JUSTIÇA ELEITORAL
063ª ZONA ELEITORAL DE CAETITÉ BA
REGISTRO DE CANDIDATURA (11532) Nº 0600154-87.2024.6.05.0063 / 063ª ZONA ELEITORAL DE CAETITÉ BA
REQUERENTE: MIGUEL GONCALVES NOGUEIRA, PARTIDO DEMOCRATICO TRABALHISTA - DIRETORIO DE CAETITE
IMPUGNANTE: PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO
Advogado do(a) REQUERENTE: JOAO CARLOS SILVA AGUIAR SORIANO - BA26650
Advogados do(a) IMPUGNANTE: VAGNER BISPO DA CUNHA - BA16378-A, CAIO RIBEIRO FONSECA - BA69192, GABRIEL JOSE OLIVEIRA BARREIRA DE ALENCAR - MG142670, RAQUEL CASTRO MONTENEGRO CERQUEIRA DE OLIVEIRA RODRIGUES - BA39412, MARCUS VINICIUS VILASBOAS ALMEIDA SILVA - BA37642, MARCELO DOMINGUES ALVES - BA55614, ROSANA ALVES DOS SANTOS - BA67687, ANDREA NAYANE GUANAIS AGUIAR GONDIM - BA53877
IMPUGNADO: MIGUEL GONCALVES NOGUEIRA
Advogado do(a) IMPUGNADO: JOAO CARLOS SILVA AGUIAR SORIANO - BA26650
Vistos, etc.
O PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO ajuizou AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE REGISTRO DE CANDIDATURA em face de MIGUEL GONÇALVES NOGUEIRA, apoiando-se, para tal fim, nas alegações fáticas e nos fundamentos jurídicos elencados na peça de ingresso, os quais serão a seguir sintetizados.
A impugnação funda-se na alegação de que candidato não cumpriu o dever legal de desincompatibilizar-se da função de Secretário de Desenvolvimento Social deste município, na exata conformidade com o que determina a legislação eleitoral que se aplica ao pleito do corrente ano de 2024.
Afirma que, em que pese o impugnado tenha apresentado a cópia do Diário Oficial do Município de Caetité, a fim de comprovar sua suposta exoneração do cargo de Secretário Municipal de Desenvolvimento Social, continuou a desempenhar funções, na mesma Secretaria, após o prazo legal de desincompatibilização exigido pela Lei Complementar nº 64/1990.
Sequenciando os fatos alega, ainda, que embora o impugnado tenha apresentado para o registro de candidatura cópia do Diário Oficial, edição 2.591, datada de 4 de abril de 2024, com o intuito de fazer prova do seu pedido de exoneração do cargo de Secretário, existe outra publicação no Diário Oficial, na edição 2.610 de 15 de abril de 2024, em que Miguel Gonçalves Nogueira foi nomeado para o cargo de Gerente de Desenvolvimento Social, na mesma Secretaria, com efeitos retroativos a 8 de abril de 2024.
Argumenta, nesse sentido, que não obstante a sua exoneração formal do cargo de Secretário, a assunção do cargo de Gerente na mesma Secretaria não configura a desincompatibilização efetiva, já que teria o impugnado permanecido na pasta, desempenhando atividades típicas de secretário.
Sobreveio aos autos peça defensiva, em que o impugnado arguiu, em sede de preliminar, a inépcia da petição inicial, alegando que a argumentação apresentada pela parte autora não se alinha logicamente com a conclusão pretendida, assentada no fato de ter reconhecido, o impugnante, a exoneração do impugnado mediante decreto e sua posterior assunção ao carto de Gerente da mesma secretaria.
Seguidamente, o impugnado assevera que observou rigorosamente todas as exigências legais referentes à desincompatibilização e argui que as alegações do impugnante carecem de fundamento jurídico adequado para justificar o indeferimento de sua candidatura.
Argumenta, ademais, que a nomeação do candidato para outra função dentro da mesma secretaria, após sua exoneração do cargo de Secretário de Desenvolvimento Social, não infringe as normas eleitorais, especialmente ao se considerar que o novo cargo detém status e atribuições distintas, não se confundindo com o anterior.
Salienta, além disso, que os "prints" e imagens apresentados pelo Impugnante carecem de robustez probatória suficiente para demonstrar qualquer irregularidade ou continuidade no exercício do cargo, com potencial de impactar ou influenciar o processo eleitoral.
Em vista do exposto, pugnou pela improcedência da impugnação ao registro de candidatura.
Arroladas as testemunhas, fora realizada audiência de instrução, em conformidade com o disposto no § 2º do artigo 16 da Lei 9.504/97 e artigo 5º da Lei Complementar nº 64/90, com a inquirição das testemunhas do impugnante e do impugnado, tendo as partes, em seguida, apresentado suas alegações finais em memoriais aos IDs 123766930 e 123765960.
Em conclusão, o Ministério Público exarou parecer, destacando que o cargo de Gerente não se equipara ao de Secretário Municipal, estando hierarquicamente subordinado a este último, e que a função de Secretário foi exercida pelo Sr. Paulo Henrique Nascimento dos Santos. Dessa forma, manifestou-se pelo indeferimento da ação de impugnação ao registro de candidatura e pelo consequente deferimento deste.
EIS O RELATÓRIO.
DECIDO.
A presente decisão se pauta na análise da desincompatibilização exigida pelo art. 1º, IV, "a", c/c o III, "b", 4, da Lei Complementar nº 64/1990. A referida legislação estabelece a necessidade de afastamento de cargos e funções públicas para candidatos em condições específicas, com o objetivo de garantir a isonomia e a lisura do processo eleitoral.
Consigne-se, por inadiável, que, nos termos do parágrafo único do artigo 7º da Lei Complementar nº 64/90, ao Juiz ou Tribunal é conferida a prerrogativa de formar sua convicção pela livre apreciação das provas, levando em conta os fatos e circunstâncias evidenciados nos autos, ainda que não tenham sido articulados pelas partes, possuindo o dever, que pela lei lhe é conferido, de expor os elementos que fundamentaram o seu convencimento.
Dito isso, e atendendo à preliminar de inépcia arguida em sede de contestação, examino que, à luz do princípio da boa-fé processual e da clara higidez da peça exordial, a qual, como se constata, não incide em nenhuma das hipóteses do artigo 330, §1º, do CPC, REJEITO a preliminar suscitada pelo impugnado, uma vez que o que este considera como sendo uma construção ilógica dos fatos e do pedido do impugnante configura, na realidade, o substrato fático que fundamenta a petição inicial.
Tal assertiva se revela de maneira particularmente clara quando se analisa, sob uma perspectiva semântica, o conceito de desincompatibilização eleitoral, o que passo a elucidar ao adentrar no MÉRITO da questão, cabendo-me acentuar que em nenhum momento se reconheceu na petição de ingresso a desincompatibilização completa do impugnado, haja vista que resta demonstrada uma desincompatibilização apenas de direito, formal, expressa em um decreto de desincompatibilização, quando o que a lei regente exige não é somente uma desincompatibilização de direito, mas sim desincompatibilização total, absoluta, de direito e de fato.
Na realidade, o impugnado, ao deixar o cargo tão somente de maneira formal, passa ao largo dessa última, a desincompatibilização de fato, posição reveladora de desprezo, senão menoscabo, ao dever jurídico que lhe incumbia de também se desincompatibilizar de fato do cargo de secretário, situação que não ocorreu, desenganadamente, tendo em vista tudo o que se evidencia através da prova documental, em associação com a prova testemunhal, extraindo-se do conjunto, sem esforço, que o impugnado, deixou a secretaria de desenvolvimento social deste município apenas aparentemente, constituindo-se sua conduta, ao que concluo de mero disfarce para poder, com esse proceder utilizar-se, em vezes muitas, da estrutura da secretaria de desenvolvimento social para se autopromover e praticar atos de cunho político-eleitoral, com o que, também beneficiou outros candidatos.
Reitero, ainda, com espeque no conjunto probatório, que o impugnado não observou, com a sua continuidade na mesma secretaria de desenvolvimento social, aquele dever fundamental, indeclinável, de se afastar por inteiro do órgão municipal em apreço, tendo em vista que, deixando, tão só por aparência, o exercício do cargo de secretario, passou, a exercer o outro, no computo da mesma pasta, com o nomen juris de gerente, quando, a luz do sempre lembrado conjunto probatório, jamais deixou de ser secretário de fato, posto que entendeu como sua cadeira cativa aquela própria de secretário de desenvolvimento social do município de Caetité, como efetivamente o fez somente deixando aquele “assento", que lhe parecia permanente, só a deixando, no mês de julho, três meses antes do pleito que se avizinha, em afronta direta e franca, a legislação que rege a matéria, arredando-se, também, da jurisprudência predominante, consoante está exposto em linhas subsequentes.
“O instituto da desincompatibilização de cargos públicos, disciplinado na LC nº 64/90, tem por escopo assegurar a paridade das armas entre os candidatos, de forma a se garantirem a normalidade e a legitimidade do pleito. [...]” (Ac. de 6.5.2021 no AgR-REspEl nº 060013315, rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto.)
Depreende-se que a legislação impõe ao candidato a desincompatibilização efetiva de suas funções, com o propósito de obstar a utilização indevida ou a influência do cargo para benefício próprio, o que poderia minar a equidade do processo eleitoral e provocar um desequilíbrio entre os competidores.
Partindo desse pressuposto, coloco-me em dissenso com o parecer do Ministério Público, sob o ID 123801976, não por ter sido apresentado a destempo, depois de o cartório ter certificado no ID 123794827 o decurso do prazo para o Ministério Público se manifestar nesses autos, porém, cumpre-me acentuar que daquele parecer ministerial me afasto, não no aspecto formal, ou da extemporaneidade, mas, exclusivamente, quanto ao conteúdo e conclusão.
A decisão que ora se profere se alicerça, inicialmente, no exame do decreto que nomeou o impugnado para o cargo de gerente da mesma Secretaria da qual saíra como seu Secretário. Embora a função de gerente não seja análoga a de Secretário, dado que a estrutura administrativa não comporta a coexistência de dois Secretários para uma mesma pasta, tal posição permitiu ao impugnado a perpetração de atos e condutas inerentes ao cargo de Secretário, realidade essa que suscita a hipótese de uma tentativa de elusão ao instituto da desincompatibilização.
Infere-se que, consta nos autos prova idônea e suficiente que evidencia a continuidade no desempenho das atividades inerentes às atribuições do cargo de Secretário Municipal, demonstrando que o impugnado permaneceu, de fato, vinculado ao referido cargo, mesmo que tenha se desvinculado formalmente na data exigida.
Há de ser ressaltado a ascendência do gerente em relação aos subordinados daquela secretaria, mesmo após a suposta desincompatibilização do cargo de secretário, haja vista a sua posição de relevo em relação aos funcionários vinculados à pasta, que a ele se reportam.
Tal constatação ficou seguramente lastreada por publicação (ID 123207011) datada do dia 05/07/2024, realizada no perfil do Instagram pelo suposto substituto Paulo Henrique Nascimento, que estaria a ocupar, naquele momento, o cargo de secretário deixado por Miguel no mês de abril, se referindo ao impugnado com a seguinte fala: “Hoje nos despedimos do melhor secretário de Desenvolvimento Social que Caetité já teve a honra de ter, @miguelnogueiraassistentesocial. (...)dar continuidade ao trabalho que você vinha desempenhando vai ser um desafio, rs. Boa sorte em sua nova ornada, muitas coisas boas estão por vir!”
Em seu depoimento publicado na data em que Miguel estaria, teoricamente, se despedindo do cargo de gerente em 05/07/2024, Paulo Henrique, na condição de secretário, deixa claro que vai ser um desafio dar continuidade ao trabalho que Miguel vinha desempenhando, de a revelar, explicitamente, que o impugnado não deixou de desempenhar o seu trabalho como secretário, pois o intitulava e tratava como tal até aquela data, tempo em que, competiam-lhe as atribuições de gerente. A propósito coloca-se em relevo o tempo do verbo utilizado por Paulo Henrique: “vai ser um desafio”; expressão que demonstra que enfrentaria desafio a partir daquele momento, e não anteriormente, como já deveria de ter ocorrido.
Não se pode desprezar o aproveitamento do impugnado, nos eventos que participou, no que pertine aos seus efeitos, a autopromoção e a estrutura da administração pública, sendo muitos deles oficiais, tais como a reinauguração da casa da gestante e o evento ocorrido no teatro João Gumes para entrega de títulos da REURB, evidenciando uma notoriedade no desempenho da função, de modo assíduo, cuja posição de destaque e liderança demonstram, aos espectadores e, consequentemente, ao eleitorado, a continuidade do vínculo mantido com a secretaria, que, durante quase quatro anos comandou, o que desequilibra a condição de igualdade entre os candidatos que não gozam dessas mesmas prerrogativas.
Verifico, dessa forma, que o requerido se manteve atuante nos eventos que envolviam a secretaria, de maneira a se concluir que, se não esteve ali na condição de secretário, ao menos logrou da posição de gerente para ocupar espaços de destaque dentro da mesma pasta, todos eles, divulgados em publicações em suas redes sociais, o que, repito, desvela vinculação, de fato, ao aludido cargo de secretário.
Essa posição de destaque e liderança, ostentada pelo impugnado, mesmo que em um cargo formalmente distinto, mas na mesma secretaria que chefiava, facilita a captação do eleitorado dentro e fora da administração pública e afeiçoa em burla ao instituto da desincompatibilização de fato, o qual pressupõe o afastamento efetivo do candidato de suas funções habituais, transcendendo o mero desligamento formalmente operado.
É sabido que a desincompatibilização, na forma como preconiza a Lei Complementar nº 64/90 implica no afastamento total, de fato e de direito. Nesse aspecto, como pontuou o Min. Edson Fachin no julgamento do REspEl: 06001656620206130150, “A jurisprudência deste Tribunal Superior Eleitoral amiúde analisa hipóteses concretas nas quais há desincompatibilização formal de cargos e funções públicas, em relação a todos os vínculos jurídicos com a Administração Pública, mas há permanência na prática dos atos e tarefas dos quais o candidato deveria se afastar. Trata-se de hipótese de ausência de desincompatibilização de fato.”
Assim sendo, considero suficientemente comprovado que o impugnado não se afastou, definitiva e totalmente, das atividades que exercia enquanto secretário, no prazo exigido pela legislação para desincompatibilização, de modo que a função de gerente, na mesma pasta, durante os dois meses que sucederam a exoneração do cargo de secretário serviu para macular a atuação do impugnado, que manteve sua participação ativa nas atividades desempenhadas como chefe da pasta.
Além das provas serem robustas, a situação já comprovada constitui fato a que se pode chamar de notório, uma vez que circula pelos quadrantes do município a muito tempo, por assim dizer, dando conta da presença do impugnado à frente da secretaria, mesmo após a desincompatibilização de direito.
No que compete aos depoimentos testemunhais coletados em audiência, impende, a princípio, refutar o pedido de desconstituição dos depoimentos testemunhais produzidos na instrução processual, de vez que não foi comprovada nenhuma das causas de suspeição ou impedimento dos depoentes, previstas na norma processual vigente.
Tanto assim é, que, todos os depoentes, de ambos os lados, possuem vinculação profissional com integrantes dos partidos aos quais as partes estão coligadas, de modo que a alegação genérica de interesse e a ausência de provas substanciais que demonstrem qualquer forma de coação ou manipulação por parte dos depoentes, ratifica a validade dos depoimentos prestados.
Cumpre salientar, ademais, a descabida tentativa de desqualificar os depoimentos das testemunhas Ayrton Fraga Teixeira Cruz e Daniel Nunes Rodrigues, ambos advogados de notório prestígio no exercício de suas funções forenses, o que evidencia o caráter injustificado dos ataques a eles dirigidos.
Outrossim, a prova testemunhal alinha-se e reforça o conjunto probatório já carreado aos autos, na medida em que atesta a presença do impugnado em eventos públicos, com aparência de representante da Secretaria de Desenvolvimento Social.
Relativamente quanto à fotografia que apresentei na audiência de instrução não tem ela nenhuma força probante, mas simplesmente, ilustrativa, não sendo, por tal motivo, utilizada como prova neste processo.
A título de epílogo, tenho que a situação fática evidencia um quadro em que o impugnado, embora formalmente requeira o afastamento do vínculo com a Administração Pública no prazo estipulado em lei, continua a frequentar o ambiente público onde desempenhava suas funções, como também a realizar as mesmas atividades que sempre realizou como secretário, esvaziando a essência do instituto da desincompatibilização, que se revela apenas formal.
Com efeito, esse conjunto de circunstâncias é, por si só, a projeção de que não houve a desincompatibilização efetiva do cargo anteriormente ocupado pelo impugnado, mas sim um expediente jurídico que buscou conferir aparência de legitimidade ao ato formal de afastamento do cargo de Secretário, de modo que, ignorar tais questões relevantes equivaleria a admitir a falência do instituto da desincompatibilização, comprometendo sua eficácia e a primordial finalidade de assegurar a equidade no processo eleitoral.
Portanto, considerando a ausência de desincompatibilização de fato efetiva, conforme exigido pela legislação, a impugnação deve ser acolhida, como assim a concebo.
Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a Ação de Impugnação de Registro de Candidatura formulada pelo PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO – PSB e, por conseguinte, INDEFIRO o registro de candidatura de MIGUEL GONÇALVES NOGUEIRA, para concorrer ao cargo de vereador nas eleições municipais de 2024, no Município de Caetité/BA.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Caetité - BA, 11 de setembro de 2024.
Bel. JOSÉ EDUARDO DAS NEVES BRITO
JUIZ ELEITORAL – 63ª ZE/BA