JUSTIÇA ELEITORAL
6.ª ZONA ELEITORAL DE QUIXADÁ CE
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0600963-27.2024.6.06.0006 / 006ª ZONA ELEITORAL DE QUIXADÁ CE
REQUERENTE: ELEICAO 2024 ANTONIO FRANCISCO DELMIRO PREFEITO
AUTOR: FEDERACAO BRASIL DA ESPERANCA (FE BRASIL)
Advogados do(a) REQUERENTE: FRANCISCO DE ASSIS MACHADO ALVES - CE32241, HUMBERTO AUGUSTO TEIXEIRA NUNES - PI2439, LUIZ EDUARDO DE SOUSA NETO - DF57258, CARLOS ANDRE BARBOSA DE CARVALHO - CE29514
Advogados do(a) AUTOR: CARLOS ANDRE BARBOSA DE CARVALHO - CE29514, FRANCISCO DE ASSIS MACHADO ALVES - CE32241, HUMBERTO AUGUSTO TEIXEIRA NUNES - PI2439, LUIZ EDUARDO DE SOUSA NETO - DF57258
INVESTIGADO: ELEICAO 2024 CARLOS ALBERTO QUEIROZ PEREIRA PREFEITO, BRUNO JUCA BANDEIRA
Advogados do(a) INVESTIGADO: DAMIAO SOARES TENORIO - CE26614-B, PEDRO HENRIQUE MARTINS ARAUJO MENEZES - CE49575, LUANNA PEREIRA DE FREITAS - CE44124, LIVIA MARIA XAVIER SANTIAGO DA SILVA - CE53756, PEDRO MARCELO CLARES DE ANDRADE - CE48608
Advogados do(a) INVESTIGADO: PEDRO MARCELO CLARES DE ANDRADE - CE48608, RAIANY LEORNE JOVINO - CE34056
EMENTA: DIREITO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO. COMPRA DE VOTOS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PROVA ROBUSTA DE COMPROVAÇÃO DO ILÍCITO ELEITORAL. PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE PELO PERÍODO DE 8 (OITO) ANOS. CASSAÇÃO DE DIPLOMAS DE PREFEITO E VICE-PREFEITO. MULTA. REALIZAÇÃO DE NOVAS ELEIÇÕES.
I - HISTÓRICO RELEVANTE DOS AUTOS
Trata-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) ajuizada pela FEDERACAO BRASIL DA ESPERANCA (FE BRASIL) composta pelos partidos PT, PC do B e PV – e pelo candidato não eleito ANTONIO FRANCISCO DELMIRO, em face da COLIGAÇÃO “CHORÓ, O FUTURO É AGORA!” (PL, UNIÃO, PRD e PSB), e de seus candidatos eleitos CARLOS ALBERTO QUEIROZ PEREIRA (prefeito) e BRUNO JUCA BANDEIRA (vice-prefeito), com fulcro no art. 22 da Lei Complementar n.º 64/90, em razão da suposta prática de abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio durante o pleito municipal de 2024 no município de Choró/CE.
Narra a inicial (ID 124293797) que os investigados teriam cometido graves irregularidades durante a campanha eleitoral, notadamente: (i) a perfuração de um poço na comunidade de Riachão em troca de apoio político; (ii) a distribuição de água, refrigerantes e bebidas alcoólicas em evento eleitoral promovido pelos investigados; e (iii) um suposto esquema de compra de votos coordenado por Carlos Alberto Queiroz Pereira, popularmente conhecido como Bebeto do Choró, investigado também em procedimentos policiais por movimentações ilícitas e posse de expressiva quantia de dinheiro em espécie, com possível atuação em outros municípios.
A parte autora afirma que tais condutas configuram abuso de poder econômico, pois desequilibraram a isonomia do pleito e comprometeram a liberdade de escolha dos eleitores, mediante o uso desproporcional de recursos financeiros, bens públicos e práticas vedadas pela legislação eleitoral, como a troca de benefícios materiais por apoio político. Sustenta, ainda, que a prática de captação ilícita de sufrágio estaria comprovada pela utilização de serviços públicos e bens materiais para angariar votos, configurando afronta aos princípios da moralidade e da legitimidade das eleições. Instrui a exordial com documentos referentes à prisão de Maurício Gomes, terceiro supostamente envolvido em esquema eleitoral na região de Canindé e Choró, e busca e apreensão, bem como ação penal envolvendo Carlos Alberto por posse ilegal de arma.
Requer, ao final, a cassação do diploma dos investigados, a declaração de inelegibilidade pelo período de 8 (oito) anos, nos termos do art. 22 da LC n.º 64/1990 e art. 14, § 9º, da Constituição Federal de 1988, bem como a aplicação das sanções previstas no art. 73 da Lei n.º 9.504/1997, em razão da suposta utilização indevida de bens e serviços públicos em benefício da campanha eleitoral.
Após expedição de mandados de citação, a parte autora juntou petição com pedido liminar (ID 124426787), requerendo a suspensão da diplomação dos eleitos Carlos Alberto Queiroz Pereira e Bruno Jucá Bandeira, em razão de sua vinculação a organização criminosa investigada por desvio de recursos públicos, compra de votos e uso indevido da máquina pública, com fundamento no art. 300 do CPC e art. 22 da LC n.º 64/90.
Em sua defesa (ID 124446566), os investigados alegam, preliminarmente, a ilegitimidade passiva da coligação e a inadmissibilidade do uso de provas oriundas de inquéritos criminais, por se tratarem de meros indícios. No mérito, sustentam a ausência de provas robustas das supostas irregularidades, afirmando que os fatos narrados não demonstram gravidade suficiente para caracterizar abuso de poder econômico ou captação ilícita de sufrágio, requerendo, ao final, a improcedência da AIJE.
Em réplica (ID 124467942), a parte autora rebate a preliminar de ilegitimidade passiva da coligação, defendendo que as condutas foram devidamente individualizadas, constando os representantes da coligação no polo passivo da demanda. Sustentam a validade das provas emprestadas, oriundas de procedimentos judiciais nos quais houve contraditório, incluindo busca e apreensão de mais de meio milhão de reais e a condenação a pena restritiva de direitos em 2.º grau de Carlos Alberto Queiroz Pereira no processo criminal 0050625-93.2020.8.06.0034 por porte ilegal de arma de fogo, cf. acórdão anexo (ID 124467943). Alegam a gravidade das condutas e o desequilíbrio no pleito, reiterando o pedido de procedência da ação com a cassação da chapa e inelegibilidade dos investigados.
Na petição de ID 124490808, os investigantes informam que Carlos Alberto Queiroz Pereira (Bebeto de Choró) teve prisão preventiva decretada em 05/12/2024, no âmbito da operação Vis Occulta, da Polícia Federal, que apura esquema de compra de votos e caixa 2 com recursos desviados de contratos públicos. Requerem o prosseguimento do feito e solicitam ao Ministério Público Eleitoral a juntada dos documentos da operação, enviados pela PF.
Nas petição de ID 124494266 e seguintes, os investigantes juntam documentos referentes ao pedido de busca e apreensão criminal n.º 0600262-75.2024.6.06.0003, em desfavor de Carlos Alberto Queiroz Pereira, incluindo mandados expedidos pela 3.ª Zona Eleitoral autorizando buscas em diversos endereços ligados ao investigado e seus supostos colaboradores, bem como decisões judiciais que reconhecem a existência de fortes indícios de crime eleitoral previsto no art. 299 do Código Eleitoral. Também foram anexadas (ID 124500021 e seguintes) peças do inquérito policial instaurado pela PF, que apura esquema de financiamento ilícito de campanhas eleitorais com recursos oriundos de contratos públicos fraudulentos, envolvendo o investigado e outras pessoas físicas e jurídicas, incluindo empresas supostamente constituídas por “laranjas”.
A Ata de audiência (ID 124688874) registrou que, em 24 de fevereiro de 2025, foram ouvidas seis testemunhas, três indicadas pela parte autora e três pela parte ré, sendo duas destas últimas dispensadas. Houve impugnação de testemunhas por suspeição, sendo acolhida apenas em relação a José Aloísio de Queiroz do Nascimento, que foi ouvido como declarante.
Nas alegações finais (ID 124699401), os investigantes defendem a procedência da AIJE com aplicação de todos os efeitos com base nos três fatos já mencionados na inicial. Sustentam que as testemunhas confirmaram os ilícitos, destacando contradições e fragilidade nas provas da defesa. Alegam, ainda, que os investigados desequilibraram o pleito com práticas graves, inclusive com ameaça a adversários, e que o prefeito eleito está foragido.
Nas alegações finais (ID 124699569), os investigados reiteram a ilegitimidade da coligação para figurar no polo passivo da AIJE e a inadmissibilidade do empréstimo de provas oriundas de inquéritos policiais sem autorização judicial e sem contraditório. No mérito, afirmam que não há provas robustas que evidenciem abuso de poder econômico ou captação ilícita de sufrágio, destacando que os elementos trazidos pela parte autora se baseiam em “ouvi dizer” ou em publicações de redes sociais, sem força probatória. Requerem, assim, o desentranhamento das provas ilicitamente juntadas e a total improcedência da ação.
Em seu parecer (ID 124763152), o Ministério Público Eleitoral opinou pela reunião deste processo com a AIJE 0600967-64.2024.6.06.0006, "(...) uma vez que uma das causas de pedir, a investigação conduzida pela Polícia Federal sobre um suposto grupo criminoso liderado por Carlos Alberto Queiroz Pereira para compra de votos em diversas cidades cearenses, também fundamenta a ação movida pelo parquet eleitoral".
Manifestação dos investigados (ID 124774879) refuta o pleito ministerial, sustentando a inadmissibilidade da reunião processual, sob o argumento de que a presente AIJE está embasada em provas ilicitamente obtidas, oriundas de procedimento administrativo ainda em curso, sem autorização judicial para seu compartilhamento. Alegam, ainda, que a conexão apontada pelo parquet não justifica a reunião dos feitos, porquanto poderia acarretar prejuízo à ampla defesa e comprometer a higidez processual, diante da controvérsia sobre a validade das provas utilizadas.
É o que importa relatar. Fundamento e decido.
II - FUNDAMENTOS
Segundo pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial, a ação de investigação judicial eleitoral visa a reprimir os investigados com a pecha da inelegibilidade ou com a cassação do registro em face de conduta que comprometa a lisura e a normalidade do pleito eleitoral, assim entendida aquela que implicar abuso do poder econômico ou poder político, ou ainda, utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social em benefício de candidato ou de partido político (art. 22, caput, parte final, LC 64/90), bem assim conduta que conduza à captação ilícita de sufrágio (art. 41-A, Lei n.º 9.504/97) e movimentação ilícita na arrecadação e gastos de recursos (art. 30-A, Lei n.º 9.504/97). Não se presta, enfim, esse veículo processual, com previsão na norma de regência, em obstaculizar eventual prática abusiva ou, ainda, aplicação de multa decorrente de propaganda eleitoral irregular.
Precipuamente, cumpre apreciar as preliminares de ilegitimidade passiva e cadeia de custódia das provas emprestadas, bem como o pleito ministerial de reunião dos processos.
No que concerne à preliminar de ilegitimidade passiva da Coligação “CHORÓ, O FUTURO É AGORA!”, registra-se que, embora os investigados tenham suscitado a exclusão da referida coligação do polo passivo da presente demanda, com arrimo na jurisprudência pacificada do TSE e TRE-CE, tal providência já foi devidamente adotada, de modo que a coligação não mais integra a lide, remanescendo como partes apenas os candidatos investigados.
Assim, ACOLHE-SE PARCIALMENTE a preliminar, exclusivamente para reconhecer que a coligação foi retirada do polo passivo, não subsistindo qualquer nulidade ou prejuízo processual, razão pela qual a presente ação prossegue regularmente em relação aos demais investigados.
No que tange à preliminar de inadmissibilidade das provas emprestadas oriundas dos procedimentos de natureza criminal em fase investigativa — notadamente os autos do Pedido de Busca e Apreensão Criminal nº 0600262-75.2024.6.06.0003 e do Processo nº 0281915-08.2024.8.06.0001 —, não assiste razão à defesa.
Como é cediço no âmbito da Justiça Eleitoral, é plenamente admitido o uso de prova emprestada, desde que respeitado o contraditório e a ampla defesa, nos termos do art. 372 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente. Na hipótese, as provas extraídas dos referidos procedimentos foram devidamente acostadas aos autos e a parte investigada teve plena ciência de seu conteúdo, com oportunidade para contestar, rebater e produzir contraprovas, inclusive por meio de sua peça defensiva e em sede de alegações finais.
Importante salientar, ainda, que parte significativa do material probatório aqui utilizado — como extração de dados telefônicos, apreensão de documentos e valores em espécie, extrações de conteúdo digital e confissões colhidas no momento da prisão em flagrante — configura-se como prova irrepetível, nos termos da doutrina e da jurisprudência pátria. Trata-se de elementos colhidos em momentos processuais anteriores, que, pela sua própria natureza ou circunstância de produção, não podem ser reproduzidos com igual fidelidade em juízo.
Como bem leciona Guilherme de Souza Nucci:
Não se privou o juiz do conhecimento, que vai julgar o caso, do acesso às provas produzidas sob o prisma inquisitivo, simbolizando a efetividade do conteúdo do art. 155 do CPP: ‘O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas’. Em singela análise, o juízo de avaliação do mérito da causa pode levar em conta os elementos constantes da investigação para formar o seu convencimento e condenar o acusado, desde que não o faça de maneira exclusiva, isto é, sem qualquer respaldo em outras provas produzidas em juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. (Código de processo penal comentado, 23. ed., rev., atual. Rio de Janeiro: Forense, 2024. p. 43).
A jurisprudência do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) é firme ao reconhecer a validade de provas emprestadas oriundas de inquéritos criminais, desde que respeitado o devido processo legal. E mais, admite-se, inclusive, a utilização de elementos colhidos por meio de encontro fortuito de provas, desde que obtidos em cumprimento de ordem judicial regularmente autorizada e sem desvio de finalidade. Veja-se, por pertinente, os seguintes precedentes:
ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. QUESTÕES PRÉVIAS. SUSPENSÃO DO PROCESSO. PEDIDO PREJUDICADO. NULIDADE DO ACERVO PROBATÓRIO, CERCEAMENTO DE DEFESA E REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. PRELIMINARES REJEITADAS. DECADÊNCIA. PREJUDICIAL REJEITADA. MÉRITO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. MENSAGENS ELETRÔNICAS. ADEQUADA VALORAÇÃO. INTERPRETAÇÃO ATRIBUÍDA AOS FATOS. ESTRATÉGIA ILÍCITA. PRETENSÃO ELEITOREIRA. SUCESSÃO POLÍTICA DO GRUPO FAMILIAR. PERÍODO ELEITORAL. AMPLA OFERTA DE BENESSES A ELEITORES. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE VOTOS. PRÁTICA REITERADA. PROVAS ROBUSTAS. GRAVIDADE. SANÇÕES. INELEGIBILIDADE. CASSAÇÃO DO REGISTRO OU DIPLOMA. MULTA.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Trata-se de Recurso Eleitoral interposto por Francisco Evandro de Araújo, Francisco Evandro de Araújo Filho e Maria Raquel Feitosa de Araújo em face de sentença prolatada pelo Juízo da 15ª Zona Eleitoral, que julgou parcialmente procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral cumulada com Representação por Captação Ilícita de Sufrágio ajuizada pela Promotoria Eleitoral em face dos ora Recorrentes por fatos ocorridos durante as Eleições 2020 no município de Icó/CE, em benefício do vereador eleito Francisco Evandro de Araújo Filho.
QUESTÕES PRÉVIAS. SUSPENSÃO DO PROCESSO. NULIDADE DO ACERVO PROBATÓRIO, CERCEAMENTO DE DEFESA E REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. DECADÊNCIA.
2. Restou prejudicado o pedido de suspensão do processo, em razão do julgamento do recurso apresentado nos autos da Medida Cautelar nº 0600509- 59.2020.6.06.0015.
3. "A nulidade de prova emprestada de processo criminal deve ser arguida no juízo penal em que foi produzida" (TSE, REspE nº 29610, DJe 20/08/2020). Ainda que seja inadequado transferir para a AIJE os questionamentos específicos do processo penal, a título de obiter dictum, com o único propósito de exaurir a jurisdição e evitar embargos de declaração incabíveis, excepcionalmente serão apreciadas as teses dos recorrentes, que não expressam fundamentos aptos a infirmar a licitude da prova.
4. A existência de justa causa já foi apreciada pela Corte nos autos do Habeas Corpus nº 0600499-60 e da Medida Cautelar nº 0600509-59, conclusivos em relação à legitimidade da busca e apreensão, "dotada de todos os pressupostos que a lei exige para sua realização", a partir do exame de circunstâncias concretas devidamente justificadas nos relatórios da autoridade policial, as quais autorizam o deferimento das medidas, já que evidenciados indícios mínimos de autoria e materialidade, somados à conveniência de aprofundar as investigações.
5. Com fundamento na Teoria do Encontro Fortuito de Provas (princípio da serendipidade), a jurisprudência considera "válidas as provas encontradas casualmente pelos agentes da persecução penal, relativas à infração penal até então desconhecida, por ocasião do cumprimento de medidas de investigação de outro delito regularmente autorizadas, ainda que inexista conexão ou continência com o crime supervenientemente encontrado, desde que não haja desvio de finalidade na execução das diligências das quais se originaram os elementos probatórios" (STJ, AgRg no AREsp n. 2.037.992, DJe 13/09/2022). Assim, afasta-se a alegação de ilicitude da prova "nas situações em que o procedimento policial de busca e apreensão tenha sido regularmente autorizado e executado dentro dos limites estabelecidos pela autoridade judiciária, desde que não haja desvio de finalidade na execução das diligências" (STJ, AgRg no RHC n. 154.122, DJe 30/09/2022).
6. A extração dos dados armazenados nos celulares apreendidos já está abrangida quando se determina a apreensão dos próprios aparelhos e de tudo quanto neles sirva à prova dos crimes sob investigação. Ademais, "não há como exigir da autoridade policial que faça, instantaneamente, durante o cumprimento do mandado, uma filtragem exauriente de todo o conteúdo digital encontrado, de maneira a autorizar a apreensão (cópia) apenas dos arquivos que possuam pertinência direta e inequívoca com a presente investigação". Assim, é possível a apreensão dos aparelhos de telefone celular, com posterior devolução dos itens periciados que não servirem à investigação (STJ, AgRg no Inq 1.191, DJe 27/10/2020). O Tribunal Superior Eleitoral também já definiu ser aplicável a regra geral das cautelares penais no tratamento judicial da medida cautelar de quebra de sigilo de dados telemáticos (TSE, AgRg no REspE nº 11266, DJe 12/06/2020).
7. O Superior Tribunal de Justiça registra ainda que "os dados constantes de aparelho celular obtidos por órgão investigativo - mensagens e conversas por meio de programas ou aplicativos (WhatsApp) - somente são admitidos como prova lícita no processo penal quando há precedente mandado de busca e apreensão expedido por juiz competente ou quando há autorização voluntária de interlocutor da conversa" (STJ, AgInt no REsp n. 1.976.850, DJe de 26/08/2022). No caso, além do prévio mandado judicial de busca e apreensão, os próprios recorrentes forneceram as senhas para desbloqueio dos aparelhos celulares, proporcionando o acesso aos seus dados pela autoridade policial, sem o registro de eventual abuso ou constrangimento ilegal no cumprimento da medida de busca e apreensão, a qual foi acompanhada por duas testemunhas e dois advogados.
8. Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, "o mandado de busca domiciliar deve compreender todas as acessões existentes no imóvel alvo da busca, sob pena de se frustrarem seus fins". Assim, "é admissível a apreensão de bens em poder de terceiro, morador do mesmo imóvel em que reside o investigado, quando interessarem às investigações". Ademais, "dada a impossibilidade de indicação, ex ante, de todos os bens passíveis de apreensão no local da busca, é mister conferir-se certa discricionariedade, no momento da diligência, à autoridade policial" (STF, AgRg na Pet nº 5.173, DJe 18/11/2014. No mesmo sentido: STF, HC nº 191.579, DJe 29/04/2022). Nesse caso, "não há ilicitude a ser declarada quando ocorre a descoberta de fatos por meio do encontro fortuito de provas, ocorrido por ocasião do cumprimento de mandado de busca e apreensão determinado pelo Juízo competente e de acordo com os requisitos previstos no art. 243 do Código de Processo Penal, como ocorrido na hipótese" (STF, AgRg no RHC nº 182.520, DJe 01/06/2020). O Superior Tribunal de Justiça registra precedente considerando viável a "utilização de prova encontrada fortuitamente para dar início a nova investigação", ressaltando-se: "Fico meditando acerca da dificuldade que teve a Polícia de identificar chegando à residência do casal, por exemplo, de quem era cada objeto. Compreendo que não havia como fazê-lo, porque os bens estavam justamente nos lugares onde os dois habitavam ou onde os dois trabalhavam. Então, creio que outra atitude não cabia à Polícia, senão a de levar todos aqueles bens encontrados" (STJ, AgRg no RHC nº 45.267, DJe 07/08/2014).
9. Não há necessidade de reabertura da instrução processual, tampouco restou caracterizado cerceamento de defesa em razão da juntada do inquérito à AIJE, a qual foi requerida desde a inicial e efetivou-se no curso da instrução, em momento que antecedeu às alegações finais, proporcionando o regular exercício do contraditório e da ampla defesa. A AIJE teve seus contornos definidos a partir dos fatos descritos na petição inicial pela Promotoria Eleitoral, que indicou o relatório e o inquérito policial como provas das suas alegações, na forma do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990. A juntada do inquérito policial foi determinada antes da audiência de instrução e reiterada naquela oportunidade, atendendo pedido de prova expressamente indicada na inicial, sem representar inovação processual ou ampliação dos limites da demanda (Súmula nº 62 do Tribunal Superior Eleitoral). Não se legitima a pretensão de postergar o desfecho da AIJE por meio da reabertura da instrução probatória, com o inusitado propósito de contraposição aos elementos contidos na medida cautelar ou no Inquérito Policial, procedimentos de natureza penal incompatíveis com o rito próprio da ação cível eleitoral. Eventuais questionamentos sobre a busca e apreensão ou o inquérito, se existentes, devem ser suscitados tempestivamente nos autos dos respectivos procedimentos criminais, já que a AIJE trata exclusivamente das imputações de abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio, atribuídas aos recorrentes.
10. Não se consumou a decadência, já que a AIJE e a representação por captação ilícita de sufrágio podem ser ajuizadas "até a data da diplomação" (art. 41-A, § 3º, da Lei nº 9.504/1997 e arts. 44 e 45 da Resolução nº 23.608/2019). A hora da diplomação não modifica o termo final para ajuizamento das demandas, que podem ser propostas até o final daquele dia, já que não se trata de prazo fixado em horas Precedentes.
11. Em conclusão, apreciando as questões prévias, julga-se prejudicado o pedido de suspensão do processo, rejeitam-se as preliminares de nulidade do acervo probatório, cerceamento de defesa e reabertura da instrução processual, bem como a prejudicial de decadência.
MÉRITO.
(...)
26. Recurso conhecido e parcialmente provido, apenas para afastar a condenação de Maria Raquel Feitosa de Araújo, por ausência de provas robustas, confirmando a sentença em relação à condenação de Francisco Evandro de Araújo Filho por abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio, com a cassação do diploma de Vereador e a imposição de multa de vinte mil Ufirs, e a condenação de Francisco Evandro de Araújo por abuso de poder econômico, declarando a inelegibilidade de ambos nos oito anos subsequentes à Eleição de 2020.
27. Por consequência, deve ser realizada nova totalização dos votos da Eleição do cargo de Vereador de Icó/CE, já que é nula a votação do candidato cassado em ação autônoma por ilícito eleitoral. Precedentes.
(TRE-CE. Recurso Eleitoral 060056240/CE, Relator(a) Des. JUIZ GEORGE MARMELSTEIN LIMA, Acórdão de 27/01/2023, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 37, data 14/02/2023, pag. 51-111)
RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA PRODUZIDA EM INQUÉRITO POLICIAL. PROVA EMPRESTADA. POSSIBILIDADE. PROCESSO CÍVEL-ELEITORAL. UTILIZAÇÃO. IMPEDIMENTO. AUSÊNCIA. DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAL DE CONSTRUÇÃO E SEU RESPECTIVO TRANSPORTE. FINALIDADE ELEITORAL. COMPROVAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CONFIGURAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. IMPROVIMENTO DO RECURSO.
1 - Para fins de configuração da prática de captação ilícita de sufrágio, nos termos do art. 41-A, da Lei nº 9.504/97, é necessária a efetiva demonstração da finalidade eleitoral da conduta alegada.
2 - "(...) O Supremo Tribunal Federal firmou posição no sentido de que é possível a utilização, como prova emprestada em processo administrativo disciplinar, de dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas, desde que esta tenha sido judicialmente autorizada para a produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, nos termos da L. 9.296/96 (STF, Inq-QO-QO 2424 / RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, j. 20.06.2007, DJ 24.08.2007)." (TRF4, AC 200670020039388, Rel. Juiz Valdemar Capeletti, DJ - 04/08/2008)
3 - "(...) Sendo lícita e idônea, a interceptação telefônica poderá ser utilizada como prova emprestada para dirimir controvérsias na esfera civil e administrativa. No expressivo dizer do Ministro Cezar Peluso no "âmbito normativo do uso processual dos resultados documentais da interceptação, o mesmo interesse público na repressão de ato criminoso grave que, por sua magnitude, prevalece sobre a garantia da inviolabilidade pessoal, justificando a quebra que a limita, reaparece, com gravidade só reduzida pela natureza não criminal do ilícito administrativo e das respectivas sanções, como legitimamente desse uso na esfera não criminal, segundo avaliação e percepção de sua evidente supremacia no confronto com o direito individual à intimidade" (STF, Inq. 2.424 QO-QO, DJ 24.08.2007). (...)" (TRE-SC, RD 2237030, Rel. Juiz Sérgio Torres Paladino, DJ - 16/08/2010, pág. 6/7)
4 - Na espécie, a partir do conjunto fático-probatório dos autos, notadamente do resultado da interceptação telefônica obtida, verificou-se o especial fim de captação de votos, por parte da Sra. Joana Maria Pedrosa Machado, mediante o fornecimento de benesses variadas aos eleitores do Município de Crato, de sorte a caracterizar também a prática de abuso de poder econômico.
5 - Sentença mantida.
6 - Improvimento do Recurso.
(TRE-CE. Recurso Eleitoral 958715407/CE, Relator(a) Des. CID MARCONI GURGEL DE SOUZA, Acórdão de 06/04/2011, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 069, data 15/04/2011, pag. 7/8)
A defesa não demonstrou qualquer prejuízo concreto à sua atuação processual em razão da juntada dos documentos, limitando-se a alegações genéricas sobre a ausência de contraditório no juízo de origem. Tal argumentação, contudo, não prospera, pois a ampla defesa e o contraditório vêm sendo plenamente assegurados neste feito, inclusive com a possibilidade de requerer diligências, produzir provas e apresentar contraprovas. A ausência de demonstração do prejuízo inviabiliza a decretação de nulidade, nos termos do art. 219 do Código Eleitoral.
De igual forma, o argumento de que o segundo investigado, Bruno Jucá Bandeira, não teve acesso ao conteúdo das investigações por não figurar formalmente como investigado no procedimento criminal tampouco afasta a validade da prova emprestada, pois os elementos probatórios dizem respeito à dinâmica de um esquema de financiamento ilícito de campanha com efeitos sobre toda a chapa majoritária, sendo inegável a sua repercussão e abrangência jurídica.
Ademais, toda e qualquer prova proveniente de processos judiciais diversos aportam nesses autos como prova documental e podem ser devidamente refutadas pelos investigados, tanto pelo prisma do conteúdo quanto de sua validade e eficácia, de forma que se garante o exercício da ampla defesa nesse particular.
Diante do exposto, REJEITA-SE a preliminar de inadmissibilidade da prova emprestada e, por conseguinte, indefere-se o pedido de desentranhamento dos documentos constantes dos IDs 124293872, 124293878 e 124293875, os quais permanecem nos autos e serão regularmente valorados para o julgamento do mérito da presente ação.
Quanto ao pedido de reunião dos processos 0600963-27.2024.6.06.0006 e 0600967-64.2024.6.06.0006, embora o Ministério Público Eleitoral tenha requerido decisão conjunta por reconhecer similitude fática entre ambas as ações, verifica-se que os feitos se encontram em estágios processuais distintos. A presente ação já se encontra com instrução finalizada e pronta para julgamento, enquanto a demanda ajuizada pelo Parquet ainda se encontra em fase inicial, pendente de citação e formação plena da relação processual.
Além disso, conforme reconhecido pelos próprios investigados em manifestação constante do ID 124774879, a reunião das ações pode acarretar prejuízo ao devido processo legal e à ampla defesa, sobretudo diante da extensão das imputações da nova AIJE, que inclui fatos e investigados diversos, além da menção à remessa de peças ao Supremo Tribunal Federal. Tal complexidade justifica a tramitação autônoma dos feitos, respeitando-se a independência da instrução e o andamento regular da presente ação. Dessa forma, REJEITA-SE o pedido de apensamento formulado pelo órgão ministerial.
Quanto ao MÉRITO, conforme relatado, imputa-se aos investigados: (i) a perfuração de um poço na comunidade de Riachão em troca de apoio político; (ii) a distribuição de água, refrigerantes e bebidas alcoólicas em evento eleitoral promovido pelos investigados; e (iii) um suposto esquema de compra de votos coordenado por Carlos Alberto Queiroz Pereira, investigado também em procedimentos policiais por movimentações ilícitas e posse de expressiva quantia em dinheiro em espécie, com possível atuação em outros municípios.
i) Da perfuração do poço profundo na localidade de Riachão:
Primeiro, a inicial aponta que, em 18 de setembro de 2024, foi realizada obra de perfuração em frente à residência de Paulo Nogueira Lopes, conhecido como Paulo da Verdura, supostamente custeada por Joana Darc Costa Silva Schweizer (Joana do Carvão), vereadora e candidata à reeleição, com apoio logístico da secretaria de agricultura, então comandada por sua filha. A acusação sustenta que o benefício teria sido concedido como retribuição à adesão política do beneficiário à candidatura de Carlos Alberto Queiroz Pereira.
Os depoimentos das testemunhas de acusação — Antônio Clarindo, Francisco Jocélio e Raimundo Queiroz —, indicam que o benefício foi executado durante o período eleitoral na propriedade de Paulo Nogueira, com alegações de que a obra teria sido intermediada pela vereadora Joana D’Arc, mãe da secretária de agricultura do município, que estava presente no local, em troca de apoio político. As testemunhas apontaram ainda que a máquina utilizada, embora de propriedade de particular — por um profissional conhecido como Chicão —, era comumente empregada em serviços da prefeitura, o que poderia, em tese, indicar utilização da estrutura pública em favor de campanha eleitoral.
Todavia, a defesa trouxe prova que afasta a tese acusatória. O senhor Francisco Ribamar Eduardo Nogueira, cunhado de Paulo Nogueira, esclareceu em audiência (ID 124689279) que o poço foi custeado por um grupo de seis famílias da comunidade, inclusive apresentando recibo de pagamento no valor de R$ 3.500,00 (ID 124690689), fruto de empréstimo particular junto ao programa CredAmigo. Embora as alegações finais da acusação busquem desqualificar o documento, invocando a ausência de nota fiscal e o valor supostamente inferior ao de mercado, não se pode presumir a falsidade do recibo sem prova concreta nesse sentido, sobretudo diante da consistência do depoimento da testemunha e da plausibilidade do custo informado, compatível com a prática em comunidades interioranas e contratos diretos com prestadores de serviço de pequeno porte.
Nesse contexto, ainda que o documento em si não possua fé pública ou equivalência a nota fiscal, não há prova nos autos capaz de infirmar sua veracidade, tampouco de comprovar o alegado vínculo entre a suposta vantagem e o voto. A presunção de ilicitude da prova unilateral somente se impõe quando inexistente qualquer elemento corroborativo — o que, no caso, não ocorre, considerando a coerência e detalhamento do depoimento da testemunha.
Diante de tal cenário, não se verifica nos autos prova robusta e inequívoca de que a perfuração do poço foi realizada com recursos públicos ou como vantagem indevida em troca de voto, tampouco que houve interferência direta dos investigados na contratação do serviço.
ii) Da distribuição de água, refrigerantes e bebidas alcoólicas em evento eleitoral promovido pelos investigados:
Segundo, imputa-se na exordial que, no dia 3 de outubro de 2024, em frente à secretaria municipal de educação, ocorreu uma concentração de apoiadores para uma carreata organizada pelo então candidato Carlos Alberto Queiroz Pereira. Alega-se que, nesse contexto, o vereador Pedro Paulo Vidal de Queiroz, por meio de seu cabo eleitoral José Aloísio de Queiroz, realizou a distribuição gratuita dessas bebidas como forma de angariar apoio político, o que configuraria captação ilícita de sufrágio, com possível benefício direto à candidatura majoritária apoiada pelo vereador.
Por outro lado, não houve demonstração de que a conduta tenha sido praticada diretamente pelos investigados Carlos Alberto Queiroz Pereira ou Bruno Jucá Bandeira, tampouco que houvesse ciência ou autorização destes quanto à atuação do vereador e de seu cabo eleitoral. A defesa, inclusive, foi enfática ao argumentar que o evento ocorreu sem a presença dos candidatos majoritários e que a distribuição de bebidas e água foi pontual, restrita a apoiadores já engajados, sem qualquer condicionamento ao voto.
Na instrução, a testemunha de defesa Francisco Volner Pereira da Silva (ID 124689272) afirmou que esteve presente na concentração anterior à carreata e confirmou que nem o candidato a prefeito, nem o candidato a vice-prefeito estavam no local. Disse ainda que não presenciou ordem ou direcionamento de qualquer dos investigados para fornecimento de comidas ou bebidas. Por sua vez, as testemunhas de acusação não relataram ter presenciado a prática de captação de sufrágio por meio da distribuição de itens, limitando-se a menções genéricas sobre o evento ou ao conhecimento por terceiros, sem presenciar a suposta conduta. O próprio José Aloísio de Queiroz, apontado como responsável pela entrega das bebidas e ouvido como declarante, em razão de já ter ocupado cargo comissionado, sequer confirmou tal fato nos autos.
Ainda que se admita a realização de um evento com distribuição de água e refrigerantes, é indispensável para a caracterização do ilícito do art. 41-A da Lei nº 9.504/1997 a presença de elementos objetivos e subjetivos, quais sejam: oferta ou entrega de vantagem pessoal em troca de voto e o dolo específico de captação. Nenhuma prova nos autos indica com clareza essa correlação entre o fornecimento de bebidas e pedido explícito ou implícito de voto. O ponto, portanto, não subsiste para fins de procedência desta ação.
iii) Do esquema de compra de votos coordenado por Carlos Alberto Queiroz Pereira financiado por recursos ilícitos e com atuação regional
Terceiro e último, consta nos documentos oriundos de procedimentos criminais que o investigado seria um dos líderes de uma organização criminosa voltada à compra de votos no município de Choró/CE e em outras cidades do estado, como Canindé e Fortaleza. Aponta-se, inclusive, que o investigado teria sido flagrado com aproximadamente R$ 500.000 (quinhentos mil reais) em espécie, em contexto eleitoral, além de estar envolvido em contratos públicos que teriam servido de fonte de recursos para as ações ilícitas. A acusação argumenta que o montante em dinheiro e as movimentações apontadas em operações policiais, como a “Mercato Clauso” e a “Vis Occulta”, indicariam clara captação ilícita de sufrágio e abuso do poder econômico. A defesa, por sua vez, sustenta que tais elementos são indícios extraídos de procedimentos ainda em fase de inquérito policial e que, por isso, não poderiam ser utilizados como prova no presente feito, notadamente por não terem passado pelo crivo do contraditório, além de ressaltar que Carlos Alberto não foi formalmente denunciado por tais fatos e que os valores não estavam em sua posse direta.
Na espécie, as provas coligidas aos autos — especialmente os documentos provenientes do Procedimento Criminal n.º 0600262-75.2024.6.06.0003, bem como os elementos extraídos das operações policiais “Mercato Clauso” e “Vis Occulta” — revelam um sofisticado esquema de corrupção eleitoral, articulado por Carlos Alberto Queiroz Pereira, com atuação não apenas no município de Choró, mas também em Canindé e Fortaleza.
Entre os elementos mais contundentes, destacam-se os diálogos mantidos pelo promovido com agentes políticos e operadores financeiros, nos quais ele autoriza repasses diretos a eleitores em troca de apoio, inclusive negociando valores por voto. Em mensagens trocadas com aliados, há relatos expressos de compra de votos, com repasses feitos por meio da conta de Bruno Nascimento dos Santos, apontado como seu motorista e subordinado direto. Foram confirmadas transferências bancárias de R$ 200,00 a R$ 600,00 para eleitores de Choró, com referência explícita ao título eleitoral, além da atuação de empresas contratadas por prefeituras para desvio de verbas públicas, cujos recursos eram canalizados para o financiamento da campanha eleitoral do investigado. Em um dos episódios, foi apreendida a quantia de R$ 599.407,00 em espécie com um aliado do grupo, recurso originado da empresa MK Empreendimentos, ligada ao núcleo financeiro da organização.
Ademais, a centralidade de Carlos Alberto na estrutura criminosa é reforçada pelo envolvimento direto de sua irmã, Cleidiane Queiroz Pereira, responsável pela logística dos repasses, e por seu sobrinho Carlos Dyogo, que também movimentou valores expressivos oriundos das empresas do grupo. A análise do inquérito conduzido pela polícia federal aponta que Carlos Alberto era o ponto de articulação política e financeira da organização, comandando repasses, coordenando candidaturas em outros municípios e determinando ações de influência sobre o eleitorado. A convergência de elementos documentais, financeiros, testemunhais e telemáticos colhidos nos autos não deixa dúvidas de que o investigado liderava, com domínio de fato, um esquema de captação ilícita de sufrágio, abuso do poder econômico e uso indevido de estruturas públicas, comprometendo a lisura do pleito municipal de 2024 no município de Choró.
Em reforço a essa constatação, tem-se a decisão deste Juízo constante no ID 124517981, proferida nos autos da AIJE nº 0600967-64.2024.6.06.0006, a qual acolheu pedido do Ministério Público Eleitoral e suspendeu a diplomação dos investigados, sob a seguinte fundamentação:
"(...) No presente caso, trata-se de prova produzida no âmbito de inquérito policial conduzido pela polícia federal que dia após dia descortina possível envolvimento dos investigados com organização criminosa para fim de cometimento de crimes eleitorais, de lavagem de dinheiro, dentre outros, com participação de políticos de vários escalões, inclusive federal, o que implicou o encaminhamento dos autos do processo criminal às instâncias superiores.
Essa espécie de tutela tem como escopo precípuo garantir que os direitos do autor sejam protegidos até que o mérito da questão seja definitivamente julgado.
O investigado CARLOS ALBERTO QUEIROZ PEREIRA, eleito prefeito da cidade de Choró, encontra-se atualmente com mandado de prisão preventiva aberto e não se apresentou até a presente data perante as autoridades.
Não é lícito e nem jurídico que alguém foragido da justiça seja empossado no mais alto cargo do poder executivo municipal, quando pesa sobre ele a grave acusação de participar de organização criminosa com ramificações, local, regional e até nacional.
(...)
No presente caso, há uma justificativa suficiente, pois o Poder Judiciário não pode compactuar com a ação de pessoas que cometem ilícitos para conseguir ocupar cargos políticos, ainda mais em possível envolvimento desses políticos com o crime organizado, sendo a tutela cautelar a medida adequada para evitar os danos que poderiam ocorrer durante o tramitar do processo.
Não é por outro motivo que o CPC, em seu art. 8º, estabelece que: “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e as exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a PROPORCIONALIDADE, a RAZOABILIDADE, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Nos termos do artigo acima citado, o juiz tem o dever de observar a proporcionalidade e razoabilidade ao aplicar o ordenamento jurídico.
Não é razoável permitir ao investigado CARLOS ALBERTO QUEIROZ PEREIRA que tome posse no cargo de prefeito na condição de fugitivo da justiça, por suposta prática de crimes graves, inclusive contra a Administração.
De igual modo, em relação ao investigado BRUNO JUCA BANDEIRA, que, por via direta, fora supostamente beneficiado pela prática de abuso do poder econômico praticado por CARLOS ALBERTO QUEIROZ PEREIRA. Empossá-lo nessas circunstâncias seria o mesmo que permitir a posse de CARLOS ALBERTO, que continuaria a ser o prefeito virtual de Choró, o que constituiria além de desarrazoado, a permissão para que ambos se beneficiassem da própria torpeza.
Preserva-se aqui o princípio da unicidade ou indivisibilidade da chapa majoritária, nos termos do art. 91 do Código Eleitoral que aduz que“o registro de candidatos a presidente e vice-presidente, governador e vice-governador, ou prefeito e vice-prefeito, far-se-á sempre em chapa única e indivisível, ainda que resulte a indicação de aliança de partidos”. A sorte de um é a sorte do outro, tanto é que figuram nesse processo como litisconsortes necessário e unitário.
Assim sendo, acolho o pedido liminar do Ministério Público Eleitoral e suspendo a posse dos investigados CARLOS ALBERTO QUEIROZ PEREIRA e BRUNO JUCA BANDEIRA, candidatos eleitos e diplomados para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito Municipal de Choró nas eleições municipais de 2024, a ser realizada no dia 01 de janeiro de 2025. (...)" (D.O.)
Conforme destaca a referida decisão, não se pode admitir que indivíduos investigados por crimes tão graves, com mandados de prisão preventiva em aberto, venham a exercer funções de comando político-administrativo, subvertendo o ordenamento jurídico e aviltando os princípios que regem o Estado Democrático de Direito.
É certo que tais elementos não se reduzem a meros indícios frágeis ou ilações midiáticas, como sustentado pela defesa. Ao contrário, os documentos juntados aos autos — oriundos de procedimentos policiais e judiciais regularmente constituídos — foram produzidos sob controle jurisdicional, com respaldo em decisões fundamentadas, e foram devidamente submetidos ao crivo do contraditório nesta ação eleitoral. A análise conjunta das provas demonstra a existência de uma estrutura organizada voltada à captação ilícita de votos, com forte lastro em evidências materiais, e não em simples presunções ou notícias de redes sociais, como tenta fazer crer a tese defensiva.
A alegação de que o investigado não foi formalmente indiciado ou denunciado nos procedimentos criminais referidos não impede a valoração das provas ali colhidas, sobretudo porque a natureza da AIJE é autônoma e possui regime próprio de apuração. O fato de os processos criminais ainda estarem em curso não desqualifica os elementos de prova neles produzidos, tampouco impede sua utilização em juízo eleitoral, especialmente quando os documentos foram extraídos de maneira delimitada, pertinente e contextualizada, como se observa nos presentes autos.
Da mesma forma, não procede o argumento de que não haveria gravidade suficiente nas condutas imputadas para justificar a aplicação das sanções previstas na legislação eleitoral. A prova dos autos revela atuação reiterada, coordenada e regionalizada dos investigados, com uso de recursos vultosos e estrutura pública em favor da campanha, fatos que extrapolam irregularidades pontuais.
Por essas razões, impõe-se o reconhecimento da prática de captação ilícita de sufrágio e abuso do poder econômico, nos termos do art. 41-A da Lei n.º 9.504/1997 e do art. 22 da LC n.º 64/90, com a consequente procedência da presente ação.
III - DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação, para:
a) Ratificar, para todos os fins jurídicos e processuais, a decisão liminar anteriormente proferida por este juízo no ID 124517981, nos autos da AIJE nº 0600967-64.2024.6.06.0006, que suspendeu a diplomação dos investigados, considerando que os fundamentos ora reconhecidos e acolhidos na sentença confirmam a pertinência e a legalidade daquela medida cautelar.
b) Condenar os investigados CARLOS ALBERTO QUEIROZ PEREIRA e BRUNO JUCÁ BANDEIRA à sanção de inelegibilidade por 8 (oito) anos subsequentes às Eleições Municipais de 2024, nos termos do art. 22, inciso XIV, da Lei Complementar n.º 64/90, c/c o art. 14, § 9º, da Constituição Federal de 1988, em razão da prática de abuso do poder econômico em benefício de suas candidaturas;
c) Aplicar aos investigados, solidariamente, a multa prevista no § 4º do art. 73 da Lei n.º 9.504/97 e art. 20, II, da Res. TSE 23.735/2024, no valor de 50.000 (cinquenta mil) UFIRs, que, considerando a equivalência de R$ 1,0641 (um real, seis centavos e quarenta e um décimos de centavo) por unidade fiscal da SEFAZ/CE, totaliza o montante de R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil, duzentos e cinco reais), em razão do uso indevido de bens e serviços públicos com finalidade eleitoral;
d) Cassação dos diplomas expedidos em favor de CARLOS ALBERTO QUEIROZ PEREIRA e BRUNO JUCÁ BANDEIRA, eleitos para os cargos de prefeito e vice-prefeito do município de Choró/CE, com fulcro no art. 22, inciso XIV, da LC n.º 64/90, diante da gravidade das condutas apuradas nesta Ação de Investigação Judicial Eleitoral, que comprometeram a legitimidade do pleito de 2024;
e) Determinar a realização de novas eleições no município de Choró/CE, nos termos do Art. 224, caput e §3 º do Código Eleitoral (Lei n.º 4.737/65), diante da anulação dos votos dados à chapa eleita e da caracterização de prática abusiva por ambos os candidatos, o que impossibilita a manutenção do resultado eleitoral originário;
Para este fim, oficie-se à Presidência do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Ceará (TRE-CE) para conhecimento da presente sentença e para que proceda com os atos necessários para a realização de novas eleições na Cidade de Choró-CE.
Publique-se, Registre-se e Intimem-se as partes. Ciência ao Ministério Público Eleitoral.
Choró/CE, data e assinatura registradas eletronicamente.
WELITHON ALVES DE MESQUITA
Juiz Eleitoral da 6.ª Zona Eleitoral
Banabuiú - Choró - Ibaretama - Quixadá