JUSTIÇA ELEITORAL
069ª ZONA ELEITORAL DE AURORA CE
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (11527) Nº 0600134-51.2024.6.06.0069 / 069ª ZONA ELEITORAL DE AURORA CE
AUTOR: COLIGAÇÃO PRA CUIDAR DO NOSSO POVO
Advogados do(a) AUTOR: FILIPE MACEDO CRUZ TAVARES - CE48039, LUCIANO ALVES DANIEL - CE14941
REU: MARCONE TAVARES DE LUNA, GLORIA MARIA RAMOS TAVARES
Advogado do(a) REU: CICERO CARPEGIANO LEITE GONCALVES - CE17888
Advogado do(a) REU: CICERO CARPEGIANO LEITE GONCALVES - CE17888
SENTENÇA
I- RELATÓRIO.
Cuida-se de Ação de Investigação Judicial Eleitoral – AIJE - ajuizada pela “COLIGAÇÃO PRA CUIDAR DO NOSSO POVO”, em face de “MARCONE TAVARES DE LUNA” e “GLÓRIA MARIA RAMOS TAVARES”.
O Sr. Marcone Tavares de Luna foi reeleito para o cargo de prefeito, enquanto a Sra. Glória Maria Ramos Tavares foi eleita no pleito eleitoral de 2024.
Os fatos alegados pela parte autora na inicial incluem:
Uso de Maquinário Público para fins eleitorais:
Denúncia de que os investigados utilizaram máquinas e servidores públicos para a realização de obras particulares em propriedades privadas nos dias 13 e 14 de setembro de 2024, com o objetivo de angariar votos.
Relatórios do Ministério Público Eleitoral registram a realização de diligências in loco para apuração das denúncias.
Destaca-se a declaração do tratorista da Prefeitura que confirma a prestação de serviços em terrenos particulares.
Aumento Injustificado da Folha de Pagamento:
A parte autora aponta um crescimento significativo nos gastos com cargos comissionados, processos seletivos e contratações temporárias entre maio e setembro de 2024.
Os valores apresentados revelam discrepâncias em comparação com o ano anterior, sugerindo uso da máquina pública para favorecer a reeleição.
Concessão de Cargos Públicos em Troca de Votos:
Afirma-se que houve nomeações estratégicas com vínculo eleitoral, reforçadas por postagens em redes sociais de apoiadores que posteriormente foram contratados pela administração municipal.
Benefício de Aluguel Social com Finalidade Eleitoral:
A parte autora alega que houve um aumento no número de concessões de aluguel social no período eleitoral sem justificativa legal prévia, visando a captação ilícita de sufrágio.
Despacho inicial (ID 124445946).
Decisão requisitando documentos (ID 124468191).
Despacho agendando audiências (ID 124534212), realizadas nos dias 30/01/2025 e 03/02/2025 (Ids 124597649 e 124604393).
Finalizadas as oitivas, a parte autora e o Ministério Público solicitaram a requisição judicial de novos documentos ao Município de Aurora-CE.
A defesa objetou os pedidos de requisição de documentos da parte autora e do Ministério Público e não formulou pedidos probatórios (ID 124604393).
O Juízo deferiu a pretensão de solicitação documental (ID 124622983).
Apresentados os documentos, o Juízo solicitou manifestação complementar do Município (ID 124659129), apresentada nos autos.
As partes e o Ministério Público apresentaram alegações derradeiras no prazo de dois dias, conforme prevê o artigo 22, inciso X, da LC 64/90 (Ids 124690224, 124690271 e 124710673).
É o relatório.
Processo em mesa para julgamento.
Julgo.
II- FUNDAMENTAÇÃO.
Não havendo preliminares pendentes de análise, uma vez que a única suscitada na contestação, relativa à suposta justa causa, confunde-se com o mérito e será examinada nessa perspectiva, passo à análise do mérito.
2.1. DO QUE FOI PRODUZIDO:
2.1.1- QUESTÃO CENTRAL:
Os Réus praticaram abuso de poder político e/ou econômico, em violação à legislação eleitoral (art. 22 da LC 64/90), na eleição majoritária de Aurora-CE ocorrida em 2024?
2.1.2- PONTOS CONTROVERTIDOS:
2.1. 3- ARGUMENTOS E PROVAS DA PARTE AUTORA:
2.1.4- ARGUMENTOS E PROVAS DA PARTE RÉ:
2.1.5- DAS PROVAS TESTEMUNHAIS OUVIDAS EM JUÍZO:
Cícero Passos Rangel, DECLARANTE, operador de máquinas, INFORMOU que trabalha para o município de Aurora desde 2019, na Secretaria de Infraestrutura e Obras. Informou que, durante o período eleitoral, realizou serviços em propriedades particulares a mando do secretário Alex, utilizando máquinas públicas.
Afirmou que executou um aterro na propriedade de um homem conhecido como Chicão, no Espinheiro, e que o secretário justificou os serviços como forma de angariar votos. Declarou que foi chamado para realizar outros serviços semelhantes, como limpeza de açudes e abertura de estradas, todos em benefício de apoiadores políticos.
Relatou que, após se recusar a realizar alguns serviços, sofreu retaliações, como o corte de gratificações e afastamento das funções. Mencionou que outros operadores, como Rafael e Leonardo, também participaram dessas atividades e que, em algumas ocasiões, foi convocado fora do expediente para realizar os serviços.
O depoente afirmou que foi procurado por Chico Neto, ligado ao secretário Alex, que pediu seu silêncio em relação aos serviços irregulares. Informou ainda que um mecânico do município desmontou peças de uma máquina leiloada para repassá-las a terceiros em troca de apoio político ao prefeito.
Por fim, declarou que procurou o Ministério Público para denunciar os fatos, levando à instauração de um procedimento investigatório, que foi arquivado. Reafirmou a veracidade de todas as informações prestadas em sua escritura pública declaratória, confirmando que os serviços realizados durante o período eleitoral tinham como objetivo beneficiar politicamente a gestão municipal em troca de votos.
Luisa Ferreira Fernandes França, testemunha, faxineira, declarou que reside no bairro Bela Vista e que sua renda provém do programa Bolsa Família, estando cadastrada no Cadastro Único. Informou que já recebeu um aluguel social da Prefeitura de Aurora por três meses, de agosto a outubro, após solicitar o benefício em julho no CRAS devido à sua gravidez e falta de condições para trabalhar.
Inicialmente informada de que não havia vagas, teve o pedido atendido após mencionar ser filha de Netão. Afirmou que a funcionária do CRAS não fez perguntas sobre em quem votava e que recebeu uma visita para verificar suas condições de moradia. Declarou que o benefício foi interrompido após três meses e que só poderá solicitar novamente após seis meses, em abril do ano seguinte.
A depoente soube do processo por meio de uma ligação do advogado Luciano, que a informou sobre a existência de onze audiências e perguntou se poderia comparecer, o que ela confirmou. A ligação ocorreu no dia anterior à audiência. Não houve mais perguntas por parte do Ministério Público ou das demais partes.
Rafael Teles Gomes, testemunha, operador de máquinas, declarou que mora na rua José. Ele afirmou que trabalha como operador de máquinas, mais especificamente com moto niveladora e patrola, no município de Aurora desde 2021. Rafael disse que, no caso específico de Genival, ele fez um serviço em estrada pública, que já existia e que era realizada periodicamente pela prefeitura. Segundo o depoente, a máquina quebrou durante o trabalho e ficou parada em frente à casa de alguém, embora ele não se lembrasse de quem.
Rafael explicou que, quando a máquina quebrou, ela ficou estacionada até ser consertada. Ele confirmou que nunca fez serviço em propriedade privada, mesmo durante o período eleitoral, quando o prefeito ou algum secretário lhe pediram para realizar trabalho. Ele também disse que todo o serviço prestado é sempre em vias públicas e que não recebeu gratificação extra ou pagamento por serviços realizados em locais privados.
Sobre as gratificações, o depoente afirmou que o pagamento de gratificação era feito por horas trabalhadas e que o valor de 100 BRL era pago pela prefeitura conforme as horas extras realizadas. No entanto, Rafael esclareceu que o valor da gratificação não mudou, mesmo que ele tivesse trabalhado mais horas. Ele também afirmou que, no período de setembro e outubro de 2024, não houve aumento no número de trabalhos realizados, e que o serviço continuou sendo o mesmo.
Rafael revelou ainda que, em sua função, recebeu uma gratificação de 500 BRL, mas que essa quantia foi suspensa a partir do início do segundo mandato do prefeito Marcone, em 2025. Quando questionado sobre a prática de repassar dinheiro para outros trabalhadores, ele admitiu que, em algumas ocasiões, foi solicitado pelo secretário Alex para repassar 400 BRL a um ajudante, chamado Geraldo Piquet, por conta de serviços prestados. Rafael disse que o pagamento foi feito conforme a orientação do secretário, mas não soube explicar a razão dessa gratificação extra.
Em relação às máquinas, Rafael confirmou que a prefeitura possui várias máquinas, incluindo patrolas e retroescavadeiras, mas que, de vez em quando, algumas ficam paradas por falhas mecânicas, o que atrasa o trabalho. Ele acrescentou que não tem conhecimento sobre a locação de máquinas e que os serviços são executados conforme as ordens recebidas da Secretaria de Infraestrutura, sem um plano de trabalho específico.
Rafael finalizou seu depoimento afirmando que, até o momento, não recebeu nenhum tipo de gratificação adicional ou aumento salarial em relação ao trabalho realizado no município de Aurora.
Selma Silva Oliveira, responsável pelo setor de recursos humanos da Prefeitura Municipal de Aurora, declarou que trabalha no município desde 2009, desempenhando a função de digitalizar contratos e realizar o cadastramento de servidores, com a responsabilidade de organizar as informações de cargos e funções. A depoente afirmou que os contratos são elaborados a partir de solicitações formais enviadas pela procuradoria, que inclui a justificativa para as contratações, como substituição de servidores afastados por motivos como licença maternidade ou doença. Ela detalhou que os contratos temporários são feitos através de um processo seletivo, com exceção dos cuidadores de crianças com necessidades especiais, cujas contratações são determinadas por uma lei específica do Ministério Público.
Em relação ao processo seletivo de 2023, a depoente explicou que algumas vagas não foram preenchidas, pois, apesar de os candidatos aprovados serem chamados, nem todos aceitaram as posições oferecidas. Ela também mencionou que as informações sobre as contratações e os contratos são disponibilizadas no portal da transparência e enviadas ao Tribunal de Contas, garantindo que as informações sejam verídicas. Sobre o aumento da folha de pagamento entre 2023 e 2024, a depoente afirmou que o aumento se deve ao fato de que, no início de 2024, foram feitas demissões, reduzindo o número de servidores temporários, mas que com o início das aulas e o período letivo, novos contratos, como para professores e motoristas, seriam firmados, o que aumentaria a folha de pagamento.
Em seguida, o advogado da parte autora questionou sobre o processo seletivo de 2023, a contratação de pessoas em 2024 e as variações nos gastos com a folha de pagamento, sendo que a depoente explicou os detalhes de como os contratos são realizados, bem como a justificativa necessária para cada contratação. Ela afirmou que, em 2024, com o retorno das aulas e novas contratações, o impacto financeiro seria mais evidente, com gastos com quilometragem e horas extras.
Selma Silva Oliveira, responsável pelo setor de recursos humanos da Prefeitura Municipal de Aurora, declarou que não sabe informar exatamente quando ele foi contratado, mas acredita que tenha sido em julho, confirmando também que ele é apoiador do prefeito Marcondes. A depoente afirmou que, durante o período de setembro a outubro de 2024, não houve concessão de gratificações ou aumento de remuneração para servidores municipais. Ela explicou que, para incluir horas extras ou gratificações, o secretário deve fazer um pedido formal, geralmente por meio de ofício.
A depoente esclareceu que os médicos da prefeitura trabalham por procedimentos, ou seja, são remunerados conforme o número de pacientes atendidos. Ela mencionou que não houve aumento de gratificação ou contratação de médicos ou outros servidores durante o período eleitoral, especialmente de julho a outubro de 2024. Ela confirmou que, antes de junho de 2024, o doutor Carlos prestava serviços na policlínica, mas não recebeu vantagens ou realizou atendimentos esporádicos nesse período.
Sobre a contratação de médicos, Selma explicou que as contratações eram baseadas em uma lei específica, e os médicos especialistas não passaram por seleção. Ela afirmou que não houve seleção para essas vagas e que a contratação do doutor Carlos, por exemplo, foi feita dentro dos parâmetros da lei, sem seleção prévia.
Em relação à folha de pagamento, a depoente mencionou que não tem acesso aos valores exatos, mas que sua função era alimentar o sistema com as informações relacionadas a férias, afastamentos e inclusão de servidores. Ela também destacou que, em julho e agosto de 2024, a carga de trabalho foi menor em comparação com os meses anteriores, devido à redução no número de contratações.
Sobre possíveis cortes de gratificações, Selma confirmou que houve um corte de cerca de R$400,00 em novembro de 2024, mas que os valores foram regularizados posteriormente, com a gratificação sendo restabelecida nos meses seguintes.
Ela também afirmou que, após as eleições, não houve dispensa de servidores nem aumento de remuneração por horas extras, esclarecendo que, durante o período eleitoral, as contratações foram feitas conforme a necessidade, sem elevação de custos.
Ao final, a depoente explicou que a folha de pagamento de janeiro ainda estava sendo confeccionada devido a problemas no sistema e que a previsão é que os pagamentos fossem regularizados até o dia 1º de fevereiro.
“Aleudo do Alves Coelho, testemunha, enfermeiro, declarou que ocupa o cargo de diretor administrativo da Policlínica de Aurora desde setembro de 2021. Informou que a contratação de médicos na unidade é feita com base em uma lei municipal de 2021, permitindo admissão direta conforme necessidade. Afirmou que solicitou a contratação do médico Carlos Macedo em julho de 2024, justificando a alta demanda por atendimento. Declarou que indicou o nome de Carlos Macedo ao Secretário de Saúde, que aprovou a contratação.
A depoente confirmou que o pagamento dos médicos é feito por procedimento, com valores fixos estabelecidos na legislação municipal. Informou que a produtividade dos profissionais é atestada por ela e enviada ao Secretário de Saúde e ao setor de Recursos Humanos do município. Declarou que Carlos Macedo realiza atendimentos aos sábados, recebendo aproximadamente R$ 12.000,00 mensais.
Questionado sobre possíveis influências políticas na contratação, negou ter recebido qualquer pedido de indicação do prefeito ou do Secretário de Saúde. Informou que a indicação foi baseada na necessidade dos serviços e não em critérios políticos. Declarou que, até novembro de 2024, apenas três profissionais foram contratados: Carlos Macedo, Arnaldo França Mendes e um neuropediatra, este último via processo licitatório.
A depoente também afirmou que a folha de pagamento dos médicos na Policlínica gira em torno de R$ 100.000,00 mensais e que os contratos diretos são firmados apenas para médicos. Confirmou que a Policlínica possui aproximadamente 50 profissionais, sendo 20 concursados, enquanto o restante é contratado por seleção pública ou contratação direta.
Por fim, reiterou que, embora tenha encaminhado ofícios solicitando a contratação de profissionais, a decisão final cabe ao Secretário de Saúde e ao gestor municipal. Negou qualquer relação entre as contratações e interesses eleitorais”.
Chiara Sidney Ricarte da Silva, testemunha, cabeleireira e maquiadora, declarou que foi contratada pelo município no meio do ano passado e que atualmente aguarda nova convocação. A depoente afirmou que foi contratada no final de junho de 2024 e que havia participado de um processo seletivo no ano de 2023 para a função de auxiliar de serviços gerais. Declarou que sua classificação inicial foi em sétimo lugar, mas que, após critérios de desempate, sua posição passou a ser a 36ª.
A depoente afirmou que foi contratada para trabalhar na escola Antônio Amâncio, exercendo atividades de limpeza e auxiliando no lanche escolar. Informou que, apesar das férias em julho, continuou indo à escola, pois foi chamada pela diretora. Durante esse período, realizou limpeza de salas e cumpriu horário. Explicou que sua convocação ocorreu porque uma funcionária precisou ser remanejada para outro distrito, havendo necessidade de substituição.
A depoente afirmou que seu salário era de aproximadamente R$ 1.300,00, já considerando descontos. Negou ter sido procurada por qualquer pessoa do município antes da contratação para oferecer promessas em troca de apoio político. Relatou que, antes mesmo da contratação, seu avô pediu que apoiasse o candidato Marcondes, que ele próprio já seguia. A depoente disse que seu avô era eleitor do prefeito e que, como chefe da família, pediu que todos o acompanhassem politicamente.
Declarou que foi convocada por meio do site da prefeitura e soube da convocação por meio de amigos que também participaram do processo seletivo. A depoente afirmou que, ao ser chamada, dirigiu-se à prefeitura para entregar sua documentação no setor pessoal, vinculando-se à Secretaria de Educação. Disse que assinou o contrato pessoalmente, mas não se recorda se havia assinatura do prefeito ou de outro responsável.
A depoente confirmou que começou a trabalhar em 1º de julho e recebeu salário referente a esse mês. Afirmou que, apesar de não haver aulas no período, as escolas continuavam necessitando de limpeza. Confirmou que tirou uma fotografia com o candidato Marcondes na última semana antes da eleição e que já estava trabalhando na época. Disse que a decisão de apoiar o prefeito foi espontânea e que ninguém lhe prometeu nada em troca do apoio. Afirmou que sua assinatura de ponto era diária e que cumpria expediente de segunda a sexta-feira, das 8h às 16h, com intervalo para almoço.
A depoente afirmou que trabalhou de julho a dezembro de 2024 e recebeu seu último salário no início de janeiro de 2025. Informou que não trabalhou nem recebeu pagamento no mês de janeiro e aguarda nova convocação. Negou ter prestado serviços na cidade de Juazeiro durante esse período. Confirmou que assinava seu ponto regularmente e que seu horário de trabalho era devidamente cumprido. Ao final, foi dispensada pela autoridade presente na audiência.
Maria Edilene dos Santos Leite, testemunha, assistente social, declarou que exerce suas funções no município de Aurora como assistente social do CRAS, cumprindo carga horária de 20 horas, e também como agente social do programa Mais Infância Ceará, vinculado ao Estado. A depoente explicou que suas atribuições incluem atendimentos individualizados, visitas domiciliares, acompanhamento em grupo e a concessão de benefícios eventuais, como aluguel social e cestas básicas, para famílias em situação de vulnerabilidade.
A depoente esclareceu que o procedimento de concessão do aluguel social se inicia com a demanda espontânea do usuário ou por meio de encaminhamentos de órgãos públicos. Durante o atendimento, é realizada uma escuta qualificada para avaliar a necessidade do benefício. Caso necessário, é feita uma visita domiciliar para analisar a realidade da família e verificar se esta se enquadra nos critérios estabelecidos pela legislação municipal. Com base nesse estudo social, a depoente elabora um relatório que é encaminhado à Secretaria de Trabalho e Desenvolvimento Social, onde o requerimento é formalizado e assinado pela família antes da concessão do benefício.
A depoente afirmou que o parecer social é uma condição essencial para a concessão do aluguel social, pois sem esse documento, a Secretaria não pode deferir o benefício. Informou que o limite mensal de concessão do aluguel social no município de Aurora era de 30 benefícios e foi ampliado para 50, possivelmente no final de 2023, por meio de uma alteração legislativa. A depoente destacou que o aumento desse limite foi solicitado durante conferências de assistência social devido à alta demanda no município.
A depoente declarou que realizou atendimento a uma usuária identificada como Aliny, que solicitou o aluguel social por demanda espontânea em julho de 2024. A usuária relatou dificuldades financeiras para pagar o aluguel e sustentar sua gestação. A depoente explicou os critérios do benefício, realizou a visita domiciliar e, constatando a situação de vulnerabilidade, elaborou um parecer favorável. A solicitação foi encaminhada à Secretaria e deferida dentro do período eleitoral, em agosto de 2024.
A depoente afirmou que, durante o período eleitoral, não recebeu pedidos de candidatos para conceder relatórios sociais falsificados a fim de beneficiar alguém. Ressaltou que é uma profissional ética e apartidária, não aceitando interferências políticas no seu trabalho. A depoente também negou ter participado de reuniões com superiores onde tenha sido orientada a aumentar a produtividade ou expandir a cobertura de assistência social durante o período eleitoral.
Sobre o critério de concessão do benefício, a depoente explicou que este é baseado na renda familiar e nas condições socioeconômicas verificadas durante o estudo social. Afirmou que as informações são auto declaradas pelos beneficiários e que não é feita uma investigação formal sobre posse de bens. Disse que, ao constatar vulnerabilidade, encaminha o pedido para a Secretaria. No caso de atingimento do limite de 50 benefícios mensais, os usuários são orientados a retornar no mês seguinte, caso permaneçam em situação de necessidade.
A depoente informou que a distribuição dos benefícios é feita conforme a ordem de chegada das solicitações e que não há uma seleção discricionária por parte da assistência social. Explicou que, caso a demanda ultrapasse o limite mensal, é possível que benefícios sejam concedidos no mês seguinte, desde que os critérios continuem sendo atendidos. Informou que, em situações emergenciais, pode haver exceção ao limite mensal para atender casos graves.
A depoente relatou que deixou de exercer suas funções no município a partir de janeiro de 2025, pois ainda não havia sido convocada para continuar suas atividades. Declarou que sua remuneração era de aproximadamente R$ 1.680,00 por 20 horas semanais e que não recebia gratificação ou horas extras. Por fim, afirmou que a acumulação do aluguel social com outros benefícios é possível apenas em casos excepcionais, como situação de rua ou calamidade pública.
Karina Greyce Leite Santos, testemunha, pedagoga, declarou que trabalha no município de Aurora como coordenadora do CRAS. A depoente afirmou que sua função inclui a gestão de benefícios eventuais, entre eles o aluguel social. Explicou que a concessão desse benefício ocorre por meio de demanda espontânea, quando o usuário procura o CRAS para atendimento técnico com a assistente social, ou por meio de encaminhamentos de outros setores, como a saúde. A depoente relatou que o CRAS atende cerca de 3.500 famílias cadastradas, sendo responsável por avaliar a vulnerabilidade social dos usuários e encaminhá-los para os benefícios apropriados.
A depoente esclareceu que, após o atendimento inicial, a assistente social realiza visita domiciliar para confirmar as condições relatadas e identificar outras vulnerabilidades. Destacou que algumas famílias podem ser inseridas em outros programas sociais, como serviços de convivência para crianças fora da escola. Informou que a concessão do benefício depende da existência de vagas, e que há um limite mensal de 50 vagas para o aluguel social, número vigente desde março de 2023, quando um decreto ampliou o limite anterior de 30 vagas.
A depoente mencionou que a demanda pelo benefício é alta e que, mesmo com o aumento do número de vagas, ainda há famílias que não conseguem acesso imediato. Explicou que a assistente social responsável pelo caso acompanha a situação da família e pode encaixar novos beneficiários conforme surgirem vagas. A depoente afirmou que o controle das vagas é feito pela Secretaria de Assistência Social, que mantém um sistema para gerenciar a rotatividade dos beneficiários.
A depoente relatou que trabalha na assistência social desde 2009 e acompanhou o aumento do número de vagas do aluguel social. Informou que, inicialmente, eram concedidas 30 vagas e que esse número permaneceu inalterado até 2023, quando foi ampliado para 50. A depoente declarou que sempre houve necessidade de ampliação do benefício e que a demanda cresceu ao longo dos anos. Ressaltou que a decisão de aumentar as vagas depende do gestor municipal e que, na gestão atual, a ampliação foi realizada após reuniões e encaminhamentos da equipe técnica sobre a necessidade do aumento.
A depoente afirmou que a concessão do benefício segue critérios estabelecidos por lei, incluindo a análise da renda familiar, que deve ser de até um quarto do salário-mínimo, e a ausência de moradia própria. Afirmou que os dados dos solicitantes são analisados com base em declarações e visitas.
2.2- DA AVALIAÇÃO JURÍDICA DAS PROVAS E DAS CONSEQUÊNCIAS SUBJACENTES.
2.2.1- Há provas robustas de que os investigados utilizaram maquinário público em propriedades privadas para fins eleitorais?
Não há prova robusta de que os Réus utilizaram maquinário público em propriedades privadas para fins eleitorais.
Aqui, há fragmentos probatórios, oriundos das declarações, em cartório e em juízo, do operador de máquinas CÍCERO PASSOS RANGEL, que teria efetuado serviços em propriedade particular, de uma pessoa identificada com a alcunha de Chicão.
Embora nenhum depoente apresente, em seu relato individual, uma mudança expressiva de narrativa, há nuances que podem sugerir variações na ênfase de informações. Por exemplo, os relatos de operadores de máquinas (Cícero e Rafael) apresentam relatos contraditórios sobre a realização de serviços em propriedades privadas, o que pode refletir alterações de versão conforme o contexto interrogatório.
Cícero afirma ter realizado serviços em propriedades particulares (aterro, limpeza e abertura de estradas) a mando de orientações políticas, enquanto Rafael nega categoricamente qualquer atuação em propriedade privada, limitando sua atividade a obras em vias públicas.
Dessa forma, a divergência acarreta dúvida sobre a extensão e a natureza dos serviços realizados durante o período eleitoral, podendo impactar a interpretação de práticas de clientelismo e abuso de poder.
Fora esse elemento indiciário, inexistem outros fundamentos que comprovem a prática ilícita denunciada, ressaltando-se, a rigor, que o Ministério Público realizou o devido acompanhamento da questão no bojo do PP nº 06.2024.00001956-8, instaurado para apurar a realização de serviços de terraplanagem por políticos e candidatos locais em troca de apoio político e votos, e não constatou a ilicitude.
Assim, não há provas robustas de que os acionados utilizaram maquinário público em propriedades privadas para fins eleitorais.
2.2.2- O aumento no programa de aluguel social teve finalidade eleitoral?
A parte autora alega que, no período eleitoral, houve um aumento no número de concessões do aluguel social sem justificativa legal prévia, com a finalidade de captação ilícita de sufrágio.
Não há, nos autos, comprovação de que houve aumento substancial no programa de aluguel social com finalidade eleitoral. O benefício social, regulado pelo Decreto nº 300301/2023, foi concedido conforme as provas produzidas nos autos, com base em critérios de disponibilidade orçamentária, previsão de receita e aprovação dos órgãos competentes.
Além disso, a concessão foi feita a partir da análise fática da necessidade dos beneficiários, conforme depoimentos das testemunhas Karyna Greyce Leite Santos e Sra. Maria Edilene dos Santos Leite.
2.2.3- Houve concessão indevida de cargos públicos e aumento injustificado da folha de pagamento com o objetivo de favorecer a candidatura dos investigados, caracterizando captação ilícita de sufrágio?
a) Da concessão de cargos públicos.
A parte autora alega que houve a concessão indevida de cargos públicos, bem como um aumento injustificado da folha de pagamento, com o propósito de beneficiar as candidaturas de Marcone Tavares de Luna e Glória Maria Ramos Tavares, configurando a hipótese, em tese, abuso de poder econômico e de autoridade, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/90.
Os investigados contestaram essa alegação pelos fundamentos outrora lançados.
O Ministério Público reconhece a ocorrência de contratações e do aumento da folha de pagamento, mas sustenta que não há comprovação de que tais medidas tiveram finalidade eleitoral.
Para a análise do mérito jurídico das imputações, é essencial avaliar, de forma objetiva: (i) o número de pessoas contratadas pelo Município de Aurora-CE; (ii) o período dessas contratações; (iii) o impacto no aumento da folha de pagamento; (iv) a existência de justificativa plausível para tais contratações; e (v) se tais fatos influenciaram de maneira significativa o pleito municipal majoritário de 2024.
Conforme os dados constantes no ID 124652286 (pág. 6), em julho de 2023, o Município de Aurora-CE empregava 1.047 servidores, enquanto, em julho de 2024, esse número subiu para 1.326 servidores. Assim, houve um acréscimo de 279 contratações no período analisado.
Para determinar de forma objetiva se houve abuso de poder econômico e de autoridade, é essencial calcular a média aritmética do número de servidores contratados nos últimos seis meses de 2023 e nos primeiros seis meses de 2024. Esse cálculo permite estabelecer um padrão comparativo. A partir disso, obtêm-se os seguintes resultados:
a) Nos seis últimos meses de 2023, o Município de Aurora-CE possuía uma média de 1.198 servidores contratados;
b) Nos seis primeiros meses de 2024, a média subiu para 1.267 servidores contratados.
A diferença entre as médias ponderadas dos períodos analisados foi de 70 servidores.
A justificativa apresentada pela Procuradoria-Geral do Município (PGM) para esse aumento inclui: (i) o encerramento de contratos temporários, principalmente na área da educação; (ii) a implementação do ensino integral para o 8º ano; e (iii) a inauguração de um novo Centro de Educação Infantil (ID 124652286).
Apesar do aumento médio de 70 servidores nos primeiros seis meses de 2024, em comparação com o semestre anterior, ter ocorrido por meio de contratações precárias (sem concurso público) — o que pode levar a medidas do Ministério Público diante de possível violação aos princípios da legalidade, impessoalidade e do concurso público (art. 37, caput e inciso II, da Constituição Federal) — esse fato, por si só, não comprova a concessão indevida de cargos públicos nem impacto na lisura da disputa eleitoral.
Dessa forma, torna-se imprescindível associar essa análise ao possível aumento exacerbado da folha de pagamento, especialmente em comparação com exercícios financeiros anteriores, bem como avaliar o modus operandi da conduta.
b) do aumento injustificado da folha de pagamento
Ao se comparar a folha de pagamento dos anos de 2023 e 2024, desconsiderando os encargos sociais classificados na RGF como 'Obrigações Patronais' – por se tratarem de despesas compulsórias –, observam-se os seguintes valores de gastos pelo Município de Aurora-CE: i) em 2023, o gasto líquido totalizou R$ 36.147.360,49 (ID 124668894, pág. 1); ii) em 2024, esse valor aumentou para R$ 41.141.462,23 (ID 124668895, pág. 1).
Por outro lado, as obrigações patronais apresentaram redução de R$ 4.087.916,17 no período, passando de R$ 7.830.590,58 em 2023 para R$ 3.742.674,41 em 2024, em razão da mudança promovida na legislação previdenciária (art. 22, § 17, I, da Lei nª 8.212/91, com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 14.973, de 2024).
Dessa forma, a variação líquida das despesas com pessoal entre os dois anos oriunda da conduta do administrador municipal (Marcone Tavares), já descontado o valor correspondente às "obrigações patronais", foi de R$ 4.994.101,74, representando um aumento de aproximadamente 13,82% no gasto líquido com pessoal de 2023 para 2024.
Essa constatação contradiz de forma evidente as alegações dos acionados (Ids 124690224, págs. 24 e seguintes), uma vez que a metodologia adotada pela defesa para justificar os números apresentados desconsidera a lógica cartesiana e o princípio da causalidade.
Isso ocorre porque a defesa incluiu as contribuições patronais do INSS nos gastos com pessoal dos anos de 2023 e 2024, sem considerar um dado fundamental: em 2023, o Município desembolsou R$ 7.830.590,58 em obrigações patronais, enquanto em 2024 esse valor foi reduzido para R$ 3.742.674,41 devido a mudanças na legislação previdenciária.
Contrariando a lógica, a defesa dos Réus considerou a redução das despesas ocorrida em 2024 como um "bônus" para justificar o aumento de quase R$ 5.000.000,00 nos gastos desse ano em comparação a 2023.
Dessa forma, a defesa fez uso seletivo da verdade, distorcendo a realidade ao destacar apenas os aspectos que lhe eram favoráveis.
c) das contratações ilegais, das contratações e exonerações sucessivas, e do aumento do gasto com pessoal.
Ao se realizar uma análise comparativa entre as contratações irregulares e o aumento das despesas com pessoal, verifica-se uma elevação substancial no Município de Aurora-CE. Esse crescimento não se limitou ao número de contratações precárias, sem concurso público, mas também refletiu no aumento dos gastos com pessoal, que atingiram R$ 4.994.101,74.
As contratações, conforme os registros de ID 124653882 a 124653924, ocorreram em diversas secretarias, incluindo as pastas da Educação, Saúde, Fortalecimento de Vínculo, Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano, entre outras.
Ao mesmo tempo, os cargos oferecidos para tais eram variados, abrangendo funções como orientador social, vigia, enfermeiro, motorista escolar, motorista categoria "D", auxiliar de serviços gerais, facilitador de oficinas, entre outros.
Os contratos para a contratação de pessoal sob o regime temporário (IDs 124653882 a 124653924) eram excessivamente genéricos, assinados de forma sucessiva ao longo de diversos meses pelo então candidato à reeleição Marcone Tavares.
Só de contratados, são mais de 2200 páginas (IDs 124653882 a 124653924), frisando, porém, algumas repetições oriundas de erros de juntada pela administração municipal.
Além disso, os períodos de vigência eram curtos e fragmentados, variando entre 1, 3, 4 e 5 meses.
A título de exemplo, o vigia Josuel Mario da Silva foi contratado para prestar serviços no PSF São Benedito no período de 08/01/2024 a 30/04/2024 (ID 124653499 - Pág. 1).
Da mesma forma, o Sr. José Robismario Barbosa Cabral foi contratado para atuar como agente de endemias, cargo que exige, inequivocamente, a realização de concurso público. Inicialmente, seu contrato teve duração inferior a 30 dias (de 02 de maio de 2024 a 31 de maio de 2024) (ID 124653499 - Pág. 3). Posteriormente, seu vínculo foi renovado por mais duas vezes: a primeira, de 03 de junho de 2024 a 30 de junho de 2024 (ID 124653503), e a segunda, de 01 de julho de 2024 a 30 de setembro de 2024 (ID 124653518).
Às vésperas do período vedado, o Sr. Prefeito também realizou novas contratações, como a de Joana Jussara da Silva Cruz, admitida como educadora física para atuar na Secretaria de Saúde (Núcleo de Apoio à Saúde da Família). Seu contrato teve vigência de 05/07/2024 a 31/12/2024 (ID 124653513).
O mesmo padrão de contratações às vésperas do período vedado, em inúmeros períodos fragmentados, se repetiu com diversas outras pessoas, incluindo:
Essas contratações foram realizadas em um período crítico (ano eleitoral), reforçando o padrão de admissões temporárias sucessivas sem a devida realização de concurso público ou justificativa para a excepcionalidade.
As pessoas acima são apenas algumas daquelas contratadas e demitidas sucessivamente no ano de 2024 (referência: ID 124653882 até 124653924), representando menos de 15 % das mais de 2.200 páginas de contratos.
O modus operandi espúrio do Réu Marcone Tavares consistiu na repetida contratação e demissão de pessoas em caráter precário, na quase totalidade dos casos sem justificativa factual, amparando-se apenas na alegação de “excepcional interesse público”.
Uma análise pragmática e consequencialista revela que a administração municipal de Aurora-CE, presentado diretamente pelo Sr. Marcone Tavares, ao realizar sucessivas admissões e desligamentos das mesmas pessoas ao longo de 2024 — muitas vezes em contratos de um mês, depois três meses, seguidos de seis meses — criou um vínculo de dependência, tanto factual quanto psicológico, entre os contratados e o gestor, natural candidato à reeleição.
Essa instabilidade funcional reforçou uma profunda insegurança dos servidores, tornando a continuidade de seus vínculos empregatícios sujeita exclusivamente à vontade do administrador Marcone Tavares, que, à época, era natural candidato à reeleição, e foi eleito.
Não se trata de apenas 10, 20 ou 30 pessoas, mas de centenas, todas contratadas de forma precária, com vínculos instáveis e sujeitas às determinações exclusivas do gestor, que, à época, era candidato à reeleição.
A lista juntada aos Ids ID 124653882 até 124653924 contempla centenas de nomes.
Além dessas contratações e recontratações em um curto período durante o ano eleitoral, nos primeiros seis meses de 2024 foram adicionados mais 70 servidores, em comparação com os seis últimos meses de 2023, todos em vínculos precários, para diversas funções.
A maioria foi destinada a atividades rotineiras e prosaicas, como orientador social, vigia, enfermeiro, motorista escolar, motorista categoria “B” e “D”, auxiliar de serviços gerais, facilitador de oficiais, entre outros.
Como se não bastassem as ilegalidades acima, que ora reputo graves, houve aumento significativo do gasto de pessoal, não apenas em relação às contratações e demissões referenciadas, como também porque houve pagamento de uma variada gama de dinheiro, em período eleitoral, sem causa material subjacente.
Restou comprovado que a administração gastou mais em 2024, liquidamente, o valor de R$ 4.994.101,74, representando um aumento de aproximadamente 13,82% no gasto líquido de 2023 para 2024.
Diferentemente do entendimento do Ministério Público, a contratação de um número considerável de pessoas pouco antes do período vedado e em ano eleitoral (resultando em um saldo de 70 contratações), somadas à contratação e exoneração sucessivas de servidores sem concurso em ano eleitoral e ao aumento vertiginoso da folha de pessoal em R$ 4.994.101,74, ostentam importância e gravidade suficientes para desequilibrar as forças eleitorais em contraste, especialmente considerando a pequena margem de votos entre o primeiro e o segundo colocado, de apenas 983 votos (diferença percentual de 5,9%), em um município com eleitorado de 20.512 pessoas [1]-[2].
Nesse contexto, cada nova contratação ou inclusão de servidores na condição de 'volantes' (contratados e posteriormente exonerados) representa, em média, a influência sobre pelo menos um eleitor. Essa estimativa baseia-se na taxa de 2,81 moradores por residência em Aurora-CE, conforme o último censo[3], considerando que nem todos os residentes são eleitores – como crianças, idosos não votantes e pessoas cujo domicílio eleitoral está em outra localidade.
O fato de as contratações adicionais – que considero ilegais – não terem ocorrido dentro do período vedado não reduz sua relevância eleitoral. Isso se evidencia, sobretudo, pela manutenção desses contratos durante o período eleitoral, pelo modus operandi de sucessivas contratações e recontratações da mesma pessoa, além do expressivo aumento no número de contratados e do acréscimo de R$ 4.994.101,74 na folha de pessoal.
Aqui, há uma sutileza que merece atenção: a legislação eleitoral não diferencia a contratação realizada durante o período vedado da manutenção de contratações anteriores com finalidade eleitoral. E foi exatamente isso que ocorreu: diversas pessoas foram sucessivamente contratadas e exoneradas, para além de um saldo positivo, em grau comparativo, de 70 contratados em ano eleitoral, com a manutenção de seus respectivos vínculos.
Conhecendo de perto a realidade aurorense e formando a convicção a partir da livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios, presunções e das provas produzidas, bem como considerando as circunstâncias e o interesse público na lisura eleitoral (art. 23 da LC 64/90), seria ingênuo afirmar que toda essa sequência de eventos é mera coincidência e desprovida de relevância e gravidade eleitoral.
Ao contrário disso, as autoridades públicas, incluindo o Ministério Público Eleitoral, não apenas podem, mas têm o dever de estar atentas a essas manobras de gestores que, sob o pretexto de legalidade, utilizam processos seletivos como artifício para justificar contratações ilegais e precárias em período e com impacto eleitoral relevante, sem comprovação real de necessidade ou fundamentação adequada.
Ademais, o expressivo aumento dos gastos, que, se diluído ao longo do ano, representaria um acréscimo mensal líquido de R$ 416.175,14 na folha de pessoal, evidencia ainda mais a gravidade da situação.
Dividindo o valor acima pelo salário-mínimo vigente à época, o impacto eleitoral mensal corresponderia ao equivalente a 295 contratações.
O aumento dos gastos com pessoal ultrapassou significativamente a inflação de 2023, que foi de 4,62%[4], e excedeu os princípios de razoabilidade e proporcionalidade na aplicação dos recursos públicos.
A caso evidencia uma hipótese de patrimonialismo e coronelismo modernos, conceitos abordados há muito por Victor Nunes Leal, em Coronelismo, Enxada e Voto[5], e por Sérgio Buarque, em Raízes do Brasil[6].
Esse fenômeno pode ser associado ao uso indevido de recursos públicos para custear despesas com pessoal na administração, especialmente quando a máquina estatal é instrumentalizada para garantir apoio eleitoral e consolidar grupos no poder.
Essa dinâmica pode se manifestar nos dias atuais através de contratações excessivas ou irregulares de servidores, pagamento indevido de gratificações ou nomeações sem critérios técnicos, feitas não para atender ao interesse da administração, mas para consolidar redes de apoio político. Assim como no coronelismo clássico, essas práticas criam um vínculo de dependência entre funcionários públicos e gestores, influenciando eleições e perpetuando desigualdades no acesso a cargos e benefícios.
Dessa forma, um processo de gasto indevido com pessoal pode refletir um resquício da lógica coronelista, onde o uso do dinheiro público não segue princípios de eficiência e impessoalidade, mas sim objetivos políticos e clientelistas, comprometendo a transparência e a legalidade da gestão pública.
Da mesma forma, em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque explica que a sociedade brasileira foi construída com base em relações pessoais e informais, onde o público e o privado se misturam. O conceito de homem cordial não significa bondade, mas sim uma forma de sociabilidade onde prevalecem relações familiares e de favor em detrimento de regras impessoais e burocráticas. Já o patrimonialismo descreve a apropriação do Estado por interesses privados, um traço herdado do período colonial e que se mantém em diversas práticas políticas.
Esses conceitos ajudam a entender o coronelismo, pois ele é um fenômeno diretamente ligado ao patrimonialismo e ao personalismo na política. No sistema coronelista, o poder político era exercido por meio de laços pessoais, em que governantes e elites locais trocavam favores, utilizando cargos públicos e recursos do Estado para atender interesses privados. Essa lógica se reflete em práticas modernas de gasto indevido com pessoal, como contratações sem critérios técnicos, pagamento de gratificações com fins políticos e manutenção de redes clientelistas.
Portanto, o coronelismo de Victor Nunes Leal e o patrimonialismo de Sérgio Buarque se encontram na ideia de um Estado que não é separado da esfera privada, permitindo que interesses políticos e pessoais se sobreponham ao bem público, o que facilita a ocorrência de irregularidades na administração de recursos públicos.
Embora as obras de Victor Nunes e Sérgio Buarque tenham sido publicadas há mais de 70 anos, as práticas patrimonialistas e coronelistas ainda persistem modernamente sob outras roupagens, desafiando o império da lei e o próprio conceito de rule of law. Por isso, devem ser combatidas com o rigor da Lei, em afirmação ao Estado de Direito.
É o caso dos autos.
III – DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS
A corte eleitoral máxima (TSE), em importante precedente, no Recurso Ordinário nº 0601501-25.2020.6.13.0000, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJe 14/05/2021, firmou o entendimento de que "a configuração de conduta vedada exige prova robusta do uso indevido de bens públicos em benefício de campanha eleitoral".
Dentro desse contexto, o TSE já decidiu que "a contratação de servidores temporários em período vedado configura conduta vedada, dispensando a demonstração de dolo ou impacto no resultado eleitoral" (RE nº 0603902-35/BA, rel. Min. Sérgio Banhos).
Na hipótese, o fato de as contratações, que ora considero ilegais, não terem ocorrido dentro do período vedado não lhes retira a relevância eleitoral, especialmente diante do modus operandi de sucessivas contratações e recontratações da mesma pessoa, bem como do substancial aumento no número de contratados e da elevação da folha de pessoal em R$ 4.994.101,74.
Trata-se, indubitavelmente, de conduta que desequilibra indelevelmente a igualdade entre candidatos.
Ademais, o conceito de "serviço público essencial", que excepciona a vedação do art. 73, inciso V, da Lei nº 9.504/97, deve ser interpretado restritivamente, abrangendo apenas serviços relacionados à sobrevivência, saúde ou segurança da população.
Assim, contratações para cargos prosaicos (motorista, vigia, etc), ainda que justificadas por lei municipal, não estão abrangidas pela exceção, conforme precedentes do TSE. Vide:
CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO EM CAMPANHA ELEITORAL. ART. 73, INCISO V, ALÍNEA "D", DA LEI Nº 9.504/97. 1. Contratação temporária, pela Administração Pública, de professores e demais profissionais da área da educação, motoristas, faxineiros e merendeiras, no período vedado pela lei eleitoral. 2. No caso da alínea d do inciso V da Lei nº 9.504/97, só escapa da ilicitude a contratação de pessoal necessária ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais. 3. Em sentido amplo, todo serviço público é essencial ao interesse da coletividade. Já em sentido estrito, essencial é o serviço público emergencial, assim entendido aquele umbilicalmente vinculado à ¿sobrevivência, saúde ou segurança da população" . 4. A ressalva da alínea d do inciso V do art. 73 da Lei nº 9.504/97 só pode ser coerentemente entendida a partir de uma visão estrita da essencialidade do serviço público. Do contrário, restaria inócua a finalidade da lei eleitoral ao vedar certas condutas aos agentes públicos, tendentes a afetar a igualdade de competição no pleito. Daqui resulta não ser a educação um serviço público essencial. Sua eventual descontinuidade, em dado momento, embora acarrete evidentes prejuízos à sociedade, é de ser oportunamente recomposta. Isso por inexistência de dano irreparável à "sobrevivência, saúde ou segurança da população". 5. Modo de ver as coisas que não faz tábula rasa dos deveres constitucionalmente impostos ao Estado quanto ao desempenho da atividade educacional como um direito de todos. Não cabe, a pretexto do cumprimento da obrigação constitucional de prestação "do serviço", autorizar contratação exatamente no período crítico do processo eleitoral. A impossibilidade de efetuar contratação de pessoa em quadra eleitoral não obsta o poder público de ofertar, como constitucionalmente fixado, o serviço da educação. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, desproveu os recursos, na forma do voto do relator. (RESPE nº 27563 - CUIABÁ - MT. Acórdão de 12/12/2006. Relator(a) Min. Ayres Britto. Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 12/02/2007, Página 135 (grifos nossos).
A vedação ao abuso de poder político e econômico está prevista no art. 22 da LC 64/90, que dipõe:
“Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito: (Vide Lei nº 9.504, de 1997)”
Trata-se, claramente, de conceito jurídico indeterminado, que pode se concretizar, na prática, por meio de diversas condutas.
Além disso, consoante o inciso XVI do art. 22 da LC 64/90, serão consideradas abusivas apenas as condutas com gravidade, que será aferida a partir de critérios qualitativo e quantitativo. Nesse sentido, precedente do TSE: AgR-REspe 151-351RN, Rei. Min. Herman Benjamin, DJE de 29/8/2016.
Diante dessas considerações, observa-se que, sob os aspectos quantitativo e qualitativo, as condutas investigadas e atribuídas ao acionado MARCONE TAVARES DE LUNA— consistentes na elevação indevida dos gastos com pessoal durante o ano eleitoral (em montante próximo a R$ 5.000.000,00), na contratação irregular de um grande número de pessoas nesse período e na prática recorrente de admitir e readmitir centenas de servidores em curtos intervalos de tempo— revestem-se de gravidade suficiente para comprometer a lisura do pleito, configurando abuso de poder político e econômico (art. 22 da LC 64/90).
Dentro dessa dinâmica, tais irregularidades beneficiaram diretamente a Sra. GLÓRIA MARIA RAMOS TAVARES, vice-prefeita eleita.
Por isso, tenho como certo que o Réu MARCONE TAVARES DE LUNA abusou do poder econômico e do poder de autoridade (ART. 22 da LC N° 64/90).
Com relação à investigada GLÓRIA MARIA RAMOS TAVARES, com base na compreensão da reserva legal proporcional, não restou comprovada a sua participação nos fatos apontados, razão pela qual se afasta a sanção de inelegibilidade, porém, sendo a ela imposta a sanção de cassação do diploma, na medida em que fora beneficiada direta pelos abusos de poder e econômico perpetrados.
Nesse sentido[7]: “Conquanto o mero benefício seja suficiente para cassar o registro ou o diploma do candidato beneficiário do abuso de poder econômico, nos termos do art. 22, inciso XIV, da LC no 64/90, segundo o qual, "além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação" , a parte inicial do citado inciso esclarece que a declaração de inelegibilidade se restringe apenas ao "representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou" (TSE - RO: 29659 FLORIANÓPOLIS - SC, Relator: GILMAR FERREIRA MENDES, Data de Julgamento: 03/03/2016, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Volume -, Tomo 188, Data 29/09/2016, Página 63/64).
IV – DISPOSITIVO
Ante o exposto, e considerando tudo o mais que consta dos autos, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE os pedidos confeccionados na presente AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO ELEITORAL, para:
a) CASSAR os diplomas dos candidatos eleitos MARCONE TAVARES DE LUNA e GLÓRIA MARIA RAMOS TAVARES, na forma do art. 22, inciso XIV, da LC 64/90;
b) DECLARAR a inelegibilidade de MARCONE TAVARES DE LUNA, pelo prazo de 08 anos, subsequentes às eleições municipais de 2024, na forma do art. 22, inciso XIV, da LC 64/90.
Tendo em vista o disposto no art. 224, § 3º, do Código Eleitoral, bem como o entendimento do STF no âmbito da ADI 5.525, promovam-se novas eleições para os cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Aurora-CE, tendo em vista que os ilícitos perpetrados macularam a legitimidade do pleito[8].
Sem custas ou honorários de sucumbência (art. 1º da Lei 9.265/96 c/c art. 4º da Resolução 23.478/16).
P.R.I.
Expedientes necessários.
Comunique-se à Câmara Municipal.
Com o trânsito em julgado, lance-se os códigos necessários nos sistemas da Justiça Eleitoral.
Expedientes necessários.
Aurora/CE, data da assinatura eletrônica.
José Gilderlan Lins
Juiz Eleitoral da 69ºZE
[1] https://resultados.tse.jus.br/oficial/app/index.html#/eleicao;e=e619;tipo=3;uf=ce;mu=13331/resultados.
[2] Primeiro colocado: MARCONE TAVARES, com 8.834 votos; Segundo colocado, ADAILTON MACEDO, com 7.851 votos.
[3] https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2023/06/28/populacao-de-aurora-ce-e-de-23-714-pessoas-aponta-o-censo-do-ibge.ghtml
[4] https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202401/ipca-chega-a-0-56-em-dezembro-e-fecha-o-ano-em-4-62-2
[5] Editora Companhia das Letras; 1ª edição (23 julho 2012).
[6] Companhia das Letras; 1ª edição (27 janeiro 2015)
[7] No mesmo sentido: (TSE - RESPE: 99219 BRASíLIA - DF, Relator: LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Data de Julgamento: 30/06/2016, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 153, Data 09/08/2016, Página 18
[8] Nesse sentido: Sobrevindo qualquer fato que acarrete o indeferimento do registro, cassação do diploma ou do mandato dos eleitos em pleito regido pelo sistema majoritário - de maioria simples ou absoluta -, independentemente do número de votos anulados, a consequência será a realização de nova eleição, nos termos do art. 224, § 3º, do CE, determinação que teve a constitucionalidade reconhecida pelo STF nas ADIs nºs 5.525/DF e 5.619/DF, ambas de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, publicadas no DJe de 29.11.2019 e 7.8.2018, respectivamente. ((Ac. de 22/4/2021 no AgR-RO-El n. 060045078, rel. Min. Mauro Campbell Marques.)