JUSTIÇA ELEITORAL
161ª ZONA ELEITORAL DE ANAGÉ BA
REPRESENTAÇÃO (11541) Nº 0600286-44.2024.6.05.0161 / 161ª ZONA ELEITORAL DE ANAGÉ BA
REPRESENTANTE: COLIGAÇÃO UNIDOS POR MAETINGA
Advogado do(a) REPRESENTANTE: ARTHUR DE OLIVEIRA DA SILVA - BA53777
REPRESENTADO: SERGIO BARROS MOREIRA, DEZUITO DE OLIVEIRA BARROS
Advogados do(a) REPRESENTADO: MURILO CAVALCANTE DA ROCHA - BA26047, JOAO PAULLO FALCAO FERRAZ - BA46716
S E N T E N Ç A
Vistos, etc.
Cuida-se a presente de representação formulada pela Coligação UNIDOS POR MAETINGA, em face de SÉRGIO BARROS MOREIRA e DEZUITO DE OLIVEIRA BARROS, alegando, em apertada síntese, que desde o dia 05/09/2024 vem sendo veiculado um vídeo na rede social Instagram (https://www.instagram.com/reel/C_ij7BrR2xB/?igsh=NWFvb2hlbXpkbzZq), do primeiro Representado, através do perfil @sergiobarrosmaetinga, onde ele, se utilizando de fakenews, juntamente com o segundo Representado, fazem propaganda negativa da candidata da chapa majoritária da coligação representante, no intuito de ludibriar o eleitor do município de Maetinga, alegando que o Secretário Municipal de Agricultura, o Sr. Gilvan, teria ido em sua propriedade “pegar a força” um gerador de energia, utilizado para bombear a água do poço artesiano, o que é uma inverdade, já que a Secretaria de Agricultura, com a autorização do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS, estava notificando o segundo Representado para entregar o gerador instalado pelo DNOCS em suas terras, que será utilizado no Poço da Fazenda Vereda do Meio, uma vez que aquela localidade encontra-se com sérios problemas de abastecimento de água, e que, no Poço Lagoinha I, onde o segundo Representado reside, a Prefeitura já instalou poço com bomba elétrica há anos, tentando transmitir ao eleitor a ideia de que a administração pública municipal, sob a gestão da candidata à reeleição da chapa majoritária da coligação representante, Sra. Aline Aguiar, com a transferência do gerador, irá acarretar prejuízos ao segundo Representado, quando na verdade, há anos esse gerador não é utilizado, pelo fato da Prefeitura ter instalado energia elétrica naquela localidade.
Aduziu, ainda, que as falsas alegações contidas no vídeo possuem unicamente o condão de atingir a integridade do processo eleitoral, causar comoção popular e difundir notícias sabidamente inverídicas, devendo serem consideradas como totalmente mentirosas, cuja propaganda é vedada pela Resolução TSE n° 23.610/2019, conforme se depreende dos artigos 9º-C, §§ 1º e 2º ((Incluído pela Resolução TSE nº 23.732/2024) e 27, § 1º.
Postulou a concessão da tutela provisória de urgência, a fim de determinar a imediata retirada do ar do vídeo postado no perfil do primeiro Representado (@sergiobarrosmaetinga), além de que se abstenham de proceder a novas postagens de caráter negativo e falso contra a candidata da coligação representante, sob pena de multa diária no valor mínimo de R$500,00 (quinhentos reais).
Acostou aos autos documentos e a mídia do vídeo impugnado, requerendo, por fim, a notificação dos Representados, a participação do Ministério Público Eleitoral e a procedência dos pedidos.
Antes de manifestação do julgador, o primeiro Representado, através de advogados devidamente constituídos, apresentou contestação, espontaneamente, como se vê em ID 123799546, que se fez acompanhar de vários documentos, pugnando pela improcedência da presente representação, alegando, em síntese, que a questão discutida nos autos é própria do debate eleitoral e que pode ser rebatida no âmbito da própria propaganda da Representante, sendo críticas ao governo que não se resvalam na esfera pessoal.
Aduziu, ainda, que não se pode dizer que o vídeo reproduzido utilizou conteúdo sintético manipulado digitalmente, pois o fato demonstrado na peça publicitária se refere a um evento incontroverso, qual seja, o de que houve um atrito entre o segundo Representado com prepostos do Governo Municipal a respeito de um gerador de energia elétrica utilizado para bombear a água de poço artesiano, com início no dia 03/09/2024, formalizando-se a ocorrência no dia 05/09/2024, conforme protocolo nº 2024/0000523026-1, registrando o que aconteceu e a violência do episódio junto aos órgãos policiais, cujo fato verídico está sendo apurado.
Aduziu, também, que é impossível dizer ter havido, na propaganda eleitoral atacada, veiculação de “fake news” ou mesmo de informações descontextualizadas, porquanto versou sobre episódio que efetivamente ocorreu, devidamente registrado na esfera policial e no Órgão fiscalizador (Promotor de Justiça Estadual competente), cujo procedimento também está em trâmite, não havendo qualquer ofensa à honra da candidata Representante, bem como existência de propagação de fato sabidamente inverídico ou sequer descontextualizado.
Ouvido, o Ministério Público pugnou pela não concessão da liminar e pela improcedência do presente pleito, vindo-me os autos conclusos.
Em petição de ID 124067749, houve aditamento à contestação, para inclusão do segundo Representado na defesa apresentada, acostando instrumento de procuração em nome dele.
É o relatório. Passo a decidir.
A propaganda é a arte da persuasão, e, na seara política, é a ferramenta através da qual o promovente busca incutir nas pessoas a adesão às suas propostas e ideais.
Pode-se dizer que a propaganda eleitoral é livre, como enunciado no § 1º do art. 220 da Constituição da República, cuja liberdade deve ser exercida segundo os parâmetros de sua disciplina.
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.”
Vale ressaltar, no entanto, que os direitos constitucionalmente assegurados não possuem caráter absoluto e cedem ante o confronto com os demais direitos na Carta Magna consagrados. A liberdade de expressão do pensamento e da comunicação social deve ser compreendida dentro da premissa do exercício da soberania popular, que exige igualdade substantiva de oportunidades, cujo equilíbrio encontra-se regulamentado pelas restrições impostas pela legislação eleitoral, mormente para se garantir a lisura e igualdade de condições nas eleições, conforme pacífico entendimento do Tribunal Superior Eleitoral.
É lição de JOSÉ JAIRO GOMES:
“O princípio em tela adquire especial relevo nos domínios do Direito Eleitoral, já que rege diversas situações. Basta lembrar que os concorrentes a cargos político-eletivos devem constar com as mesmas oportunidades, ressalvadas as situações previstas em lei – que têm em vista o resguardo de outros valores – e as naturais desigualdades que entre eles se verificam”. (Direito Eleitoral”. Belo Horizonte, Del Rey, 2018, p.44-45.)
Daí porque o primeiro dos princípios a propósito da propaganda é o da legalidade do qual decorre os demais princípios lembrados pela doutrina.
A matéria aplicável à espécie é disciplinada no art. 57-A da Lei 9.504/1997, que prevê a possibilidade de propaganda eleitoral na internet a partir do período legal.
Nesse sentido, o art. 28 da Resolução TSE nº 23.610/19 dispõe sobre as formas em que se darão esse tipo de propaganda, e o art. 9º-C, da mesma Resolução, veda a utilização de propaganda, seja de que forma for, para difundir fatos notoriamente inverídicos e descontextualizados. Senão vejamos:
“Art. 9º-C É vedada a utilização, na propaganda eleitoral, qualquer que seja sua forma ou modalidade, de conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)
§ 1º É proibido o uso, para prejudicar ou para favorecer candidatura, de conteúdo sintético em formato de áudio, vídeo ou combinação de ambos, que tenha sido gerado ou manipulado digitalmente, ainda que mediante autorização, para criar, substituir ou alterar imagem ou voz de pessoa viva, falecida ou fictícia (deep fake). (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)
§ 2º O descumprimento do previsto no caput e no § 1º deste artigo configura abuso do poder político e uso indevido dos meios de comunicação social, acarretando a cassação do registro ou do mandato, e impõe apuração das responsabilidades nos termos do § 1º do art. 323 do Código Eleitoral, sem prejuízo de aplicação de outras medidas cabíveis quanto à irregularidade da propaganda e à ilicitude do conteúdo. (Incluído pela Resolução nº 23.732/2024)
Pois bem. Alega a Representante que a propaganda impugnada veicula notícia com o fito de causar comoção popular e difundir fato notoriamente inverídico e descontextualizado, com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral, situação vedada, como estabelece a norma do art. 9º-C, da Resolução nº 23.610/2019 do TSE.
No entanto, analisando o vídeo postado no instagram do primeiro Representado, com depoimento do segundo, noticiando fato ocorrido no dia 03/09/2024 e posteriormente no dia 05/09/2024, com agressão a sua pessoa por preposto do município de Maetinga, que foi à sua residência com intenção de retirar equipamento lá disponibilizado há dez anos, pelo DNOCS, sem documentação que comprovasse tal ordem, não verifica-se que o veiculado seja notícia notoriamente inverídica e descontextualizada, pois o documento acostado pela Representante em ID 123774749-Págs. 1/2, data de 06/09/2024, às 07:22, portanto, produzido um dia depois da veiculação do vídeo e da protocolização de Boletim de Ocorrência junto à Polícia Civil, e no mesmo dia que o segundo Representado estava em audiência virtual com o Ministério Público, parecendo-nos que tal documento foi produzido para respaldar a atitude do município em retirar o equipamento do local onde esteve durante dez anos, sem notificação prévia ao segundo Representado.
Toda propaganda visa "captar o destinatário”, toda propaganda visa convencer o destinatário e assim, sugestioná-lo. Este objetivo não é ilegal.
A propaganda visa, digamos, aliciar, o que ela não pode é se utilizar de meios inadequados na forma da disciplina legal.
Neste contexto, frise-se que o exercício da crítica é intrínseco ao debate político.
A propósito, o art. 10, § 1º, da Resolução nº 23.610/2019, é claro quando prevê que a restrição ao emprego de meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais e passionais não pode ser interpretada de forma a inviabilizar a publicidade das candidaturas ou embaraçar a crítica de natureza política, devendo-se proteger, no maior grau possível, a liberdade de pensamento e expressão.
Ademais, há de se salientar que a fala do segundo Representado em momento algum degrada ou ridiculariza a parte representante e não extrapolou os limites da crítica necessária no jogo político, portanto, dentro do limite da livre manifestação do pensamento.
Ressalte-se que é importante verificar o contexto da disputa política local, sobretudo, porque temos uma candidata à reeleição ao cargo de Prefeita. Assim, é certo haver dentro do debate político discurso de situação e de oposição, obviamente, com alusão à gestão municipal. De sorte que, as propagandas podem fazer menção a temas relevantes que estejam nas plataformas de governo, não se verificando, na propaganda impugnada, irregularidades.
Nesse sentido, decisão de Tribunal Superior:
RECURSO ELEITORAL - REPRESENTAÇÃO - PROPAGANDA ELEITORAL - CRÍTICAS A GESTÕES ANTERIORES - LINGUAGEM AGRESSIVA OU IRÔNICA - INEXISTÊNCIA DE CONTEÚDO QUE RIDICULARIZE OU DEGRADE CANDIDATOS - DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. A utilização de linguagem agressiva, irônica e que acentue as imperfeições dos candidatos, nos debates eleitorais, não configura ofensa à honra ou ridicularização, não incidindo na vedação prevista no artigo 53, § 1º, da Lei n.º 9.504/97. 2. A análise crítica de fatos relacionados a gestões anteriores, ainda que realizada com ironia e sarcasmo, num viés cômico normalmente utilizado no meio publicitário, não desborda dos limites do debate próprio dessa fase do processo eleitoral. (TRE-RN - REL: 4517 RN, Relator: RICARDO PROCÓPIO BANDEIRA DE MELO, Data de Julgamento: 27/09/2012, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 27/09/2012).
Os Representados consideram que a narrativa constante no vídeo traz temática social que deve ser divulgada na coletividade com fatos incontestáveis, sendo este também o entendimento do Ministério Público Eleitoral, que acolho, como pontuado em manifestação de ID 123987804-Págs. 2/3, “(…) Aplicando esse entendimento ao caso em tela, verifico que o vídeo acostado não reverbera fato sabidamente inverídico ou descontextualizado. Extrai-se, a propósito, dos IDs 123799548, 123799549 e 123799550 o registro dos fatos retratados pelo vídeo no âmbito da Polícia Civil e no Ministério Público Estadual. § Verifica-se, portanto, que os fatos retratados não passam de críticas feitas por um cidadão a atos de gestão, não sendo necessária a atuação do Poder Judiciário para a remoção do conteúdo. (…)”
Pelo exposto e por tudo mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS formulados na inicial, decretando a extinção do processo com resolução de seu mérito, na forma do inciso I do art. 487 do Código de Processo Civil.
Havendo recurso vertical, certifique-se a tempestividade e proceda-se a intimação dos recorridos para apresentação de contrarrazões, no prazo legal, prosseguindo, empós, com a remessa ao E. TRE/BA para análise.
Certificado o transcurso do prazo, atente-se, a Secretaria, para os procedimentos legais de impulso e posterior arquivamento do feito.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Anagé/BA, 15 de setembro de 2024.
Cláudio Augusto Daltro de Freitas
Juiz Eleitoral