PODER JUDICIÁRIO FEDERAL
118ª ZONA ELEITORAL DE FORTALEZA CE
PROCESSO PJe Nº 0600201-63.2024.6.06.0118
REPRESENTAÇÃO (11541)
REPRESENTANTE: ELEICAO 2024 ANDRE FERNANDES DE MOURA PREFEITO
Advogados do(a) REPRESENTANTE: LUANNA PEREIRA DE FREITAS - CE44124, DAMIAO SOARES TENORIO - CE26614-B, CARLA BARBOSA GONDIM - CE33071, PEDRO HENRIQUE MARTINS ARAUJO MENEZES - CE49575
REPRESENTADO: EVANDRO SA BARRETO LEITAO
DECISÃO
Trata-se de Representação Eleitoral com pedido de tutela de urgência aforada por ANDRE FERNANDES DE MOURA em face de EVANDRO SÁ BARRETO LEITÃO, por suposta prática de propaganda irregular consubstanciada no uso indevido de Inteligência Artificial, Deep Fake, Criação de Estados Mentais e Propaganda em língua estrangeira na rede social Tik Tok.
Em resumo, alega o Representante que a propaganda apresenta as falas desses artistas internacionais alteradas/substituídas, por meio de inteligência artificial, evidenciando manipulação digital ilícita, com vistas a gerar estado de confusão mental nos eleitores.
Requer, em sede de tutela de urgência, a remoção imediata do conteúdo impugnado, além da proibição de novas veiculações do mesmo.
É o breve relatório. Decido.
A concessão de tutela de urgência, nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil, está condicionada à presença dos seguintes requisitos: probabilidade do direito (fumus boni iuris) e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora).
De início, no que concerne à insurgência do representante pelo uso de linguagem estrangeira na propaganda combatida, a atrair a incidência do art. 242 da Lei 4.737/65, não vislumbro ilegalidade capaz de justificar a intervenção desta Justiça Eleitoral.
Consoante entendimento pacífico no âmbito da jurisprudência, a vedação contida no sobredito art. 242 do Código Eleitoral tem a finalidade de preservar a soberania nacional e reprimir a intromissão de interesses ou valores estrangeiros no processo eleitoral.
No caso em análise, verifica-se que a propaganda foi veiculada com utilização de dublagem simultânea na língua portuguesa como forma de demonstrar o conteúdo da declaração. Portanto, cuida-se de mídia de fácil compreensão pelo eleitorado, sendo reproduzida no vernáculo, inexistindo malferimento às normas que regem o processo eleitoral.
Ademais, não há intenção de se exaltar valores estrangeiros em detrimento da soberania nacional, situação a qual, em princípio, dispensa a subsunção da norma que veda a propaganda em idioma estrangeiro ao caso concreto.
No mesmo sentido, confira-se os precedentes sobre a temática:
REPRESENTAÇÃO. ELEIÇÃO 2020. IMPROCEDENTE. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. VEICULAÇÃO DE VÍDEO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA. HORÁRIO ELEITORAL GRATUITO. ART. 242 DO CÓDIGO ELEITORAL. AUSENTE VIOLAÇÃO. INDEFERIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA. 1. Insurgência contra propaganda eleitoral em língua estrangeira. 2. A vedação à propaganda em idioma estrangeiro tem a finalidade de preservar a soberania nacional e reprimir a intromissão de interesses ou valores estrangeiros no processo eleitoral. 3. Ainda que expresso no art. 242 do Código Eleitoral que a propaganda "só poderá ser feita em língua nacional", na hipótese, não há intenção de serem exaltados valores estrangeiros em detrimento da soberania nacional, nem tampouco de dificultar a compreensão do eleitor, não estando presente, em cognição sumária, a probabilidade do direito. Ausente, portanto, transgressão do contido no art. 242 do Código Eleitoral. 4. Indeferimento da tutela antecipada. (TRE-CE - RP: 0601349-46.2022.6.06.0000 FORTALEZA - CE 060134946, Relator: ANTONIO EDILBERTO OLIVEIRA LIMA, Data de Julgamento: 08/09/2022, Data de Publicação: PSESS-, data 08/09/2022)
RECURSO. ELEIÇÃO 2020. REPRESENTAÇÃO IMPROCEDENTE. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. VEICULAÇÃO DE VÍDEO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA. FACEBOOK. ART. 242 DO CÓDIGO ELEITORAL. AUSENTE VIOLAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente representação por propaganda eleitoral irregular, em razão de veiculação de vídeo em língua estrangeira na rede social Facebook. 2. A vedação à propaganda em idioma estrangeiro tem a finalidade de preservar a soberania nacional e reprimir a intromissão de interesses ou valores estrangeiros no processo eleitoral. 3. Ainda que expresso no art. 242 do Código Eleitoral que a propaganda "só poderá ser feita em língua nacional", na hipótese, ausente comprometimento da compreensão dos eleitores ou exaltação de signos ou qualidades de nações estrangeiras. As falas dos empresários em língua espanhola contou com legendas em português, está bem contextualizada e limitou-se a aspectos objetivos do negócio entre os países, sem qualquer prejuízo ou transtornos à compreensão pelo eleitor ou à soberania nacional. Ausente, portanto, transgressão do contido no art. 242 do Código Eleitoral. 4. Desprovimento. (TRE-RS - RE: 06003924220206210115 condor/RS 060039242, Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 13/11/2020, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão)
Por outro lado, em relação às alterações ou modificações realizadas por inteligência artificial, sob a técnica Depp fake, após detida análise dos fatos narrados e das provas juntadas aos autos, entendo estarem presentes os requisitos autorizadores da medida de urgência pleiteada.
A Resolução TSE nº 23.610/2019, com a recente redação dada pela Resolução TSE nº 23.732/2024, objetivamente, impõe a obrigação de informar de modo explícito, destacado e acessível que o conteúdo foi fabricado ou manipulado por inteligência artificial e a tecnologia utilizada, vejamos:
Art. 9º-B. A utilização na propaganda eleitoral, em qualquer modalidade, de conteúdo sintético multimídia gerado por meio de inteligência artificial para criar, substituir, omitir, mesclar ou alterar a velocidade ou sobrepor imagens ou sons impõe ao responsável pela propaganda o dever de informar, de modo explícito, destacado e acessível que o conteúdo foi fabricado ou manipulado e a tecnologia utilizada. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)
§ 1º As informações mencionadas no caput deste artigo devem ser feitas em formato compatível com o tipo de veiculação e serem apresentadas: (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)
I – no início das peças ou da comunicação feitas por áudio; (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)
II – por rótulo (marca d’água) e na audiodescrição, nas peças que consistam em imagens estáticas; (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)
III – na forma dos incisos I e II desse parágrafo, nas peças ou comunicações feitas por vídeo ou áudio e vídeo; (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)
IV – em cada página ou face de material impresso em que utilizado o conteúdo produzido por inteligência artificial. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)
[...]
§ 4º O descumprimento das regras previstas no caput e no § 3º deste artigo impõe a imediata remoção do conteúdo ou indisponibilidade do serviço de comunicação, por iniciativa do provedor de aplicação ou determinação judicial, sem prejuízo de apuração nos termos do § 2º do art. 9º-C desta Resolução. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)
Portanto, extrai-se do sobredito normativo que o uso da Inteligência Artificial em propaganda de cunho eleitoral demanda que haja a identificação de que o conteúdo assim foi gerado ou modificado, mediante aviso no início da comunicação, por rótulo (marca d’água) e na audiodescrição.
Na espécie, a peça propagandística veiculada pelo representado não fez qualquer alusão às modificações notoriamente introduzidas por edição, que, a partir de trechos de mídia autênticos, modifica as falas de celebridades renomadas no cenário internacional, com a finalidade de aparentar o apoio de tais artistas ao candidato.
Desse modo, ante a falta de prévia advertência ao eleitor quanto à modificação empreendida, ou ainda, a ausência de rótulo (marca d’água) na mídia em questão, o que se conclui é que a propaganda combatida tem aptidão para conceber artificialmente estados mentais, emocionais e passionais no eleitorado em desfavor do Representante, violando os normativos eleitorais pertinentes.
Na mesma direção, confira-se precedente do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará:
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO CEARÁ RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO POR PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA IRREGULAR EM REDE SOCIAL. PEDIDO EXPLÍCITO DE NÃO VOTO. USO DE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. AUSENTE A INFORMAÇÃO DE QUE O CONTEÚDO FOI FABRICADO E A INDICAÇÃO DA TECNOLOGIA UTILIZADA. (...) 4. No vídeo consta pedido expresso de não voto quando em um contexto de críticas ácidas surge o questionamento “você professor, você educador, (4:34) funcionário da educação, você votaria no prefeito que não valoriza a educação?” 5. Inteligência artificial empregada para leitura de texto. Ausente a informação, de modo explícito, destacado e acessível, de que o conteúdo foi fabricado ou manipulado e qual tecnologia foi utilizada. 6. Caracterização do pedido explícito de não voto e do uso irregular da inteligência artificial a ensejar determinação de exclusão do vídeo, em 24h, das redes sociais, aplicação de multa e astreintes. 7. Recurso conhecido e provido. Sentença Reformada. (TRE-CE - REl: 06000500420246060052 BARREIRA - CE 060005004, Relator: FRANCISCO GLADYSON PONTES, Data de Julgamento: 12/07/2024, Data de Publicação: DJE-243, data 18/07/2024)
Ainda que se sustente que as mudanças promovidas se limitaram a mera dublagem dos excertos, eventualmente por ferramentas outras edição de que não seja por inteligência artificial, é necessário destacar, que o aludido art. 9º-B Resolução TSE nº 23.610/2019 trata sobre qualquer substituição, mesclagem ou sobreposição de imagens ou sons, independente da tecnologia utilizada, bastando que o conteúdo tenha sido fabricado ou manipulado, o que evidentemente é o caso da propaganda impugnada.
Portanto, a propaganda ora impugnada, sem dúvida, induz o eleitor a uma compreensão equivocada da realidade, a partir de inquestionável montagem, com substituição das falas de artistas, políticos e atletas internacionais nos vídeos, sem que tal alteração esteja explicitada no material, houve desobediência a legislação de regência, a evidenciar, neste juízo sumário de cognição, a probabilidade do direito.
Neste passo, o art. 9-C, da mencionada Resolução TSE nº 23.610/2019 destaca a vedação de utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral, o que se evidencia no presente caso.
Portanto, a propaganda questionada conduz o eleitorado a uma percepção equivocada da realidade, a partir de inquestionável edição das mídias, atribuindo manifestações inverídicas a artistas e celebridades internacionais, a evidenciar propaganda irregular e, assim, prejudicar o equilíbrio na disputa eleitoral pelos candidatos, de modo que presente o periculum in mora.
Ante o exposto, DEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA, em sede liminar, por estarem demonstrados os requisitos necessários para tanto, para que a BYTEDANCE BRASIL TECNOLOGIA LTDA, provedora e controladora do Tiktok, que removam, no prazo de 24 horas, o conteúdo no endereço da seguinte URL: https://www.tiktok.com/@evandroleitao_/video/7425033896569408773, sob pena de multa no valor de R$ 50.000,00 por cada infração, em caso de comprovado descumprimento.
Outrossim, determino ao representado que se abstenha de impulsionar outras postagens com o mesmo conteúdo aqui decidido como irregular em qualquer canal de comunicação, sob pena de multa no valor de R$ 50.000,00 por cada infração, em caso de comprovado descumprimento.
Proceda-se à citação do representado para que apresente defesa no prazo legal. Após, intime-se o representante do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL para manifestação no prazo legal.
Expedientes e intimações necessários, de ordem e com urgência.
Fortaleza-CE, data da assinatura eletrônica.
EZEQUIAS DA SILVA LEITE
JUIZ DA 118ª ZONA ELEITORAL DE FORTALEZA CE