do pleito e se, no caso do incremento dos gastos com programas sociais, se a conduta pode ser enquadrada na ressalva trazida pela legislação eleitoral.
Quanto à primeira imputação, uso da aeronave sem registro na prestação de contas, vejo que a conduta reportada, isoladamente considerada, não possui dimensão apta a afetar o bem jurídico tutelado pela norma, a saber, a normalidade e a legitimidade do pleito, não possuindo gravidade suficiente para desequilibrar a disputa eleitoral em questão.
Sobre o tema, confira o que assentou o TSE:
ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE SEGUIMENTO . ACÓRDÃO REGIONAL. SUPOSTAS OMISSÃO E OBSCURIDADE. AUSÊNCIA. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL . AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. PREFEITO. VICE–PREFEITO. RECONHECIMENTO, PELA CORTE DE ORIGEM, APENAS DE BREVE APARIÇÃO DE UM ÚNICO HELICÓPTERO EM SOBREVOO AO INÍCIO E TÉRMINO DE UMA CARREATA, REALIZADA HÁ MAIS VINTE DIAS ANTES DAS ELEIÇÕES . ABUSO DO PODER ECONÔMICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. GRAVIDADE. NÃO EVIDENCIADA . DEMAIS FATOS ATRIBUÍDOS AOS DEMANDADOS. INEXISTÊNCIA DE PROVA ROBUSTA E INEQUÍVOCA. VERBETES SUMULARES 24, 28 E 30 DO TSE. INCIDÊNCIA .SÍNTESE DO CASO1. Trata–se de agravo regimental interposto em face de decisão monocrática, por meio da qual foi negado seguimento a agravo em recurso especial e, por conseguinte, mantido o acórdão regional que, por maioria, deu provimento a recurso para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos formalizados na AIJE 0600238–1.2020.6 .06.0028 e na AIME 0600001–40.2021.6 .06.0028, ajuizadas em desfavor de Gilmar Luiz Bender e de Glêdson Lima Bezerra e Giovanni Sampaio Gondim, candidatos eleitos aos cargos de prefeito e vice–prefeito do Município de Juazeiro do Norte/CE nas Eleições de 2020, por entender não comprovada a prática de abuso do poder econômico.ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL2. Deve ser rejeitada a alegação de afronta aos arts . 275 do Código Eleitoral e 1.022 do Código de Processo Civil, apta a ensejar a suposta nulidade do acórdão regional, na medida em que não se vislumbram vícios do julgado regional quanto aos pontos suscitados pelos agravantes, isto é:a) é improcedente a alegação de que , pois depreende–se do aresto regional alusivo aos embargos de declaração que o Tribunal a quo assentou que o caso não apresenta ilegalidade qualificada, marcada pela má–fé do candidato, apta a interferir na lisura do pleito, e que a conduta não foi suficiente para comprometer a legitimidade do pleito e ensejar a procedência da ação de investigação judicial eleitoral fundada no referido dispositivo legal. A esse respeito, pontuou a Corte de origem que "a conclusão, no caso, pela ausência de prova robusta dos fatos que implicariam abuso de poder também tem repercussão na análise do art. 30–A, por serem exatamente os mesmos" e, ainda que as contas de campanha dos demandados tenham sido desaprovadas, tal fato, por si só, não é suficiente para configurar o ilícito previsto no art . 30–A da Lei das Eleicões, sendo "forçoso reconhecer a ausência no caso de relevância jurídica capaz de vulnerar os bens jurídicos tutelados";b) deve ser rejeitada a afirmação de obscuridade do aresto em relação ao alegado despejo de material gráfico por meio de helicóptero na noite do dia 14.11.2020, sob o argumento de que não teriam sido analisados detidamente os vídeos, os testemunhos e o aplicativo Pardal. Quanto ao ponto, a Corte de origem, de forma clara, concluiu que não foi comprovada a utilização de helicóptero no dia citado, tampouco que tenha havido derrame de santinhos a partir de alguma aeronave, colhendo–se do voto condutor do acórdão regional que o suposto fato não foi confirmado por nenhum documento oficial, assim como as denúncias oriundas do sistema Pardal não apresentam evidências contundentes que conduzam à certeza a esse respeito e os depoimentos das testemunhas arroladas pela parte autora da ação veiculam declarações tendenciosas e contraditórias com as provas dos autos, além do que, "as imagens e vídeos que instruem a Inicial não revelam de onde foram jogados os santinhos e panfletos retratados, nem mesmo os vídeos que subsidiam as denúncias oriundas do Sistema Pardal do TSE";c) não se vislumbra obscuridade ou omissão no que diz respeito ao argumento de que o acórdão recorrido não teria esclarecido se o uso de helicóptero foi realizado de forma ilegal, sem prestação de contas das despesas ou mediante doação de pessoa jurídica, ou se se tratou de manifestação espontânea e unilateral do apoiador Gilmar Luiz Bender, sem anuência dos candidatos . Isso porque, embora a Corte de origem tenha assentado que ficou comprovada apenas a utilização de um helicóptero no dia 24.10.2020, pelo período de vinte minutos no início e no fim da carreata dos candidatos demandados, a conclusão do aresto regional foi clara no sentido da inexistência de abuso do poder econômico, entre outras razões, porque não foi possível reconhecer, de forma segura, a suposta distribuição de santinhos ou material de propaganda nesse evento, e, demais disso, por não se vislumbrar gravidade da conduta e sua eventual aptidão para comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito.3 . Na linha da jurisprudência deste Tribunal Superior, devidamente enfrentadas as matérias pela Corte de origem, não há falar em violação ao art. 275 do Código Eleitoral e ao art. 1.022 do Código de Processo Civil, pois "a omissão apta a ser suprida pelos declaratórios é aquela advinda do próprio julgamento e prejudicial à compreensão da causa, não aquela deduzida com o fito de provocar o rejulgamento da demanda ou modificar o entendimento manifestado pelo julgador" (ED–AgR– AI 10 .804, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 1º.2 .2011).4. Os agravantes alegam que não incidiria o verbete sumular 24 do TSE, sob o argumento de que a matéria discutida no recurso especial é exclusivamente de direito e que os fatos – uso de helicóptero privado para derrame de material publicitário eleitoral e omissão de despesas na prestação de contas dos candidatos demandados – seriam incontroversos e constariam expressamente no acórdão regional, como se inferiria de trecho do voto divergente, pretendendo o apelo nobre apenas a sua interpretação jurídica.5 . Diversamente do que alegam os agravantes, o Tribunal de origem examinou o acervo fático–probatório dos autos e concluiu que ficou comprovado apenas o uso do helicóptero de matrícula PR–GCJ, durante o período de vinte minutos – o que corresponde a menos de R$ 6.000,00 –, entre o início e o fim da carreata realizada no dia 24.10.2020, concluindo pela inocorrência de abuso do poder econômico e político na espécie, notadamente porque, entre outras razões: i) não foi possível reconhecer de forma segura a distribuição de santinhos ou de material de campanha, em 24 .10.2020, por meio do referido helicóptero, nem que houve sobrevoo da aeronave no dia 14.11.2020, isto é, à véspera do pleito, em razão das incongruências entre os depoimentos prestados e a ausência de prova robusta; ii) não foi possível identificar gravidade apta a comprometer a legitimidade do pleito, pois os fatos nem sequer foram comprovados de forma robusta e inequívoca .6. Diante dos fundamentos do acórdão recorrido, reafirma–se que, para acolher as alegações recursais, a fim de entender comprovado o alegado abuso do poder econômico, seria necessária nova incursão nas provas dos autos, o que não se admite em recurso especial, a teor do verbete sumular 24 do TSE.7. Não obstante as alegações recursais e como anotado na decisão agravada, os agravantes se limitaram a transcrever as ementas dos acórdãos apontados como paradigmas, sem, todavia, realizar o necessário cotejo analítico entre os julgados confrontados, a fim de demonstrar a suposta divergência jurisprudencial, o que atrai a incidência do verbete sumular 28 deste Tribunal Superior . Nesse sentido: "Cotejar significa confrontar as teses das decisões colocadas em paralelo, de modo que a mera transcrição das ementas dos julgados não implica demonstração da divergência" (AgR–REspe 126–43, rel. Min. Nancy Andrighi, PSESS em 6.11 .2012). Igualmente: AgR–REspEl 0601131–14, rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 2 .10.2019.8. Na espécie, a conclusão da maioria do Tribunal Regional Eleitoral, soberano no exame de fatos e provas, foi no sentido de que não ficou configurado abuso do poder econômico, por não haver como identificar gravidade apta a comprometer a legitimidade das eleições na breve aparição de um único helicóptero em sobrevoo ao início e término de uma carreata, realizada há mais vinte dias antes do pleito eleitoral, e de que os demais fatos imputados aos demandados – distribuição de material de campanha em 24 .10.2020, por meio do helicóptero, sobrevoo da aeronave no dia 14.11.2020, compra indevida de combustível e distribuição de santinhos contendo desinformação – não foram comprovados de forma robusta e inequívoca .9. A alegação de que o acórdão regional não estaria em consonância com a orientação desta Corte Superior não se sustenta, pois, tal como anotado na decisão agravada, a conclusão do Tribunal a quo está alinhada com a jurisprudência do TSE, segundo a qual "para se caracterizar o abuso de poder, impõe–se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não constitui mais fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento" (AIJE 0601779–05, rel. Min . Luís Felipe Salomão, DJE de 11.3.2021).CONCLUSÃOAgravo regimental a que se nega provimento .
(TSE - AREspEl: 06000014020216060028 JUAZEIRO DO NORTE - CE 060000140, Relator.: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 28/04/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 86)
Sobre o requisito da gravidade da conduta para a caracterização do abuso de poder político, posiciona-se a jurisprudência do TSE:
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2022. ELEIÇÃO PRESIDENCIAL. CANDIDATO À REELEIÇÃO. COLETIVAS DE IMPRENSA. DIVULGAÇÃO DE APOIOS. MANIFESTAÇÕES. GOVERNADORES REELEITOS. ATO PÚBLICO DE CAMPANHA. PALÁCIO DA ALVORADA. BEM PÚBLICO. ESPAÇO NÃO ACESSÍVEL A OUTRAS CANDIDATURAS. SIMBOLISMO. DESVIO ELEITORAL. USO INDEVIDO. ART. 73, I, LEI Nº 9.504/1997. VIOLAÇÃO OBJETIVA. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE. ABUSO DE PODER POLÍTICO NÃO CONFIGURADO.
IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS.
(…)
II. Mérito
Premissas de julgamento
13. O abuso de poder político se caracteriza como o ato de agente público (vinculado à Administração ou detentor de mandato eletivo) praticado com desvio de finalidade eleitoreira, que atinge bens e serviços públicos ou prerrogativas do cargo ocupado, em prejuízo à isonomia entre candidaturas.
14. A gravidade é elemento típico das práticas abusivas, que se desdobra em um aspecto qualitativo (alto grau de reprovabilidade da conduta) e outro quantitativo (significativa repercussão em um determinado pleito). Seu exame exige a análise contextualizada da conduta, que deve ser avaliada conforme as circunstâncias da prática, a posição das pessoas envolvidas e a magnitude da disputa.
(...)
(Tribunal Superior Eleitoral. Ação De Investigação Judicial Eleitoral 060166527/DF, Relator(a) Min. Benedito Gonçalves, Acórdão de 19/10/2023, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 21, data 22/02/2024 – Grifei).
Logo, por não ser revestido de gravidade apta a malferir a higidez do pleito, não foi possível identificar abuso de poder no ato ora analisado.
Acerca da segunda imputação, a coligação promovente aponta o incremento exponencial de gastos em programas sociais (óculos, lentes, aparelhos auditivos e cestas básicas) durante período eleitoral defeso, sem justificativa legal ou proporcional ao crescimento de situações emergenciais, configurando abuso de poder e desvio de finalidade com intenção eleitoreira. Tais incrementos, conforme a investigante, não teriam passado de estratégia para a obtenção do sentimento de gratidão e respectivos votos pelos eleitores de baixa renda, em favor dos investigados.
Consoante a vestibular, foram indevidamente represadas e ampliadas, pela gestão municipal, em período próximo às eleições, as doações de bens assistenciais à população de baixa renda do município (cestas básicas, óculos de grau, próteses dentárias e aparelhos auditivos).
Assim, passo a analisar cada situação de incremento dos benefícios assistenciais combatidos.
B – Solicitações e pagamentos relativos à empresa BV Comércio de Aparelhos Auditivos e Hospitalar Ltda.
A partir dos dados apresentados na respectiva planilha (ID 124899987, pág. 1), vê-se que os pagamentos mensais feitos pela prefeitura à empresa BV Comércio de Aparelhos Auditivos e Hospitalar LTDA - EPP mantiveram relativa regularidade ao longo do ano de 2023 - entre R$ 24.000,00 e R$ 29.700,00 -, situando-se em uma faixa esperada para um contrato contínuo.
Não obstante, no mês de março de 2024, ocorreu uma drástica mudança nesse padrão.
A tabela em análise demonstra súbitas elevações nos valores pagos pela prefeitura nos meses de março (R$51.700,00 - mais que o dobro da média dos meses anteriores); abril (R$37.400,00); maio (R$64.900,00) e junho (R$36.300,00) de 2024. A ampliação das entregas foi vertiginosa, contínua, concentrada e tangenciou as Eleições 2024.
A estranha e brusca variação a maior refugiu à regularidade existente desde junho de 2022, quando as solicitações não ultrapassavam R$20.000,00, ou a partir de dezembro daquele ano, quando as solicitações atingiram R$29.700,00.
Somente entre março e setembro de 2024, as entregas de aparelhos auditivos à população de baixa renda resultaram em pagamentos que ultrapassaram o valor recorde de R$ 450.000,00 – o que repercutiu a singular e inédita explosão de pessoas beneficiadas.
Observe-se que as solicitações havidas nos pares de meses de março-abril e maio-junho não foram pagas no prazo de costume informado pela prefeitura. Tal agregação produziu efeitos retumbantes em pleno período eleitoral. Em agosto/2024, o pagamento disparou para R$ 89.100,00. Em setembro, atingiu o pico da série, com R$ 101.200,00. Os valores somente foram pagos quando da efetiva entrega dos bens assistenciais à população carente. Nos dois meses referidos, chegou-se à soma superior a R$190.000,00
A municipalidade apresentou a justificativa não convincente para tais diferenciados números, afirmando, inicialmente, possuir contrato com a empresa epigrafada desde o ano de 2021, sendo que os prazos de entrega dos aparelhos auditivos varia entre 90 e 120 dias e os respectivos pagamentos são realizados somente após a revisão do procedimento de audiometria com os respectivos pacientes. Assim, o interregno total poderia chegar até a 150 dias: A prefeitura afirmou que, “conforme apresentado, nos meses de março e abril de 2024 foram emitidas duas ordens de compras que só foram faturadas (pagas) no mês de agosto de 2024”.
Ocorre que o ventilado fundamento não explica a grande elevação das quantidades de aparelhos auditivos solicitados nos próprios meses de março, abril, maio e junho de 2024, anteriores ao pagamentos em conjunto havido em agosto e setembro daquele ano. Nem o justificaria, igualmente, a demanda reprimida, relativamente ao aumento verificado nos meses de março, abril e maio, pois a revisão ainda estava em andamento pela prefeitura. Os pagamentos recordes nos meses de agosto e setembro já foram o efeito de um injustificado e inusitado incremento de valores no quadrimestre anterior, e pertencem ao mesmo quadro que emprestou cores gritantes à candidatura dos invstigados.
A planilha em apreço também demonstra que o pagamento único, acumulado de dois meses de solicitações é fenômeno contábil raro na municipalidade. Raro, mas previsível. Portanto, seria perfeitamente evitável a enchente de doações às vésperas de eleições municipais.
Observe-se que última ocorrência da agregação de solicitações se dera em agosto e setembro de 2022 – também ano eleitoral e também nos dois meses que antecederam aquele pleito presidencial. Não por confortável coincidência, no ano eleitoral de 2024, o acúmulo aconteceu exatamente nos dois meses que antecedem o pleito.
Depois dos vultosos números verificados no mês de agosto e setembro/2024 (valores cumulados), bem como nos meses de março, abril, maio e junho de 2024, os números voltaram ao patamar normal após as eleições.
Assim, a quantidade de aparelhos auditivos entregues e respectivos pagamentos rompeu violentamente a regularidade observada no próprio ano de 2024, como também nos anos anteriores, causando um impacto mental inegável nos eleitores agraciados, respectivos familiares e população que travou conhecimento das doações recordes, seja por meio de comentários, seja pela divulgação pelas mídias digitais e demais canais regulares.
Vez que a presente constatação é igualmente verificada nas tabelas que examinarei a seguir, conclui-se pelo cristalino uso programado da administração pública municipal para a espantosa ampliação de benefícios sociais como estratégia de aumento da visibilidade política dos investigados semanas antes das Eleições.
C – Gastos relativos à empresa SV COMERCIO DE ARTIGOS DE ÓTICA LTDA – ME.
A planilha referente aos valores pagos pela prefeitura à empresa SV Comércio de Artigos de Ótica LTDA – ME (ID 124899987, pág. 3) demonstra a ocorrência de variações significativas entre os anos de 2021 e 2022 nas solicitações e respectivos pagamentos de óculos. A partir de fevereiro de 2023, os valores passaram a se estabilizar no patamar mensal de R$ 39.780,00, o que revela um controle orçamentário regular e previsível. Essa uniformidade se mantém ao longo de 2023 e 2024 (23 ocorrências idênticas, no valor mensal de R$ 39.780,00).
Em 2023, o acúmulo de solicitações aconteceu uma única vez, relativamente a dois meses. Contudo, no ano eleitoral de 2024, porém, a agregação ocorreu em seis meses.Veja-se:
As entregas de óculos referentes aos meses de junho-julho, agosto-setembro, outubro-novembro de 2024 foram represadas aos pares e pagas, respectivamente, nos meses de setembro, outubro e novembro de 2024, período no qual os pagamentos dobraram o valor usual, atingindo a cifra de R$ 79.560,00 mensais, contra o valor mensal regular de R$39.780,00.
O incremento nos pagamentos em cada um desses três meses demonstra uma ruptura agressiva e inusitada do rigoroso padrão mensal observado pela prefeitura ao longo de 23 meses e não encontra respaldo probatório nos autos, bem como não se figura minimamente proporcional à “demanda reprimida”, “descoberta”, "regularizada" pela prefeitura a poucos meses do pleito - embora seus números não repousem em prova documental dos autos, restringindo-se a meras afirmações de ocupantes de cargos de confiança nomeados pelo primeiro investigado.
Em verdade, trata-se de forçosa coincidência contábil, constatada de forma sobejante não só na planilha sub examine, assim como nas outras juntadas pela municipalidade.
A maquiada opção administrativa da prefeitura beneficiou não somente os eleitores de baixa renda e familiares atendidos. Mas, principalmente, agraciou as candidaturas dos investigados, dando-lhes extrema visibilidade, proporcionada pelo uso da máquina pública, causando impacto positivo no eleitorado carente – a maioria no município.
Mais uma vez, a “demanda reprimida” foi “corrigida” justamente durante o último mês de campanha eleitoral.
Mesmo fossem aceitos os argumentos relativos à revisão do número de beneficiários potencialmente ainda não atendidos pela municipalidade, com a descoberta de uma demanda reprimida e a diminuição de filas, assim como acolhido fosse o fundamento do acúmulo de dois meses de solicitações de bens e sua entrega e respectivos pagamentos em um único mês, é facilmente constatável a má-fé da administração municipal em confortavelmente incrementar ou duplicar as doações nos exatos meses anteriores às eleições, em vez de manter a regularidade mensal das entregas e proceder às correções necessárias após o pleito, de forma a não permitir que a máquina da prefeitura e o dinheiro público servissem de catapulta para a visibilidade de candidatos que protagonizavam a administração municipal. Assim o fazendo, transmudou-se um ato administrativo, inicialmente legal, em instrumento para angariar votos e convencer os eleitores que aquelas muitas vantagens iriam se repetir em uma próxima gestão.
Embora rara, a agregação de dois meses (confessada pelos investigados) era perfeitamente previsível e, assim, evitável durante o período eleitoral. As tabelas fornecidas pela prefeitura bem demonstram que o empilhamento de pedidos já acontecera antes (mas não com os números recordes de 2024) e que novamente poderiam ocorrer em período eleitoral.
A planilha em apreço comprova que o mesmo evento contábil já havia sido verificado nos meses de abril e maio de 2023 e em março e abril do ano também eleitoral de 2022.
Portanto, mesmo em se acolhendo a argumentação dos acionados, a administração municipal não geriu a coisa pública com fins republicanos ao permitir que suas opções contábeis proporcionassem nítido desequilíbrio à isonomia dos candidatos.
A firme reiteração dos pagamentos em conjunto, às vésperas das Eleições, explicita a estratégia adotada em favor dos investigados.
D – Solicitações e pagamentos à empresa OPTICA VIZION LTDA.
Compulsando a respectiva tabela (ID 124899987, pág. 4), de logo se constata a reunião de solicitações referentes aos bimestres de junho-julho, agosto-setembro, outubro-novembro de 2024 - totalizando seis meses.
Anteriormente, tal empilhamento de meses havia ocorrido pela última vez em 2022, ano também eleitoral, relativamente apenas aos meses de março e abril (cujo pagamento, em muito superior à média, foi realizado em junho daquele ano).
Trata-se, pois, de ocorrência incomum - embora prevísivel e evitável.
De janeiro a julho de 2024, os valores pagos situavam-se na faixa de R$41.300,00 a R$43.750. Contudo, contrastando com todo o ano, em setembro de 2024 foram pagos RS95.550,00 - novamente a menos de um mês das Eleições. O valor se refere à primeira das cumulações havidas (junho-julho de 2024).
Também constatei uma perfeita conjunção relativamente aos distintos lapsos para os pagamentos cumulados, nesta e nas outras planilhas.
Embora sejam a) distintos os meses das solicitações e aparelhos auditivos, próteses dentárias e óculos, b) diferentes os prazos de confecção/fabricação, além de sua revisão com os respectivos pacientes, c) diversos os termos finais para a entrega dos bens aos eleitores, d) a entrega das doações quase sempre recaiu em agosto ou setembro — a menos de 30 dias do pleito de 2024. Ou seja, os meses das solicitações eram calculados e ajustados para que os respectivos pagamentos e entregas ocorressem, "coincidente" e exatamente em agosto e setembro, causando, de uma só vez, um impacto muito maior da ação assistencial da municipalidade.
Demais disso, houve um crescimento significativo e repentino de cerca de R$10.000,00 nas solicitações realizadas no mês de maio de 2024, entregues e pagas a 60 dias das Eleições, no mês de agosto. Em abril daquele ano, as solicitações atingiram o valor de R$43.050,00, obedecendo ao padrão anual. Em maio, deu-se um salto, não explicado pela prefeitura, alcançando-se R$53.550,00.
Novamente, o lapso entre a solicitação e a entrega dos bens encaixou-se perfeitamente também no mês de agosto.
A ruptura brusca e expressiva foi não apenas sintomática, mas também absolutamente desnecessária naquele momento, vez que bastaria manter o ritmo adotado ao longo de 2024, com eventuais correções após o pleito. A adoção desse expediente revela evidente desvio de finalidade administrativa, voltado a fins eleitorais, mediante a instrumentalização da política pública assistencial. O efeito psicológico causado pelo inesperado incremento das doações junto à população de baixa renda, aliado à maximização da exposição privilegiada dos candidatos ligados à gestão municipal, resultou em nítido abuso de poder político, com desequilíbrio na disputa e grave afronta à legitimidade do processo eleitoral.
E – Gastos relativos ao LABORATÓRIO DE ANALISES CLINICA PADRE CICERO – Óptica Padre Cícero .
Toda a apreciação valorativa e negativa que expressei quanto às outras tabelas aqui é cabível.
Um novo contrato realizado confortavelmente entre o município e a empresa em relevo, exatamente no último mês do ano anterior ao ano eleitoral, fez com que os pagamentos da prefeitura saltassem de cerca de R$19.950,00 - meses de janeiro e fevereiro de 2024 - para R$44.800,00, de março a agosto daquele ano. No mês de agosto, o pagamento/entrega de bens assitenciais foi acima do dobro do começo do ano (ID 124899987, pág. 5).
Realizada em dezembro de 2023, não havia, portanto, execução orçamentária de suas novas clásulas no ano anterior ao das eleições.
Como nas planilhas anteriores, verifiquei, nesta, que as solicitações feitas nos meses de junho-julho, agosto-setembro, outubro-novembro foram agregadas, resultando em pagamentos cumulados nos meses de setembro, outubro e novembro, respectivamente, no importe de R$90.300,00. Tal acúmulo ocorreu pela última vez em novembro e dezembro de 2021. Os próprios documentos juntados pelo prefeitura comprovam a rara ocorrência dessas agregações bimestrais.
É oportuno salientar que os prazos para remessa à prefeitura, revisão e entrega efetiva de bens aos eleitores sempre observa os prazos destacados pela prefeitura em suas justificativas, ao final de cada tabela.
Contudo, quando se atenta para o mês de novembro, referido em três das quatro tabelas analisadas, toda a complexa logística acontece curiosamente no mesmo mês, quando os pagamentos e entregas são realizadas em menos de 30 dias, sem que haja variação substancial a menor no número de solicitações e respectivos valores que justificassem entregas tão rápidas e fora dos prazos apontados pela prefeitura.
A constatação de que solicitações feitas em um mês poderiam ser pagas no mesmo mês, sem que houvesse agregações, comprova que poderiam ter sido evitados o recorde incremento de doações às vésperas das eleições e demonstra que a prefeitura agiu deliberadamente, com o nítido propósito eleitoreiro, para beneficiar os investigados.
F – Pagamentos à empresa ÓTICA MARA PATRICIA DE MORAIS FEITOZA.
Por outra vez, verifiquei um acúmulo de solicitações nos meses de maio-junho-, julho-agosto e setembro-outubro do ano de 2024, cujas entregas de bens aos eleitores de baixa renda e respectivos pagamentos foram feitos, novamente, nos meses de setembro, outubro e novembro daquele ano eleitoral.
O acúmulo verificado repercutiu na grande elevação no padrão de valores mensais. Anteriormente, os pagamentos giravam torno de R$45.500,00. Contudo, nos meses de setembro, outubro e novembro, foram pagos os valores de R$89.810,00 , R$89.850,00 e R$89.750,00, respectivamente - quase o dobro dos pagamentos mensais regulares (ID 124899987, pág. 6).
Os esclarecimentos da prefeitura acerca da agregação de meses e suposta demanda reprimida, como afirmei alhures, revelam-se desprovidas de verossimilhança, além de serem lacunosas e insuficientes, para justificar as pretensas coincidências pontuais dos incrementos vertiginosos na entrega de bens exatamente nos meses de agosto e setembro de 2024, a menos de sessenta e trinta antes do pleito.
G – Solicitações e pagamentos à empresa VICENTE DE PAULO CLEMENTE-ME (próteses dentárias).
Conforme a respectiva tabela (ID 124899987, págs. 7 e 8), vê-se que, até 2023, os valores mensais variam entre R$ 8 mil e R$ 37 mil. No ano eleitoral de 2024, sobem para até R$ 93.825,00, no mês de abril.
A justificativa da prefeitura afirma que a incorporação da doação da prótese parcial removível (PPR) aumentou a demanda, além de que o Centro de Especialidades Odontológicas Regional do Consórcio de Saúde Pública deixou de ofertar próteses dentárias, temporariamente, concentraram toda a demanda no município nos meses de março, abril e maio de 2024. De fato, a curva de crescimento começa logo no início de 2024 e se intensifica nos três meses destacados - período de pico -, compatíveis com a alegada sobrecarga.
Entretanto, é justamente nesse período que há maior visibilidade pública por conta do ano eleitoral. Embora haja um subterfúgio técnico e matemático, o momento e a escalada dos pagamentos coincidem com o período eleitoral. Assim, a explicação é tecnicamente coerente, mas não elide a possibilidade de ampliação estratégica da entrega de próteses no ano de eleição municipal, tal como aconteceu em todas os outros programas analisados.
Em que pese a plausibilidade de seu uso eleitoreiro, não alcancei a certeza jurídica para aqui identificar o abuso do poder político, firme convicção que emergiu da análise de todas as outras operações, exclusivamente pela diferente justificativa apresentada pela municipalidade (incorporação da doação da prótese parcial removível (PPR) / oferta próteses dentárias pela municipalidade).
H - Aumento na concessão das cestas básicas.
O exame dos documentos colacionados sob o ID 124511410 revela um crescimento substancial na distribuição de cestas básicas durante 2024, com picos em agosto e setembro, seguido de sintomática redução entre outubro e dezembro. Os números mostram um quantitativo de 1.608 cestas distribuídas em 2023 contra um montante de 1.950 cestas distribuídas em 2024, totalizando uma diferença de 342 cestas entre os dois exercícios.
No ano de 2024, os valores pagos à fornecedora ANA BEATRIZ DE ARAUJO DA SILVA apresentaram crescimento expressivo, passando de R$ 51.432,00 em junho de 2024 para R$ 102.864,00 em agosto do mesmo ano.
Os réus alegaram que o aumento verificado no período se deveu à alta nacional de preços. O argumento é inconsistente, pois a elevação de preços justificaria aumento nos valores pagos e não um incremento das quantidades distribuídas.
Ademais, os relatórios de entrega de IDs 124895749, 124895753, 124895754, 124895755, 124895756 comprovam que os benefícios eram fornecidos, frequentemente, ANTES da avaliação do assistente social responsável, contrariando o procedimento legalmente estabelecido.
Ao se confrontar as datas de entrega das cestas básicas com a data de elaboração dos respectivos relatórios, comprova-se que as entregas eram ANTERIORES à elaboração do documento exigido na lei.
Com efeito, o § 1º do art. 58 da Lei Municipal nº 5.033/2019, a qual dispõe sobre a Política de Assistência Social e sobre o Fundo Municipal de Assistência Social de Juazeiro do Norte/CE, estabelece a necessidade de elaboração prévia de relatório técnico social para a concessão do auxílio alimentação. Veja-se:
Art. 58 O auxílio alimentação consiste na concessão de alimentação básica para famílias em situação de vulnerabilidade social que comprometa a sobrevivência de seus membros integrantes, sobretudo criança, pessoa idosa, pessoa com deficiência, gestante e nutriz.
§ 1° O auxílio de que trata o caput será concedido mediante parecer técnico social elaborado por Assistente Social, que compõe as equipes de referência dos equipamentos sociais – CRAS e CREAS – e/ou Assistente Social, responsável pela concessão dos benefícios eventuais – Grifei.
É por essa razão que a informante JOSINEIDE PEREIRA DE SOUSA LIMA, Secretária de Assistência Social, afirmou em seu depoimento “que nenhum coordenador vai simplesmente entregar uma cesta básica; que não existe isso; que tudo sai através de relatório socioassistencial”. A justificativa dos investigados segue cristalina rota de colisão com as afirmações da testemunha arrolada pela própria parte.
Sobre o tema, colaciono orientação jurisprudencial do TSE:
ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AIJE. REPRESENTAÇÃO . PREFEITO E VICE–PREFEITO NÃO ELEITOS. ABUSO DE PODER. CONDUTA VEDADA. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART . 275, II, DO CÓDIGO ELEITORAL POR OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. EXECUÇÃO DE PROGRAMA SOCIAL NO ANO DA ELEIÇÃO SEM OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS LEGAIS. ART . 73, § 10, DA LEI DAS ELEICOES. CONFIGURAÇÃO DAS CONDUTAS VEDADAS. GRAVIDADE. ABUSO DE PODER . INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 30 DA SÚMULA DO TSE. NEGADO PROVIMENTO. 1. O TRE/MG reconheceu, a um só tempo, a configuração do abuso do poder político (art . 22 da LC nº 64/1990) e das condutas vedadas (art. 73, V e § 10, da Lei nº 9.504/1997) na distribuição gratuita, em ano eleitoral, de bens e serviços à população, por meio de cinco programas sociais, sem a observância dos critérios legais – criação do programa por lei e execução orçamentária no ano anterior ao pleito – em manifesto desvio de finalidade dos atos praticados. 2. Não há falar em afronta ao art. 275, II, do CE, pois a Corte regional fundamentou, de modo suficiente e sem quaisquer contradições o seu entendimento acerca da atuação de ofício do relator do feito, do oferecimento do contraditório e da ampla defesa nos autos e da divisão do ônus da prova. 3. Embora seja permitida a continuação da execução de programas sociais no ano eleitoral, esse permissivo legal exige tenha sido o programa social criado por lei e comprovada sua execução orçamentária no ano anterior ao pleito, sob pena de o ato configurar conduta vedada a agente público, nos termos do art . 73, § 10, da Lei nº 9.504/1997. Precedente. 4. A distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública ressalvada pelo § 10 do art. 73 da Lei das Eleições deve observar os critérios da lei que institui o programa social (AgR– AI nº 334–81/BA, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 10 .10.2017, DJe de 17.11.2017), de modo a impedir o uso eleitoreiro do ato público e, por conseguinte, a configuração da prática de abuso do poder político. 5. O desvio de finalidade de programas sociais a fim de angariar vantagens eleitorais é conduta grave o suficiente para atrair a norma do art. 22 da LC nº 64/1990, sobretudo quando esses atos, pelo volume de recursos ou pelo ardil empregados, impactam a disputa eleitoral e violam a legitimidade e a moralidade do pleito. 6 . Na espécie, o entendimento do TRE/MG está em consonância com a jurisprudência deste Tribunal, atraindo a incidência do Enunciado nº 30 da Súmula do TSE. 7. Negado provimento ao agravo.
(TSE - AREspEl: 06010656020206130017 TAPIRA - MG 060106560, Relator.: Min. Raul Araujo Filho, Data de Julgamento: 18/05/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 113).
Destarte, a falta de adequação ao procedimento estabelecido em lei revela o desvirtuamento do auxílio alimentar analisado e, igualmente, sua finalidade eleitoreira.
2.2.4. Do conjunto probatório.
O conjunto indiciário analisado acima é bastante para estabelecer a finalidade eleitoral e a gravidade das condutas combatidas e embasar um juízo de condenação dos promovidos por abuso de poder político, porquanto se acha consubstanciado na farta documentação analisada detidamente nas linhas pregressas.
Isto porque, conforme se extrai da jurisprudência do TSE, evidências e indícios, desde que concretos, no sentido de que fora aviltado o bem jurídico tutelado pela norma eleitoral, são suficientes para embasar a imposição de penalidades em sede de AIJE, senão, veja-se:
ELEIÇÕES 2016. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PREFEITO. CONDUTA VEDADA. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL NOS TRÊS MESES ANTERIORES AO PLEITO. PERÍODO VEDADO. SITE DA PREFEITURA. VIOLAÇÃO AO ART. 73, VI, B , DA LEI Nº 9.504/1997. DESNECESSÁRIO O CARÁTER ELEITOREIRO. INFRAÇÃO DE NATUREZA OBJETIVA. PRECEDENTES. ABUSO DE PODER POLÍTICO NÃO CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE PERMITAM AFERIR A GRAVIDADE DOS ATOS INVESTIGADOS. INTELIGÊNCIA DO ART. 22, XIV, DA LC Nº 64/1990. PRECEDENTES. AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO E RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO PARA RESTABELECER A CONDENAÇÃO DO RECORRIDO ANTÔNIO HENRIQUE DE SOUZA MOREIRA AO PAGAMENTO DE MULTA DE 60 (SESSENTA) MIL UFIRs, PELA PRÁTICA DA CONDUTA VEDADA PREVISTA NO ART. 73, VI, B , DA LEI Nº 9.504/1997.
Trata-se de agravo interposto pelo Ministério Público Eleitoral em face de decisão do Presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE/BA), que inadmitiu o recurso especial manejado por aquele contra acórdão que deu provimento ao recurso eleitoral de Antônio Henrique de Souza Moreira, julgando improcedente a representação pelas condutas vedadas previstas nos incisos V e VI, b , do artigo 73 da Lei das Eleicoes.
O acórdão foi assim ementado (fl. 280):
(...)
Dessa forma, não há como considerar a configuração de abuso de poder político e a consequente sanção de inelegibilidade.
Corroborando essa ideia, esta Corte Superior possui entendimento consolidado no sentido de que ¿a gravidade da conduta - consubstanciada na aptidão de desequilibrar a igualdade entre os candidatos e afetar a normalidade das eleições - precisa estar demonstrada de forma concreta"(AgR-AI nº 32248, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 03.8.2018), ressaltando a necessidade de ¿análise pelo critério qualitativo, em evidências e indícios concretos de que se procedera ao alvitamento da vontade livre, autônoma e independente do cidadão-eleitor de escolher seus representantes" (AgR-REspe nº 1170, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 13.02.2017), ¿sendo vedada a imposição de penalidades com base em presunção"(REspe nº 28588, Rel. Min. Luciana Lossio, DJe de 21.3.2016).
Ademais, para rever a conclusão do aresto regional quanto à existência de gravidade na conduta demonstrando a configuração do abuso de poder político, seria necessário o reexame do acervo fático-probatório dos autos, providência inviável em sede especial, nos termos da Súmula nº 24 deste Tribunal:
¿Não cabe recurso especial eleitoral para simples reexame do conjunto fático-probatório."
Por fim, assevera-se que, pelo fundamento de ocorrência de divergência jurisprudencial, o recurso especial, cuja discussão demanda considerações acerca do contexto fático-probatório dos autos, não merece prosperar, ante a ausência do cotejo analítico entre os julgados contrapostos, necessário para demonstrar a similitude fática a eles subjacente.
Assim, não demonstrada a dissidência pretoriana, porquanto inviável a análise da similitude fática subjacente aos julgados confrontados, incide na espécie o enunciado de Súmula nº 28 do TSE que preconiza: ¿a divergência jurisprudencial que fundamenta o recurso especial interposto com base na alínea b do inciso I do art. 276 do Código Eleitoral somente estará demonstrada mediante a realização de cotejo analítico e a existência de similitude fática entre os acórdãos paradigma e o aresto recorrido".
Por todo o exposto, conheço e dou provimento ao agravo de instrumento para, analisando o recurso especial, dar-lhe parcial provimento, para condenar o recorrido Antônio Henrique de Souza Moreira ao pagamento de multa de 60 (sessenta) mil UFIRs, pela prática da conduta vedada prevista no art. 73, VI, b , da Lei nº 9.504/1997, nos termos do art. 36, §§ 6º e 7º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral.
Publique-se.
Brasília, 7 de maio de 2019.
Ministro Edson Fachin
Relator
(TSE - RESPE: 00000907120166050075 BARREIRAS - BA 9071, Relator.: Edson Fachin, Data de Julgamento: 07/05/2019, Data de Publicação: Diário de Justiça Eletrônico - DJE, data 14/05/2019 pag. 17-21)
2.2.5. Do ônus da prova.
Nos termos do artigo 373 do Código de Processo Civil:
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
As partes não controverteram o aumento contábil dos benefícios entregues pela prefeitura, a poucas semanas das eleições. Os investigados confessaram expressamente os aumentos de gastos referidos na inicial. Desde a contestação, até as alegações finais, não só confirmaram os incrementos, como também apresentaram planilhas que as ratificariam. Outrossim, tentaram explicar os aumentos exponenciais confirmados.
Assim, a investigante foi exitosa em se desincumbir de seu ônus probatório. Afirmou, comprovou suas alegações e obteve a confissão dos fatos pelos demandados.
A mesma sorte não assistiu os investigados.
Explico.
Referindo-se ao despacho saneador do feito, as alegações finais dos investigados teceram uma lógica enovelada acerca de um dos pontos controvertidos fixados naquela manifestação judicial - tecendo um redemoinho de ideias para lhe encolher o escopo.
Esta demanda eleitoral analisa o abuso do poder político, promovido com o uso da máquina da prefeitura, com intenção eleitoreira, em favorecimento dos investigados.
Não é objeto desta ação de investigação judicial eleitoral - e não se inclui entre os pedidos da inicial - a apreciação de improbidade administrativa do gestor municipal, tampouco a legalidade, oportunidade e conveniência de atos administrativos, nem vícios procedimentais supostamente ocorridos nas respectivas licitações, solicitações de bens e doações a eleitores pela municipalidade.
Investiga-se, sim, o aumento de gastos e seu desvio para fins de benefício de candidaturas. As ações do ente ou agente público, como acima demonstrei, poderão até ser legais - regulares, portanto -, mas tal aparência de conformidade à lei não elide as repercussões eleitoreiras dos atos.
No caso dos autos, o exercício abusivo do poder político foi prescrutado a partir das seguintes hipóteses:
i) Houve aumento de gastos pela prefeitura às vésperas do pleito?
SIm. Os investigados o confessaram e tentaram justificá-los. Demais disso, as planilhas acostadas aos autos pelos investigados comprovam as súbitas e concentradas elevações das solicitações e respectivos pagamentos pelas encomendas realizadas.
ii) O aumento dos programas foi regular?
Não. Além de inidôneas, como será evidenciado, as planilhas findam por comprovar o abuso do poder político, em benefício dos investigados. Como demonstrei:
- a detida análise das referidas tabelas evidenciaram o abrupto, vultoso, concentrado e pontual incremento naqueles gastos;
- detalhadamente examinadas e confrontadas com toda a argumentação dos próprios investigados, as justificativas da prefeitura não se sustentam diante de tamanhas coincidências e das despesas recordes verificadas;
- embora as solicitações tivessem prazos diferentes para respectiva entrega, com termos iniciais também em meses distintos, os pagamentos e distribuição de bens quase ocorreram nos mesmos meses, agosto e setembro de 2024, a menos de 60 e 30 dias do pleito;
- a demanda reprimida, assim como a idoneidade e veracidade dos dados contidos nas planilhas, sequer foram documentalmente comprovadas.
Referi a inidoneidade das planilhas juntadas aos autos porque são totalmente desprovidas de qualquer suporte documental. São meras afirmações impressas em PDFs. Sem escoras, sem fulcros. O mesmo se verifica em relação à referida demanda reprimida. É total a ausência de provas da alegação.
Se a investigante comprovou os fatos que alega – pontos também não controvertidos na demanda -, cabia aos investigados comprovarem a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Contudo, allegatio et non probatio quasi non allegatio.
Assim sendo, os acionados não se desincumbiram de seu ônus probatório.
Ora, seria imprescindível, pela parte promovida, a apresentação de provas documentais que, alternativamente ou em conjunto, evidenciassem:
I – qual, exatamente, foi a demanda reprimida, em números;
II – o nome dos novos beneficiários e seus respectivos cadastros;
III - o número de consultas médicas e odontológicas realizadas no cenário de superação da demanda reprimida;
IV – documentos que comprovassem cada consulta efetivamente realizada;
V – comprovantes do aumento do número de exames solicitados pelos profissionais de saúde;
VI - comprovantes dos exames efetivamente realizados;
VII – comprovantes das solicitações da prefeitura às empresas contratadas para a confecção dos bens;
VIII – comprovantes das efetivas entregas aos novos beneficiários, conforme novos cadastros.
Todos os documentos deveriam ser datados, assinados pelos responsáveis. além de constar todos os dados necessários para se comprovar sua idoneidade.
Sem esses dados não se pode comprovar os argumentos da parte acionada. Ao menos a apresentação de alguns deles poderia demonstrar a veracidade dos argumentos da defesa. À míngua de qualquer supedâneo, nem sequer poderiam ter sido confeccionadas as planilhas acostadas aos autos.
Por outro lado, provas orais - mormente se constituídas por informantes, que não prestaram o compromisso de dizer a verdade por serem ocupantes de cargos em comissão ou cargos de confiança, de escolha pessoal e nomeados pelo primeiro dos investigados - não possuem a natureza e a qualidade intrínseca de trazer aos autos as complexas informações que somente a documentação acima sugerida poderia revelar.
Depoimentos não são comprovantes de número de consultas e exames realizados, tampouco possuem o condão de se substituir a cadastros de beneficiários ou protocolos de entregas, datados e assinados.
As planilhas, por conclusão, padecem de ambas as pernas. Se, de um lado, são de per si incongruentes, de outro, são desamparadas de fulcros que lhe são imprescindíveis.
E, embora o procedimento relativo à diminuição de filas tenha sido devidamente acompanhado pelo Ministério Público Estadual, cabia exclusivamente aos investigados comprovar a extensão da demanda reprimida, assim explicando o derrame de cerca de centenas de milhares sobre a população de baixa renda do município (ID 124899987), há semanas do pleito, despertando inafastável sentimento de gratidão entre os eleitores, seus familiares e demais munícipes que travaram conhecimento da farta e inédita distribuição.
Tais acontecimentos revelam, à saciedade, um planejamento estratégico destinado a maquiar com as cores da legalidade ações concomitantes da prefeitura cujo fim era amplificar a visibilidade dos investigados e arregimentar eleitores com o uso de ferramentas que os outros candidatos não detinham.
2.2.5. Dos depoimentos.
No tocante ao uso de aeronave em contexto de campanha eleitoral, sem a devida prestação de contas e ao incremento na concessão de benefícios sociais em período vedado, a prova testemunhal produzida em Juízo trouxe o seguinte conteúdo:
Testemunha JONATAS RIBEIRO MACEDO declarou, em síntese: que é um dos sócios da JET AVIATION PATRIMONIAL LTDA; que realizou a locação da aeronave em questão no processo por um valor entre R$ 15.000,00 e R$ 20.000,00; que o pagamento foi efetuado posteriormente através de depósito bancário ou PIX, sendo disponibilizado em sua conta alguns dias após a locação.
Informante JOSINEIDE PEREIRA DE SOUSA LIMA informou, resumidamente: que ocupa o cargo de Secretária Municipal de Assistência Social de Juazeiro do Norte/CE; que a quantidade de cestas destinadas à distribuição é calculada conforme a demanda real; que nenhum coordenador vai simplesmente entregar uma cesta básica; que não existe isso; que tudo sai através de relatório sócio-assistencial; que a compra das cestas segue processo licitatório e depende dos recursos orçamentários disponíveis; que em relação à ausência de aquisições de cestas básicas durante janeiro, fevereiro, março e abril de 2024, presume que as compras foram realizadas em novembro e dezembro do ano precedente e distribuídas conforme a necessidade; que não ocorreu incremento nas compras de cestas básicas; que a entrega das cestas segue regulamentação municipal e também a Lei do SUS; que a legislação municipal foi aprovada muito antes do período eleitoral; que eventual aumento pode ter resultado da falta de aquisições em julho; que é inviável utilizar este tipo de auxílio para fins eleitorais, principalmente porque os profissionais do serviço social responsáveis pelos pareceres técnicos são servidores efetivos; que o parâmetro para concessão do benefício é a necessidade real, confirmada por profissional do serviço social e psicólogo.
Testemunha VICENTE DE PAULO CLEMENTE esclareceu: que é fornecedor de próteses dentárias para o município há mais de três décadas, atuando desde o lançamento do programa "Brasil Sorridente"; que não existe uma cota mensal fixa de próteses a serem entregues, sendo limitado apenas pelo valor máximo estabelecido no contrato licitatório, o qual permite aproximadamente 300 unidades mensais; que não alcança tal limite; que forneceu próteses em 2023, porém não consegue precisar as quantidades; que a demanda municipal é geralmente constante, sem picos sazonais específicos ou meses de maior solicitação; que desconhece aspectos financeiros específicos, não recordando de pedidos ou pagamentos relativos a janeiro de 2024, nem o valor total recebido durante o ano de 2024, e tampouco o montante recebido em outubro de 2024; que recebe pagamentos mensais pelos serviços prestados; que ocasionalmente os profissionais organizam mutirões para realizar moldagens das próteses; que durante períodos de férias da equipe, por vezes é necessário intensificar a produção para manter o limite anual e preservar os incentivos fiscais do governo federal; que esse tipo de concentração de atividades não ocorreu em agosto ou setembro de 2024.
Informante YAGO MATHEUS NUNES ARAÚJO reportou, em suma: que assumiu o cargo de Secretário Municipal de Saúde em 6 de junho de 2024, substituindo a Dra. Andréia Landim; que a Secretaria desenvolveu o programa "Visão Nota 10", regulamentado por lei em julho de 2024, que amplia o acesso a consultas oftalmológicas e distribuição de óculos para estudantes da rede pública municipal. Paralelamente, o município participa de políticas estaduais voltadas para pessoas com deficiência e, desde 2009, tem a responsabilidade de fornecer órteses e próteses, além de realizar exames e consultas de baixa e média complexidade; que em 2023, após diálogos com o Ministério Público e a Câmara Municipal, a Secretaria foi instada a descentralizar o sistema de agendamento de exames e consultas; que essa mudança foi implementada em outubro de 2023, resultando em um aumento significativo na demanda por serviços, tornando 2024 um ano excepcional em termos de atendimentos; que para lidar com as filas de espera acumuladas, foi organizado mutirão geral em abril de 2024, força-tarefa intensiva em julho e agosto de 2024 e em agosto, setembro e outubro de 2024 ocorreram mutirões adicionais para reduzir filas; que especificamente para óculos e aparelhos auditivos, os mutirões de abril, maio e junho atenderam aproximadamente 18 mil pessoas, incluindo mais de 6 mil consultas oftalmológicas, para uma demanda represada de 7 mil pessoas; que as demandas foram atendidas nos meses de julho e agosto e os pagamentos verificados em setembro e outubro; que os pagamentos dependem de repasses do Ministério da Saúde; que o Município assumiu próteses dentárias após CEOs pararem de as ofertar em 2024; que, no mês abril de 2023, não ocorreram mutirões porquanto naquele momento o sistema de marcação se verificava por intermédio de uma central de marcação; que o laboratório Padre Cícero expandiu serviços para imagem e oftalmologia após julho de 2023, passando a efetuar, além de exames laboratoriais, exames de imagem e oftalmológicos; que acredita que o incremento nos pagamentos a esse credor se deu por este motivo; que o incremento dos pagamentos de setembro e outubro de 2024 ocorreu por causa dos mutirões iniciados no mês de abril; que no período eleitoral não se realizou mutirão nesse formato presencial, mas apenas uma força tarefa interna para marcação de exames e consultas; que o incremento no valor dos pagamentos efetuados à Ótica Vision LTDA nos meses de abril, maio, junho e julho, agosto, setembro e outubro de 2024 igualmente se deveu ao aumento da demanda decorrente dos mutirões; que o aumento nos pagamentos do mês de agosto à empresa Audioclin se deu em razão do aumento de 50 consultas mensais de audiometria para 200, no período em que ocorreram os mutirões, o que acarretou o aumento na demanda referente às órteses e próteses; que a demanda reprimida foi reconhecida depois da descentralização dos serviços; que se realizaram reuniões extrajudiciais com o Ministério Público para tratar do assunto, ocasião na qual foi firmado um TAC, ainda no ano 2023, pelo qual se recomendou a descentralização da central de regulação do Município; que as procuras pelos serviços, então, começaram a ser registradas nos postos de saúde, tendo ocorrido um expressivo crescimento da demanda pelos serviços.
Testemunha RENATA KELLY MOURA DE ARAÚJO LOPES declarou: que atua como empresária e é proprietária da Ótica Padre Cícero, estabelecimento que mantém contrato para fornecimento de óculos ao Município de Juazeiro do Norte desde o ano de 2021; que a solicitação de produtos por parte da administração municipal apresenta oscilações, não seguindo um padrão fixo; que o processo de pagamento ocorre com um intervalo de dois meses após a prestação de contas dos serviços executados; que houve um crescimento na demanda por parte do ente municipal; que isso justifica o incremento no montante pago à sua empresa durante o mês de setembro de 2024.
Testemunha ANA LÉSCIA MAGALHAES BORGES reportou: que é titular da empresa BV Comércio; que mantém parceria comercial com o município de Juazeiro do Norte há aproximadamente três décadas; que sua empresa é especializada no fornecimento de aparelhos auditivos; que os valores cobrados pelos dispositivos auditivos são estabelecidos conforme os parâmetros da tabela oficial do SUS; que para executar o fornecimento, sua empresa recebe um documento denominado APAC, que conta com as assinaturas de otorrinolaringologista e fonoaudiólogo; que os custos dos equipamentos variam dependendo da tecnologia empregada, sendo diferenciados entre modelos analógicos e digitais; que a quantidade solicitada pela administração municipal oscila entre 20 e 30 unidades, devido a fatores diversos; que acredita que existe um limite máximo estabelecido no acordo firmado com o município para o fornecimento dos produtos; que desconhece os motivos que levaram ao incremento nos valores pagos durante os meses de setembro e outubro de 2024.
Testemunha VERÔNICA LEITE MACHADO elucidou: que exerce atividade empresarial no setor óptico como detentora da SV Comércio de Artigos de Ótica; que a parceria comercial com a Prefeitura teve início durante o mandato do antigo prefeito conhecido como Raimundão; que após os usuários passarem por avaliação oftalmológica, as necessidades são divididas entre os estabelecimentos ópticos cadastrados; que sua empresa executa o atendimento solicitado e efetua a entrega dos materiais à secretaria municipal; que o recebimento financeiro ocorre mensalmente, por volta do dia 10, mediante depósito na conta empresarial; que a gerente de órteses e próteses é a responsável por fazer o encaminhamento dos pacientes; que o volume de solicitações mensais apresenta variação; que cada unidade de óculos é comercializado por R$ 340,00 (trezentos e quarenta reais); que o acréscimo nos valores recebidos durante setembro e outubro de 2024 se deveu ao maior número de usuários encaminhados pela administração pública municipal.
Testemunha ROBERTO LUÍS BORGES VERA CRUZ JÚNIOR relatou: que é empresário no segmento óptico, mantendo parceria com o Município de Juazeiro do Norte há quatro anos para fornecimento de óculos; que o contrato é estabelecido anualmente, com pagamentos mensais conforme a demanda municipal apresentada; que elabora relatório de entrega dos produtos e o encaminha ao departamento de órteses e próteses; que sua empresa não realiza entrega direta aos usuários finais; que os pacientes retiram os óculos no setor próprio da administração municipal; que os valores recebidos devem respeitar o teto estabelecido no contrato; que segundo sua lembrança, a empresa pode fornecer aproximadamente 174 unidades mensais; que o preço unitário dos óculos segue a tabela do SUS, equivalendo a R$ 350,00; que nos meses de agosto, setembro e outubro de 2024, notou um aumento; que contra fatos não há argumentos, tem a quantidade mais de óculos, mas isso aí não está ultrapassando a quantidade que está dentro de um contrato que a gente tem, que é uma quantidade até, a gente pode chegar até uma quantidade X nos 12 meses; que sua empresa nunca atingiu esse limite mensal; que oscilações na procura são comuns; que clientes podem deixar de buscar o serviço em determinado mês e comparecer apenas no seguinte; que os usuários chegam portando consulta oftalmológica, avaliação do assistente social e documentação do SUS. que atua no ramo há 12 anos; que a empresa poderia produzir além das 174 unidades mensais, desde que respeitasse o teto anual do contrato; que nos meses de agosto, setembro e outubro de 2024, notou um aumento; que contra fatos não há argumentos, tem a quantidade mais de óculos, mas isso aí não está ultrapassando a quantidade que está dentro de um contrato que a gente tem; que pode chegar até uma quantidade X nos 12 meses.
2.2.6. CONCLUSÕES
As evidências documentais demonstram um incremento injustificado em programas sociais municipais concentrado em 2024, especialmente nos dois meses pré-eleitorais, sem demonstração de observância, por parte da gestão municipal, das cautelas necessárias para não incidir em abuso de poder político.
Pelo contrário, a esmiuçada análise das provas dos autos comprovou que os agentes públicos utilizaram deliberadamente a máquina pública em favor dos investigados.
Quanto à prova consistente na oitiva das testemunhas e informantes direta ou indiretamente ligados à administração do município, esta limitou-se a corroborar os fatos incontroversos dos autos, não sendo suficientemente relevante para influenciar a convicção, deste Juízo, acima consignada, forjada a partir do exame vertical dos documentos integrantes destes fólios.
As planilhas que ancoram a defesa dos investigados não possuem um único sequer documento que comprove a origem dos números que ventilam.
Assim, resta sobejamente comprovada, pelas razões acimadas, a utilização da máquina pública, assim como de recursos financeiros públicos, a favor das candidaturas dos investigados, promovendo desequilíbrio no pleito e influenciado no resultado das urnas em 2024.
Acerca das sanções estabelecidas para o abuso de poder político reconhecido nestes autos, elas estão previstas nos seguintes dispositivos:
LC 64/90
Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:
(...)
XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;
Resolução TSE nº 23.735/2024
Art. 10. Configurada a prática de ilícito de que trata este capítulo, serão aplicadas as sanções legais compatíveis com a ação ajuizada, independente de pedido expresso, observando-se o seguinte:
I - na ação de investigação judicial eleitoral, a procedência do pedido acarreta:
a) a cassação do registro ou do diploma da candidata ou do candidato diretamente beneficiada(o) pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder político ou dos meios de comunicação, com a consequente anulação dos votos obtidos (Código Eleitoral, art. 222; Lei Complementar nº 64/1990, art. 22, inciso XIV);
b) a inelegibilidade por 8 (oito) anos, a contar da data do primeiro turno da eleição em que se tenha comprovado o abuso, das pessoas que tenham contribuído para sua prática e que tenham figurado no polo passivo (Lei Complementar nº 64/1990, art. 22, inciso XIV; Supremo Tribunal Federal, ADI nº 7.197/DF, DJe 7/12/2023);
c) a comunicação ao Ministério Público Eleitoral (Lei Complementar nº 64/1990, art. 22, inciso XIV); e
d) a determinação de providência que a espécie imponha, inclusive para a recomposição do erário se comprovado desvio de finalidade na utilização dos recursos públicos (Lei Complementar nº 64/1990, art. 22, inciso XIV; Tribunal, Superior Eleitoral, AIJE nº 0600814-85/DF, DJe 1º/8/2023).
Passa-se à apreciação da responsabilidade atribuída a cada um dos promovidos.
1) GLÊDSON LIMA BEZERRA
Quanto ao promovido GLÊDSON LIMA BEZERRA, verifica-se que na qualidade de prefeito municipal de Juazeiro do Norte/CE, mostrou-se efetivo agente público responsável pelo injustificável e grave incremento nos gastos com programas sociais patrocinados pelo município, sobremaneira no ano eleitoral de 2024, e beneficiário direto das práticas ilícitas. Os autos demonstram que o investigado utilizou as mencionadas ações municipais como plataforma de campanha. Praticou, portanto, abuso de poder político previsto no art. 22 da LC 64/90, sendo-lhe aplicável as sanções de inelegibilidade e cassação do diploma estabelecidas no inciso XIV, do art. 22 da LC 64/90, uma vez que as condutas, pela sua magnitude, ostentaram alto grau de lesividade, causando prejuízos irreparáveis para o equilíbrio das eleições de 2024.
2) JOSÉ TARSO MAGNO TEIXEIRA DA SILVA
No que tange ao promovido JOSÉ TARSO MAGNO TEIXEIRA DA SILVA, em que pese não se identificar ação concreta para a consecução dos ilícitos praticados, restou claro o benefício auferido com a conduta, na condição de candidato reeleito ao cargo de vice-prefeito de Juazeiro do Norte/CE. Logo, deverá ser aplicada ao mencionado investigado a sanção de cassação do diploma estabelecida no inciso XIV, do art. 22 da LC 64/90.
3. Dispositivo.
Isto posto, com relação às imputações de abuso de poder político, consistente no incremento irregular e injustificado dos gastos relativos a aparelhos auditivos, óculos e cestas básicas por parte da gestão municipal de Juazeiro do Norte/CE, no ano eleitoral de 2024, com comprovada finalidade eleitoreira, causando vultoso impacto positivo e ilegítima visibilidade da candidatura dos investigados, bem como inafastável sentimento de gratidão junto aos eleitores de baixa renda do município, repercutindo, ainda, na violação da isonomia em face aos demais candidatos e na lisura do pleito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos deduzidos na presente AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO ELEITORAL, nos termos do art. 487, I, do CPC, com o fim de:
a) CASSAR os diplomas dos candidatos eleitos GLÊDSON LIMA BEZERRA e JOSÉ TARSO MAGNO TEIXEIRA DA SILVA, na forma do art. 22, inciso XIV, da LC 64/90 e do art. 10, inciso I, alínea “a” da Resolução TSE nº 23.735/2024;
b) DECLARAR a inelegibilidade de GLÊDSON LIMA BEZERRA, pelo prazo de 08 anos, subsequentes às eleições municipais de 2024, nos termos do art. 22, inciso XIV, da LC 64/90 e do art. 10, inciso I, alínea “b”, da Resolução TSE nº 23.735/2024.
Outrossim, julgo improcedentes os pedidos formulados na exordial concernentes ao abuso de poder político relativamente às imputações de utilização da aeronave, sem o devido registro na respectiva prestação de contas, assim como ao aumento de despesas com próteses dentárias.
Em face do disposto no art. 224, § 3º, do Código Eleitoral, promovam-se novas eleições para os cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Juazeiro do Norte/CE, tendo em vista que os ilícitos perpetrados macularam a legitimidade do pleito.
P.R.I.
Expedientes necessários.
Juazeiro do Norte (CE), [data da assinatura eletrônica].
GUSTAVO HENRIQUE CARDOSO CAVALCANTE
Juiz da 28ª ZE/CE