JUSTIÇA ELEITORAL
093ª ZONA ELEITORAL DE FORTALEZA CE
AÇÃO PENAL ELEITORAL (11528) Nº 0600644-05.2024.6.06.0121 / 093ª ZONA ELEITORAL DE FORTALEZA CE
AUTOR: PROMOTOR ELEITORAL DO ESTADO DO CEARÁ
ASSISTENTE: MARIA IZOLDA CELA DE ARRUDA COELHO
Advogados do(a) ASSISTENTE: MARCUS CLAUDIUS SABOIA RATTACASO - CE16789, RACHEL ANDRADE SALES RATTACASO - CE16150, ROMULO MARQUES DE SOUSA VIEIRA - CE29365, MARIA BEATRIZ FURTADO ALVES - CE53200
REU: KEVIN HENRIQUE LOPES CAVALCANTE
1. RELATÓRIO
O Ministério Público do Estado do Ceará, com base nas inclusas peças de investigação, ofereceu denúncia, com posterior aditamento, em desfavor de Kevin Henrique Lopes Cavalcante, devidamente qualificado nos autos, imputando-lhe a prática das condutas tipificadas no art. 2º, § 2º, da Lei n. 12.850/13 e no art. 301 do Código Eleitoral, bem como em desfavor de Jairo Morais Vasconcelos, Manoel Messias Domingos Neto, João Lucas de Sousa Pinto, Jefferson Ferreira Batista, Ana Clara Paixão, Jorge Alves do Nascimento e Lucivaldo Sousa Coimbra, também devidamente qualificados, imputando aos dois primeiros a prática das condutas tipificadas no art. 2º, § 2º e § 3º, da Lei n. 12.850/13 e no art. 301 do Código Eleitoral, e aos últimos a prática das condutas tipificadas no art. 2º, § 2º, da Lei n. 12.850/13 e no art. 301 do Código Eleitoral.
Por meio da decisão de ID 124531163, foi recebido o aditamento à denúncia em face de Kevin Henrique Lopes Cavalcante. Quanto aos demais denunciados, a denúncia foi rejeitada relativamente ao crime descrito no art. 301 do Código Eleitoral, tendo sido determinado o encaminhamento de cópia dos autos ao juízo competente (Vara de Delitos de Organizações Criminosas), de modo que o presente processo segue apenas em relação ao primeiro denunciado.
Alega o Ministério Público, em síntese, que o acusado, no dia 2 de setembro de 2024, no município de Sobral, enquanto membro ativo da organização criminosa Comando Vermelho, usou de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido.
Narra o Parquet que o delatado ameaçou de morte, através da rede social Instagram, a ex-governadora Maria Izôlda Cela de Arruda Coelho, então candidata ao cargo de prefeita daquela cidade. Afirma a peça acusatória que esse fato representa um desdobramento de práticas criminosas e antidemocráticas por parte de indivíduos que, antes do pleito eleitoral, começaram a ameaçar e extorquir candidatos a vereador, cabos eleitorais, apoiadores e até mesmo eleitores.
De acordo com a acusação, tal conduta visava garantir que esses cidadãos pudessem realizar suas campanhas ou votar em determinados candidatos, somente após a devida autorização e o pagamento de uma “taxa” aos líderes da organização criminosa, especialmente do Comando Vermelho.
Segundo a denúncia, o acusado já estava sendo monitorado, desde o dia 24 de agosto de 2024, por órgão de inteligência da polícia, oportunidade em que foi possível identificar, na rede social do acusado, a publicação com a ameaça, que consistiu em uma fotografia de uma arma de fogo com o texto “bala na Isolda na próxima”.
A peça acusatória relaciona a referida ameaça a um incidente ocorrido horas antes, no centro de Sobral, em que criminosos lançaram rojões em direção a pessoas que trabalhavam em apoio à campanha de Izolda Cela.
Aduz o órgão de acusação que a extração de dados do celular apreendido com o acusado resultou em informações essenciais para a compreensão dos fatos, sendo extraído material que demonstra a organização de ataques aos eventos de campanha de Izolda Cela, com a clara intenção de desvirtuar e obstruir as ações de campanha eleitoral.
O réu foi preso em flagrante delito, no mesmo dia dos fatos.
A prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva, oportunidade em que foi autorizado o acesso ao conteúdo do aparelho celular apreendido e a busca e apreensão na residência do delatado.
Auto de apresentação e apreensão repousa nas fls. 61 (ID 124520484 - Pág. 10) e 276 (ID 124520484 - Pág. 225).
Relatórios policiais acostados nas fls. 298/348 (ID 124520484 - Pág. 247/297), 349/388 (124520484 - Pág. 298/124520485 - Pág. 28) e 389/412 (ID 124520485 - Pág. 29/52).
A denúncia foi recebida, em decisão proferida no dia 8 de outubro de 2024 (ID 124520485 - Pág. 234), pelo juízo de origem, enquanto o aditamento, com a imputação do art. 301 do Código Eleitoral, foi recebido no dia 26 de dezembro de 2024, por decisão deste juízo.
Citado, nos termos do art. 396 do Código de Processo Penal, o réu apresentou resposta à acusação.
Designada audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas as testemunhas indicadas pelas partes. O Ministério Público e a defesa requereram a dispensa das demais testemunhas. Em seguida, o acusado foi interrogado, ocasião em que negou os fatos que lhe foram imputados. As partes afirmaram não haver diligências a requerer.
Em alegações finais, o Ministério Público pugnou pela condenação do acusado, nos termos da denúncia, sustentando haver prova suficiente da materialidade e da autoria dos delitos, bem como da responsabilidade criminal do réu.
A defesa requereu a absolvição do acusado, por ausência de prova da autoria, em relação ao delito de integrar organização criminosa, e por atipicidade da conduta, quanto ao crime de ameaça, aduzindo que a ameaça era desprovida de seriedade.
É o relatório. Decido.
2. FUNDAMENTAÇÃO
O acusado foi validamente citado e teve oportunidade de defesa assegurada. Não vislumbro nulidade dos atos processuais praticados, não havendo necessidade de qualquer diligência.
Passo ao exame do mérito do processo.
CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ARMADA (ART. 2º, § 2º, DA LEI N. 12.850/13)
A materialidade e autoria da conduta narrada na denúncia restaram devidamente provadas nos autos, através do relatório de extração de dados do celular apreendido e da prova oral colhida em juízo, que demonstram que o acusado promovia e integrava a organização criminosa denominada Comando Vermelho – CV.
A prova produzida confirma a existência da referida organização, na época do fato ora apurado. Ademais, é fato público e notório a existência da mencionada organização criminosa (Comando Vermelho), já reconhecida em diversos julgados:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. GRUPO CRIMINOSO ORGANIZADO E COM DIVISÃO DE TAREFAS. VINCULAÇÃO COM FACÇÃO CRIMINOSA "COMANDO VERMELHO". NECESSIDADE DE INTERROMPER ATIVIDADES. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. RECURSO DESPROVIDO. No caso, o recorrente é acusado de integrar, juntamente com ao menos 22 investigados, organização voltada para prática de tráfico interestadual de entorpecentes, inclusive com registro de prática de homicídios em decorrência do comércio ilícito de drogas, havendo indícios de vinculação do grupo com a facção criminosa Comando Vermelho. Segundo consta, seria sua incumbência o fornecimento de drogas para outro membro subordinado e terceiros, principalmente nos municípios de Cascavel/CE e Beberibe/CE, denotando a organização e divisão de tarefas da associação criminosa. 3. A jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que se justifica a decretação de prisão de membros de organização criminosa como forma de interromper suas atividades. 4. Recurso desprovido”. (STJ - RHC: 109260 CE 2019/0067021-0, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 23/04/2019, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/05/2019)
(…) No caso, o recorrente integra a facção criminosa Comando Vermelho atuante no Município de Beberibe/CE e está envolvido em ataques realizados a mando de organizações criminosas no Estado do Ceará, o que denota a sua periculosidade concreta e justifica a imposição da medida extrema”. (STJ - AgRg no RHC 114.550/CE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/12/2019, DJe 16/12/2019)
Entende-se por organização criminosa “a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional” (art. 1º, § 1º, da Lei n. 12.850/13).
Desse conceito extrai-se que, para a existência de uma verdadeira organização criminosa, devem concorrer os seguintes requisitos: a) grupo com estrutura organizacional não fortuita; b) formado por, no mínimo, quatro pessoas; c) estabilidade temporal reconhecida; d) atuação concertada, ou seja, aprimorada; e) finalidade de praticar infrações graves, isto é, aquelas cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos; f) intenção de obter, direta ou indiretamente, benefício econômico ou material.
Trata-se de crime formal e de consumação antecipada. Concretiza-se no instante em que ocorre a convergência de vontades para a realização do fim específico da prática de outros ilícitos. O fim colimado com a tipificação do delito desta natureza é prevenir a atuação desses grupos associativos, previamente à prática dos crimes para os quais foram constituídos.
No Ceará, a presença da referida facção é fato público e notório e sua existência é comprovada em vários julgados, tanto nos Tribunais Superiores, segundo acima já exposto, quanto no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, consoante se infere das seguintes decisões, litteris:
“(…) 2. No caso sub examine o paciente foi preso em flagrante em 29 de maio de 2019 pela suposta prática dos crimes previstos nos arts. 161, §1º e art.2º, §2º da Lei 12.850/2013, acusado de ter, em conjunto com outro réu, ordenado expulsões nas unidades habitacionais destinadas pelo Governo do Estado, utilizando-se de violência e grave ameaça para retirar as vítimas de seus imóveis, agindo em nome da facção Criminosa Comando Vermelho; 3. O magistrado primevo fundamentou a conversão da prisão em flagrante em preventiva, já que estavam presentes os requisitos do art. 312 do CPP, especialmente diante da necessidade de garantia da ordem pública consubstanciada pela gravidade do delito, consubstanciado no fato do paciente, em concurso de pessoas, praticar esbulho possessório, expulsando pessoas das suas residências mediante violência ou grave ameaça; 4. No caso em questão, conforme apresentado na da decisão que converteu o flagrante em preventiva, o crime possui indícios de organização criminosa, tendo o paciente possível envolvimento com facções criminosas, inicialmente com a organização criminosa GDE e, atualmente, com a facção Comando Vermelho. Por sua vez, o corréu Elias Aguiar de Souza, inclusive, foi apontado pelas testemunhas como um dos líderes da Facção Comando Vermelho.
(…) 12. Ordem conhecida e DENEGADA. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus nº 0633518-26.2019.8.06.0000, formulado por Wagner Silva de Sousa e Emannuelle Pollyanna Vieira de Oliveira contra ato do Exmo. Senhor Juiz de Direito da Vara de Delitos de Organização Criminosa, nos autos da Ação Penal nº 0137581-51.2019.8.06.0001. ACORDAM os Desembargadores integrantes da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade, em conhecer da presente ação de habeas corpus, mas para DENEGÁ-LA, nos termos do voto do eminente Relator. Fortaleza, 22 de janeiro de 2020. Desa. Francisca Adelineide Viana Presidente do Órgão Julgador Des. Sérgio Luiz Arruda Parente Relator”.
(Relator (a): SÉRGIO LUIZ ARRUDA PARENTE; Comarca: Fortaleza; Órgão julgador: Vara de Delitos de Organizações Criminosas; Data do julgamento: 29/01/2020; Data de registro: 29/01/2020).
“(…) 2. A suposta alteração do quadro fático, nos moldes delineados pela impetração, não representou modificação suficiente para revogar a prisão preventiva, pois a custódia cautelar do paciente foi decretada não apenas por conta do temor das testemunhas em depor em juízo, como quer fazer crer o impetrante, mas também em face da periculosidade social do paciente, a qual restou evidenciada pelo modus operandi da conduta criminosa e pelo fato dele, segundo apontam os levantamentos feitos pela autoridade policial, integrar a facção criminosa Comando Vermelho, fundamentos estes que já foram considerados idôneos por este Tribunal de Justiça no julgamento de outros habeas corpus anteriormente impetrado em favor do paciente. 3. Ordem denegada”. (Relator (a): MARIA EDNA MARTINS; Comarca: Fortaleza; Órgão julgador: 5ª Vara do Juri; Data do julgamento: 28/01/2020; Data de registro: 29/01/2020).
Resta, assim, demonstrada a materialidade do crime.
A prova coligida aos autos também fornece informações seguras a respeito da autoria do delito.
Com efeito, os dados extraídos do celular do acusado demonstram que ele participava de grupos de Whatsapp da facção criminosa, promovia símbolos de apologia ao grupo criminoso e ostentava armas em fotografias, além de possuir clara ligação com pessoas notadamente envolvidas no coletivo criminoso.
A prova testemunhal produzida também corroborou a versão narrada na denúncia, consoante depoimento(s) prestado(s) em audiência.
Cleve Fernandes de Oliveira afirmou que: “havia acontecido disparo de fogos em direção a apoiadores da Izolda, em um evento pela tarde; na mesma noite, acusado foi identificado em uma postagem em rede social com ameaças; acusado fazia um comentário dizendo que na próxima não seria contra os apoiadores, mas contra a própria candidata; acusado mora em bairro dominado pelo CV; réu foi abordado em uma praça; celular do réu foi apreendido; não viu outra postagem do acusado”.
Daniel Moreira do Carmo afirmou que: “lembra que houve confusão com solta de fogos em ato de campanha da Izolda; uma postagem na rede social do acusado ameaçando a candidata, no mesmo dia, foi vista e espalhada na cidade; réu confessou a postagem, mas disse que tinha sido uma brincadeira; réu é conhecido por práticas criminosas e participa de grupo criminoso no local; só soube de problemas em atos de campanha da Izolda; ato da candidata Izolda em que houve fogos foi de tarde, no mesmo dia da prisão do acusado; acusado fazia parte do Comando Vermelho”.
Maria Izôlda Cela de Arruda Coelho declarou que: “soube inicialmente que pré-candidatos estavam sendo ameaçados em alguns locais, a respeito de atos de campanha; aconteceram situações que fugiam à normalidade, como bombas ou rojões sendo disparos; soube pela equipe de segurança que aqueles atos eram para prejudicar a campanha; em determinada caminhada, soltaram rojões que machucaram apoiadores seus; viu uma ameaça em rede social veiculando seu nome; viu o print dessa ameaça; houve três dias seguidos de acontecimentos assim e foi justamente nessa época que surgiu essa ameaça na rede social; alguns jovens foram detidos com rojões no bolso nessa época também; própria pessoa que foi presa disse que havia sido determinado por superiores a respeito dessa proibição de atos de campanha da depoente”.
Marcos Paulo da Costa narrou que: “trabalha na Casa Militar e faz segurança institucional da Izôlda Cela, como ex-governadora; na época da campanha, foi procurado por um policial militar local, que informou ao depoente sobre uma ameaça à ex-governadora; policial disse que conhecia a pessoa que havia feito a publicação da ameaça; policiais encontraram a pessoa e a conduziram à delegacia; em Sobral, o Comando Vermelho proibiu campanha da ex-governadora em territórios dominados pela facção; em um ato de campanha, uma pessoa chegou e ameaçou o pessoal da campanha dizendo que o ato não estava autorizado pelo ‘chefe’; nesse dia, ao final do ato, alguns jovens dispararam rojões em apoiadores políticos da ex-governadora; não recorda a data exata, mas acredita que isso era final de setembro; houve outro ato na margem esquerda do Rio Acaraú, com famílias e crianças; nesse dia, abordou um elemento suspeito, que estava portando um rojão na cintura; lembra que o nome desse elemento era Jefferson; abordou outros jovens no dia, todos com rojão; jovens disseram que iam disparar rojões nos apoiadores do ato; soube pelos policiais que a casa em que Kevin registrou as fotos fazendo ameaça à Izolda é do Jefferson; foi procurado por eleitores da Izolda dizendo que não podiam usar camisa ou fazer campanha da mesma; todos esses eleitores eram de territórios dominados pelo CV; recebeu informação dos policiais de que acusado pertencia ao CV; chegou a ver a publicação ameaçando a ex-governadora; não recorda se no dia anterior ou momentos antes houve algum ato de campanha com os problemas relatados”.
Deve-se levar em conta que a prova colhida em juízo é uniforme e confirma a prova produzida durante as investigações policiais, sem qualquer contradição digna de nota.
A prova é coerente e harmônica desde a fase policial, o que permite ter a certeza necessária para a condenação.
O réu, em seu interrogatório, não trouxe elemento capaz de infirmar a prova produzida, limitando-se a negar o delito. Tal versão, todavia, é totalmente dissociada da prova dos autos.
As testemunhas confirmaram a acusação feita na denúncia, relatando a participação do réu no fato.
Ressalte-se que não há indicativo de inimizade entre o acusado e as testemunhas ouvidas.
Todos esses elementos probatórios permitem concluir que o acusado integrava a organização criminosa Comando Vermelho – CV.
Sobre os depoimentos dos policiais, é firme o entendimento no sentido de que tais depoimentos, prestados em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, são meios de prova aptos a sustentar um decreto condenatório, quando ausentes contradições relevantes ou motivos para suspeitar de parcialidade, cabendo a defesa demonstrar essa última, consoante se infere dos seguintes julgados:
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE. TRÁFICO DE DROGAS. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. NÃO RECONHECIMENTO PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. VALIDADE DOS DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS. INVIABILIDADE DE AFASTAMENTO. NECESSIDADE DE AVALIAÇÃO DO CADERNO FÁTICO-PROBATÓRIO. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ.
1. A instância ordinária justificou o não reconhecimento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, destacando que os testemunhos dos policiais indicando o réu envolto no submundo do tráfico de drogas, inclusive participação em organização criminosa, demonstram que ele, mesmo após a maioridade penal, continuou envolvido na criminalidade, circunstâncias a respaldar a sua dedicação na atividade criminosa e lhe vedar os benefícios do privilégio. (fl. 278).
2. Para o Superior Tribunal de Justiça, os depoimentos dos policiais responsáveis pela prisão em flagrante são meios idôneos e suficientes para a formação do édito condenatório, quando em harmonia com as demais provas dos autos, e colhidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
3. A Corte cearense apontou fundamentos suficientes a justificar a não incidência da minorante.
4. [...], desconstituir as conclusões alcançadas pelo Tribunal de origem, com fundamento em exame exauriente do conjunto fático-probatório carreado aos autos, no intuito de abrigar a pretensão defensiva de incidência da minorante do tráfico privilegiado, com base na alegada não dedicação do recorrente a atividades criminosas, demandaria necessariamente aprofundado revolvimento do conjunto probatório, providência vedada em sede de recurso especial. Incidência da Súmula n. 7/STJ (AgRg no AREsp n. 1.812.378/SP, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 26/4/2021).
5. Agravo regimental desprovido”. (STJ - AgRg no AREsp n. 2.007.561/CE, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 14/5/2024, DJe de 20/5/2024)
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. ROUBO SIMPLES. PLEITO ABSOLUTÓRIO. FRAGILIDADE PROBATÓRIA. CONDENAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS COLHIDOS NA FASE INQUISITORIAL. NÃO OCORRÊNCIA. PROVA RATIFICADA EM JUÍZO. AUTORIA DELITIVA. RECONHECIMENTO DE PESSOAS. FORMALIDADES. RECONHECIMENTO CORROBORADO POR PROVA PRODUZIDA EM JUÍZO. NULIDADE INEXISTENTE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.
I - A respeito da controvérsia apresentada no recurso especial, oportuno registrar que a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que é possível a utilização das provas colhidas durante a fase inquisitiva para lastrear o édito condenatório, desde que corroboradas por outras provas produzidas em juízo, sob crivo do contraditório e da ampla defesa.
II - No caso vertente, o acórdão recorrido concluiu que a condenação do agravante pelo delito de roubo não foi fundamentada exclusivamente em elementos colhidos no inquérito policial, havendo menção expressa ao depoimento prestado em juízo por um dos policiais que participou ocorrência, o qual foi seguro ao relatar que o insurgente, quando localizado, ainda trajava as mesmas roupas indicadas pela vítima e foi surpreendido na posse da faca utilizada no delito, elementos que respaldaram a prolação de um decreto condenatório. Dessa forma, verifico que inexiste a alegada violação ao art. 155 do CPP, porquanto o acórdão impugnado encontra-se em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior.
III - No ponto, oportuno ressaltar também que, segundo a jurisprudência consolidada desta Corte, o depoimento dos policiais prestado em juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do réu, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade dos agentes, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova. Precedente.
IV - No que se refere ao reconhecimento do insurgente pela vítima, cumpre asseverar que esta Corte entendia que a eventual inobservância das regras previstas no art. 226 do CPP não gerava qualquer nulidade no inquérito policial ou na ação penal, pois, conquanto fosse aconselhável a aplicação, por analogia, do regramento previsto no sobredito dispositivo legal ao reconhecimento fotográfico, as disposições nele previstas consubstanciavam meras recomendações, cuja inobservância não causava, por si só, a invalidade do ato.
V - Contudo, mais recentemente, a utilização do reconhecimento fotográfico ou pessoal na delegacia, sem atendimento dos requisitos legais, passou a ser mitigada como única prova à denúncia ou condenação. Este não é, contudo, o caso dos autos, tendo em vista que o reconhecimento da fase policial não foi o único elemento utilizado para embasar a condenação.
VI - Isso porque, conforme foi evidenciado pelo acórdão recorrido, toda a dinâmica delitiva foi devidamente corroborada pelo depoimento prestado, em juízo, por um dos policiais que participaram da ocorrência, o qual informou que, após ser informado a respeito da ocorrência do roubo pela vítima, iniciou patrulhamento pela região, momento em que encontrou pessoa que trajava as mesmas vestimentas informadas pelo ofendido e que ainda se encontrava na posse da faca utilizada para a prática do delito, a qual também foi objeto de reconhecimento pela vítima.
VII - Assim, tendo sido comprovada a autoria dos fatos pelo reconhecimento do autor do delito pela vítima e pela prova testemunhal, ou seja, por elementos probatórios inicialmente produzidos na fase inquisitorial e posteriormente ratificadas em juízo, não há como afastar a condenação.
Agravo regimental desprovido”. (STJ - AgRg no AREsp n. 2.462.905/TO, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 6/2/2024, DJe de 15/2/2024)
O conjunto probatório produzido permite uma clara identificação da materialidade e da autoria delitiva, formando um todo harmônico apto a sustentar um decreto condenatório.
Assim, não pode ser acolhida a tese da defesa técnica de ausência de prova da autoria do delito, diante dos elementos probatórios constantes dos autos.
A causa de aumento de pena descrita na denúncia, prevista no art. 2º, § 2º, da Lei nº. 12.850/13, deve ser mantida, porquanto devidamente provada.
Os dados colhidos no celular apreendido mostram que o próprio acusado fazia o uso de armas de fogo.
É importante destacar que, para o reconhecimento da majorante, é necessário verificar se a organização (coletivamente considerada) faz uso de artefato bélico, o que é fartamente comprovado, sendo tal fato (uso de arma de fogo pelas facções criminosas – PCC, CV e GDE), aliás, público e notório.
Noutro giro, importa frisar que não importa que determinado membro (individualmente considerado) não faça uso de material bélico, pois, na atuação de uma organização criminosa, é irrelevante a vontade individual de seus integrantes em relação à prática dos crimes, fins e os modos de execução, prevalecendo a vontade da organização, tal qual uma pessoa jurídica. Daí a razão para considerá-la (a organização criminosa) “autêntica empresa criminal”.
Segundo o referido dispositivo legal, a pena deve ser aumentada até a metade. No caso, entendo que a majorante deve ser aplicada no patamar máximo, porquanto é sabido que a facção criminosa ora tratada faz uso de vasto material bélico de grosso calibre, inclusive de uso restrito e proibido, em suas atividades criminosas largamente difundidas territorialmente, de modo que merece a reprimenda ser aplicada em grau adequado ao armamento utilizado.
A causa de aumento de pena prevista no art. 2º, § 4º, I, da Lei n. 12.850/13 também deve ser aplicada, porquanto a prova dos autos demonstra que havia a participação de menores na organização criminosa mencionada, consoante narrado na denúncia.
Ressalte-se que não há impedimento do magistrado em atribuir definição jurídica diversa ao fato narrado na denúncia, ainda que tenha de aplicar pena mais grave, medida que encontra fundamento no art. 383 do Código de Processo Penal, pois o réu se defende dos fatos e não de sua definição jurídica.
De fato, a prova testemunhal foi segura no sentido de que adolescentes estavam envolvidos na organização criminosa, que captava os jovens para realizar ataques.
Note-se que os jovens aos quais a testemunha Marcos Paulo se refere são os adolescentes (ID 124520484 - Pág. 216 e 2019), que foram abordados na rua com os rojões apreendidos, corroborando a informação de que menores participavam dos atos de criminosos da organização.
Além disso, nos áudios obtidos no celular do réu, é possível verificar a participação de adolescentes na organização criminosa. Os criminosos, em diversas falas, planejam atos criminosos que seriam executados por “pivetes”, termo geralmente utilizado para se referir a menores de idade, o que fica latente na seguinte fala:
HNI 23: “Ei, ESCOBAR, manda o WILLIAM ir aí, mah, o WILLIAM lá do JATOBÁ, mah, soltar os rojão aí que o pivete vai mah, ele é menor. Dá uns dois rojão na mão dele e um cigarro aceso”.
Note-se, inclusive, que um dos menores com quem foram apreendidos rojões se chama Francisco William de Sousa, 124520484 - pág. 221 e pág. 223. Ressalte-se que, ainda que o menor citado no diálogo não seja Francisco William, o áudio deixa clara a participação de adolescentes na facção.
O art. 68, parágrafo único, do Código Penal estabelece que, “no concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua”.
Em se tratando de causas de aumento previstas em legislação extravagante, a sua aplicação cumulativa exige fundamentação concreta (STJ - REsp: 1938284 AC 2021/0146520-9, Data de Julgamento: 28/06/2022, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2022).
No presente caso, entendo suficiente a aplicação de apenas um aumento, qual seja, aquele previsto no art. 2º, § 2º, da Lei nº. 12.850/13 (mais grave, nos termos do art. 68, parágrafo único, do referido Código), devendo a causa de aumento descrita no art. 2º, § 4º, I, da Lei n. 12.850/13 ser utilizada na fixação da pena-base.
A conduta praticada pelo acusado amolda-se, com perfeição, à descrição do tipo penal descrito no art. 2º, §§ 2º e 4º, I, da Lei nº 12.850/13.
Não existem causas de justificação que elidam a ilicitude da conduta típica do réu. Não concorrem causas de isenção ou de exclusão de pena, razão pela qual o juízo condenatório é medida que se impõe.
Não vislumbro a presença de atenuantes.
Presente a agravante da reincidência, prevista no art. 61, I, do Código Penal.
A reincidência ocorre quando o agente comete novo crime, após o trânsito em julgado de sentença que, no Brasil ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. É a leitura do art. 63 do Código Penal:
“Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”.
Assim, três são os requisitos para a configuração da reincidência: crime anterior; trânsito em julgado da sentença penal condenatória; novo crime, após o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Dispõe, ainda, o Código Penal que:
“Art. 64. Para efeito de reincidência:
I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;
II – não se consideram os crimes militares próprios e políticos”.
No caso sub oculi, o acusado cometeu novo crime após o trânsito em julgado da sentença que o condenou por crime anterior, conforme certidão cartorária acostada aos autos. Ressalte-se que não decorreu período superior a 5 (cinco) anos entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior.
CRIME DE COAÇÃO ELEITORAL (ART. 301 DO CÓDIGO ELEITORAL)
A materialidade do fato narrado na denúncia restou devidamente provada nos autos, através do relatório de extração de dados do celular apreendido e da prova oral colhida em juízo, que demonstram a existência de coação eleitoral, exercida por integrantes da organização criminosa Comando Vermelho nas eleições municipais de Sobral/CE.
A prova coligida aos autos também fornece informações seguras a respeito da autoria do delito.
Com efeito, os dados extraídos do celular do acusado demonstram que ele participava do núcleo criminoso que coagia eleitores a não votar na candidata Izolda Cela. Há uma foto do acusado extraída do seu celular em que ele menciona “na próxima é bala na Izolda”, claramente fazendo menção a fato ocorrido em evento da candidata, no qual apoiadores foram vítimas de coação, inclusive com o uso de rojões.
A prova testemunhal produzida também corroborou a versão narrada na denúncia, consoante depoimento(s) prestado(s) em audiência.
Cleve Fernandes de Oliveira afirmou que: “havia acontecido disparo de fogos em direção a apoiadores da Izolda, em um evento pela tarde; na mesma noite, acusado foi identificado em uma postagem em rede social com ameaças; acusado fazia um comentário dizendo que na próxima não seria contra os apoiadores, mas contra a própria candidata; acusado mora em bairro dominado pelo CV; réu foi abordado em uma praça; celular do réu foi apreendido; não viu outra postagem do acusado”.
Daniel Moreira do Carmo afirmou que: “lembra que houve confusão com solta de fogos em ato de campanha da Izolda; uma postagem na rede social do acusado ameaçando a candidata, no mesmo dia, foi vista e espalhada na cidade; réu confessou a postagem, mas disse que tinha sido uma brincadeira; réu é conhecido por práticas criminosas e participa de grupo criminoso no local; só soube de problemas em atos de campanha da Izolda; ato da candidata Izolda em que houve fogos foi de tarde, no mesmo dia da prisão do acusado; acusado fazia parte do Comando Vermelho”.
Maria Izôlda Cela de Arruda Coelho declarou que: “soube inicialmente que pré-candidatos estavam sendo ameaçados em alguns locais, a respeito de atos de campanha; aconteceram situações que fugiam à normalidade, como bombas ou rojões sendo disparos; soube pela equipe de segurança que aqueles atos eram para prejudicar a campanha; em determinada caminhada, soltaram rojões que machucaram apoiadores seus; viu uma ameaça em rede social veiculando seu nome; viu o print dessa ameaça; houve três dias seguidos de acontecimentos assim e foi justamente nessa época que surgiu essa ameaça na rede social; alguns jovens foram detidos com rojões no bolso nessa época também; própria pessoa que foi presa disse que havia sido determinado por superiores a respeito dessa proibição de atos de campanha da depoente”.
Marcos Paulo da Costa narrou que: “trabalha na Casa Militar e faz segurança institucional da Izôlda Cela, como ex-governadora; na época da campanha, foi procurado por um policial militar local, que informou ao depoente sobre uma ameaça à ex-governadora; policial disse que conhecia a pessoa que havia feito a publicação da ameaça; policiais encontraram a pessoa e a conduziram à delegacia; em Sobral, o Comando Vermelho proibiu campanha da ex-governadora em territórios dominados pela facção; em um ato de campanha, uma pessoa chegou e ameaçou o pessoal da campanha dizendo que o ato não estava autorizado pelo ‘chefe’; nesse dia, ao final do ato, alguns jovens dispararam rojões em apoiadores políticos da ex-governadora; não recorda a data exata, mas acredita que isso era final de setembro; houve outro ato na margem esquerda do Rio Acaraú, com famílias e crianças; nesse dia, abordou um elemento suspeito, que estava portando um rojão na cintura; lembra que o nome desse elemento era Jefferson; abordou outros jovens no dia, todos com rojão; jovens disseram que iam disparar rojões nos apoiadores do ato; soube pelos policiais que a casa em que Kevin registrou as fotos fazendo ameaça à Izolda é do Jefferson; foi procurado por eleitores da Izolda dizendo que não podiam usar camisa ou fazer campanha da mesma; todos esses eleitores eram de territórios dominados pelo CV; recebeu informação dos policiais de que acusado pertencia ao CV; chegou a ver a publicação ameaçando a ex-governadora; não recorda se no dia anterior ou momentos antes houve algum ato de campanha com os problemas relatados”.
Deve-se levar em conta que a prova colhida em juízo é uniforme e confirma a prova produzida durante as investigações policiais, sem qualquer contradição digna de nota.
A prova é coerente e harmônica desde a fase policial, o que permite ter a certeza necessária para a condenação.
O réu, em seu interrogatório, não trouxe elemento capaz de infirmar a prova produzida, limitando-se a negar o delito. Tal versão, todavia, é totalmente dissociada da prova dos autos.
O próprio acusado admitiu a postagem com a ameaça à então candidata Izolda Cela, com os dizeres “na próxima bala na Izolda”, palavras que se referem, pela prova produzida nos autos, ao ato de campanha ocorrido na mesma tarde em que houve disparos de rojões em apoiadores da candidata.
Não bastasse isso, segundo a prova colhida, a fotografia foi capturada na casa de Jefferson Ferreira Batista, pessoa com quem foi apreendido um rojão.
As testemunhas confirmaram a acusação feita na denúncia, relatando a participação do réu no fato.
Ressalte-se que não há indicativo de inimizade entre o acusado e as testemunhas ouvidas.
Por meio dos áudios extraídos do celular do acusado (ID 124520484 - Pág. 271), é possível visualizar a articulação dos membros do grupo, no dia anterior ao fato. Vejamos, como exemplo, o seguinte diálogo:
HNI 3: “Amanhã, o negócio da IZOLDA aí é umas quatro e meia, lá na margem, lá na areninha, nas quadra lá, perto da cachorra magra. Já falei com um mano aqui já, pra amanhã nós se organizar o mais tardar quatro hora, que é quatro e meia, né? Quatro hora já tá lá no local já, pra quem for chegando, já ir mandando sair fora. Já falei com uns meninos aqui da COHAB 2, outros meninos ali. Falei com os meninos hoje, com o RK lá do centro ali com os pivete, que amanhã nós vamos se encontrar quatro hora já chegar cedo”.
HNI 4: “Pronto, o jogo aí mah oh... Assim, no meu ponto de vista, num tem? Aí, essa aí é amanhã, né? Começar quatro e meia, quando for quatro hora, os pivete já tem que tá lá. Quando for chegando, já vai espirrando quem for chegando, com bandeira, carro de som, com tudo, já vai logo espirrando logo, daquele modelo”.
[...]
HNI 6: “Vai ter carro de som aí. Os carro de som começa chegar é cedo. Os carro de som começa a chegar cedo. Aí o cara dá logo um papoco nesses cara de carro de som aí pra sair logo voado ou então solta logo o rojão no rumo deles logo”.
Apesar de os arquivos de áudio extraídos do celular do réu não estarem situados dentro de determinada conversa ou diálogo, é fácil inferir que são oriundos dos grupos de Whatsapp de que o acusado participava, uma vez que o conteúdo dos áudios revela uma articulação da organização para realizar ataques a eleitores/militantes, inclusive com a captação de pessoas vulneráveis (menores de idade e dependentes químicos) para a realização de tais atos.
A participação do acusado no ataque ocorrido no dia 2 de setembro de 2024 restou nítida quando ele publicou, momentos depois, em uma rede social, a foto de uma arma de fogo com o texto ameaçando a candidata, sugerindo que ela seria o alvo na próxima oportunidade.
Os elementos probatórios colhidos, juntos, permitem concluir que o acusado é responsável criminalmente pelo ataque aos eleitores narrado na denúncia.
Pois bem, não há dúvidas de que o acusado era, ao tempo da coação, integrante do Comando Vermelho, fazendo parte do núcleo que coagia eleitores em Sobral, no período eleitoral.
Em suma, temos como comprovado nos autos: o acusado integra o Comando Vermelho; o Comando Vermelho domina o bairro onde ocorreu o fato; o acusado participava de grupos de WhatsApp em que foram enviadas mensagens de integrantes do Comando Vermelho, com orientação aos demais integrantes sobre como deveriam agir para coagir eleitores; o acusado realizou publicação relacionada ao fato, em rede social; o acusado esteve na casa de uma pessoa abordada com rojões de fogos de artifício.
Sobre os depoimentos dos policiais, é firme o entendimento no sentido de que tais depoimentos, prestados em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, são meios de prova aptos a sustentar um decreto condenatório, quando ausentes contradições relevantes ou motivos para suspeitar de parcialidade, cabendo a defesa demonstrar essa última, consoante se infere dos julgados já colacionados.
O conjunto probatório produzido permite uma clara identificação da materialidade e da autoria delitiva, formando um todo harmônico apto a sustentar um decreto condenatório.
Assim, não pode ser acolhida a tese da defesa técnica de atipicidade da conduta, diante dos elementos probatórios constantes dos autos.
Ressalte-se que o acusado, repito, postou uma foto em uma rede social, com uma arma de fogo, ameaçando uma candidata a cargo eletivo, logo após os apoiadores desta terem sido vítimas de um ataque criminoso com rojões, de modo que não há falar em ausência de seriedade da ameaça proferida, a qual foi capaz de causar temor à candidata e aos pretensos eleitores. Além disso, a conduta do acusado não se restringiu à referida postagem, mas também em participar, com seu grupo criminoso, da coação de eleitores com ataques de rojões em evento eleitoral.
A conduta praticada pelo acusado amolda-se, com perfeição, à descrição do tipo penal descrito no art. 301 do Código Eleitoral.
Não existem causas de justificação que elidam a ilicitude da conduta típica do réu. Não concorrem causas de isenção ou de exclusão de pena, razão pela qual o juízo condenatório é medida que se impõe.
Não vislumbro a presença de atenuantes
Presente a agravante da reincidência, prevista no art. 61, I, do Código Penal, consoante já explicado.
3. DECISÃO
Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o PEDIDO formulado na denúncia e, em consequência, CONDENO o réu KEVIN HENRIQUE LOPES CAVALCANTE, já devidamente qualificado, pelas condutas tipificadas no art. 2º, §§ 2º e 4º, I, da Lei nº 12.850/13 e no art. 301 do Código Eleitoral.
Passo à dosimetria da pena do acusado, em estrita observância ao disposto pelo art. 68 do Código Penal, para cada um dos crimes cometidos.
CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ARMADA (ART. 2º, §§ 2º E 4º, I, DA LEI Nº 12.850/13)
A culpabilidade do réu deve ser valorada negativamente, diante da participação de adolescentes na organização criminosa, o que eleva o grau de censura da conduta, configurando maior reprovabilidade. Ressalte-se que não há impedimento em considerar tal elemento como circunstância judicial desfavorável, apesar de configurar majorante, porquanto o delito já foi majorado com base no emprego de arma de fogo, consoante já exposto.
O acusado registra antecedentes criminais (processo n. 3003360-62.2022.8.06.0167), contudo deixo de considerar tal elemento nesta fase, uma vez que será valorado como circunstância agravante (reincidência), em obediência aos termos da Súmula n. 241 do Superior Tribunal de Justiça.
Não há dados acerca da conduta social e da personalidade do réu, nem dos motivos do crime.
As circunstâncias do crime são graves, pois o réu integra a facção criminosa nacionalmente conhecida como Comando Vermelho – CV, organização criminosa de alta periculosidade, constituída para a prática de vários crimes graves e das mais variadas espécies (como roubos, homicídios e tráfico de drogas, por exemplo), com ramificação em praticamente todo o território nacional e com milhares de integrantes em suas bases.
Nada de relevante quanto às consequências do crime.
Não há falar em comportamento da vítima.
Por fim, verifico não concorrerem dados necessários para se evidenciar a situação econômica do réu.
Assim, consideradas as circunstâncias acima analisadas individualmente, estabeleço como necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime a pena-base de 4 (quatro) anos de reclusão e o pagamento de 13 (treze) dias-multa, cada um no equivalente a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, observado o disposto nos arts. 49 e 60 do Código Penal, devendo ser atualizado de acordo com o art. 49, § 2º, do referido Diploma Legal.
Não há atenuantes.
Presente a agravante da reincidência, razão pela qual agravo a pena para 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão e o pagamento de 15 (quinze) dias-multa.
Não vislumbro qualquer causa de diminuição de pena.
Presentes as causas de aumento de pena previstas no art. 2º, § 2º e § 4º, I, da Lei n. 12.850/13, adoto, com fundamento no art. 68, parágrafo único, do Código Penal, apenas o primeiro aumento (mais grave), razão pela qual aumento a pena fixada em ½ (metade), passando a pena para 7 (sete) anos de reclusão e o pagamento de 22 (vinte e dois) dias-multa.
CRIME DE COAÇÃO ELEITORAL (ART. 301 DO CÓDIGO ELEITORAL)
A culpabilidade do réu deve ser valorada negativamente, diante da participação de adolescentes na conduta, o que eleva o grau de censura da conduta, configurando maior reprovabilidade.
O acusado registra antecedentes criminais (processo n. 3003360-62.2022.8.06.0167), contudo deixo de considerar tal elemento nesta fase, uma vez que será valorado como circunstância agravante (reincidência), em obediência aos termos da Súmula n. 241 do Superior Tribunal de Justiça.
Não há dados acerca da conduta social e da personalidade do réu, nem dos motivos do crime.
As circunstâncias do crime são graves, pois foi praticado no contexto dos ataques coordenados pelas facções criminosas na cidade, aterrorizando a sociedade civil e desafiando os Poderes constituídos.
Nada de relevante quanto às consequências do crime.
Não há falar em comportamento da vítima.
Por fim, verifico não concorrerem dados necessários para se evidenciar a situação econômica do réu.
Assim, consideradas as circunstâncias acima analisadas individualmente, estabeleço como necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime a pena-base de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e o pagamento de 6 (seis) dias-multa, cada um no equivalente a 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, observado o disposto nos arts. 49 e 60 do Código Penal, devendo ser atualizado de acordo com o art. 49, § 2º, do referido Diploma Legal.
Não há atenuantes.
Presente a agravante da reincidência, razão pela qual agravo a pena para 1 (um) ano, 6 (seis) meses e 20 (dez) dias de reclusão e o pagamento de 7 (sete) dias-multa.
Não vislumbro qualquer causa de diminuição ou de aumento de pena.
DO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES.
Em razão do concurso material entre os crimes, o condenado deve ser punido pela soma das penas privativas de liberdade aplicadas, porque se adota o sistema da acumulação material nesse contexto, nos termos do art. 69 do Código Penal, pelo que torno definitiva a pena em 8 (oito) anos, 6 (seis) meses e 20 (dez) dias de reclusão e o pagamento de 29 (vinte e nove) dias-multa.
Em vista do quanto disposto pelo art. 33, § 2º, a, do Código Penal, deverá o réu cumprir a pena privativa de liberdade de reclusão fixada inicialmente em regime fechado.
Nos termos do art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal, e considerando o tempo de prisão provisória do condenado, por este processo, para efeito de fixar o regime inicial de cumprimento da reprimenda, fica mantido o regime determinado, com fundamento no art. 33, § 2º, b, c/c o § 3º, do Código Penal, uma vez que possui circunstâncias judiciais desfavoráveis, que recomendam a adoção de regime mais severo do que o permitido pela pena aplicada.
Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, em razão da quantidade de pena aplicada e de o crime ter sido cometido mediante violência/grave ameaça à pessoa (art. 44, I, do Código Penal). Além disso, o apenado é reincidente em crime doloso (art. 44, II, do Código Penal) e as circunstâncias judiciais indicam que a medida não é suficiente, nos termos do art. 44, III, do Código Penal.
Não cabe, ainda, a aplicação do sursis, devido à quantidade de pena fixada (art. 77 do Código Penal). Ademais, o apenado é reincidente em crime doloso (art. 77, I, do Código Penal) e as circunstâncias judiciais não autorizam a concessão do benefício (art. 77, II, do Código Penal).
Nego ao réu o direito de recorrer em liberdade, por haver motivos para a manutenção da prisão, uma vez que sua liberdade põe em risco a ordem pública. O apenado é reincidente, sendo pessoa perigosa, que reitera na prática de delitos, o que leva à necessidade da custódia cautelar. Ressalte-se que o acusado integra a organização criminosa Comando Vermelho, responsável por diversos crimes graves e com atuação nacional, de modo que a gravidade em concreto do crime indica que o réu necessita ser retirado do convívio social.
Condeno o acusado ao pagamento das custas processuais, suspensa a sua exigibilidade, por sua evidente situação de pobreza.
Não há que se falar de fixação de valor mínimo para a indenização pelos danos causados pelas infrações penais, por não haver vítima determinada.
DISPOSIÇÕES FINAIS
Após o trânsito em julgado da presente decisão, tomem-se as seguintes providências:
Extraia(m)-se guia(s) de recolhimento, com fiel observância do disposto nos arts. 105 a 107 da Lei n. 7.210/84, para o acompanhamento da execução da pena imposta, computando-se como cumprimento de pena o período de prisão provisória;
Comunique-se ao Tribunal Regional Eleitoral deste Estado, sobre a condenação do(s) réu(s), para o cumprimento do quanto disposto pelo art. 15, III, da Constituição Federal e pelo art. 71, § 2º, do Código Eleitoral;
Por se tratar de objeto(s) notoriamente imprestável(eis) ou sem valor econômico apreciável, de modo que não são recomendadas a sua doação ou alienação, dado que não interessa(m) mais ao processo e nem foi pedida a sua restituição pelo legítimo dono, com fundamento no art. 120 do Código de Processo Penal, DETERMINO a DESTRUIÇÃO do(s) seguinte(s) bem(ns): 9 (nove) rojões (ID 124520484 - Pág. 225), nos termos do art. 12, III, c/c o art. 19 da Res. n. 11/2015 - TJCE. Oficie-se à Autoridade Policial, para a adoção da providência ora determinada e a lavratura do respectivo termo, o qual deve ser juntado aos autos;
Quanto ao celular apreendido (ID 124520484 – pág. 10), deixo de determinar sua destinação, uma vez que ainda interessa ao processo desmembrado e remetido à Justiça Estadual, o qual tramita na Vara de Delitos de Organizações Criminosas de Fortaleza;
Decorrido o prazo sem o pagamento da multa pelo réu (10 dias do trânsito em julgado), expeça-se certidão de sentença condenatória, com a liquidação da dívida, para posterior encaminhamento ao respectivo juízo de execução criminal.
Publicada e registrada na data de liberação nos autos. Intimem-se, observando o comando do art. 201, § 2º, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n. 11.690/08.
Após o trânsito em julgado deste decisum, adotadas as providências acima determinadas, arquivem-se os presentes autos, com as cautelas legais.
Fortaleza/CE, data digital.
(assinado eletronicamente)
ANDRÉ TEIXEIRA GURGEL
Juiz Eleitoral