JUSTIÇA ELEITORAL
062ª ZONA ELEITORAL DE VÁRZEA ALEGRE CE
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0600428-27.2024.6.06.0062 / 062ª ZONA ELEITORAL DE VÁRZEA ALEGRE CE
AUTOR: COLIGAÇÃO PRA CONTINUAR CRESCENDO (MDB/PSD/SOLIDARIEDADE/ FEDERAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA)
Advogados do(a) AUTOR: VICTOR LUCIANO PIERRE DE FARIAS - CE24478, ANDERSON QUEIROZ COSTA - CE32535, LUIZ RICARDO DE MORAES COSTA - CE28980
REU: CICERA MARIA DE ARAUJO, MARIA LUCIMAR DA SILVA FREIRE, ANTONIA NATERCIA FEITOSA, ALESSANDRO VAGNER DOS SANTOS, NILTON IGOR DA SILVA RODRIGUES, LUIZ FRANCISCO DE SOUSA, MARCELO FLEDSON GUERRA VIEIRA, MICHEL MARTINS DOS SANTOS, FRANCISCO WILSON MOREIRA, COMISSAO PROVISORIA DO PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB
INVESTIGADO: FABRICIO FERREIRA ROLIM
Advogado do(a) REU: ANA CLÁUDIA SILVA GUIMARÃES JERÔNIMO - CE29087
Advogado do(a) REU: ANA CLÁUDIA SILVA GUIMARÃES JERÔNIMO - CE29087
Advogado do(a) REU: ANA CLÁUDIA SILVA GUIMARÃES JERÔNIMO - CE29087
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Advogado do(a) REU: ANA CLÁUDIA SILVA GUIMARÃES JERÔNIMO - CE29087
Advogado do(a) INVESTIGADO: ANA CLÁUDIA SILVA GUIMARÃES JERÔNIMO - CE29087
| S E N T E N Ç A |
Vistos etc.
1. Relatório:
Trata-se de ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), proposta pela Coligação “Pra Continuar Crescendo”, integrada pelos partidos MDB, PSD, SOLIDARIEDADE e pela Federação Brasil da Esperança, contra Cícera Maria de Araújo, Maria Lucimar da Silva Freire, Antônia Natércia Feitosa, Alessandro Vágner dos Santos, Fabrício Ferreira Rolim, Nilton Igor da Silva Rodrigues, Luiz Francisco de Sousa, Marcelo Fledson Guerra Vieira, Michel Martins dos Santos, Francisco Wilson Moreira e contra o Partido Socialista Brasileiro - PSB, por meio da qual busca a cassação do registro das candidaturas constantes no Demonstrativo de Regularidade dos atos Partidários do Partido Socialista Brasileiro com a respectiva declaração de inelegibilidade dos investigados por fraude à conta de gênero nas eleições de 2024 para o cargo de vereador no Município de Várzea Alegre/CE.
Narra a Coligação investigante que, durante as eleições municipais de 2024, houve fraude à cota de gênero com relação às candidaturas fictícias de Antônia Natércia Feitosa, de Cícera Maria de Araújo e de Maria Lucimar da Silva Freire, asseverando que o PSB apresentou o requerimento no RCand nº 0600170-17.2024.6.06.0062, com dez candidatos ao cargo de vereador e que, desse número, sete candidatos eram do sexo masculino e, outras três, do sexo feminino, alcançando formalmente o percentual legalmente exigido de setenta por cento de candidatos homens e trinta por cento de candidatas mulheres.
Continua a narrativa ao dizer que esse percentual cumpre formalmente a exigência mínima para cada gênero, mas que isso não exclui a necessidade de verificação da existência de candidaturas femininas reais e efetivas. Narra que, com o término da campanha eleitoral, verificou-se que as candidatas não participaram efetivamente do pleito de 2024, pois não realizaram atos de campanha, sendo que a análise das prestações de contas revela que não houve aquisição de material de campanha e que as candidatas também não divulgaram seus nomes de forma expressiva nas redes sociais, deixando evidente, na sua ótica, que não buscaram o voto dos eleitores.
Aduz que, como resultado da ausência de engajamento das mencionadas candidatas na campanha eleitoral, que as mulheres obtiveram inexpressiva votação, sendo que as três candidatas em destaque foram as menos votadas dos partidos, e todas juntas somam apenas cento e três votos, ou seja, 0,40% dos votos válidos recebidos diante das eleições gerais que totalizaram vinte e cinco mil quinhentos e quarenta e um reais votos no município.
Em complemento, argumenta que a candidata Antônia Natércia Feitosa não realizou atos de campanha eleitoral, tendo obtido tão somente oito votos, possuindo rede social fechada, o que induz com conduta incompatível, na sua concepção, a quem quer aspirar um cargo eletivo, somando a isso o fato de não ter apresentado prestação de contas finais de campanha, e que na sua prestação de conta parcial, processo nº 0600314-88.2024.6.06.0062, o demonstrativo de recibos eleitorais induz que não há aquisição de material de propaganda eleitoral, santinhos, propaganda em jornais, impulsionamento de conteúdo na internet, nada que demonstre gastos de campanha.
Quanto à candidata Cícera Maria de Araújo, defende o investigante que ela teve um desempenho nas eleições municipais de 2024 de apenas vinte e quatro votos, não tendo promovido propaganda eleitoral de forma concreta, inclusive com apenas um registro de atividade de campanha em sua rede social. E, no que se refere aos gastos de campanha, a prestação de contas parcial apresentada no processo nº 0600324-35.2024.6.06.0062 demonstra que não houve aquisição de material de divulgação, como santinhos, anúncios em jornais ou impulsionamento de conteúdo online, e o demonstrativo de recibos eleitorais não registra despesas relacionadas à propaganda eleitoral, evidenciando, no seu entender, que não foram alocados recursos para a promoção da candidatura dela.
Por fim, menciona que a candidata Maria Lucimar da Silva Freire, registrada sob o Requerimento de Registro de Candidatura nº 0600179-76.2024.6.06.0062, nas eleições de 2024, obteve a quantidade de setenta e um votos, não tendo havido investimento em divulgação, materiais de campanha ou eventos destinados à mobilização do eleitorado, o que corrobora a ausência de esforços para a promoção de sua candidatura. Enfatiza que suas redes sociais continham postagens que não evidenciavam uma campanha estruturada ou direcionada à promoção real de sua candidatura, faltando o engajamento necessário para uma participação ativa no pleito, candidata não prestou contas adequadas de sua campanha, o que reforça a conclusão de que não houve movimentação financeira significativa tampouco a aquisição de bens e serviços voltados ao pleito, conforme constatado na análise da prestação de contas parcial registrada sob o nº 0600338-19.2024.6.06.0062.
Por fim, defende o investigante que a Lei nº 9.504/97, em seu artigo. 10, § 3º, a partir da redação dada pela Lei nº 12.034/2009, instituiu uma política afirmativa da participação das mulheres nos pleitos eleitorais e exigiu providências dos partidos políticos para a formação de quadros femininos aptos a disputar as eleições com reais possibilidades de sucesso ou, pelo menos, com efetiva busca dos votos dos eleitores.
Por fim, a parte investigante requereu o julgamento pela procedência dos pedidos formulados para impor aos investigados as sanções do artigo 22, XIV, da LC nº 64/90, decretando-se suas inelegibilidades por oito anos.
Os investigados apresentaram contestação, alegando preliminarmente a ilegitimidade ativa da Coligação investigante para atuar em fatos que envolvem candidaturas proporcionais e a prejudicialidade processual em virtude do trânsito em julgado do registro do DRAP.
No mérito, requereram a improcedência da ação por ausência de conduta que enseje abuso de poder, destacando inicialmente que Várzea Alegre está sob o governo do mesmo grupo político há mais de vinte anos e nas últimas cinco eleições municipais não houve alternância de poder, sendo que o MDB e o PT são os partidos que exercem maior influência local, ao passo que as investigadas foram candidatas pelo PSB, que em Várzea Alegre integra o grupo da oposição, não sendo nada fácil enfrentar uma candidatura em oposição ao grupo governante, na sua ótica, tornando a corrida eleitoral notoriamente desproporcional, eis que candidatas e candidatos da oposição não tiveram o mesmo apoio de políticos e de empresários, reduzindo assim suas possibilidades de êxito.
Aduz que as investigadas Antônia Natércia Feitosa, Cícera Maria de Araújo e Maria Lucimar da Silva Freire, mesmo tendo empreendido todo o esforço possível em suas respectivas campanhas, não obtiveram êxito, estando, no seu entender, em uma injusta batalha, eis que impossível concorrer em condições de igualdade com os candidatos alinhados com uma oligarquia dominante no município há mais de vinte anos, destacando que, dentre os investigados, apenas os candidatos que já eram vereadores obtiveram êxito na corrida eleitoral, e que não somente as mulheres tiveram votação inexpressiva, mas também os homens, o que, no seu entender, evidencia que tal fato não está relacionado à questão de gênero, mas à dificuldade de se inserir na política local.
Alegam ainda que as candidatas investigadas são mulheres simples, sem recursos, sem padrinhos políticos importantes, mas mulheres corajosas e independentes, que verdadeiramente nutrem o sonho de contribuir com a política local e que jamais aceitariam ser usadas como laranjas em uma campanha, tendo levado suas respectivas campanhas até o fim inobstante as dificuldades que enfrentaram.
Defendem a não incidência da súmula 73, do TSE, ao presente caso, acrescentando que a melhor doutrina acerca do tema informa que para uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral prosseguir faz-se necessária que se apontem um conjunto probatório suficientemente farto que legitime uma ação que tem consequências muito sérias, podendo inclusive desequilibrar o resultado democrático.
Argumentam ainda que em momento algum o PSB e seus respectivos candidatos e candidatas agiram com o intuito deliberado de burlar a legislação eleitoral, ao contrário, os candidatos, candidatas e o partido sempre atuaram visando uma participação legítima e em estrita observância a legislação eleitoral; e que as candidatas Antônia Natércia Feitosa, Cícera Maria de Araújo e Maria Lucimar da Silva Freire realizaram atos de campanha, tanto em ambiente físico quanto em ambiente virtual, ações que podem facilmente serem verificados de acordo com a farta documentação que segue em anexo e apresentaram suas respectivas prestações de contas que foram devidamente publicadas sem que houvesse impugnação, evidenciando a devida regularidade.
Finaliza defendendo que, embora a quantidade de votos obtida pelas candidatas investigadas não tenha sido o suficiente para elegê-las, tal quantitativo demonstra que de fato elas fizeram campanha, caso contrário, não teriam sequer obtido tais votos, não sendo a votação inexpressiva elemento a ser analisado separadamente dos demais para a possível configuração de violação à cota de gênero; restando evidente que as candidaturas das investigadas não foram fictícias uma vez que realizaram atos de campanha em ambiente físico e virtual, apresentaram prestação de contas em harmonia com o que dispõe a legislação eleitoral e obtiveram votação, ainda que de menor impacto.
A parte investigante se manifestou em réplica quanto às preliminares suscitadas pelos investigados, tendo ainda argumentado questões quanto ao mérito, rebatendo-as.
Realizada audiência de instrução, no ato foram ouvidas as testemunhas presentes, primeiro as arroladas pela parte autora, Antonio Arthur Ferreira de Araújo, Antonio Mattheus Bezerra e Livânia de Sousa Silva, e, na sequência, as arroladas pela parte investigada, Eliana Maria de Araújo Oliveira Bezerra, Vilanilson Gonçalves Sancho da Silva, Cícera Eliane Gregório e José Willamys Araújo Barros; seguindo-se as alegações finais escritas apresentadas por ambas as partes.
O Ministério Público Eleitoral emitiu parecer de mérito pela procedência da ação.
É o relatório. Decido.
2. Fundamentação:
2.1. Da preliminar de Ilegitimidade ativa:
Não procede essa preliminar. Não se desconhece a formação de coligações apenas para o pleito majoritário, e o fato da demanda ora analisada tratar de celeuma afeta ao pleito proporcional não retira da Coligação a legitimidade ativa para a presente ação, nos exatos termos do art. 22, caput, da LC nº 64/90, que prevê: “qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:” (destaque não presente no original).
2.2. Da prejudicial de trânsito em julgado do DRAP:
No tocante a tese de que o trânsito em julgado do processo que deferiu o DRAP impediria sua cassação por meio de AIJE, também não merece prosperar. Isso porque já se reconheceu em sede jurisprudencial que a fraude à cota de gênero é espécie de abuso de poder, de modo que a AIJE é meio processual adequado para apurar eventual desobediência ao que preceitua o art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, mesmo porque os atos de campanha, que ocorrem após a fase de análise do DRAP, são o contexto para se averiguar a existência de candidaturas reais ou fictícias.
2.3. Do mérito:
Prevê o art. 22, caput, da Lei Complementar nº 64/90 que “qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:”
Alegou a parte investigante a ocorrência de abuso de poder por parte dos investigados.
A temática afeta a fraude à cota de gênero configura em tese hipótese de abuso de poder, capaz de violar a lisura e a legitimidade do pleito eleitoral e o próprio processo democrático em si, daí porque passível de ser apurada por meio de Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE (art. 22, caput, da LC nº 64/90).
O Tribunal Superior Eleitoral – TSE tem entendimento de que “é possível a apuração de fraude em Ação de Investigação Judicial Eleitora (AIJE), por constituir tipo de abuso de poder, cujas consequências são a cassação dos mandatos dos eleitos e dos diplomas dos suplentes e não eleitos e a declaração de inelegibilidade dos envolvidos na fraude” (TSE. REspe nº 193-92/PI, Rel. Min. Jorge Mussi, julgamento encerrado em 17.9.2019).
O art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, prevê que, do número de vagas resultante das regras previstas nesse dispositivo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo.
Importante destacar que, na ação de impugnação de mandato eletivo – AIJE, a fraude à cota de gênero é apurada em tese como modalidade de abuso de poder, ao passo que, nas ações de impugnação de mandato eletivo – AIME, os fatos são examinados considerando a imputação de fraude em sentido aberto de que trata o art. 14, § 10, da Constituição Federal.
A investigante defende que existira fraude à cota de gênero, informando que o Partido Socialista Brasileiro – PSB teria registrado três candidaturas do sexo feminino de maneira fictícia, pois as candidatas Antônia Natércia Feitosa, Cícera Maria de Araújo e Maria Lucimar da Silva Freire teriam obtido votação pífia, além de prestação de contas de campanha com movimentação financeira irrelevante e ausência de atos de campanha eleitoral, o que teria comprometido a legitimidade e a normalidade do pleito embora formalmente a cota de candidaturas para ambos os sexos estivesse de acordo com o art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97.
Por outro lado, não é qualquer fato que pode comprometer o resultado das eleições, porquanto o princípio da soberania popular, previsto na Constituição Federal, em seu art. 14, que tem como pilar a democracia, deve prevalecer diante de condutas isoladas e de “fórmulas matemáticas” sem conteúdo interpretativo sistemático, as quais são insuficientes para alterar o resultado do pleito eleitoral. É o princípio do in dubio pro sufragio, diante do qual a escolha popular não poderá ser aniquilada diante de fato isolados, mormente quando a ação não se encontra lastreada com conteúdo probatório lícito, robusto e inconteste.
A prova de fraude na cota de gênero deve então ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso, a denotar o incontroverso objetivo de burlar a isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97. Sobre o tema, destaca-se o precedente julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral:
Direito Eleitoral, Civil e Processual Civil. Agravo interno no agravo de instrumento. Eleições 2016. Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Abuso do Poder Político. Inelegibilidade. Eleição proporcional. Fraude ao sistema de cotas. provimento parcial ao recurso especial. anulação do acórdão dos embargos de declaração. Omissão. configuração. Retorno dos autos para novo julgamento. Inobservância do ônus da impugnação especificada e do princípio da dialeticidade. Desprovimento.1. Agravo interno contra decisão monocrática que deu parcial provimento a recurso especial, determinando o retorno dos autos à origem, para novo julgamento dos embargos de declaração.(...).4. O TSE firmou entendimento de que a prova da ocorrência da fraude na cota de gênero de candidaturas, com violação ao art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, deve estar amparada em provas robustas, devendo-se considerar, para tanto, a soma das circunstâncias fáticas do caso. Precedentes.5. As razões do recurso, na forma como apresentadas, são insuficientes para modificar a decisão recorrida. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, o princípio da dialeticidade recursal impõe ao Recorrente o ônus de evidenciar os motivos de fato e de direito capazes de infirmar todos os fundamentos do decisum que se pretende modificar, sob pena de vê-lo mantido por seus próprios fundamentos.6. Agravo interno a que se nega provimento. Agravo Regimental em (TSE. Agravo de Instrumento nº 75020, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 03/09/2021). - destaque nosso
A partir do lead case do caso de Jacobina/BA (AgR–AREspE 0600651–94, red. para o Acórdão Min. Alexandre de Moraes, DJE de 30.6.2022), a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem reiteradamente alegado que "a obtenção de emissão zerada ou pífia das candidaturas, a prestação de contas com emissão financeira e a ausência de atos de campanha são suficientes para evidenciar o propósito de roubo ou a reclamação da norma que estabelece a cota de gênero, quando faltam elementos que indiquem se tratar de desistência tácita da competição” (REspEl 0600001–24, rel. Min. Carlos Horbach, julgado em 18.8.2022). Na mesma linha: REspEl 0600239–73, rel. Min. Alexandre de Moraes, DJE de 25.8.2022 e AgR–REspEl 0600446–51, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 15.8.2022.
A jurisprudência do referido Tribunal sobre fraude à cota de gênero evoluiu nesse sentido e culminou, no ano de 2024, com a aprovação e publicação da súmula nº 73, que apresenta o seguinte enunciado:
Súmula 73 (TSE) - “A fraude à cota de gênero, consistente no que diz respeito ao percentual mínimo de 30% de candidaturas femininas, nos termos do art. 10, § 3º, da Lei 9.504/1997, configura-se com a presença de um ou alguns dos seguintes elementos, quando os fatos e as circunstâncias do caso concreto assim permitirem concluir: votação zerada ou inexpressiva; prestação de contas zerada, padronizada ou ausência de movimentação financeira relevante; ausência de atos efetivos de campanha, divulgação ou promoção da candidatura de terceiros.”
E a configuração da fraude independe de dolo, sendo suficientes indícios objetivos de ausência de efetiva candidatura. Entretanto é necessário cautela na configuração de fraude à cota de gênero, especialmente em campanhas de municípios pequenos e de baixo custo, como sói ocorrer no caso trazido nestes autos.
Apesar de não haver na Legislação detalhes conclusivos sobre os atos necessários para aferir ilícitos neste tipo de ação, a Justiça Eleitoral entende ser necessária a presença de alguns fatores para fins da comprovação da fraude à cota de gênero, tais como votação irrisória ou zero, ausência de campanha eleitoral, ausência de despesas de campanha ou ausência de entrega financeira na prestação de contas, ou se houve apoio a candidato diverso ao mesmo cargo em que ocorreu a disputa.
Em todo caso, e de acordo com a súmula 73, basta que se comprove a presença de um desses elementos; todavia, não isoladamente, pois deve ser somado e aliado a uma situação fática e às circunstanciais as quais se possam concluir nesse sentido, considerando todo um contexto, para que, enfim, convença-se pela existência de candidaturas femininas fictícias em situação de fraude à cota de gênero.
No caso dos autos, não se constatou nenhuma dessas situações em relação as candidaturas das investigadas Antônia Natércia Feitosa, Cícera Maria de Araújo e Maria Lucimar da Silva Freire.
Com relação à votação, inobstante o pouco número de votos obtidos por elas, considerando o universo de pouco mais de vinte e cinco mil votantes nas eleições de 2024 no Município de Várzea Alegre/CE, fato incontroverso, respectivamente, oito, vinte e quatro e setenta e um votos, esse baixo desempenho eleitoral, com percentagens dos votos válidos de 0,03%, 0,09% e 0,27%, não pode ser considerado pífio ou inexpressivo dentro do contexto político municipal; porquanto, quando se analisa o resultado desse pleito eleitoral, apurados no processo eleitoral nº 0600394-52.2024.6.06.0062, observa-se que quarenta e seis candidatos a vereador nesse município receberam votos, sendo o mais votado, Otoniel Júnior (2.220 votos), e o menos votado, na 46ª posição, Josenilson (5 votos).
Percebe-se nitidamente uma enorme diferença de quantitativo de votos entre o primeiro e o último colocado nessa disputa eleitoral, estando as referidas candidatas respectivamente nas colocações 44ª, 39ª e 32ª, com número de votos próximos a outras candidaturas tanto femininas quanto masculinas, inclusive com candidaturas desse último sexo com desempenho mais desfavorável.
E mais, dos candidatos que obtiveram votos, apenas 20 (vinte) receberam em porcentagem igual ou superior a 1% dos votos válidos apurados. Todos os demais, inclusive as investigadas em destaque, no total de 26 (vinte e seis) candidatos, receberam votos abaixo desse percentual: Jeane Lima Ferreira (MDB – 0,99%), Manoel Teodósio da Silva (MDB – 0,99%), José Robério Vieira do Nascimento (PSD – 0,96%), Francisco Pereira de Castro (PT – 0,79%), Nilton Igor da Silva Rodrigues (PSB – 0,73%), Carlos Daniel da Silva Sousa (PT – 0,68%), Francisco Gutembergue Lima Batista (PT – 0,67%), Raimunda Geane Ferreira de Sousa (PP – 0,37%), Pedro Simeão Bezerra (PSD – 034%), Livânia de Sousa Silva (PSD – 034%), Francisco Itamar Gonçalves Filho (PP – 0,33%), Alana Costa Bezerra Fiúza Saraiva (MDB – 0,29%), Francisco Dias Cardoso (PSD – 0,23%), Jorge Ryan Teixeira Alcântara (PT – 0,19%), Luiza Adeiuza Clementino de Souza (PT – 0,14%), Cícero Cordeiro Cordeiro de Oliveira (PP – 0,12%), Eluziene de Queiroz (PP – 0,10%), Ilário Benjamin de Alencar (PT – 0,09%), Alessandro Vagner dos Santos (PP – 0,09%), Cícero Eduardo Diniz Bezerra (PP – 0,08%), Maria Aparecida Alves da Costa (PSD – 0,07%), Tereza Batista da Silva (PT – 0,05%), Maria Nalua Alves Pinheiro (PP – 0,02%) e Antônio Josenilson de Lima Sousa (0,01%).
E bem próximos desses, os percentuais das candidatas ora investigadas, Antônia Natércia Feitosa (PSB – 0,03%), Cícera Maria de Araújo (PSB – 0,09%) e Maria Lucimar da Silva Freire (PSB – 0,27%), em nada destoando da maioria dos candidatos, configurando um contexto político no qual a grande maioria dos candidatos conseguiram votação inexpressiva, e isso somente considerando aqueles que obtiveram menos de 1% dos votos válidos.
Assim, pela votação obtida pelas investigadas Antônia Natércia Feitosa (0,03%), Cícera Maria de Araújo (0,09%) e Maria Lucimar da Silva Freire (0,27%), não se verifica o incontroverso objetivo do Partido Socialista Brasileiro - PSD de burlar o mínimo de isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97, o que nos permite concluir que o baixo quantitativo de votos obtidos por elas não é suficiente para aferir e para concluir pela existência de abuso de poder consistente na fraude à cota de gênero.
Nesse sentido, colhe-se precedente do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará – TRE/CE, in verbis:
RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO. CANDIDATURAS FEMININAS FICTÍCIAS OU SIMULADAS. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA. FRAUDE NÃO CONFIGURADA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Recurso Eleitoral em face de sentença que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral proposta contra os Recorridos, imputando-lhes a prática de fraude à cota de gênero no lançamento de candidaturas para o pleito de 2020. (...) 3. A questão central da lide reside em verificar se, a partir dessas conclusões - votação irrisória, ausência de campanha eleitoral nas redes sociais e ínfima de despesa de campanha -, é possível caracterizar a alegada fraude à exigência legal de cota de gênero para concorrer aos cargos proporcionais. 4. Conforme entendimento adotado por esta Corte Regional, para se poder imputar a prática de fraude na cota legal de gênero exigida para as candidaturas é necessário identificar um padrão de comportamento do partido em beneficiar um dos gêneros em detrimento de outro. O fato de haver candidatas com baixo desempenho eleitoral não significa a ocorrência de fraude, por si só. Deve-se atentar para o desempenho geral das candidaturas femininas e para as particularidades de cada caso, a indicar ou afastar a ocorrência de fraude a partir de um padrão. 5. No caso em julgamento, os depoimentos tomados em juízo apontam para o oposto das alegações defendidas na inicial e os investigantes não se desincumbiram de indicar provas a corroborar a fraude imputada. 6. A suposta fraude soa mais improvável, ainda, quando se analisa o desempenho das supostas candidaturas fictícias em relação a outras do gênero masculino que tiveram desempenho mais desfavorável. 7. Para a conclusão de existência de fraude ou conluio entre os que disputam o pleito ou entre o partido e seus candidatos, é imprescindível a robustez da prova nesse sentido, sob pena de subverter o sufrágio popular. 8. "A prova de fraude no preenchimento da cota de gênero deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias fáticas do caso a denotar o incontroverso objetivo de burlar o mínimo de isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97" (TSE, Recurso Especial Eleitoral n.º 060046112, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Felipe Salomão, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 155, Data 05/08/2020). 9. No caso dos autos, não há provas suficientes e incontestes da prática do ilícito apontado pelo Recorrente, razão pela qual se impõe a manutenção da sentença recorrida que julgou improcedentes os pedidos iniciais. 10. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TRE/CE. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL nº060039282, Acórdão, Relator(a) Des. GEORGE MARMELSTEIN LIMA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 19/10/2022). - destaques não presentes no original
No tocante à alegação de prestação de contas com ausência de movimentação financeira relevante, verifica-se igualmente que não assiste razão à parte investigante. É que as investigadas Cícera Maria de Araújo e Maria Lucimar da Silva Freire prestaram contas de sua campanha eleitoral, conforme demonstram respectivamente os documentos de ID´s 124632258 e 124632375, enquanto que a candidata Antônia Natércia Feitosa realizou gastos com assessoria jurídica e contábil em movimentação financeira no que se pode aferir a partir de sua prestação de contas parcial, embora ausente a prestação de contas finais, fato que por si só, isoladamente, é insuficiente para configurar a fraude à cota de gênero. Por outro lado, comprovou que o gasto com seu material de campanha foi realizado pela candidata ao cargo de Prefeita, Luciana Rolim, inclusive em benefício de outros candidatos a vereador, conforme comprova o documento presente no ID 124632396.
Assim, o contexto fático permite inferir que a contas de campanha dessas candidatas teve movimentação financeira referente ao pleito eleitoral condizente com os atos de campanha.
Analisando os atos de campanha, o conjunto probatório demonstra que as candidatas investigadas Antônia Natércia Feitosa, Cícera Maria de Araújo e Maria Lucimar da Silva Freire não se envolveram em atos de campanha de candidatos ao mesmo cargo que disputavam, tendo realizado atos de campanha eleitoral próprios de cada uma.
Os documentos de ID´s 124632260, 12463261, 12463262, 12463265, 12463261,12463266, 12463267, 12463268, 12463269, 12463270, 12463272, 12463273, 12463276, 12463277, 12463277, 12463282, 12463283, 12463284, 12463286, 12463290, 12463294 e 12463297, demonstram nítidos e inequivocamente atos de campanha das investigadas em destaque, inclusive com registro em redes sociais, inobstante a eventual ausência desses últimos não signifique ausência de campanha eleitoral ante a não obrigatoriedade de sua utilização.
Em relação aos elementos contidos na súmula 73, que possam caracterizar fraude à cota de gênero, o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará - TRE/CE possui precedentes sobre o tema, notadamente pela necessidade do contexto probatório ser seguro para se concluir pela existência de fraude, dentre os quais se destaca, in verbis:
DIREITO ELEITORAL. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. COTA DE GÊNERO. CANDIDATURA FICTÍCIA. CONFIGURAÇÃO DE FRAUDE QUE EXIGE ELEMENTOS OBJETIVOS ROBUSTOS. ATUAÇÃO POLÍTICA EFETIVA DA CANDIDATA COMPROVADA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE FICTICIDADE. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SUFRAGIO. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO. IMPROCEDÊNCIA DA AIJE. I. CASO EM EXAME. 1. Trata-se de recurso eleitoral visando à reforma da sentença, com alegação de que a candidatura em questão teria sido utilizada de forma instrumental para o cumprimento formal da cota legal de gênero. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO. 2. A questão em discussão consiste em verificar se houve fraude à cota de gênero na candidatura de Maria Vilma Bezerra dos Santos, a ensejar a cassação do DRAP e demais consequências legais. III. RAZÕES DE DECIDIR. 3. A cota de gênero prevista no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/1997 é norma de caráter cogente, voltada à promoção da efetiva participação feminina na política. 4. A jurisprudência do TSE e a Súmula nº 73 firmam entendimento no sentido de que a configuração da fraude independe de dolo, sendo suficientes indícios objetivos de ausência de efetiva candidatura. 5. Jurisprudência do TSE e dos Tribunais Regionais Eleitorais corrobora o entendimento pela necessidade de cautela na configuração de fraude à cota de gênero, especialmente em campanhas de municípios pequenos e de baixo custo. 6. No caso concreto, não se verificam elementos suficientes para caracterizar a ficticidade, como ausência de atos de campanha, inexistência de movimentação financeira ou promoção de terceiros. 7. A candidata participou de eventos eleitorais, entregou panfletos, realizou publicações em redes sociais e declarou gastos na prestação de contas, ainda que modestos. 8. A baixa votação, por si só, não configura candidatura fictícia, sendo necessário conjunto robusto de provas, inexistente nos autos. 9. Aplicação do princípio do in dubio pro sufragio, diante da ausência de indícios graves e convergentes de fraude. IV. DISPOSITIVO E TESE. 10. Recurso conhecido e provido para reformar a sentença de primeiro grau e julgar improcedente a AIJE. Tese de julgamento: A configuração de fraude à cota de gênero exige a presença de indícios objetivos robustos e convergentes de candidatura fictícia, sendo insuficiente a mera baixa votação, devendo-se aplicar o princípio do in dubio pro sufragio em contextos de atuação eleitoral comprovada, ainda que modesta. Dispositivos relevantes citados: Lei nº 9.504/1997, art. 10, § 3º; Lei Complementar nº 64/1990, art. 22, caput e inciso XIV; Constituição Federal, art. 1º, V; art. 5º, I. Jurisprudência relevante citada: [1] Súmula nº 73 do TSE; [2]TSE, AgR-REspEl nº 060000154-2021.6.24.0023, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJE de 20.04.2023;[3]TSE, AgR-REspEl nº 0600002-81.2020.6.05.0083, Rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 08.05.2023; [4]TSE, REspEl nº 0600311-66.2020.6.05.0033, Rel. Min. Raul Araújo, DJE de 12.05.2023; [5]TRE-CE, RE nº 0600387-92.2020.6.06.0029, Rel. Des. Raimundo Nonato Silva Santos, DJE de 24.02.2021. (TRE/CE. RECURSO ELEITORAL nº060034662, Acórdão, Relator(a) Des. Wilker Macedo Lima, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 29/04/2025). - destaques não presentes no original.
Ainda que modestos, vê-se que os citados documentos, trazidos com a peça de defesa, demonstram que as investigadas em tela realizaram atos de campanha, situação corroborada pela prova testemunhal.
Aliás, apurou-se em audiência de instrução que a testemunha Eliana Maria de Araújo Oliveira Bezerra afirmou: que a candidata Cícera era comerciante e, durante o período de campanha, seu estabelecimento permaneceu fechado. Que a referida candidata chegou a participar de algumas visitas eleitorais juntamente. Que tanto Cícera quanto as demais candidatas do PSB são mulheres muito conhecidas na cidade, Que a depoente já exerceu quatro mandatos como vereadora. Que não sabe informar quantos votos obtiveram as candidatas Natércia, Cícera e Dedê; Que seguia, nas redes sociais, o perfil da candidata Natércia, cujo conteúdo era público durante o período eleitoral. Que também seguia a Sra. Cícera em suas redes sociais. Que chegou a visualizar vídeos das referidas candidatas realizando atos de campanha por meio das redes sociais. Que a candidata Dedê é ex- cunhada do Sr. Vanderlei Freire, presidente do PSB e ex-prefeito de Várzea Alegre, bem como ex-cunhada da candidata à vice-prefeita pela mesma agremiação partidária. Que não sabe dizer se a Sra. Natércia chegou a desistir formalmente de sua candidatura ao cargo de vereadora.
A testemunha Vilanilson Gonçalves Sancho da Silva afirmou que: esteve presente em uma reunião de planejamento da campanha do PSB, na qual estavam presentes as três candidatas mencionadas. Que frequentou o comitê do PSB durante o período eleitoral, onde havia material de campanha, como santinhos e fotografias dos candidatos afixadas nas paredes. Que as referidas candidatas — Natércia, Cícera e Dedê — são mulheres muito conhecidas no município de Várzea Alegre. Que, durante a campanha, a Sra. Cícera participou ativamente, realizando visitas porta a porta nas comunidades da zona rural. Que acompanhou as candidatas Natércia e Cícera na reunião preparatória para a convenção partidária, bem como na própria convenção e na abertura do comitê de campanha. Que esclarece não ter trabalhado diretamente no comitê e que não sabe informar a quantidade de materiais de campanha que foram confeccionados para cada candidato. Que a única rede social que utiliza é o aplicativo WhatsApp. Que não sabe informar o endereço residencial da Sra. Cícera Maria. Que é filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) há aproximadamente um ano e meio. Que não sabe quantos votos obtiveram as candidatas Natércia, Cícera e Dedê. Que a candidata Dedê é ex-cunhada do presidente do PSB e também ex-cunhada da ex-candidata à vice-prefeita pela oposição.
A testemunha Cícera Eliane Gregório afirmou que: possui redes sociais e visualizou postagens das três candidatas — Natércia, Cícera e Dedê — nas plataformas digitais, todas relacionadas à realização de campanha eleitoral. Que esteve presente em eventos promovidos pelo PSB, nos quais as três candidatas também estavam presentes, atuando efetivamente como candidatas. Que, nas redes sociais, é amiga da Sra. Cícera Araújo. Que desativou sua conta no Facebook, mantendo atualmente apenas o Instagram. Que passou a seguir recentemente a Sra. Maria (Cícera). Que já conhecia a Sra. Natércia antes do período eleitoral, em razão do estabelecimento comercial que esta mantinha na cidade. Que participou de aproximadamente quatro eventos e duas caminhadas durante a campanha, e que, nas ocasiões em que esteve presente, visualizou a presença das candidatas. Que não se recorda do número eleitoral de Cícera Maria nem do de Natércia. Que a candidata Dedê é ex-cunhada de Vanderlei, presidente do PSB e ex-prefeito de Várzea Alegre, bem como ex-cunhada da candidata a vice-prefeita pela mesma agremiação. Que o perfil da candidata Natércia nas redes sociais era público. Que Natércia é pessoa conhecida no município, sendo sua família originária de Várzea Alegre.
A testemunha José Willamys Araújo Barros afirmou que: conhece a Sra. Natércia, mas não sabe informar se ela contou com o apoio de sua família durante a campanha. Que, em reunião realizada, foi mencionado que os recursos de campanha seriam direcionados para a chapa majoritária, mas que, dentro dessa estrutura, houve auxílio também aos candidatos à vereança, inclusive com a confecção de bottons e santinhos. Que trabalhou na campanha prestando serviços na área contábil, assessorando o PSB. Que esteve presente em eventos nos quais as candidatas compareceram. Que todas são pessoas conhecidas na cidade. Que reside em Várzea Alegre desde 2017. Que exerceu o cargo de tesoureiro da Câmara Municipal de Várzea Alegre no período de 2022 a 2024, tendo atualmente se desvinculado da função. Que possui redes sociais, mas não as utiliza com frequência e não sabe operá-las com desenvoltura, não sabendo informar se é amigo das candidatas por meio dessas plataformas. Que atuou na parte contábil do PSB nas eleições em questão. Que a candidata Dedê é ex-cunhada do presidente do PSB. Que Natércia obteve 8 votos e Cícera, 21 votos. Que foram produzidos bottons e santinhos, em quantidade aproximada de 10 mil unidades. Que chegou a ver materiais de campanha, mas não sabe informar o número eleitoral de campanha de Natércia, Cícera e Dedê, tampouco se recorda de qualquer trecho das músicas utilizadas nas campanhas das referidas candidatas.
As demais testemunhas (Antônio Arthur Ferreira de Araújo, Antônio Mattheus Bezerra e Livânia de Sousa Silva) não trouxeram elementos convincentes de ausência de campanha eleitoral das investigadas em tela que pudessem refutar as palavras supra em destaque das demais testemunhas, limitando-se a dizer que não as viram em atos de campanha, ou fazendo/participando de atos dessa natureza; afirmação que não se mostra hábil à comprovação, porquanto, não é porque as testemunhas não viram os atos de campanha das candidatas que se pode concluir, só por essa afirmação, que eles inexistiram.
Por outro lado, as falas supra em destaque, provenientes da prova testemunhal (testemunhas Eliana Maria de Araújo Oliveira Bezerra, Vilanilson Gonçalves Sancho da Silva, Cícera Eliane Gregório e José Willamys Araújo Barros), indicam a realização de atos de campanha das investigadas; comprovando que, no contexto das eleições de 2024, elas efetivamente fizeram campanha eleitoral própria, ausentes, assim, os elementos indiciários de fraude à cota de gênero, elencados na Súmula nº 73 do Tribunal Superior Eleitoral – TSE.
Acerca do tema, colhem-se precedentes do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo – TRE/SP, em julgamento de casos análogos ao presente:
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE. ABUSO DE PODER POLÍTICO POR MEIO DE FRAUDE À COTA DE GÊNERO. COMPETÊNCIA RECURSAL. Sentença de improcedência. Indeferido o pedido preliminar de conversão do julgamento em diligência para a oitiva de testemunha, diante da ausência de demonstração da contemporaneidade dos fatos trazidos como prova nova (CPC, artigo 435). Mérito. Ausentes os elementos indiciários de fraude à cota de gênero elencados na Súmula nº 73 do C. Tribunal Superior Eleitoral. As representadas foram eleitas suplentes ao cargo de vereador, ainda que com poucos votos. Candidatos do gênero masculino com votação similar e até menor que as candidatas citadas na exordial. Município com reduzido número de eleitores. Provas documentais da realização de atos diversos de campanha nas redes sociais e presencialmente, corroboradas pelos depoimentos de três testemunhas ouvidas em juízo. Prestação de contas com movimentação financeira condizente com o eleitorado de Marabá Paulista. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TRE/SP. RECURSO ELEITORAL nº060081561, Acórdão, Relator(a) Des. Regis De Castilho, Publicação: DJE - DJE, 27/05/2025).
DIREITO ELEITORAL. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). FRAUDE À COTA DE GÊNERO. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS PREVISTOS NA SÚMULA Nº 73 DO TSE. VOTAÇÃO EXPRESSIVA. MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA. ATOS EFETIVOS DE CAMPANHA. IMPROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. I. CASO EM EXAME. (...) II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO. (...) (ii) determinar se estão presentes os critérios objetivos da Súmula nº 73 do TSE para o reconhecimento da fraude à cota de gênero. III. RAZÕES DE DECIDIR. (…) A Súmula nº 73 do TSE estabelece critérios objetivos para o reconhecimento da fraude à cota de gênero, exigindo, isolada ou cumulativamente, a presença de: (i) votação zerada ou inexpressiva, (ii) prestação de contas zerada ou sem movimentação financeira relevante e (iii) ausência de atos efetivos de campanha. No caso concreto, não estão presentes os requisitos objetivos da Súmula nº 73 do TSE, pois a candidata apontada como fictícia obteve votação expressiva (34 votos), apresentou movimentação financeira na prestação de contas e realizou atos efetivos de campanha, incluindo gastos com publicidade e material gráfico. A mera inviabilidade jurídica da candidatura, por si só, não é suficiente para configurar fraude à cota de gênero, sendo necessário demonstrar a intenção de burlar a norma, o que não ocorreu nos autos. O desrespeito superveniente à cota de gênero, decorrente do indeferimento da candidatura da recorrente sem possibilidade de substituição dentro do prazo legal, não caracteriza fraude quando ausentes os demais elementos necessários à caracterização do ilícito. A ausência de elementos probatórios robustos impede a anulação dos votos e a cassação do DRAP, sob pena de violação ao princípio do in dubio pro sufragio e do comprometimento da vontade popular. IV. DISPOSITIVO E TESE
Recurso provido. Tese de julgamento: A fraude à cota de gênero somente se configura quando presentes os critérios objetivos previstos na Súmula nº 73 do TSE, os quais incluem votação zerada ou inexpressiva, ausência de movimentação financeira relevante e inexistência de atos efetivos de campanha. A inviabilidade jurídica da candidatura, por si só, não basta para a configuração da fraude, sendo indispensável a demonstração de burlar a norma. O descumprimento superveniente da cota de gênero, sem possibilidade de substituição dentro do prazo legal, não caracteriza fraude na ausência de prova concreta de conluio partidário. (TRE/SP. RECURSO ELEITORAL nº060082118, Acórdão, Relator(a) Des. Maria Claudia Bedotti, Publicação: DJE - DJE, 27/02/2025). - destaques não presentes no original.
Assim, a narrativa trazida na peça inicial, a partir do conjunto probatório trazido nestes autos, revela situação absolutamente inapta a configurar abuso de poder pela fragilidade de conteúdo por meio do qual se quis empregar força probante, configurando tão somente presunções, sendo que a alegada inviabilidade jurídica da candidatura, por si só, não basta para a configuração da fraude, sendo indispensável a demonstração, e não a presunção, de burlar a norma, o que não ocorrera no caso sob análise.
Em consonância com a tese ora defendida, cita-se julgado do Tribunal Superior Eleitoral – TSE:
“[...]. Eleições 2012. Prefeito. Ação de investigação judicial eleitoral. Abuso do poder econômico. Condutas vedadas aos agentes públicos. Não configuração. […] 1. A Corte Regional, ao condenar os recorrentes a partir de fato não alegado na inicial - extrapolação de gastos com publicidade institucional no ano do pleito - incorreu em julgamento extra petita, violando os arts. 128 e 460 do CPC. Não se admite a condenação pela prática de abuso de poder e de conduta vedada com fundamento em meras presunções quanto ao encadeamento dos fatos impugnados e ao benefício eleitoral auferido pelos candidatos. 3. No caso dos autos, a revista e os outdoors custeados pelo prefeito reeleito visando sua autopromoção e a propaganda institucional veiculada no sítio da Prefeitura não configuram abuso do poder econômico, notadamente porque não contêm referências ao pleito de 2012 ou aos candidatos apoiados pelo chefe do Poder Executivo, não se verificando qualquer proveito eleitoral. [...]” (TSE. Ac. de 5.8.2014 no REspe nº 42512, rel. Min. Otávio De Noronha.) - destaque nosso
Assim, conclui-se que as alegações da parte investigante não foram comprovadas, no que se conclui pela inexistência de condutas dos requeridos praticadas com o intuito de fraudar a cota de gênero ao cargo de vereador no município de Várzea Alegre/CE nas eleições de 2024.
E não é por demais frisar que, para que seja configurada a fraude à cota de gênero, e por conseguinte, o descumprimento material da finalidade da norma intrínseca ao enunciado normativo expresso no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, é imprescindível a existência de quadro probatório robusto e incontroverso que demonstre que o registro das candidaturas femininas teve o objetivo precípuo de burlar o percentual mínimo determinado pela legislação.
E, no caso em análise, não existem sequer pretendidos suficientes para afetar a incidência drástica da procedência desta demanda; concluindo-se que não assiste razão à parte investigante, devendo ser mantido incólume o resultado soberano popular das eleições municipais de 2024, no Município de Várzea Alegre, concernente aos cargos de vereador.
Por fim, diante dos fatos narrados na inicial, a parte investigante não se desincumbiu do ônus de comprovar a existência de abuso do poder decorrente de fraude à cota de gênero. E, ainda que se antevejam situações que pudessem indicar a probabilidade de cometimento de algum ilícito de fraude em detrimento às cotas, seria indispensável que se desincumbisse o investigante dos ônus probatórios correspondentes, sob pena de se coactar o exercício da liberdade de matriz política, mais ainda visceral no campo dos candidatos.
Há que se enaltecer os altaneiros propósitos referentes à implantação da política instaurada no bojo da Lei das Eleições, com o escopo de promover a devida legitimação da participação política das mulheres, a qual é estruturada pela liberdade pública político-partidária. Daí porque a cerne da ilicitude, consubstanciada na alegada fraude à cota de gênero, deve ser claramente identificada, lembrando que uma candidatura não poderia, por geração espontânea, enveredar pelo ilícito apontado. Sem tal aspecto, não se pode intuir a fraude.
E mesmo que se verifiquem campanhas exíguas femininas ou masculinas, pouco eficientes, e que parcos resultados propiciem, mesmo com aplicação de pouquíssimos ou quase nenhum recurso financeiro, não se pode, a partir disso, se concluir imediatamente, como efeito de uma causa ou como uma simples fórmula matemática, que houve um certo deliberado no sentido de se excomungar as cotas.
Enfim, no caso em tablado, não há nenhum traço de realidade no bojo das provas no sentido de que as candidaturas femininas das investigadas acima referidas tenham sido as responsáveis pelo iter tão complexo que ensejaria o alijamento da efetiva participação feminina nas eleições, ausente nestes autos o arcabouço indiciário que repercute na procedência das ações desta natureza, concluindo-se, ao final, que não está demonstrado neste processo o objetivo de roubo o percentual de gênero definido pela legislação.
3. Dispositivo:
Diante do exposto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados nesta Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE).
Caso seja interposto recurso, preceda-se imediatamente ao determinado no art. 59 da supracitada Resolução nº 23.609/2019, do TSE, observados ainda os termos do art. 267, do Código Eleitoral, intimando-se o recorrido para apresentar as contrarrazões recursais no prazo legal. Decorrido o lapso temporal, com ou sem a apresentação de resposta do recorrido, os autos deverão ir conclusos para fins de análise sobre a manutenção desta sentença ou sobre o exercício do juízo de retratação (art. 267, § 6º, CE).
Após o trânsito em julgado, expeça-se a respectiva certidão, e, ato contínuo, arquivem-se estes autos com as baixas devidas.
Sem custas processuais e sem honorários advocatícios.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Ciência ao Ministério Público Eleitoral.
Expedientes necessários.
Várzea Alegre/CE, 29 de maio de 2025
Hyldon Masters Cavalcante Costa
Juiz Eleitoral